Prof. Dr. IRINEU TAMAIO
Universidade de Brasília, UnB
ECOMUSEU
Ecomuseu
da Pedra Fundamental
Prof.
Dr. Irineu Tamaio[1]
Conceitos
e definições: o que é um Ecomuseu?
Esse conceito
de museu surge com os historiadores e museólogos Hugues de Varine e Georges
Henri Rivière, nos anos 1970, do século passado na França. E passou a ser
conhecida como uma nova abordagem denominada de “nova museologia” ou “museologia
comunitária”. O prefixo “eco” refere-se tanto ao espaço natural (ecologia) como
ao social (cultura e ecologia humana).
Essa nova compreensão de museu incorpora
a dimensão ecológica à concepção dos museus (museu ecológico), no sentido de
aliar ser humano, natureza e o território sobre o qual vive uma população que
se dispõe de forma comunitária a “se apropriar da identificação, criação e
gestão de seu patrimônio natural e cultural” (VARINE, 2012).
Para Rivière (1985), o conceito
de Ecomuseu é evolutivo e como tal não pode ser definido de forma estática,
acompanhando a evolução da sociedade e sendo uma instituição dinâmica. Ele
caracterizava o Ecomuseu como um museu de um novo gênero, tendo por base três
noções: a interdisciplinaridade baseada na ecologia, a união com a comunidade e a
participação desta comunidade na sua construção e no seu funcionamento.
O Ecomuseu é um instrumento dos
indivíduos e da natureza, museu do tempo, museu do espaço, sendo por isso o
local para a real expressão da humanidade e da natureza.
Para Varine (2007), no artigo “O
lugar da comunidade no museu: uma troca de serviços”, o conceito de
Ecomuseu pode ser definido como “instituição cultural, dedicada ao patrimônio
comum, não pode existir verdadeira e culturalmente «fora do solo», como se diz
de certas culturas alimentares que crescem em estruturas inteiramente artificiais
com adubos igualmente artificiais. Um museu deslocado da sua relação com o
território seria um simples lugar comercial de consumo e de lazer ou uma
instituição de ciência pura. Para continuar cultural, deve estar enraizado num
terreno humano e se nutrir da cultura viva da comunidade envolvente”.
Nesse mesmo sentido, Almeida (2017) considera que o Ecomuseu tem que
estimular um processo comunitário que propicie um pensamento que fortaleça
identidades, vínculos e relações. Não existe museu comunitário sem co-criação.
É fundamental que tenha a vocação para construir um cenário de sustentabilidade
e redes de aprendizagem.
Nesse mesmo sentido, Almeida (2017)
considera que o Ecomuseu tem que estimular um processo comunitário que propicie
um pensamento que fortaleça identidades, vínculos e relações. Não existe museu
comunitário sem co-criação. É fundamental que tenha a vocação para construir um
cenário de sustentabilidade e redes de aprendizagem.
O
Ecomuseu busca agregar indivíduos em torno de causas comuns, vinculados com o território
e com a sustentabilidade socioambiental local e regional. Ele representa um
território educativo, por significar um lugar, um povo e sua cultura imbricados
em um processo de aprendizado coletivo, autoestima e senso de pertencimento
(ALMEIDA, 2017).
Algumas diferenças entre o museu tradicional e o Ecomuseu
comunitário
No Brasil, foi a partir da Conferência das
Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, também conhecida
como Eco-92, que o conceito de Ecomuseu e da museologia comunitária ganhou
espaço, sobretudo a partir da criação do Ecomuseu Comunitário de Santa Cruz, no
Rio de Janeiro, o primeiro do país. De lá para cá, essa nova concepção de museu
tem se tornado referência em várias comunidades e territórios brasileiros.
De acordo com a Associação
Brasileira de Ecomuseus e Museologia Comunitária (ABREMEC) por meio da
plataforma “cidades educadoras” temos os seguintes Ecomuseus no Brasil:
Ecomuseu Comunitário de Santa Cruz (RJ), Ecomuseu da Amazônia (PA), Ecomuseu
Campos de São José (SP), Ecomuseu da Serra de Ouro Preto (MG), Ecomuseu de
Pacoti (CE), Museu Comunitário Treze de Maio (RS), Museu – Índio Jenipapo
Kanindé (CE), Ecomuseu do Cipó (MG) e Ecomuseu de Sepetiba (RJ).
Dessa forma, essa nova compreensão de museu tem
expandido e contribuído como um exercício de cidadania ambiental por ser uma
experiência coletiva como contexto formador não instituído, com novas
narrativas de natureza, ou seja, um espaço educador.
Essa interpretação dialoga com o
que Varine (2006) apregoa ao destacar que o "novo museu" é diferente
do "museu tradicional” em três vértices. Uma vertente é o realce dado
ao território, seja meio
ambiente ou local, em vez de se realçar o prédio institucional. Outro ponto está na ênfase colocada
no patrimônio, em vez de
ser dada à coleção, a
importância é dada ao papel da comunidade
na sua proteção, em oposição ao enfoque dado aos visitantes nos museus tradicionais.
As diferenças entre essas duas
ideias, de acordo com Varine (2006), são resumidas nesse quadro seguinte:
Museu tradicional
|
Ecomuseu
|
Coleção
|
Patrimônio
|
Público
|
Comunidade
|
Edifício
|
Território
|
Assim, o Ecomuseu
traz em sua concepção a ideia de aliar ser humano, natureza e cultura e ao
mesmo tempo propõe a valorização do território onde essas relações se
desenvolvem. Em sua dinâmica permite que a comunidade se sinta representada
culturalmente e o ambiente natural onde essa cultura se desenvolveu possa ser conservado.
Para a
criação do Ecomuseu a própria comunidade contribui na definição do território e
se compromete a conservá-lo em suas características físico-ambientais e
culturais. A partir dessa concepção, a história da comunidade e de seu
patrimônio material e imaterial deixa de ser parte de coleções formalmente
instaladas em espaços fechados (prédios) para ganhar uma dimensão pública, onde
o acervo são as experiências vivenciadas no tempo e no espaço, em sua dinâmica.
Com a
globalização e o atual modelo de desenvolvimento ameaçando as tradições, a
identidade e o patrimônio natural e cultural, os Ecomuseus surgem como
alternativas de resistência a essas ameaças, contando ainda com o poder de
manifestação cultural das comunidades envolvidas na concepção dos Ecomuseus.
Varine
(2006) descreve o Ecomuseu como “uma emanação de comunidade de vizinhança que
é, simultaneamente, seu sujeito e seu objeto. Seus princípios são a
organização, o método e a pedagogia. É uma instituição que administra, estuda,
explora com fins científicos, educativos e culturais, o patrimônio global de
uma determinada comunidade, compreendendo a totalidade do ambiente natural e
cultural dessa comunidade”.
Frente a
essas compreensões conceituais sobre o papel de um novo museu, o coletivo do
movimento de criação do Ecomuseu da Pedra Fundamental, em Planaltina, Distrito
Federal, acrescenta que a experiência local tem mostrado a quebra de fronteiras
de conhecimentos, tem oportunizado a vivência da paisagem e a apreensão do seu
conteúdo visual, de forma afetiva, onde sobressai o aspecto subjetivo. O
território com a sua riqueza natural e cultural torna-se objeto de sentimento.
Constituem-se em grupos de trocas e estudos que contribui para o senso de
pertencimento.
Esse
processo do Ecomuseu contribui para subverter a lógica dicotômica que separa a
cultura da natureza; a cultura da política; a cultura popular da cultura de
elite; bem como outras disjunções do pensamento moderno. Além disso, esse
processo do Ecomuseu ajuda ampliar formas de interpretação do território. Ao
romper com o monopólio da interpretação da paisagem, por exemplo, surgem novas
leituras, representando uma história social das relações humanas com a
natureza. São comunidades interpretativas que são verdadeiras comunidades
políticas (Santos, 2000).
Frente
ao domínio do pensamento racional moderno que se apropria da natureza e da
cultura como mais uma mercadoria, o movimento do Ecomuseu representa um
movimento a mais de resistência, diante das múltiplas formas de resistências a
destruição da vida.
A comunidade
de Planaltina, no Distrito Federal, representada pelos diversos grupos sociais
que participam do movimento horizontal de criação do Ecomuseu da Pedra
Fundamental, concebe o conceito de Ecomuseu a partir das referências
conceituais e teóricas aqui descritas.
UM LABORATÓRIO DE SIGINIFICADOS PARA A HISTÓRIA
E PARA A EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Nas
últimas décadas, temos observado um intenso processo de ocupação territorial no
Distrito Federal, seja por meio da conversão de paisagens naturais para o uso
do solo ou pela pressão imobiliária, o que tem provocado um fenômeno de perda
irreparável de algumas características do meio ambiente natural.
As
pressões exercidas pelo aumento populacional e a demanda por áreas para
habitação, para a agricultura moderna, para a agricultura familiar, para o lazer,
para a produção e disponibilização de água e outros, fizeram com que os
ambientes naturais de Cerrado sofressem drásticas transformações, num período
de tempo relativamente curto.
A
proposta da criação do Ecomuseu do Cerrado, com uma área que abrange a região
do Alto da Bacia do Rio São Bartalomeu é fundamental como mais um instrumento
que possibilita, fortalece e valoriza a beleza cênica, o equilíbrio
ecossistêmico e ecológico, a cultura local e os resultados históricos do
processo de ocupação.
Diante do
alarmante ritmo de destruição do
Cerrado, é primordial a criação simbólica de uma área territorial já
constituída de áreas de reservas, fragmentos e leitos de rios que representam
um laboratório vivo de significações ambientais para a História do Distrito Federal.
Essa área
configura-se em um espaço territorial no qual a sua paisagem representa uma
história social das relações humanas com a natureza, portanto, é um espaço
pedagógico para o exercício da observação e contemplação que contribui para a
construção de novas narrativas de natureza.
Assim, o
Ecomuseu é um campo rico para o aprendizado da História Ambiental nessa região,
pois essas paisagens naturais (Cerrado) e sua relação com os habitantes locais
resultaram em uma configuração histórica que pode ser refletida por toda a
comunidade de aprendizes.
Sob o olhar
da História Ambiental, é uma arena de representação das compreensões de
natureza como enaltecimento (sensibilidade ecológica) ou como repulsa (razão
instrumental utilitarista) (CARVALHO, 2011). Os conjuntos históricos
ambientais, a memória, a cultura do território podem ser refletidos e
gerenciados pela comunidade, revelando mais um estímulo para a ação, o agir
para proteger.
Também
representa um museu vivo para a Educação Ambiental, um campo de possibilidades
de interpretação e sensibilização que pode contribuir para o desenvolvimento de
posturas sociopolíticas que contribua para a manutenção do habitat e garantia
de conectividade da paisagem e reconstrução da cobertura florestal.
Essa área
representa uma oportunidade para se conhecer, conviver e conservar a paisagem,
em seus aspectos naturais e humanos, proporcionando interações culturais e
ambientais, condições de potencializar a região, estabelecendo mais uma forma
de compreender as diferenças das identidades locais através da vida tradicional
e do ecossistema.
Para a
Educação Ambiental, o Ecomuseu é mais uma área de atuação para a compreensão da
natureza como um campo de disputa política, uma arena de conservação ambiental,
histórica e cultural, onde a Educação Ambiental tem a oportunidade de
problematizar esses diferentes interesses e forças sociais que se organizam em
torno das questões ambientais naquele território, portanto, o seu papel é
refletir e disputar os sentidos do ambiental.
a) Formação continuada
·
O território do
Ecomuseu da Pedra Fundamental como laboratório de significados para a Educação
Ambiental e História Ambiental (Coord. Prof. Irineu Tamaio) – Descrição: a
ação visa recorrer aos elementos socioambientais, áreas naturais, aspectos
culturais, a história material e imaterial da região do Ecomuseu como mais um
campo de aprendizado para a formação de educadores e educandos em Educação
Ambiental e História Ambiental.
b) Pesquisa
·
Compreensões de
Hidrografia e Clima presentes no relatório da Missão Cruls de 1894 (Coord. Prof. Irineu
Tamaio) – Descrição: o objetivo é mapear as narrativas relacionadas à
Hidrografia e ao Clima apreendido durante o período em que a expedição esteve
no território. E a partir desses dados desenvolver uma análise com indicadores
de eventuais mudanças na paisagem que repercutem na situação de mudança do
clima local e regional.
·
Ecomuseu da Pedra
Fundamental e a História Ambiental – (Coord. Prof. Irineu Tamaio) Descrição: o monumento
da Pedra Fundamental assentada no Morro do Centenário em Planaltina, em 1922,
que indicava a região como espaço geográfico para a construção da futura
capital da República, representou um marco histórico para a ocupação do Sertão
Goiano. Essa pesquisa visa analisar o ensino da História Ambiental a partir do
estudo do movimento de criação do Ecomuseu da Pedra Fundamental, Planaltina
(DF). O movimento e a organização da sociedade civil local para a criação do
Ecomuseu é analisado nessa pesquisa como um instrumento para o ensino da
História Ambiental no curso de Graduação de Gestão Ambiental.
Referencias
bibliográficas
ALMEIDA,
Nádia Helena. Cidades Educadoras. Como
criar um museu comunitário? In: http://cidadeseducadoras.org.br/metodologias/como-criar-um-museu-comunitario/ - acesso em
30/10/2017.
CARVALHO,
Isabel C. de M. Uma história social das
relações com a natureza. In: Educação Ambiental: a formação do sujeito
ecológico – 5ª ed, Cortez: São Paulo, 2011, p. 91-107.
CLAIR, Jean. As origens da noção de ecomuseu. Cracap Informations, no. 2-3, Trad: Tereza Scheiner, 1976.
p. 2-4.
PRIOSTI,
Odalice Miranda e Priosti, Walter Vieira. Ecomuseu, Memória e
Comunidade: Museologia da Libertação e piracema cultural no Ecomuseu de Santa
Cruz. Rio de Janeiro: Camelo comunicação, 2013.
RIVIÈRE,
Georges Henri. Definición evolutiva del
ecomuseo. In: Revista Museum. Imágenes del ecomuseo, Paris: UNESCO, v. XXXVII,
nº 148, p.182-183, 1985.
SANTOS,
Boaventura de Souza. A crítica da razão
indolente: contra o desperdício da experiência. 2. ed., São Paulo: Cortez,
2000.
SOARES, Bruno César Brulon. Entendendo
o Ecomuseu: uma nova forma de pensar a Museologia, in Revista
"Eletrônica Jovem Museologia – Estudos sobre Museus, Museologia e
Patrimônio" Ano 01, nº. 02. Agosto 2006.
VARINE,
Hugues de. As raízes do futuro: o
patrimônio a serviço do desenvolvimento local. Porto Alegre: Medianiz,
2012.
_________________.
O lugar da comunidade no museu: uma
troca de serviços. Intervenção apresentada no Congresso do Conselho
Internacional de Museus - ICOM. Verona, 2007.
_________________. El ecomuseo, más
allá de la palabra. in Revista Museum. Imágenes
del ecomuseo. Paris:
Unesco, 1985, vol. XXXVII, nº148.
[1]
Professor de História Ambiental e de Educação Ambiental na Universidade de
Brasília (UnB) – campus Planaltina e
membro do Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA).
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