Thursday 20 September 2012

Agenda ambiental mais perto da social

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Agenda ambiental mais perto da social

Silvio Caccia Bava
do Le Monde Diplomatique Brasil
Em entrevista, o economista político Patrick Bond, diretor do Centre for Civil Societyda Universidade de KwaZulu-Natal, em Durban (África do Sul), e ativista de movimentos sociais, defende que a construção de cidades sustentáveis passa pelaaliança da agenda ambientalista com a da justiça social.
Crédito: Mark Eslick/Flickr.
Le Monde Diplomatique Brasil – Gostaria de começar perguntando o que você entende por sustentabilidade, o que isso significa.
Patrick Bond – O significado clássico, formulado há 25 anos pela comissão Brundtland, fala que os direitos das gerações futuras não devem ser comprometidos pelo que fazemos hoje e que é fundamental que os direitos das pessoas pobres sejam colocados em primeiro lugar. Ao lado da opção preferencial dos pobres, comoLeonardo Boff e a Teologia da Libertação pregam, está o limite ecológico ao crescimento, causado por formas organizacionais tecnológicas e sociais.
Entendemos claramente o que é insustentável e insustentabilidade, mas não está claro o que é sustentabilidade, entendida de várias maneiras. Como você prefere lidar com o tema?
Há dez anos recebemos a Rio+10 em Johannesburgo. E uma das revelações mais interessantes foi o entendimento da cooptação corporativa. As empresas usavam as palavras “desenvolvimento sustentável”, mas o que queriam dizer era muito diferente. O lucro, a autorregulação, o comércio injusto foram travestidos sob a denominação da economia verde, que transforma a natureza em uma commodity. Sentimos isso dez anos atrás com algo que vocês conheceram na América Latina – a privatização da água nas cidades. Johannesburgo foi um dos principais locais de resistência e, finalmente, essa empresa francesa [Suez] foi expulsa em 2006 por causa das manifestações em Soweto.
Também sentimos isso com a privatização do ar nas cidades, ou seja, o mercado de carbono, porque o programa piloto em 2002 foi em Durban, onde eu morava. O metano é proveniente de lixo podre, e querem capturá-lo e transformá-lo em energia elétrica. Descobrimos na época que a visão de sustentabilidade deles estava completamente oposta à dos ativistas sociais que viviam naquela área. A proposta destes era fechar o lixão, porque era um lixão de apartheid. E o Banco Mundial veio dizer que não, que seria sustentável manter o aterro, mas apenas para capturar o metano e transformá-lo em energia elétrica para o mercado de carbono. Foi lá que o desenvolvimento sustentável, na visão do Banco Mundial, se transformou em uma iniciativa de privatizar o ar e a água, isso em um lugar como Johannesburgo, a cidade mais desigual do país, mais desigual do mundo, porque já ultrapassamos o Brasil.
proposta da economia verde está em um ambiente de tanto conflito que eu volto ao que Brundtland disse: não se trata só da capacidade de as gerações futuras satisfazerem suas próprias necessidades; primeiro você atende às necessidades essenciais dos pobres do mundo, essa é a prioridade absoluta.
Devemos repensar nossas cidades enquanto uma fonte de produção capitalista, geralmente para as exportações. Será que o trabalho e as pessoas que vivem ali também não são considerados commodities, assim como a natureza?
Ouvimos na Rio+20 de Leonardo Boff que não é viável unir desenvolvimento e sustentabilidade. Precisamos separar esses conceitos e lidar com eles isoladamente. Você concorda com isso?
Concordo, especialmente se considerarmos que o desenvolvimento seja o crescimento capitalista, baseado em altos níveis de consumo.
Levando em conta esse cenário, é possível pensar em cidades sustentáveis hoje?
Bem, se pudermos reestruturar a cidade para ser não apenas um centro de lucro… O que precisamos considerar é que as cidades já se tornaram enormes favelas, especialmente as megacidades africanas, que não têm muita indústria e onde o proletariado é muito pequeno; esse precariado enorme teve apenas essas favelas terríveis para ocupar; temos um verdadeiro planeta das favelas. E esses são lugares horríveis, obviamente, que podem ser só parcialmente humanizados pelo ativismo social. Precisamos de maiores níveis de planejamento ambiental, informado por pessoas pobres e da classe trabalhadora e suas organizações.
Agora temos alguns exemplos maravilhosos. Em Durban, minha cidade, a cidade com o maior número de pessoas HIV positivo no mundo, há dez anos os medicamentos custavam US$ 15 mil por ano, e poucos tinham acesso a eles. Hoje temos um planejamento medicinal que permite que 1,5 milhão de pessoas recebam os medicamentos gratuitamente. Com a propriedade intelectual afrouxada graças aos esforços do governo brasileiro e ao fornecimento de medicamentos genéricos, conquistamos esse direito. Os ativistas lutaram arduamente contra os Estados Unidos, a Organização Mundial do Comércio e as farmacêuticas. Fomos capazes de conseguir isso.
Então é um momento excepcionalmente rico da história, começando com os brasileiros e seu movimento contra a ditadura, a CUT, e depois o PT e o MST e os movimentos sociais urbanos ajudando-nos a entender como avançar, assim como os zapatistas o fizeram, assim como fez o movimento de justiça global contra a Organização Mundial do Comércio, em Seattle, assim como nossos ativistas da Aids na África do Sul.
As elites não têm possibilidade de planejamento. Ideologicamente, estão entre neoliberalismo e neoconservadorismo. Quando o 1% falha, temos uma opção, que envolve o poder social e o poder autônomo, mas também exige o financiamento e o planejamento do governo e um relaxamento do poder corporativo. As corporações, obviamente, têm de ficar para trás, como fizeram com a crise da aids.
Você conhece algum lugar na Terra onde haja uma cidade sustentável?
Não, as cidades sustentáveis vão ser a última conquista, porque é nas cidades que o capital tem seus bastiões nas fábricas, suas plataformas de exportação e seu poder político. Mas é também nelas que o combate intenso está acontecendo. Temos exemplos do transporte em Curitiba ou em Porto Alegre, dos orçamentos participativos, que nós admiramos. Mas criar uma aliança de pessoas pobres e trabalhadoras e, além disso, ter uma perspectiva ambiental é profundamente difícil.
As cidades são a plataforma para o capitalismo mundial. Se quisermos um movimento urbano ecossocialista mundial, vamos ter de trabalhar muito. Mas os sinais de que isso pode ser feito se mostram em todos os lugares, especialmente nos grandes espaços públicos.
Quais sinais?
Na Praça Tahrir, por exemplo, nos movimentos Ocupar, em toda a América do Norte e na Europa, que se desdobraram em debates sobre sustentabilidade. Seu primeiro objetivo é despertar as sociedades que estão dormindo ou sem poder, também chamadas quiescentes; não são sociedades ativas. Uma sociedade como os Estados Unidos não teve nenhuma experiência democrática. Seu Congresso é controlado e comprado pelas corporações. Então o que eu achei brilhante no ano passado foi 40% de uma sociedade reacionária ter despertado e apoiado o movimento Ocupar. Isso é maior do que o Tea Party e pode se traduzir, numa próxima fase de organização, em movimentos para tomar as cidades, tomar espaços nas cidades, invocando um verdadeiro direito à cidade.
Você está sugerindo que as cidades sustentáveis podem ser construídas nesse cenário maior de hoje?
Sim, temos de construir e reconstruir as cidades. As forças mais avançadas, inclusive a Confederação Nacional de Trabalhadores Metalúrgicos da África do Sul, estão tentando entender como podemos mudar nossas cidades, em termos de sistemas de energia, de transporte, de produção ou sistemas agrícolas e alimentares. Nosso consumo, nosso descarte, nosso financiamento. Essas questões só podem ser respondidas quando houver mais trabalhadores ativos exigindo mais empregos nesses setores, como a eletricidade solar, e menos empregos nas usinas termelétricas de carvão. Ou em indústrias automobilísticas que apenas constroem carros de luxo, que é o problema sul-africano. Esses são os tipos de transição que, se os trabalhadores se unirem com a comunidade e os ambientalistas, podem ser aprofundados.
O que eu queria dizer com o exemplo de Johannesburgo é que não tivemos essa unidade. Tivemos os verdes dizendo que querem salvar o meio ambiente, e os vermelhos, a justiça social, dizendo que querem o trabalho e a comunidade. É a fusão do verde e do vermelho que precisamos fazer.
Nossas lutas para a sustentabilidade urbana na África do Sul, hoje, estão entre as mais altas taxas de protesto no mundo, um protesto constante, trinta ou quarenta por dia. Tais manifestações são em defesa da água, da eletricidade, dos serviços urbanos, como bens públicos. Eu sempre vejo a luta pela sustentabilidade do ambiente doméstico como uma parte central da possibilidade de tornar as cidades mais justas. Mas nosso problema é que a ideologia e a organização, a liderança e a coerência de um movimento não chegaram.
Os exemplos que tivemos quando olhamos para a América Latina continuam a nos inspirar. Vocês construíram os movimentos sociais com maior escopo, escala e visão estratégica, e de forma democrática. Vocês estão bem à frente de nós. Então vocês do Brasil também têm de ajudar a articular o caminho.
É a visão de Henri Lefebvre e de David Harvey − orientador do meu doutorado −, que dizem que o direito à cidade é muito mais do que os serviços municipais individuais, a habitação a ser construída, a creche ou o espaço para mulheres no metrô no Rio. Essas são as coisas que cada movimento tem de exigir e ganhar, pouco a pouco. Mas o ponto crucial para eles é quando essas demandas, pequenas e incrementais, aumentam até o ponto em que o sistema capitalista diz: “Desculpe, mas não vamos aceitá-las”.
É preciso o otimismo da vontade. Todas as revoluções no último século e meio vieram quando as exigências de baixo podiam ser realizadas, mas o bloco dominante não desiste, porque sente que, enquanto as demandas crescem, seu próprio poder de reproduzir a sociedade à sua imagem está ameaçado. Esse é nosso trabalho, é ameaçar esse poder. E eles estão muito fracos agora.
A coisa em que eu mais acredito é que precisamos ligar os pontos entre os movimentos como estes daqui e os da minha cidade, Durban. Não apenas falar sobre as necessidades de nossa habitação, de água, nossas necessidades de saúde, mas ligar os pontos.
A maior decepção no Brasil é com o Fórum Social Mundial, que deveria ser o lugar onde poderíamos fazer isso em escala mundial, mas ainda não encontrou a fórmula que nos permita dar um empurrão progressista e coerente no mundo. Por um momento eu pensei que seria possível: era fevereiro de 2003. Todos em Porto Alegre disseram que deveríamos acabar com a guerra de George W. Bush contra o Iraque. Tínhamos 15 milhões de pessoas se manifestando nas ruas em todo o mundo. Mas depois perdemos a visão do trabalho de uma unificação estratégica global. Agora eu acho que talvez estejamos recuperando isso, porque a justiça econômica e o direito à cidade, o direito à Praça Tahrir, o direito ao Parque Zuccotti em Nova York ou o direito à Catedral de St. Paul, na cidade de Londres, ou centenas de outros, são agora objeto de uma contestação fantástica. Estamos vencendo parcialmente nesses lugares.
Mais do que nunca estamos tomando o espaço urbano, que tem tantas possibilidades. Mesmo durante um período em que o capitalismo urbano neoliberal esculpe e espia o espaço com as televisões de circuito fechado, policiando-o, ainda estamos fazendo incursões que eles têm dificuldades reais de controlar.
Você entende que já temos todas as soluções tecnológicas para resolver os problemas e precisamos da revolução política?
Não podemos ir tão longe assim, porque os maiores avanços tecnológicos têm sido suprimidos. E esses são as energias renováveis e o transporte público. Foram reprimidos pela indústria de combustíveis fósseis com fins lucrativos e pela indústria automobilística com fins lucrativos. Precisamos voltar aos sistemas mais integrados e de base comunitária, nos quais as pessoas se conhecem e se amam, em vez de serem isoladas, atomistas; os trabalhadores competitivos se transformarem em uma colmeia.
O elemento que falta quando falamos de justiça climática é a capacidade dos jovens de dizer às pessoas mais velhas: vocês realmente ficarão nos devendo essa dívida climática, porque vocês nos deixaram, como Gro Harlem Brundtland advertiu, um futuro insustentável. Vocês nos impediram de viver uma vida plena e decente, por ocuparem demais o espaço de carbono. Esses são os desafios maravilhosos que pedem e exigem de nós pensar grande e ligar os pontos, para integrar o social e o ecológico, e politicamente misturar o vermelho e o verde, para que tenhamos uma abordagem saudável e unificada.
Quando se tem uma crise na qual o sistema financeiro obtém todo o dinheiro público para seu socorro, obviamente não vai haver muito mais dinheiro para mudar nossa energia, transporte, sistemas agrícolas e urbanos e sistemas de produção da maneira necessária. Assim, a luta contra os banqueiros parece estar presente na agenda de muitas pessoas.
Meu grande medo é que o Brasil, como foi decidido na reunião do G20, faça parte do refinanciamento do FMI. Serão cerca de US$ 100 bilhões vindos dos Brics – a África do Sul acaba de colocar US$ 2 bilhões –, o que significa que estamos nos colocando contra os trabalhadores e os pobres da Grécia. E quanto mais precisarmos obter esse dinheiro de volta por meio do FMI, mais nossos Brics e nossos países de renda média se tornarão subimperialistas, fazendo o trabalho sujo e financiando as instituições imperialistas. Esse é o perigo.
Isso significa aplanar as aparentes contradições, mas não alterar as relações de poder. Por exemplo, a lógica interna do controle imperial francês e norte-americano do Haiti ou do FMI não muda em nada. Quando você tem brasileiros que ajudam a articular isso, então é mais perigoso, porque, assim como os sul-africanos que entram nessas instituições, isso lhes dá a credibilidade que lhes falta. Portanto, temos um trabalho para os movimentos urbanos no Brasil: manter um olho no que o Brasil faz regional e globalmente. O mesmo vale para a África do Sul.

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