Thursday 31 March 2016

ELEIÇÃO UFMT

03.04.2016 | 03h00
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Os desafios da UFMT

O próximo reitor deverá ter profundas vivências no âmbito local e simultaneamente internacional, articulando saberes



Fortes esperanças foram depositadas para este século 21, com propostas de agendas, guinadas conceituais, vivências exitosas ou a busca da luz do fim do túnel, já que para muitos havíamos atingido o fundo do poço com o esgotamento dos paradigmas da Modernidade.

Contudo, continuamos vivendo um período conturbado, com discórdias entre judeus e palestinos, desacordos na Síria, ou conflitos na Grécia, entre outros dilemas internacionais.

Mesmo com o florescer da primavera árabe, Paris foi tida como a “capital do mundo”, desfilando negligência na política de migração. Privilegiou-se a colonização e o controle sobre os países vulneráveis, com horrores que pareciam ser inevitáveis.

Neste momento de esgotamento dos paradigmas e de catástrofes socioambientais na humanidade, a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) não é uma ilha isolada de um continente em crise, mas recebe, e também emite, os reflexos da civilização e da barbárie


O contexto da liberdade de expressão dividiu as opiniões e muitos argumentaram “Je ne suis pas Charlie”, em protesto à política de migração da Europa, e não somente na França.

De golpe em golpe, assistimos recentemente cerca de duas milhões de pessoas nas ruas brasileiras (março 2016), que sob a metáfora da corrupção, reivindicavam a “ordem e o progresso” na tutela do militarismo.

Não se pode negar a força do movimento, ainda que seja bastante difícil compreendê-la, muito menos defendê-la.

Neste mesmo período, testemunhamos o pior prejuízo socioambiental no cenário brasileiro, quando a barragem da Samarco arrebentou não só os estados de Minas Gerais e Espírito Santo, mas todas as bordas e não-bordas de um dramático dilema socioambiental sem fronteiras.

Neste momento de esgotamento dos paradigmas e de catástrofes socioambientais na humanidade, a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) não é uma ilha isolada de um continente em crise, mas recebe, e também emite, os reflexos da civilização e da barbárie.

A fase atual é demarcada pela política eleitoral que vai decidir os rumos da governança num período de quatro anos.

O próximo reitor deverá ter profundas vivências no âmbito local e simultaneamente internacional, articulando saberes, conjugando cenários que consigam traduzir as necessidades locais de uma universidade frente aos desafios do século.

De graduação, pós-graduação, docência, vivência comunitária e investigação científica, a academia deve romper com o binarismo do “ou isso ou aquilo”, ousando a sensata política de uma universidade capaz de produzir saberes, mas que também consiga respeitar a existência de outros saberes.

O cartesianismo orienta a dualidade, mas é inegável que o papel da universidade é “isso e também aquilo”, da produção das ciências com qualidade, que consiga promover a inclusão social.

Da pesquisa ética que considere as lutas sociais, da docência engajada que não fuja da realidade, mas, sobremaneira, que acate um currículo diversificado e fenomenológico.

É necessário desenhar uma política de inclusão social que não se limite aos projetos do governo federal, mas que também crie e recrie as políticas de inclusão dos grupos vulneráveis.

E também é preciso incentivar os projetos da educação popular, das vivências de extensão e das conexões com os movimentos sociais no exterior da UFMT.

Necessitamos de reflexão acadêmica, que consiga subsidiar nossos pensamentos, ações e sensações. Não se trata de remeter ao positivismo e a resolução de problemas, mas essencialmente de compreender o momento que nos absorve.

E para isso, é preciso romper com a falsa dualidade entre as ciências e a justiça social, assumindo que nenhum sujeito é neutro à construção de uma universidade tecida em múltiplas dimensões.

Portanto, meu voto pertence à CHAPA 2, com Paulo Teixeira e Sérgio Allemand, porque conseguem responder aos desafios de uma era, e é vital compreender o que estamos vivenciando, refletindo as ações de mudanças para que a ética consiga ser vitoriosa sobre os destinos da vida por meio de um esperançoso devir.

MICHÈLE SATO é doutora em Ciências, com dois estágios de pós-doutorado em educação no Canadá e na Espanha. É professora efetiva do Instituto de Educação da UFMT desde 1995.


CHAPA 2!

Com Paulo Teixeira e Sergio Allemand
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Friday 11 March 2016

Os desastres em uma perspectiva antropológica

com ciencia
labjor
http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=121&id=1469

Artigo
Os desastres em uma perspectiva antropológica
Por Renzo Taddei
10/03/2016
Um traço peculiar do imaginário brasileiro, ou pelo menos daquele mais presente nos principais centros de produção midiática (Rio de Janeiro-São Paulo-Brasília), é a ideia de que “no Brasil não tem desastre”. Uma piada muito difundida no passado, e ainda presente na memória das pessoas e na internet, diz que, frente à indagação do anjo Gabriel sobre a razão pela qual Deus teria poupado o Brasil dos desastres naturais, quando da criação do mundo, este teria respondido que desastroso seria o povo que ele colocaria aí. Racismo ou “complexo de vira-latas” (Rodrigues, 1993) à parte, a ideia de um Brasil sem desastres é tomada aí como senso comum, como elemento de obviedade na elaboração da anedota (Taddei, 2014a).
Ocorre, no entanto, que os desastres são parte da relação entre humanos e o meio ambiente no Brasil desde pelo menos os primeiros anos de colonização. De acordo com o historiador Raimundo Girão, Pero Coelho de Souza, o primeiro português a tentar estabelecer-se no Ceará, em 1603, foi obrigado a retirar-se, poucos anos depois, em função da estiagem. Os registros históricos dizem que, na empreitada, perdeu sua fortuna e filhos seus morreram de fome e sede (Girão, 1985, p. 69). Esse não era o primeiro desastre do continente: acredita-se que as secas foram fator fundamental para o colapso do império Maia (Webster, 2002), na região do sul do México, cinco séculos antes de espanhóis e portugueses cruzarem o Atlântico. E também não seria o último em solo brasileiro, como bem sabemos.
Frente a esse panorama, uma contribuição possível das ciências sociais aos estudos dos desastres é a tentativa de responder à pergunta: o que constitui um desastre, e como tal forma de pensamento está embutida na realidade social e política brasileira?
O que é um desastre
Uma definição de desastre bastante utilizada nas ciências sociais é aquela que sugere que o desastre é um acontecimento que desorganiza a ordem social, cultural, econômica e política de uma coletividade, a ponto de que esta não é capaz de reorganizar-se de forma espontânea e autônoma (Blakie et al apudBriones, 2010). Ainda que essa forma de entender o desastre seja instrutiva, não é incomum que ela seja entendida como sugerindo que o desastre sempre vem “de fora”, da natureza, e é exógeno ao meio sociocultural. Essa abordagem reproduz a ideia de que se trata de uma questão de domínio humano sobre a natureza; quando as coisas saem do controle, evidenciam-se os limites de tal domínio, e a natureza mostra sua força.
Para entendermos por que essa conceituação é limitada (e limitante), tomemos o exemplo das secas, sem dúvida o desastre mais comum e recorrente em território brasileiro: o que exatamente vem de fora para desorganizar as coisas? Vejamos: a caatinga, ecossistema dominante no chamado “polígono das secas” do Nordeste, é formada sobretudo por vegetação xerófila, aquela capaz de sobreviver em situação de escassez extrema de água. Se indagarmos nossos colegas botânicos e biólogos qual o tempo necessário para que os organismos se adaptem a um ecossistema, através dos processos de geração de novas espécies e seleção natural – o mesmo que supostamente gerou a vegetação xerófila da caatinga –, eles nos responderão que se trata de um processo longo, de milhares de anos. Ou seja, a existência de vegetação xerófila na caatinga evidencia que os períodos longos de estiagem ocorrem aí há milênios. Nessa perspectiva, um período longo sem chuvas não é novidade alguma na região.
E qual a forma mais universalmente disseminada de convivência dos seres vivos com ecossistemas áridos e semiáridos? O nomadismo, a migração sazonal, em todas as suas variações possíveis. Animais e populações indígenas moviam-se no território de modo a tentar adaptar-se à periódica escassez de chuvas. Uma novidade trazida pelos portugueses, no entanto, o conceito de propriedade privada, mostrou-se incompatível com tais práticas adaptativas. O estabelecimento das fazendas e dos núcleos permanentes de povoamento expôs a população a uma rigidez espacial inconciliável com os fluxos e variações climáticas da região. Adicionalmente, a fartura dos anos de chuvas regulares fez com que a densidade demográfica aumentasse para muito além dos níveis pré-coloniais. O resultado disso tudo: quatro séculos de epidemias recorrentes de fome e sofrimento no sertão nordestino (Taddei, 2014b).
No exemplo acima, qual foi, exatamente, o elemento desastroso? A estiagem não é uma anomalia climática na região semiárida; foi a forma de domínio e uso da terra trazida pelos europeus que se mostrou uma verdadeira anomalia sociopolítica. O caso das secas evidencia que necessitamos de uma outra forma de entender os desastres, que não separe radicalmente os meios social e natural. De maneira geral e simplificada, podemos propor como alternativa a ideia de que quando as coletividades têm conhecimento das variações e calendários dos ecossistemas locais e se organizam tomando-os em consideração, acumulam certa quantidade de recursos como reserva que os proteja de imprevistos, e escolhem práticas produtivas, sociais e políticas comprovadamente compatíveis com o ecossistema local, são capazes de atravessar períodos extremos, ou de sobreviver a eventos críticos, sem que a situação se configure como um desastre. Um desastre é, então, fruto das formas como ecossistema e grupos sociais relacionam-se entre si. Por isso, um desastre jamais está “na” natureza, e sim na relação que se tem com ela (Oliver-Smith, 1999). Um exemplo disso é a constatação, fruto de uma pesquisa por mim coordenada durante o ano de 2005 – ano em que houve secas de grande porte e praticamente ao mesmo tempo no Nordeste, na Amazônia e no Rio Grande do Sul –, de que os efeitos da estiagem motivaram manifestações populares e a invasão de prédios públicos em diversas cidades cearenses, enquanto a falta de chuva em intensidade equivalente sequer foi notada por moradores de cidades das serras gaúchas (ver Taddei e Gamboggi, 2010).
Essa forma de entender desastre tem duas vantagens: a primeira é que o desastre deixa de ser um evento isolado no tempo e no espaço, e passa a ser entendido como um processo que se desdobra ao longo do tempo (Valencio, 2009), e que, em geral, afeta coletividades humanas e animais em uma dimensão espacial muito maior do que o local específico do evento crítico. A segunda é que podemos facilmente retirar a natureza da equação e substituí-la por ambientes e processos técnicos, e temos aí uma forma interessante de pensar os desastres ditos “tecnológicos”. A realidade é que não há desastre que não tenha, concomitantemente, componentes ecossistêmicos e componentes tecnológicos e, em razão disso, a diferenciação entre desastres naturais e tecnológicos é apenas o destaque, para fins operacionais ou jurídicos, do fator preponderante em cada caso.
Voltemos por um minuto à definição proposta acima, de modo a exemplificá-la melhor. Recorrentemente, o que chamamos de seca, no que tange à produção agrícola, ocorre em situações em que a terra é arrendada, de modo que as relações comerciais de curto prazo fazem com que o conhecimento sobre as variações de longo prazo do ecossistema local se percam de vista; a necessidade de se atingir níveis de lucratividade compatíveis com os praticados no mercado financeiro faz com que frequentemente os recursos sejam investidos de forma intensiva, o que aumenta os riscos envolvidos e coloca o produtor em situação de vulnerabilidade a variações climáticas; e a seleção das culturas, quase sempre, está ligada aos preços do mercado, e raramente às condições específicas do ecossistema onde se dará a produção (grande parte da qual é destruída para ceder espaço às áreas agricultáveis). Ou seja, o que estou dizendo aqui é que o modelo de produção agrícola vigente na atualidade está fundado em uma forma de relação entre o ecossistema e a atividade humana altamente vulnerável a variações naturais, o que produz um contexto propício ao desastre. Não é à toa que, em um ano “bom”, cerca de um quarto dos municípios do país declaram situação de emergência. Em um ano ruim, esse número sobe para mais de um terço. O desastre está praticamente embutido nas formas de organização econômica e política brasileiras (Taddei e Gamboggi, 2010).
Nem todas as declarações de situação de emergência se dão em função de secas. No entanto, a coisa não é diferente com as inundações, os deslizamentos de terra, ou as ressacas que destroem a infraestrutura pública e privada nas zonas costeiras. Os fluxos de água têm ciclos que se repetem, muitos dos quais, por razões distintas, desconhecemos. O curso de um rio nunca pode ser determinado com exatidão; um rio “pulsa”, isto é, tem seu ciclo natural de retração e expansão. Esse ciclo é, em geral, anual, mas há outros ciclos na natureza que afetam os cursos de água e que são mais longos. O fenômeno El Niño é um deles: tende a ocorrer duas vezes por década, em geral diminuindo as chuvas na região Nordeste e as aumentando na parte Sudeste e Sul do Brasil. Há ainda ciclos mais longos: existem evidências de que alguns ecossistemas podem alternar séries de duas ou três décadas com menos chuva com outras consideravelmente mais chuvosas (Marengo et al, 1998). Grande parte desses ciclos não são conhecidos. Desta forma, um empreendimento no entorno de um rio pode, sem que as pessoas envolvidas se dêem conta, estar na verdade dentro do curso histórico do rio.
Um rio, por sua vez, não se resume à calha onde a água corre em grande volume. Esta é apenas o resultado da relação entre a água da chuva e determinada configuração topológica e geológica. A água infiltrada no solo, escoando lentamente para baixo e ao longo de uma camada de solo impermeável, até finalmente avolumar-se na região mais baixa (formando o rio propriamente dito), já é o rio em atividade. Em uma cidade, a ideia de que um rio foi “canalizado” envolve um equívoco conceitual diretamente ligado às inundações urbanas. Não se pode canalizar um rio, mas apenas sua calha principal. Quando isso é feito e o solo é impermeabilizado com concreto e asfalto, separa-se duas partes do rio, a que escoa pela topografia do terreno, e que obviamente continuará escoando, e a que escoa na calha do rio. A calha do rio é uma solução geológica para o escoamento de água; a separação entre o escoamento nos terrenos inclinados e a calha – ou a limitação da conexão entre ambas – é a construção das condições para a ocorrência dos desastres. A ideia de que o poder público tem que “resolver a questão das inundações urbanas” é fruto daquela mesma visão de “controle sobre a natureza” que criticamos no início deste texto. Uma solução mais apropriada para essa questão é considerar que o rio tem direito a estar na cidade, de forma íntegra e com toda sua variabilidade espacial, e que a cidade deve ser construída tomando isso em conta. Caso contrário, as cidades serão, como são, aparatos produtores de inundações. Ou seja, a inundação não é resultado da chuva, mas de uma certa relação entre a forma como os humanos transformam o espaço e o ciclo natural das águas.
Em resumo, o que quero dizer aqui é que, no mundo contemporâneo, somos frequentemente levados a agir pautados por agendas que não apenas se mostram incompatíveis com ciclos naturais dos ecossistemas, mas também afetam nossa capacidade de perceber detalhes dos mesmos que são importantes para a redução dos riscos de desastres. Desta forma, muitas de nossas formas de organização econômica, social e política têm que encontrar maneiras de lidar com a pouca eficácia, ou mesmo com a inconveniência, de nossas formas estabelecidas de ocupação do mundo. Por isso, desenvolvemos coisas como seguros financeiros, um complexo sistema de defesa civil em todos os níveis políticos, tecnologias de monitoramento e previsão de características importantes do meio ambiente, legislação específica, agências reguladoras, e muito mais. Temos também práticas sociais pautadas em relações de clientelismo, nas quais o detentor de poder político ou recursos econômicos oferece a determinada coletividade proteção contra os efeitos das variações dos ecossistemas (e contra coisas não relacionadas ao meio ambiente) em troca de apoio político; e a chamada “indústria das secas” (Callado, 1960), estratégias econômicas e sociais que geram riqueza para as elites locais a partir dos mecanismos federais de mitigação dos impactos das secas (Albuquerque Jr, 1999).
Particularmente no que diz respeito à nossa incapacidade de perceber as variações e ciclos dos ecossistemas, nossa base científica de monitoramento dos ecossistemas e da atmosfera começou a operar efetivamente apenas na década de 1960, o que fornece uma base bastante limitada de dados históricos. Neste contexto, é digno de nota o fato de que, em geral, são as populações tradicionais – indígenas, caboclos, ribeirinhos, caiçaras – que habitam os ecossistemas por muitas gerações que possuem tais conhecimentos (Taddei, 2015). Ocorre, no entanto, que a forma de codificação e transmissão de conhecimento de tais populações, através de transmissão oral e sobre uma base narrativa que faz amplo uso do que chamamos de folclore e pensamento mítico, é não apenas incompreensível para as populações urbanas, mas ativamente desvalorizada como superstição e atraso, frente aos poderes do conhecimento científico. São muito poucas, ao redor do mundo, as iniciativas de transformação de conhecimento tradicional em material que possa engajar-se de forma significativa com as discussões técnicas e científicas a respeito de como entender o meio ambiente e os desastres a eles relacionados. Um dos exemplos mais interessantes a esse respeito são os estudos dos manuscritos pré-hispânicos (os códices) maias e aztecas no que tange à forma como tais populações entendiam e lidavam com terremotos (ver Acosta e Suarez, 1996).
Riscos e desastres tecnológicos
Como mencionei acima, posso trocar “natureza” por “tecnologia” e a frase continua fazendo sentido: no mundo contemporâneo, somos frequentemente levados a agir no mundo pautados por agendas que não apenas se mostram incompatíveis com certas características dos sistemas técnicos em que atuamos, mas igualmente afetam nossa capacidade de perceber detalhes importantes dos mesmos (Taddei, 2014c). Na década de 1980, o sociólogo alemão Ulrich Beck (1992) propôs a "teoria da sociedade do risco", na qual argumentou que as sociedades modernas, através da inovação tecnológica, criam riscos inéditos e que não somos capazes de mensurar. O sociólogo americano Charles Perrow, por sua vez, criou o conceito de "acidentes normais" (1999), nos quais sistemas complexos podem assumir configurações indesejáveis sob o ponto de vista humano, mas que são apenas configurações “normais”, isto é, possíveis, do sistema. Ou seja, quando projetamos sistemas complexos, como computadores, por exemplo, não somos capazes de prever todas as suas configurações possíveis. No caso particular dos computadores, o “travamento” do sistema operacional, em geral, não representa qualquer dano ao aparato, em suas dimensões físicas ou lógicas. Por isso, reinicializamos a máquina e ela volta a funcionar perfeitamente. Uma possibilidade de entender o que houve é justamente a ideia de que a máquina pode ter assumido uma configuração que, apesar de ser uma das muitas possíveis para ela, é inconveniente para o usuário. O caso do computador pessoal pode ser inócuo; ocorre que, segundo Perrow, não há razão para imaginar que o mesmo não possa ocorrer com aviões em pleno vôo, com usinas nucleares ou com barragens.
Essa constatação evidencia os imensos desafios que as coletividades têm no que diz respeito à governança dos riscos aos quais estão submetidas. O mercado em sociedades liberais mostrou, repetidamente, que não é um bom instrumento de gestão de riscos na perspectiva da coletividade – a crise mundial de 2008 foi apenas a última em uma sequência longa de crises associadas à incapacidade das corporações capitalistas em gerir riscos de modo benéfico, não apenas para seus interesses particulares, mas para a sociedade como um todo. Os governos dos países capitalistas em geral pautam-se por indicadores de mercado (como o PIB) para avaliar o sucesso e a eficácia de seus governantes e, por essa razão, tendem a ser ineficientes no que tange a usar seu poder regulatório coercitivo contra o próprio mercado. Desta forma, com exceção de setores historicamente marcados por desastres em larga escala, como a geração de energia nuclear e a prospecção de petróleo, em geral, o setor corporativo cria novas tecnologias e as coloca no mercado sem que os riscos a elas associados sejam conhecidos. Aliás, no que tange à questão nuclear, o Brasil tem a infelicidade de figurar no seleto grupo de países1 que foram palco de acidentes radioativos, devido ao evento do Césio 137 em Goiânia, no ano de 1987 (Da Silva, 2001; Vieira, 2013).
Os desastres em tempos de mudanças climáticas
Particularmente no Brasil, como demonstram os exemplos das secas no Nordeste, os deslizamentos da serra fluminense de 2011, ou o desastre de Mariana em 2015, o poder público age de forma notoriamente reativa, esperando a catástrofe e apenas posteriormente ajustando sua configuração institucional e suas formas de ação aos riscos envolvidos – e, ainda assim, com variados graus de eficácia. Neste contexto, a perspectiva de futuro trazida pelas mudanças climáticas é duplamente sombria: por um lado, as alterações ecossistêmicas previstas (bem como as não previstas) devem desestabilizar até mesmo os arranjos adaptativos mais efetivos entre ecossistemas e coletividades; por outro, como o exemplo das reuniões do clima da ONU (as chamadas “conferências das partes” ou COPs) deixa evidente, os estados nacionais e seus aparatos institucionais se mostram ineficazes e despreparados para lidar com o desafio que se aproxima. A crise migratória europeia dos últimos anos é outro exemplo contundente: em quase todos os casos envolvidos (e particularmente nos casos dos conflitos do Sudão e da Síria), o componente climático é uma das variáveis mais importantes; os países europeus e a própria ONU, no entanto, evitam qualquer associação entre tais migrações e as secas dramáticas que assolaram tais países, uma vez que isso desorganizaria o arcabouço jurídico para lidar com questões migratórias desenvolvido pelos países ocidentais. Ou seja, não existe, até o momento, a figura jurídica do refugiado climático. E a principal razão para tanto é o fato evidente, já mencionado anteriormente neste texto, que limites territoriais fixos, como as fronteiras nacionais, são incompatíveis com a estratégia mais óbvia de sobrevivência a variações extremas do ambiente, justamente a migração. Desta forma, a crise migratória atual é apenas uma amostra do que está por vir, e não há razões para acreditar que os estados nacionais, que têm em suas configurações espaciais parte da causa da crise, sejam os atores que irão propor soluções sustentáveis ao problema. É mais provável que as soluções venham de fora do sistema e, desta forma, a pesquisa científica sobre ambiente e desastres deve estar aberta para o diálogo com outras formas de conhecimento e ação no mundo. Novamente, aqui as populações tradicionais talvez tenham um papel fundamental a desempenhar (Danowski e Viveiros de Castro, 2014); e não há campo mais apropriado, dentro do mundo acadêmico, para fazer tal interlocução do que as ciências sociais. Para isso, no entanto, a agenda de pesquisa em sociologia e antropologia dos desastres tem muito que avançar.

Renzo Taddei é professor de antropologia na Universidade Federal de São Paulo.

Referências bibliográficas
Acosta, V. G.; Suarez, G. Los sismos en la historia de México: el análisis social. Tlalpan, México: CIESAS, 1996.
Albuquerque Junior, D. M. de. A invenção do Nordeste e outras artesSão Paulo: Cortez, 1999.
Beck, U. Risk society. Towards a new modernityLondres: Sage Publications, 1992.
Briones, F. “¿Sequía natural o sequía hidrológica? Políticas públicas y respuestas sociales en el perímetro irrigado de Icó-Lima Campos, Ceará” In: Taddei, R.; Gamboggi, A. L. (orgs). Depois que a chuva não veio – respostas sociais às secas na Amazônia, no Nordeste e no Sul do Brasil. Fortaleza: Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos/Instituto Comitas para Estudos Antropológicos, 2010.
Callado, A. Os industriais da seca e os “Galileus” de Pernambuco. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1960.
Da Silva, T. C. “Bodily memory and the politics of remembrance: the aftermath of Goiânia radiological disaster”. High Plains Applied Anthropologist. v. 21, n. 1, p. 40–52, Spring 2001.
Danowski, D.; Viveiros de Castro, E. Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins. Florianópolis: Editora Cultura e Barbárie, 2014
Girão, R. Evolução histórica cearense. Fortaleza: BNB/Etene, 1985.
Marengo, J. Tomasella, J. Uvo, C. “Long-term stream ow and rainfall fluctuations in tropical South America: Amazonia, eastern Brazil and northwest Peru”. Journal of Geophysical Research, n. 103, p. 1775-1783, 1998.
Oliver-Smith, A. “What is a disaster? Anthropological perspectives on a persistent question”. In: Oliver-Smith, A; Hoffman, S. (orgs.), The angry Earth: disaster in anthropological perspective. New York: Routledge, 1999.
Perrow, C. Normal accidents: living with high-risk technologies. Princeton: Princeton University Press, 1999.
Rodrigues, N. À sombra das chuteiras imortais: crônicas de futebol. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
Taddei, R. “Sobre a invisibilidade dos desastres na antropologia brasileira”.Waterlat-Gobacit Network Working Papers, Thematic Area Series Satad, TA8 – Water-related Disasters, vol. 1 no. 1, Newcastle upon Tyne and São Paulo, September 2014, pp. 30-42 2014a.
Taddei, R. “As secas como modos de enredamento”. ClimaCom Cultura Científica – pesquisa, jornalismo e arte. Ano 01, No. 01 – “Redes”, 2014 2014b.
Taddei, R. “Alter geoengenharia”. Trabalho apresentado no colóquio internacional "Os Mil Nomes de Gaia". Fundação Casa de Rui Barbosa, 16 de setembro de 2014, Rio de Janeiro. Disponível em https://goo.gl/5wUVHn; acessado em 8 de março de 2016 2014c.
Taddei, R. “O lugar do saber local (sobre ambiente e desastres)”. In: Siqueira, A.; Valencio, N.; Siena, M.; Malagoli, M. A. (Org.). Riscos de desastres relacionados à água: aplicabilidade de bases conceituais das ciências humanas e sociais para a análise de casos concretos. São Carlos: Rima Editora, 2015.
Taddei, R.; Gamboggi, A. L. (orgs). Depois que a chuva não veio – respostas sociais às secas na Amazônia, no Nordeste e no Sul do Brasil. Fortaleza: Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos/Instituto Comitas para Estudos Antropológicos, 2010.
Valencio, N. “Da morte da quimera à procura de Pégaso: a importância da interpretação sociológica na análise do fenômeno denominado desastre”. In: Valencio, N.; Siena, M.; Marchezini, V.; Gonçalves, J. C. (orgs), Sociologia dos desastres – construção, interfaces e perspectivas no Brasil. São Carlos: RiMa Editora, 2009.
Vieira, S. de A. “Césio-137, um drama recontado”. Estudos Avançados (USP. Impresso), v. 27, p. 217-236, 2013.
Webster, D. L. The fall of the ancient Maya: solving the mystery of the Maya collapse. London: Thames and Hudson, 2002.
1 Estes países são: Alemanha, Austrália, Brasil, Canadá, Coréia do Sul, Costa Rica, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Ilhas Marshall, Índia, Japão, Panamá, Paquistão, Suíça, Rússia e Ucrânia.

Sunday 6 March 2016

ALICE RUIZ

http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/parana/alice_ruiz.html



ALICE RUIZ
Alice Ruiz (Curitiba, 22 de janeiro de 1946) é uma poetisa e escritora brasileira. Começou a escrever na adolescência, mas durante muitos anos divulgou seus poemas apenas em revistas e jornais. Publicou seu primeiro livro aos 34 anos de idade. Foi casada com o também poeta Paulo Leminski, com quem teve três filhos: Miguel Ângelo Leminski, Áurea Alice Leminski e Estrela Ruiz Leminski. Fonte: Wikipedia
Obras publicadas: Navalhanaliga (1980) ; Paixão Xama Paixão (1983); Pelos Pêlos (1984); Hai-tropikai (1985); Rimagens (1985); Nuvem Feliz (1986); Vice Versos (1988) ; Desorientais (1996) ; Haikais (1998) ; Poesia Pra Tocar no Rádio (1999) e Yuuka (2004).
Conheci Alice Ruiiz durante o I Festival de Poesia de Goyaz, em 2006, onde travamos uma breve conversação, em clima de congraçamento e tietagem. Fiquei de publicar uma página da autora, consagrando a admiração por seu trabalho. O trabalho de Alice está por toda parte, há muito tempo, circulando por livrarias, bibliotrecas, coleções particulares, saraus e performances, celebrando a popularidade da grande artista. Aqui apenas um registro e um convite para visitar o sitio oficial, para um aprofundamento em sua vasta obra que, além de livros, incluii traduções, parcerias musiciais e tudo o mais. Site oficial: http://www.aliceruiz.mpbnet.com.br/  
O poeta Alice Ruiz, oferecendo uma oficina de hai-kai durante a  I BIENAL INTERNACIONAL DE POESIA DE BRASILIA ( de 3 a 7 de setembro de 2008 )
VEJA TAMBÉM transcriação de  Alice Ruiz em>> TRANSCRIAR. Org. Julio Plaza.
Veja também>>>´POÈMES EN FRANÇAIS


RUIZ S., Alice.  Outro silêncio haicais.  São Paulo, SP: Boa Companhia, 2015.  95 p. 
            14X21 cm.   “ Alice Ruiz S. “  Ex. bibl. Antonio Miranda

            o que é aquilo?
        coquinhos aos quilos?
        almoço de esquilos
 
        chuva de verão
        o pássaro no telhado
        olha e não molha
 
        um trovão pergunta
        outro ao longe responde
        pingos nos is
 
        gota de suor
        rola pelo rosto
        lágrima sem dor
 
        lado a lado
        as árvores se olham
        e se desfolham
 
        sonho de viagem
        não sei se durmo
        ou olho a paisagem


DeAlice Ruiz
PROESIAS
Ilustrações Xiloceasa
[Belo Horizonte]: Tipografia Acaia, 2010
108 p. ilus. col.

"ALICE RUIZ é conhecida e reconhecida por seus livros de haikai. Agora nos brinda com um de "proesias". Sai da linguagem extremamente compacta e minimalista  — com que nos acostumou —, para os textos curtos, poéticos, reflexivos, mas também criativos, densos, tensos. Escritura de desdobramentos, ideia-puxa-ideia, entre lírico e filosófico, versilivremente, discurso sem narrativa, sugerindo mais do que dizendo, escrevendo sem descrever. Proesofia, proesia." ANTONIO MIRANDA


Á magia da folha em branco consiste em deixá-la aberta, à espreita,
sempre ao alcance dos olhos. Ela nos olha e chama.
Inflexível em seu chamado e maleável aos nossos achados.
Qualquer que seja. Uma ideia, um verso. Um sonho.
Tudo cabe nela. Nenhum limite nos coloca a não ser o seu
branco imaculado.
Sem palavras esse branco nos seduz a preenchê-lo.

Falta que se desfaz em apelo. E, ainda, em silêncio, esse mesmo
branco, (vazio que se faz da soma de todas as cores/coisas)
nos desafia com sua beleza, sua plenitude indefesa,
sua incomensurável certeza, a encontrar uma palavra que seja igual ou,
ao menos, próxima da grandeza desse branco, abismo visto do
lado do avesso.
Técnica significado. Assim na arte, como na vida.
A forma exterior o interior, o invisível através do visível.
Poesia como um sorriso. Universal.
Palavra, ideia, pensamento, sonho.
Qualquer coisa capaz de sua luz.

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HAIKAIS 

mar bravio
a cada onda
novo silêncio


diante do mar
três poetas
e nenhum verso


manhã de outono
o verde do mar
também amarela


sinal fechado
o menino atravessa
escrevendo versos


contra o prédio cinza
uma só flor
e todas as cores


procurando a lua
encontro o sol
mas já de partida



põr-do-sol
em torno dele
todos os cinzas



começo de outono
cheia de si
a primeira lua



som alto
vento na varanda
a samambaia samba



trânsito parado
os mesmos olhares
e ninguém se olha



último raio de sol
primeiro da lua
outono nascendo



cerimônia do chá
três convidados
e um mosquito



nuvem de mosquitos
tocando violão
silenciosamente



sob a folha ver-escura
a folha verde-clara
trêmula dissimula  




RUIZ S., Alice.  Jardim de Haijin. Ilustrações de Fê.  [Haikais]  São Paulo: Iluminuras,  2010.  Ilus   16X23 cm.  “ Alice Ruiz “  Ex. bibl. Antonio Miranda


RUIZ S, Alice.  Conversa de passarinhos.  Haikais.  Ilustrações: Fê.  São Paulo:           Iluminuras, 2008.  Ilus.  (Livros da tribo)  16x23 cm.  “ Alice Ruiz “  Ex. bibl. Antonio Miranda

basta um galhinho
e vira trapezista
o passarinho

pousados nos galhos
os pássaros balançam
música nos bambus

RUIZ S, Alice.  Estação dos bichos. Ilustrações de Fê.  São Paulo: Iluminuras, 2011.  s.p.  16x23 cm.  ilus. col.  .  “ Alice Ruiz “  Ex. bibl. Antonio Miranda

dois galos e uma galinha
qualquer pasto
vira rinha


OUTROS POEMAS

DRUMUNDIANA
e agora maria?

o amor acabou
a filha casou
o filho mudou
teu homem foi pra vida
que tudo cria
a fantasia
que você sonhou
apagou
à luz do dia

e agora maria?
vai com as outras
vai viver
com a hipocondria

Nota: Paródia do poema “José”, de Carlos Drummond de Andrade.

SE
se por acaso
a gente se cruzasse
ia ser um caso sério
você ia rir até amanhecer
eu ia ir até acontecer
de dia um improviso
de noite uma farra
a gente ia viver
com garra
eu ia tirar de ouvido
todos os sentidos
ia ser tão divertido
tocar um solo em dueto
ia ser um riso
ia ser um gozo
ia ser todo dia
a mesma folia
até deixar de ser poesia
e virar tédio
e nem o meu melhor vestido
era remédio
daí vá ficando por aí
eu vou ficando por aqui
evitando
desviando
sempre pensando
se por acaso
a gente se cruzasse...
dois em um
De
dois em um ]
São Paulo: Iluminuras, 2008
Tem os que passam
e tudo se passa
com passos já passados

tem os que partem
da pedra ao vidro
deixam tudo partido

e tem, ainda bem,
os que deixam
a vaga impressão
 de ter ficado

*
você esqueceu?
isso acontece
só os mortos
não esquecem

*

que viagem
ficar aqui
parada
*

falta de sorte
fui me corrigir
errei

“Em geral, Ruiz emprega versos livres, que raramente ultrapassam oito sílabas. Predominam versos brancos, mas com blocos rimados e ocorrência das chamadas “rimas pobres”, isto é, com terminações em “ao” e formas verbais infinitivas, além de repetições de termos idênticos ou de mesma categoria gramatical. / Há forte presença  de tercetos, que incluem índices das estações do ano, o que evidencia a preferência de Ruiz pela composição à maneira de haikai. Digo “à maneira”, pois nos seus haikais cabe a virtualidade metafórica, simbólica, e a alusão sensual, estranhas à forma tradicional. Além disso, o aspecto descritivo do haikai tradicional cede seu lugar decisivo para a agudeza verbal e as figuras de linguagem. (...) A poesia de Ruiz mescla, pois, certo racionalismo construtivo com algo de clima de “desbunde” e da poesia dita marginal, o que resulta, por vezes, num curioso feminismo de viés sedutor. (...) É isso: o verso aparece como objeto final de um desejo que, nascido no corpo, se contenta com as letras, na esperança de que sejam mágicas.”  Alcir Pécora, na Folha de São Paulo 7/02/2009
De
Alice Ruiz S
JARDIM DE HAIJIN
Ilustrações de Fê
São Paulo: Iluminuras, 2010.
(Livros da Tribo)
ilus.ISBN  978-85-7321-323-2


"Haijin é a pessoa que faz haikai. Hai de haikai mais jin de pessoa. Portanto, poeta. "


à sombra de outra
pequena árvore cresce
para onde o sol nasce

*

passeio no Ibirapuera
uma cerejeira florida
interrompe a conversa

*

jasmim do cabo
um chão todo florido
e perfumado

*

manhã de primavera
para todas as flores
dia de estreia

RUIZ, Alice.  Yuuka. haicais.  Porto Alegre, RS: AMEOP – Ame o Poema, 2004.  96 p.  ISBN 85-98240-07-9  “ Alice Ruiz “  Ex. bibl. Antonio Miranda

viola caipira
os remos dos barcos
seguem  ritmo
        Londrina, 99

a gaveta da alegria
já está cheia
de ficar vazia
        arrumando papéis, 97

cinzeiro incesário
o espírito é o corpo
pelo contrário
         00

RUIZ, Alice S.  Desorientais. Hai-kais.  5ª. edição.  São Paulo: Iluminuras, 2001.   125 p. 14x19 cm.  Apresentação de José Miguel Wisnik.   Capa: Fê.  ISBN 85-7321-039-7  “ Alice Ruiz “ Ex. bibl. Antonio Miranda

fim do dia
porta aberta
o sapo espia

minha casa
o sapo já sabe
entrar e sair

dentro do jardim
o dia chega mais cedo
ao fim

ATLAS Almak 88.  São Paulo: 1988.  144 p.  31x43 cm. Ilus. col.  Capa: Arnaldo Antunes, Zeto Borges, Zaba Mareau.  Editores: Arnaldo Antunes, Beto Borges, G. Jorge Jorge, João Bandeira, Sérgio Alli, Walter Silveira, Zaba Moreau.  Inclui poesia visual, arte visual e gráfica de poetas e artistas do período, entre eles Arnaldo Antunes, Duda Machado, Augusto de Cam,pos, Leon Ferrari, José Lino Grunewald, Décio Pignatari, Hélio Oiticica e muitos outros!!! Tiragem: 1500 exs. Capa dura.

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TEXTOS EM PORTUGUÊS Y ESPAÑOL
ALICE RUIZ


nació en Curitiba en 1946. Publicó Naval-hanaliga (1980), Paixão xama Paixão (1983), Pelos Pêlos (1984), Rimagens (con Leila pugnaloni, 1985), Hai Tropikai (con Paulo Leminski, 1985), Vice Versos (1988) y Desorientais (2ª Ed. 1998). También existe una antología-testimonio, Alice Ruiz, editada por la Universidade Federal do Paraná(1997). Se ha especializado en la práctica y enseñanza del haiku. También publicó una historia infantil, Nuvem Feliz, y vários libro de traducciones de poesía japonesa. Es autora de letras de canciones (con músicas de Arnaldo Antunes, Itamar Assumpção, Chico Cesar, José Miguel Wisnick, etc.)


Textos extraídos da revista TSÉ=TSÉ n. 7/8 otoño 2000
[Traducciones de R.J., revisadas por A.R.]



fora de mim
imagino na paisagem
a imagem do que fui


         fuera de mí
         imagino en el paisaje
         la imagen de lo que fui



            o som da água
            na copa dos eucaliptos
            vento passando


                   el sonido del agua
                   en la copa de los eucaliptos
                   viento pasando       

           



              ponte estreita
              a mata inteira canta
              o escuro passa

                               puente estrecho
                               la mata entera canta
                              lo oscuro pasa      
                  


no escuro das águas
uma voz clara
nada nunca pára

                   en lo oscuro de las águas
                   una voz clara
                   nada nunca para     


                            borboleta na chuva
                            o peso da gota
                            ainda mais leve

                                         mariposa en la lluvia
                                         el peso de la gota
                                         aun más leve



                                                                  a sombra se deita
                                                                  rede ao mar
                                                                  sonhos de outro dia

                                                                        la sombra se echa
                                                                        red al mar
                                                                        sueños de otro día


                                      sono do pescador
                                      o peixe quando salta
                                      imita o som do mar

                                                        sueño del pescador
                                                        el pez cuando salta
                                                        imita el son del mar


                                                        entre a espuma do mar
                                                        e a nuvem toda branca
                                                        o vôo da garça

                                                            entre la espuma del mar
                                                            y la nube toda blanca
                                                            el vuelo de la garza

                            fim de tarde
                            todas as cores no céu
                            e a palidez do mar

                              fin de tarde
                              todos los colores en el cielo
                              y la palidez del mar

nuvem sobre nuvem
montanha sobre montanha
onda sobre onda
         nube sobre nube
         montaña sobre montaña
         onda sobre onda     

                                      neve ou não neve
                                      onde há amigos
                                      a vida é leve

                                               nieve o no nieve
                                               donde hay amigos
                                               la vida es leve

velha amiga
essa dor antiga
finjo que desconheço

                   viejo amigo
                   ese dolor antíguo
                   finjo desconocerlo

                                      meu corpo que você não sabe
                                      se abre, te recebe
                                      e você nem percebe

                                               mi cuerpo que tu no sabes
                                               se abre, te recibe
                                               y tú ni percibes

meus olhos de coruja
te enxergam no escuro
onde há você é luz


           mis ojos de lechuza
           te avistan en lo oscuro
           donde hay tu es luz


                   correndo risco
                   a linha do corpo
                   ganha seu rosto

                            corriendo riesgo
                            la línea del cuerpo
                            gana su rostro        

a luz que acende
apaga estrelas
e os versos que vinham delas

                   la luz enciende
                   apaga estrellas
                   y los versos que vienen de ellas

a luz que acende apaga estrelas
e os versos que vinham delas

                   la luz que enciende
                   apaga estrellas
                   y los versos que vienen de ellas

canto dos pássaros
um grita mais alto:
to fraco, to fraco


                   canto de los pájaros
                   uno grita más alto:
                   estoy flaco, estoy flaco

pássaro sem nome
pergunta quem é?
todos respondem

                   pájaro sin nombre
                   pregunta¿quién es?
                   todos responden


De
 Heloisa Buarque de Hollanda
 Otra línea de fuego - Quince poetas brasileñas         ultracontemporáneas.
Traducción de Teresa Arijón. Edición bilingüe.
Málaga:  Maremoto;  Servicio de Publicaciones,
 Centro de Edciones de la Diputación de Málaga, 2009.  291 p
ISBN  978-84-7785-8

Lembra o tempo
em que você sentia

e sentir
era a forma
mais sábia de saber

E você nem sabia?


¿Recuerdas el tiempo
en que sentias

y sentir
era la forma
más sabia de saber

y no sabias?

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o que você tem feito?
tem feito a cabeça,
as ideias, os sonhos de alguém?

qual é mesmo o seu jeito?
objeto, sujeito?
é espírito, é matéria?
já chegou a ninguém?

inventou sua quimera?
é o mal?
é o bem?
tem juízo perfeito?
acredita em vida eterna?
disse ou não disse amém?

vai ficar
ou é de férias
que você vem?


¿y tu quê hás hecho?
¿has hecho la cabeza,
las ideas, los sueños de alguien?

¿cuál seria tu clave?
¿sujeto, objeto?
tespíritu, matéria?
¿le hás llegado a nadie?

¿has inventado tu quimera?
¿es el mal?
¿es el bien?
¿estás en tu sano juicio?
¿crees en la vida eterna?
¿dices o no dices amén?

¿quedarte quieres
o solo
de vacaciones vienes?

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Noite e dia

não me agradam
essas coisas que despertam
barulho, susto, água fria
tudo na minha cara
mais nenhum sonho por perto

não me agradam
essas coisas que adormecem
vazio, escuro, calmaria
tudo que lembra morte
quando nada mais dá certo

não me agradam
essas coisas sem poesia
uma noite só noite
um dia só dia


Noche y día

no me agradan
esas cosas que despiertan
barullo, susto, agua fría
en plena cara
y ningún sueño cerca

no me agradan
esas cosas que adormecen
vacío, oscuro, calma
todo lo que evoca muerte
cuando nada bien resulta

no me agradan
esas cosas sin poesía
una noche solo noche
un día solo día



ASSALTARAM A GRAMÁTICA

Jovens e vivazes, provocadores e inovadores... Alice Ruiz... todos jovenzinhos..., Chacal e Chico Alvim,  Cristina César, Paulo Leminski, Wally Salomão... e outros mais, num video imperdível, memorável, enviado por Edson Cruz, do Sambaquis, que recebeu do Giuseppe Zani, via Ricardo Aleixo, que...  agora passamos adiante.   Vejam e repassem....
COMENTÁRIO SOBRE A SUSPENSÃO DO VÍDEO:
Aqui está um bom exemplo da confusão referente à Lei do Direito Autoral no Brasil...  Recebemos este vídeo pela Internet, de um dos personagens do vídeo, pedindo a difusão...
Foi o que fizemos.  A produtora  entrou com um pedido para o reconhecimento de seus direitos autorais. O vídeo não foi publicado em nosso Portal, apenas fizemos um link, a pedido de um dos poetas. A fonte onde está depositado deve ter suspenso a disponibilização do video  até que se resolva a questão. Sem entrar no mérito do recurso da produtora, fica sempre aquela pergunta: em alguma instância os poetas participantes do vídeo vão receber por sua  imagem?  Mas a questão é outra: quando o Brasil vai adotar o FAIR USE, quando a divulgação for sem fins lucrativos, por interesse estritamente cultural? Fica aqui o link cego para representar o dano à cultura. Sem com isso querer contestar o pleito da produtora, cuja decisão cabe à justiça, nos estreitos, estreitíssimos, espaços da lei vigente, que estava em processo final de discussão para ser reformada e que atualmente está de molho... Uma lei só é boa quando for justa para todos.

Página ampliada e republicada em dezembro de 2010; ampliada e reprublicada em fevereiro de 2011.