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Na cúpula do clima, Bolsonaro pediu arrego
Na Cúpula do Clima, Bolsonaro disse um monte de mentiras e meias verdades de corar mesmo os mais cínicos (Foto: Marcos Corrêa/PR)
Bolsonaro, enfim, falou na Cúpula do Clima, evento organizado pelo governo dos Estados Unidos com os líderes mundiais, e que corresponde a um dos passos importantes do projeto de Joe Biden de trazer o seu país de volta aos eixos da civilização depois das trevas da administração de Donald Trump. Para além das prementes questões ambientais, o evento foi sobretudo uma tomada de posição política, de Biden e do mundo, para marcar o fim do pesadelo trumpista.
O primeiro passo da destrumpização dos Estados Unidos e do mundo foi adoção de uma atitude nova em relação a como lidar com a ameaça da pandemia. As medidas foram simples, intuitivas e extremamente eficazes: guiar-se pela ciência e apelas autoridades mundiais em Saúde, e vacinar universal e rapidamente a população. O segundo passo consistiu na reinserção dos Estados Unidos nos acordos ambientais mundiais, que se completa com a volta à mesa para discutir estratégias de combate às mudanças climáticas. O evento era basicamente para isso, quer dizer, para que os líderes mundiais prestigiassem Biden, o anfitrião, e o retorno dos Estados Unidos à cooperação internacional, um ritual coletivo de exorcismo dos demônios do trumpismo nas relações internacionais. O dia começou com Biden tuitando exatamente isso, “nesse Dia da Terra, tenho orgulho de dizer, science is back”.
De todos os convidados se sabia o que esperar, até de Xi Jinping e Vladimir Putin, e todos cumpriram o seu papel. Johnson, Alberto Fernández, Merkel, Macron, Yoshihide Suga, Trudeau, Narendra Modi, todos celebrando o “divisor de águas” da retomada da agenda ambiental e o alívio de se terem livrado de Trump, cada um à sua maneira. A incógnita consistia justamente em saber como se comportaria o último grande Trump da série de líderes de extrema-direita eleitos recentes no mundo, aquele que se orgulhava de ser o Trump sulamericano, o “singular” Jair Bolsonaro. Aquele que, juntamente com o seu ministro Ricardo Salles, são mundialmente conhecidos como os grandes vilões do meio ambiente, não por negligência e incapacidade de gestão, e sim por adotarem uma política claramente em desalinho com todo o resto do planeta.
Para Biden, a dupla Bolsonaro-Salles são uma pedra no meio do caminho, por representarem justamente o suprassumo da agenda de destruição ambiental e de negacionismo da mudança climática que assombraram os Estados Unidos por quatro anos. Bolsonaro-Salles são o que restam da agenda, das políticas e da visão de mundo de Trump. Por isso mesmo, para ambientalistas e governos do mundo inteiro, a dúvida da semana provavelmente estava relacionada ao que iria dizer Bolsonaro na Cúpula do Clima. Iria bancar a agenda trumpista mesmo sem ter mais as costas quentes garantidas por Trump, que já se foi?
Bolsonaro, como todo trumpista,
não negocia nem chega a acordos
quando se trata da sua visão
fanatizada do mundo.
E a agenda ambiental toca em pontos sensíveis das fantasias e conspirações da extrema-direita: o internacionalismo (pois, afinal, não há coisa mais global do que mudança climática), as posições progressistas e a convicção de que políticas devem ser guiadas por dados e pesquisa científica. Além disso, Bolsonaro, em todos os eventos internacionais de que participa, preocupa-se apenas em manter o vínculo identitário com a facção bolsonarista, ignorando ostensivamente quaisquer circunstâncias. Tem sido assim nos seus discursos na ONU, por exemplo, em que ele, apesar de ser visto e ouvido pelo mundo inteiro, falou para agradar o nosso evangélico ultraconservador, os milicianos e militares, o agro ogro brasileiro e os pauloguedistas de que precisa para continuar em paz com o capital. E só. Um sujeito imune a fatos e contextos iria se comportar diferentemente no primeiro grande evento mundial de celebração de um mundo pós-Trump?
Pois não é que o valentão pediu arrego? O discurso foi insincero, o orador disse um monte de mentiras e meias verdades de corar mesmo os mais cínicos e, por fim, foi um discurso mal lido, com aquela entonação monocorde de quem ainda não domina a leitura. Mas, convenhamos, foi uma rendição. Parecia um trabalho escolar de ensino médio sobre meio ambiente, banal, mas coretinho.
Como nós sabemos de que barro são feitos Salles e Bolsonaro, a hipocrisia nos doía aos ouvidos, mas, politicamente, foi a primeira vez em que o Trump tupiniquim capitulou diante da opinião pública mundial. Nada das ameaças histéricas contra os que querem nos roubar a Amazônia, nada da defesa da exploração mineral do solo da floresta, nada de acusação ao complô de ONGs e países do Norte da Europa para tocar fogo em tudo, nada de recusa do dinheiro internacional, em suma, nada das provocações baratas aos ambientalistas e à ciência dos últimos anos. Pela primeira vez, Bolsonaro vestiu a roupinha que lhe costuraram, prendeu o fôlego e recitou direitinho o papel que o mundo pós-trumpista lhe deu. Sim, Bolsonaro sentiu o golpe e passou recibo disto.
Wilson Gomes é doutor em Filosofia, professor titular da Faculdade de Comunicação da UFBA e autor de A democracia no mundo digital: história, problemas e temas (Edições Sesc SP)
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