Monday, 18 April 2016

50 anos de calamidades na América do Sul

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50 anos de calamidades na América do Sul

Terremotos e vulcões matam mais, mas secas e inundações atingem maior número de pessoas
MARCOS PIVETTA | ED. 241 | MARÇO 2016

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© UNICEF / AFP
Efeitos do terremoto de 7.7 graus em 31 de maio de 1970 no Peru: 66 mil mortes no desastre com mais fatalidades dos últimos 50 anos na América do Sul
Efeitos do terremoto de 7.7 graus em 31 de maio de 1970 no Peru: 66 mil mortes no desastre com mais fatalidades dos últimos 50 anos na América do Sul
Um estudo sobre os impactos de 863 desastres naturais registrados nas últimas cinco décadas na América do Sul indica que fenômenos geológicos relativamente raros, como os terremotos e o vulcanismo, produziram quase o dobro de mortes do que eventos climáticos e meteorológicos de ocorrência mais frequente, como inundações, deslizamento de encostas, tempestades e secas. Dos cerca de 180 mil óbitos decorrentes dos desastres, 60% foram em razão de tremores de terra e da atividade de vulcões, um tipo de ocorrência que se concentra nos países andinos, como Peru, Chile, Equador e Colômbia. Os terremotos e o vulcanismo representaram, respectivamente, 11% e 3% dos eventos contabilizados no trabalho.
Aproximadamente 32% das mortes ocorreram em razão de eventos associados a ocorrências meteorológicas ou climáticas, categoria que engloba quatro de cada cinco desastres naturais registrados na região entre 1960 e 2009. Epidemias de doenças – um tipo de desastre biológico com dados escassos sobre a região, segundo o levantamento – levaram 15 mil pessoas a perder a vida, 8% do total. No Brasil, 10.225 pessoas morreram ao longo dessas cinco décadas em razão de desastres naturais, pouco mais de 5% do total, a maioria em inundações e deslizamentos de encostas durante tempestades.
© ANTÔNIO GAUDÉRIO / FOLHAPRESS 
Seca no Nordeste...
Seca no Nordeste…
O trabalho foi feito pela geógrafa Lucí Hidalgo Nunes, professora do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (IG-Unicamp) para sua tese de livre-docência e resultou no livroUrbanização e desastres naturais – Abrangência América do Sul (Oficina de Textos), lançado em meados do ano passado. “Desde os anos 1960, a população urbana da América do Sul é maior do que a rural”, diz Lucí. “O palco maior das calamidades naturais tem sido o espaço urbano, que cresce em área ocupada pelas cidades e número de habitantes.”
A situação se inverteu quando o parâmetro analisado foi, em vez da quantidade de mortos, o número de indivíduos afetados em cada tipo de desastre. Dos 138 milhões de vítimas não fatais atingidas por esses eventos, 1% foi alvo de epidemias, 11% de terremotos e vulcanismo, 88% de fenômenos climáticos ou meteorológicos. As secas e as inundações foram as ocorrências que provocaram impactos em mais indivíduos. As grandes estiagens atingiram 57 milhões de pessoas (41% de todos os afetados), e as enchentes, 52,5 milhões de habitantes (38%). O Brasil respondeu por cerca de 85% das vítimas não fatais de secas, essencialmente moradores do Nordeste, e por um terço dos atingidos por inundações, fundamentalmente habitantes das grandes cidades do Sul-Sudeste.
© AFP
...inundação em Caracas, na Venezuela: esses dois tipos de desastres são os que afetam o maior número de pessoas
…inundação em Caracas, na Venezuela: esses dois tipos de desastres são os que afetam o maior número de pessoas
Estimados em US$ 44 bilhões ao longo das cinco décadas, os prejuízos materiais associados aos quase 900 desastres contabilizados foram decorrentes, em 80% dos casos, de fenômenos de natureza climática ou meteorológica. “O Brasil tem quase 50% do território e mais da metade da população da América do Sul. Mas foi palco de apenas 20% dos desastres, 5% das mortes e 30% dos prejuízos econômicos associados a esses eventos”, diz Lucí. “O número de pessoas afetadas aqui, no entanto, foi alto, 53% do total de atingidos por desastres na América do Sul. Ainda temos vulnerabilidades, mas não tanto quanto países como Peru, Colômbia e Equador.”
Para escrever o estudo, a geógrafa com-pilou, organizou e analisou os registros de desastres naturais das últimas cinco décadas nos países da América do Sul, além da Guiana Francesa (departamento ultramarino da França), que estão armazenados no Em-Dat – International Disaster Database. Essa base de dados reúne informações sobre mais de 21 mil desastres naturais ocorridos em todo o mundo desde 1900 até hoje. Ela é mantida pelo Centro de Pesquisa em Epidemiologia de Desastres (Cred, na sigla em inglês), que funciona na Escola de Saúde Pública da Universidade Católica de Louvain, em Bruxelas (Bélgica). “Não há base de dados perfeita”, pondera Lucí. “A do Em-Dat é falha, por exemplo, no registro de desastres biológicos.” Sua vantagem é juntar informações oriundas de diferentes fontes – agências não governamentais, órgãos das Nações Unidas, companhias de seguros, institutos de pesquisa e meios de comunicação – e arquivá-las usando sempre a mesma metodologia, abordagem que possibilita a realização de estudos comparativos.
O que caracteriza um desastre
Os eventos registrados no Em-Dat como desastres naturais devem preencher ao menos uma de quatro condições: provocar a morte de no mínimo 10 pessoas; afetar 100 ou mais indivíduos; motivar a declaração de estado de emergência; ou ainda ser a razão para um pedido de ajuda internacional. No trabalho sobre a América do Sul, Lucí organizou os desastres em três grandes categorias, subdivididas em 10 tipos de ocorrências. Os fenômenos de natureza geofísica englobam os terremotos, as erupções vulcânicas e os movimentos de massa seca (como a queda de uma pedra morro abaixo em um dia sem chuva). Os eventos de caráter meteorológico ou climático abarcam as tempestades, as inundações, os deslocamentos de terra em encostas, os extremos de temperatura (calor ou frio fora do normal), as secas e os incêndios. As epidemias representam o único tipo de desastre biológico contabilizado (ver quadro).
062-065_Desastres climáticos_241O climatologista José Marengo, chefe da divisão de pesquisas do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), em Cachoeira Paulista, interior de São Paulo, afirma que, além de eventos naturais, existem desastres considerados tecnológicos e casos híbridos. O rompimento em novembro passado de uma barragem de rejeitos da mineradora Samarco, em Mariana (MG), que provocou a morte de 19 pessoas e liberou toneladas de uma lama tóxica na bacia hidrográfica do rio Doce, não tem relação com eventos naturais. Pode ser qualificado como um desastre tecnológico, em que a ação humana está ligada às causas da ocorrência. Em 2011, o terremoto de 9.0 graus na escala Richter, seguido detsunamis, foi o maior da história do Japão. Matou quase 16 mil pessoas, feriu 6 mil habitantes e provocou o desaparecimento de 2.500 indivíduos. Destruiu também cerca de 138 mil edificações. Uma das construções afetadas foi a usina nuclear de Fukushima, de cujos reatores vazou radioatividade. “Nesse caso, houve um desastre tecnológico causado por um desastre natural”, afirma Marengo.
Década após década, os registros de desastres naturais têm aumentado no continente, seguindo uma tendência que parece ser global. “A qualidade das informações sobre os desastres naturais melhorou muito nas últimas décadas. Isso ajuda a engrossar as estatísticas”, diz Lucí. “Mas parece haver um aumento real no número de eventos ocorridos.” Segundo o estudo, grande parte da escalada de eventos trágicos se deveu ao número crescente de fenômenos meteorológicos e climáticos de grande intensidade que atingiram a América do Sul. Na década de 1960, houve 51 eventos desse tipo. Nos anos 2000, o número subiu para 257. Ao longo das cinco décadas, a incidência de desastres geofísicos, que provocam muitas mortes, manteve-se mais ou menos estável e os casos de epidemias diminuíram.
Risco urbano 
O número de mortes em razão de eventos extremos parece estar diminuindo depois de ter atingido um pico de 75 mil óbitos nos anos 1970. Na década passada, houve pouco mais de 6 mil mortes na América do Sul causadas por desastres naturais, de acordo com o levantamento de Lucí. Historicamente, as vítimas fatais se concentram em poucas ocorrências de enormes proporções, em especial os terremotos e as erupções vulcânicas. Os 20 eventos com mais fatalidades (oito ocorridos no Peru e cinco na Colômbia) responderam por 83% de todas as mortes ligadas a fenômenos naturais entre 1960 e 2009. O pior desastre foi um terremoto no Peru em maio de 1970, com 66 mil mortes, seguido de uma inundação na Venezuela em dezembro de 1999 (30 mil mortes) e uma erupção vulcânica na Colômbia em novembro de 1985 (20 mil mortes). O Brasil contabiliza o 9º evento com mais fatalidades (a epidemia de meningite em 1974, com 1.500 óbitos) e o 19° (um deslizamento de encostas, em razão de fortes chuvas, que matou 436 pessoas em março de 1967 em Caraguatatuba, litoral de São Paulo).
Também houve declínio na quantidade de pessoas afetadas nos anos mais recentes, mas as cifras continuam elevadas. Nos anos 1980, os desastres produziram cerca de 50 milhões de vítimas não fatais na América do Sul. Na década passada e também na retrasada, o número caiu para cerca de 20 milhões.
062-065_Desastres climáticos_241-02Sete em cada 10 latino-americanos moram atualmente em cidades, onde a ocupação do solo sem critérios e algumas características geoclimáticas específicas tendem a aumentar a vulnerabilidade da população local a desastres naturais. Lucí comparou a situação de 56 aglomerados urbanos com mais de 750 mil habitantes da América do Sul em relação a cinco fatores que aumentam o risco de calamidades: seca, terremoto, inundação, deslizamento de encostas e vulcanismo. Quito, capital do Equador, foi a única metrópole que estava exposta aos cinco fatores. Quatro cidades colombianas (Bogotá, Cáli, Cúcuta e Medellín) e La Paz, na Bolívia, vieram logo atrás, com quatro vulnerabilidades. As capitais brasileiras apresentaram no máximo dois fatores de risco, seca e inundação (ver quadro). “Os desastres resultam da junção de ameaças naturais e das vulnerabilidades das áreas ocupadas”, diz o pesquisador Victor Marchezini, do Cemaden, sociólogo que estuda os impactos de longo prazo desses fenômenos extremos. “São um evento socioambiental.”
É difícil mensurar os custos de um desastre. Mas a partir de dados da edição de 2013 do Atlas brasileiro de desastres naturais, que usa uma metodologia dife-rente da empregada pela geógrafa da Unicamp para contabilizar calamidades na América do Sul, o grupo de Carlos Eduardo Young, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), fez no final do ano passado um estudo. Baseado em estimativas do Banco Mundial de perdas provocadas por desastres em alguns estados brasileiros, Young calculou que enxurradas, inundações e movimentos de massa ocorridos entre 2002 e 2012 provocaram prejuízos econômicos de ao menos R$ 180 bilhões para o país. Em geral, os estados mais pobres, como os do Nordeste, sofreram as maiores perdas econômicas em relação ao tamanho do seu PIB. “A vulnerabilidade a desastres pode ser inversamente proporcional ao grau de desenvolvimento econômico dos estados”, diz o economista. “As mudanças climáticas podem acirrar a questão da desigualdade regional no Brasil.”

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