O futuro da sustentabilidade: bioeconomia bioecológica garantirá inclusão e equidade social
Guiada por princípios agroecológicos ou agroflorestais, essa economia também precisa possibilitar interações virtuosas com o mercado e com a política
Por Francisco de Assis Costa e Carlos Nobre*
Desde o marcante Relatório Brundtland patrocinado pela ONU, o icônico Nosso Futuro Comum, publicado em 1987, evoluem dois movimentos de ideias e ações correlacionadas cruciais para o nosso tempo. De um lado, o reconhecimento de que uma crise global ambiental-ecológica se instalara, inerente aos padrões de crescimento das sociedades industriais, os quais, ademais, aprofundavam desigualdades sociais que não eram neutras na crise ambiental-ecológica; de outro, o estabelecimento de princípios orientadores de um desenvolvimento na contramão dessa crise.
Nos anos que se seguiram, em oposição à insustentabilidade que se conseguia discernir no âmago dos processos reprodutivos das sociedades contemporâneas, se desenvolveu um ideário de sustentabilidade, mediante o qual, disposições e instituições deveriam primar por crescimento ambiental e ecologicamente prudente, socialmente equânime e economicamente viável. Com isso, procurando reduzir o risco de uma catástrofe climática e de perda irreversível da biodiversidade, se estabeleceu a esperança de garantir para as gerações futuras as condições naturais que fundamentaram a existência das atuais.
Correlatamente, emergiram “operadores programáticos” do ideário do desenvolvimento sustentável: o delineamento de panoramas de possibilidades, a organização de portfólios de alternativas, ou, ainda, planos e lineamentos de ação que, ao abordarem, em termos práticos, aspectos específicos da insustentabilidade, dão sentido real e concreto ao ideário da sustentabilidade. Os programas “Crescimento Verde”, do Banco Mundial, e “Economia Verde” da ONU, lançados com grande expectativa em fins da primeira, início da segunda década do presente século, incluem-se entre esses “operadores”. O movimento de ideias e de ações em torno da noção de bioeconomia, com grande força no presente momento, também.
Conceitos e práticas de bioeconomia vêm se desenvolvendo carregados desse sentido de transição ecológica, do insustentável para o sustentável: dos pontos em que trajetórias tecno-produtivas se mostram insustentáveis (por se aproximarem das fronteiras em que eliminarão seus fundamentos naturais) para outros, a partir dos quais, presumivelmente, elas retomariam o desenvolvimento com atributos de sustentabilidade.
Assim, ali onde as técnicas produtivas, por seus conteúdos mecânicos e químicos, se mostram cumulativa e perigosamente degradantes para a vida, desenvolvem-se tensões que configuram ambientes de inovações em processos de base biológica – biotecnologias; ali onde são os meios e resultados dos processos produtivos, pelas suas constituições inorgânicas ou existências finitas, os vetores de agressão aos ciclos vitais da natureza, se enfatiza o desenvolvimento de produtos, seja como novas matérias primas, seja como novos bens finais de base biológica e renovável.
Essas duas rotas constituem mainstreams da bioeconomia na Europa (ênfase em bioeconomia de bioprocessos, ou biotecnológica) e nos Estados Unidos (ênfase em bioeconomia de bioprodutos) e vêm se estabelecendo como referências para diferentes iniciativas no Brasil, importantes porque podem reorientar o agribusiness em uma perspectiva ambientalmente menos agressiva.
Não obstante, uma terceira rota, pouco tratada e obscurecida, se apresenta fundamental entre nós: trata-se de uma bioeconomia bioecológica, guiada por princípios agroecológicos ou agroflorestais, referidas aos biomas do país e aderentes às necessidades de inclusão e equidade social. Exemplos dessas bioeconomias de floresta em pé, e em expansão, já existem e são, por suposto, ambientalmente saudáveis. A transição aqui, na perspectiva do desenvolvimento sustentável, seria de ordem econômica e social: de economias de fundamentos infraestruturais, organizacionais e mercadológicos precários – o que lhes empresta, na atualidade, caráter subalterno, com baixa retenção dos seus resultados – para economias com capacidade de interações virtuosas com o mercado e com a política.
Na Amazônia, a bioeconomia referida ao bioma se faz ou porque se manejam os recursos originários do bioma (os recursos das matas, das águas e dos solos) numa espécie de “extrativismo dinâmico”, mantendo a diversidade e complexidade seminais em “sistemas silviagriculturais”; ou porque se procuram imitar em “sistemas agrosilviculturais” as qualidades do bioma – o que resulta numa “agricultura holística”, diversa e complexa.
Em conjunto, essas duas rotas compõem uma economia significativa e dinâmica: o capítulo 15 do relatório do Science Panel for the Amazon, da ONU, recém-lançado em Glasgow, na COP26, dá conta de que o número de estabelecimentos rurais dela participantes em todos os municípios do bioma amazônico saiu de 125 mil em 1995, para 186 mil em 2017, crescendo o valor da produção rural a 4,2% a.a. no mesmo período, de US$ 400 milhões para US$ 1,1 bilhões, para um emprego que se mantém na casa dos 400 mil trabalhadores.
Um outro estudo recente, A Bioeconomia da Sociobiodiversidade no Pará, patrocinado pela TNC, BID e Natura, mostra que a economia urbana em torno dela (indústria e serviços) multiplica o valor da produção rural por 2,9. A essa particular economia deve ser dada atenção primordial.
*Francisco de Assis Costa é Professor Titular do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos e do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Pará e membro e autor líder do Painel Científico da Amazônia e Carlos Nobre é Pesquisador Colaborador do Instituto de Estudos Avançados da USP, vice-presidente e autor líder do Painel Científico da Amazônia.
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