Saturday 18 November 2017

ECOMUSEU, UnB

Prof. Dr. IRINEU TAMAIO
Universidade de Brasília, UnB
ECOMUSEU


Ecomuseu da Pedra Fundamental

Prof. Dr. Irineu Tamaio[1]

Conceitos e definições: o que é um Ecomuseu?
Esse conceito de museu surge com os historiadores e museólogos Hugues de Varine e Georges Henri Rivière, nos anos 1970, do século passado na França. E passou a ser conhecida como uma nova abordagem denominada de “nova museologia” ou “museologia comunitária”. O prefixo “eco” refere-se tanto ao espaço natural (ecologia) como ao social (cultura e ecologia humana).
Essa nova compreensão de museu incorpora a dimensão ecológica à concepção dos museus (museu ecológico), no sentido de aliar ser humano, natureza e o território sobre o qual vive uma população que se dispõe de forma comunitária a “se apropriar da identificação, criação e gestão de seu patrimônio natural e cultural” (VARINE, 2012). 
Para Rivière (1985), o conceito de Ecomuseu é evolutivo e como tal não pode ser definido de forma estática, acompanhando a evolução da sociedade e sendo uma instituição dinâmica. Ele caracterizava o Ecomuseu como um museu de um novo gênero, tendo por base três noções: a interdisciplinaridade baseada na ecologia, a união com a comunidade e a participação desta comunidade na sua construção e no seu funcionamento.
O Ecomuseu é um instrumento dos indivíduos e da natureza, museu do tempo, museu do espaço, sendo por isso o local para a real expressão da humanidade e da natureza.
Para Varine (2007), no artigo “O lugar da comunidade no museu: uma troca de serviços”, o conceito de Ecomuseu pode ser definido como “instituição cultural, dedicada ao patrimônio comum, não pode existir verdadeira e culturalmente «fora do solo», como se diz de certas culturas alimentares que crescem em estruturas inteiramente artificiais com adubos igualmente artificiais. Um museu deslocado da sua relação com o território seria um simples lugar comercial de consumo e de lazer ou uma instituição de ciência pura. Para continuar cultural, deve estar enraizado num terreno humano e se nutrir da cultura viva da comunidade envolvente”.


Nesse mesmo sentido, Almeida (2017) considera que o Ecomuseu tem que estimular um processo comunitário que propicie um pensamento que fortaleça identidades, vínculos e relações. Não existe museu comunitário sem co-criação. É fundamental que tenha a vocação para construir um cenário de sustentabilidade e redes de aprendizagem.
Nesse mesmo sentido, Almeida (2017) considera que o Ecomuseu tem que estimular um processo comunitário que propicie um pensamento que fortaleça identidades, vínculos e relações. Não existe museu comunitário sem co-criação. É fundamental que tenha a vocação para construir um cenário de sustentabilidade e redes de aprendizagem.
O Ecomuseu busca agregar indivíduos em torno de causas comuns, vinculados com o território e com a sustentabilidade socioambiental local e regional. Ele representa um território educativo, por significar um lugar, um povo e sua cultura imbricados em um processo de aprendizado coletivo, autoestima e senso de pertencimento (ALMEIDA, 2017).

Algumas diferenças entre o museu tradicional e o Ecomuseu comunitário
No Brasil, foi a partir da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, também conhecida como Eco-92, que o conceito de Ecomuseu e da museologia comunitária ganhou espaço, sobretudo a partir da criação do Ecomuseu Comunitário de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, o primeiro do país. De lá para cá, essa nova concepção de museu tem se tornado referência em várias comunidades e territórios brasileiros.
De acordo com a Associação Brasileira de Ecomuseus e Museologia Comunitária (ABREMEC) por meio da plataforma “cidades educadoras” temos os seguintes Ecomuseus no Brasil: Ecomuseu Comunitário de Santa Cruz (RJ), Ecomuseu da Amazônia (PA), Ecomuseu Campos de São José (SP), Ecomuseu da Serra de Ouro Preto (MG), Ecomuseu de Pacoti (CE), Museu Comunitário Treze de Maio (RS), Museu – Índio Jenipapo Kanindé (CE), Ecomuseu do Cipó (MG) e Ecomuseu de Sepetiba (RJ). 
Dessa forma, essa nova compreensão de museu tem expandido e contribuído como um exercício de cidadania ambiental por ser uma experiência coletiva como contexto formador não instituído, com novas narrativas de natureza, ou seja, um espaço educador.
Essa interpretação dialoga com o que Varine (2006) apregoa ao destacar que o "novo museu" é diferente do "museu tradicional” em três vértices. Uma vertente é o realce dado ao território, seja meio ambiente ou local, em vez de se realçar o prédio institucional. Outro ponto está na ênfase colocada no patrimônio, em vez de ser dada à  coleção, a importância é dada ao papel da comunidade  na sua proteção, em oposição ao enfoque dado aos visitantes nos museus tradicionais.
As diferenças entre essas duas ideias, de acordo com Varine (2006), são resumidas nesse quadro seguinte:  
Museu tradicional
Ecomuseu
Coleção
Patrimônio
Público
Comunidade
Edifício
Território

Assim, o Ecomuseu traz em sua concepção a ideia de aliar ser humano, natureza e cultura e ao mesmo tempo propõe a valorização do território onde essas relações se desenvolvem. Em sua dinâmica permite que a comunidade se sinta representada culturalmente e o ambiente natural onde essa cultura se desenvolveu possa ser conservado.
Para a criação do Ecomuseu a própria comunidade contribui na definição do território e se compromete a conservá-lo em suas características físico-ambientais e culturais. A partir dessa concepção, a história da comunidade e de seu patrimônio material e imaterial deixa de ser parte de coleções formalmente instaladas em espaços fechados (prédios) para ganhar uma dimensão pública, onde o acervo são as experiências vivenciadas no tempo e no espaço, em sua dinâmica.
Com a globalização e o atual modelo de desenvolvimento ameaçando as tradições, a identidade e o patrimônio natural e cultural, os Ecomuseus surgem como alternativas de resistência a essas ameaças, contando ainda com o poder de manifestação cultural das comunidades envolvidas na concepção dos Ecomuseus.
Varine (2006) descreve o Ecomuseu como “uma emanação de comunidade de vizinhança que é, simultaneamente, seu sujeito e seu objeto. Seus princípios são a organização, o método e a pedagogia. É uma instituição que administra, estuda, explora com fins científicos, educativos e culturais, o patrimônio global de uma determinada comunidade, compreendendo a totalidade do ambiente natural e cultural dessa comunidade”.
Frente a essas compreensões conceituais sobre o papel de um novo museu, o coletivo do movimento de criação do Ecomuseu da Pedra Fundamental, em Planaltina, Distrito Federal, acrescenta que a experiência local tem mostrado a quebra de fronteiras de conhecimentos, tem oportunizado a vivência da paisagem e a apreensão do seu conteúdo visual, de forma afetiva, onde sobressai o aspecto subjetivo. O território com a sua riqueza natural e cultural torna-se objeto de sentimento. Constituem-se em grupos de trocas e estudos que contribui para o senso de pertencimento.
Esse processo do Ecomuseu contribui para subverter a lógica dicotômica que separa a cultura da natureza; a cultura da política; a cultura popular da cultura de elite; bem como outras disjunções do pensamento moderno. Além disso, esse processo do Ecomuseu ajuda ampliar formas de interpretação do território. Ao romper com o monopólio da interpretação da paisagem, por exemplo, surgem novas leituras, representando uma história social das relações humanas com a natureza. São comunidades interpretativas que são verdadeiras comunidades políticas (Santos, 2000).

Frente ao domínio do pensamento racional moderno que se apropria da natureza e da cultura como mais uma mercadoria, o movimento do Ecomuseu representa um movimento a mais de resistência, diante das múltiplas formas de resistências a destruição da vida.   
A comunidade de Planaltina, no Distrito Federal, representada pelos diversos grupos sociais que participam do movimento horizontal de criação do Ecomuseu da Pedra Fundamental, concebe o conceito de Ecomuseu a partir das referências conceituais e teóricas aqui descritas.

UM LABORATÓRIO DE SIGINIFICADOS PARA A HISTÓRIA E PARA A EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Nas últimas décadas, temos observado um intenso processo de ocupação territorial no Distrito Federal, seja por meio da conversão de paisagens naturais para o uso do solo ou pela pressão imobiliária, o que tem provocado um fenômeno de perda irreparável de algumas características do meio ambiente natural.
As pressões exercidas pelo aumento populacional e a demanda por áreas para habitação, para a agricultura moderna, para a agricultura familiar, para o lazer, para a produção e disponibilização de água e outros, fizeram com que os ambientes naturais de Cerrado sofressem drásticas transformações, num período de tempo relativamente curto.
A proposta da criação do Ecomuseu do Cerrado, com uma área que abrange a região do Alto da Bacia do Rio São Bartalomeu é fundamental como mais um instrumento que possibilita, fortalece e valoriza a beleza cênica, o equilíbrio ecossistêmico e ecológico, a cultura local e os resultados históricos do processo de ocupação.
Diante do alarmante ritmo de destruição do Cerrado, é primordial a criação simbólica de uma área territorial já constituída de áreas de reservas, fragmentos e leitos de rios que representam um laboratório vivo de significações ambientais para a História do Distrito Federal.
Essa área configura-se em um espaço territorial no qual a sua paisagem representa uma história social das relações humanas com a natureza, portanto, é um espaço pedagógico para o exercício da observação e contemplação que contribui para a construção de novas narrativas de natureza.
Assim, o Ecomuseu é um campo rico para o aprendizado da História Ambiental nessa região, pois essas paisagens naturais (Cerrado) e sua relação com os habitantes locais resultaram em uma configuração histórica que pode ser refletida por toda a comunidade de aprendizes.
Sob o olhar da História Ambiental, é uma arena de representação das compreensões de natureza como enaltecimento (sensibilidade ecológica) ou como repulsa (razão instrumental utilitarista) (CARVALHO, 2011). Os conjuntos históricos ambientais, a memória, a cultura do território podem ser refletidos e gerenciados pela comunidade, revelando mais um estímulo para a ação, o agir para proteger.
Também representa um museu vivo para a Educação Ambiental, um campo de possibilidades de interpretação e sensibilização que pode contribuir para o desenvolvimento de posturas sociopolíticas que contribua para a manutenção do habitat e garantia de conectividade da paisagem e reconstrução da cobertura florestal.
Essa área representa uma oportunidade para se conhecer, conviver e conservar a paisagem, em seus aspectos naturais e humanos, proporcionando interações culturais e ambientais, condições de potencializar a região, estabelecendo mais uma forma de compreender as diferenças das identidades locais através da vida tradicional e do ecossistema.
Para a Educação Ambiental, o Ecomuseu é mais uma área de atuação para a compreensão da natureza como um campo de disputa política, uma arena de conservação ambiental, histórica e cultural, onde a Educação Ambiental tem a oportunidade de problematizar esses diferentes interesses e forças sociais que se organizam em torno das questões ambientais naquele território, portanto, o seu papel é refletir e disputar os sentidos do ambiental.

a)    Formação continuada
·        O território do Ecomuseu da Pedra Fundamental como laboratório de significados para a Educação Ambiental e História Ambiental (Coord. Prof. Irineu Tamaio) – Descrição: a ação visa recorrer aos elementos socioambientais, áreas naturais, aspectos culturais, a história material e imaterial da região do Ecomuseu como mais um campo de aprendizado para a formação de educadores e educandos em Educação Ambiental e História Ambiental.
b)    Pesquisa
·        Compreensões de Hidrografia e Clima presentes no relatório da Missão Cruls de 1894 (Coord. Prof. Irineu Tamaio) – Descrição: o objetivo é mapear as narrativas relacionadas à Hidrografia e ao Clima apreendido durante o período em que a expedição esteve no território. E a partir desses dados desenvolver uma análise com indicadores de eventuais mudanças na paisagem que repercutem na situação de mudança do clima local e regional.  
·        Ecomuseu da Pedra Fundamental e a História Ambiental – (Coord. Prof. Irineu Tamaio) Descrição: o monumento da Pedra Fundamental assentada no Morro do Centenário em Planaltina, em 1922, que indicava a região como espaço geográfico para a construção da futura capital da República, representou um marco histórico para a ocupação do Sertão Goiano. Essa pesquisa visa analisar o ensino da História Ambiental a partir do estudo do movimento de criação do Ecomuseu da Pedra Fundamental, Planaltina (DF). O movimento e a organização da sociedade civil local para a criação do Ecomuseu é analisado nessa pesquisa como um instrumento para o ensino da História Ambiental no curso de Graduação de Gestão Ambiental.

Referencias bibliográficas 
ALMEIDA, Nádia Helena. Cidades Educadoras. Como criar um museu comunitário? In: http://cidadeseducadoras.org.br/metodologias/como-criar-um-museu-comunitario/ - acesso em 30/10/2017.
CARVALHO, Isabel C. de M. Uma história social das relações com a natureza. In: Educação Ambiental: a formação do sujeito ecológico – 5ª ed, Cortez: São Paulo, 2011, p. 91-107.
CLAIR, Jean. As origens da noção de ecomuseu. Cracap Informations, no. 2-3, Trad: Tereza Scheiner, 1976. p. 2-4.
PRIOSTI, Odalice Miranda e Priosti, Walter Vieira. Ecomuseu, Memória e Comunidade: Museologia da Libertação e piracema cultural no Ecomuseu de Santa Cruz. Rio de Janeiro: Camelo comunicação, 2013.
RIVIÈRE, Georges Henri. Definición evolutiva del ecomuseo. In: Revista Museum. Imágenes del ecomuseo, Paris: UNESCO, v. XXXVII, nº 148, p.182-183, 1985.
SANTOS, Boaventura de Souza. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. 2. ed., São Paulo: Cortez, 2000.
SOARES, Bruno César Brulon. Entendendo o Ecomuseu: uma nova forma de pensar a Museologia, in Revista "Eletrônica Jovem Museologia – Estudos sobre Museus, Museologia e Patrimônio" Ano 01, nº. 02. Agosto 2006.
VARINE, Hugues de. As raízes do futuro: o patrimônio a serviço do desenvolvimento local. Porto Alegre: Medianiz, 2012.
­­­_________________. O lugar da comunidade no museu: uma troca de serviços. Intervenção apresentada no Congresso do Conselho Internacional de Museus - ICOM. Verona, 2007.
_________________. El ecomuseo, más allá de la palabra. in Revista Museum.  Imágenes del ecomuseo. Paris: Unesco, 1985, vol. XXXVII, nº148.



[1] Professor de História Ambiental e de Educação Ambiental na Universidade de Brasília (UnB) – campus Planaltina e membro do Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA). 

No comments: