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AGROTÓXICO
COMO ARMA
Nos
territórios do Cerrado, chuva de veneno se intensifica
Acervo
Online | Brasil
por Amanda Costa, Andressa Zumpano e Bruno Santiago
6 de fevereiro de 2022
Recorde na liberação de agrotóxicos nos últimos anos acompanha
incidência de flexibilizações ambientais, escalada de conflitos no campo e
afeta comunidades inteiras no Cerrado
Há 890 quilômetros de Teresina, adentrando o interior piauiense,
Jovecino e Almerinda labutam para manter uma pequena produção de alimentos para
o seu sustento. A dificuldade é percebida no preto das folhas do pé de laranja.
Incomum. Oleoso. Grudento. O mesmo preto se estende por todo o teto da casa de
adobe em que vivem na comunidade Chupé, município de Santa Filomena, Alto
Parnaíba. Ali, o veneno, despejado nas imensidões de monocultivos no alto das
serras, descem para os baixões e colocam em risco as plantações, os solos, as
águas e, sobretudo, a vida das pessoas.
Naquele território, ao olhar para o céu, a volumosa e rica paisagem do
Cerrado deu lugar a vazios angustiantes. Vazios esses preenchidos apenas pelo
rastro de aviões pulverizadores de agrotóxicos em épocas de plantio. T-o-d-o-s
os dias. “Até colher eles passam veneno todo dia. Quando planta soja é veneno
todo dia”. A água que jorra da garrafa e garante vida à horta da família já não
é segura. A lagoa de águas claras e esverdeadas corre o risco de se tornar
imprópria. Os corpos, já desgastados, sentem na pele as marcas de doenças que
antes, pra eles, não existiam.
O contexto da contaminação de comunidades inteiras por agrotóxicos no
Cerrado se acentua a cada ano, e nos últimos anos tem se evidenciado pela
liberação indiscriminada de mais rótulos de pesticidas. Só em 2021, 562 novos
produtos foram liberados pelo presidente Jair Bolsonaro, o maior número
registrado em 21 anos, segundo a série histórica feita pelo Ministério da
Agricultura. A publicação no Diário Oficial da União foi realizada no findar de
dezembro e os números já somam 1.552 produtos venenosos liberados só nos três
anos de mandato do presidente, quase metade (43%) do total de 3.550 produtos
comercializados no país, segundo o levantamento da Agência
Pública e da Repórter Brasil.
Neste ano recorde, dos produtos que entraram em comercialização no país,
33 são inéditos e 8 possuem princípios ativos químicos novos, exclusivos de uso
industrial para a fabricação de pesticidas. Alguns destes produtos não possuem
liberação na Europa ou Estados Unidos, como o fungicida Fenpropimorfe,
considerado muito perigoso para o meio ambiente e altamente tóxico para
organismos aquáticos. Seu uso é recomendado para lavouras de soja e algodão e
sua toxicidade em humanos ainda é desconhecida.
Ao mesmo tempo em que a utilização de agrotóxicos é ampliada e
incentivada no país, cresce a devastação ambiental do Cerrado. Foi também nas
últimas horas de 2021, em uma tentativa de não causar alarde, que os dados
sobre o desmatamento do bioma foram publicados pelo o Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovações e revelaram um cenário alarmante. Entre o período de
agosto de 2020 e julho de 2021, o Cerrado brasileiro, considerando suas áreas
de transição, perdeu 8.531 km² de vegetação nativa. O número representa um
aumento de 7,9% em relação aos dados de 2020 e é a maior taxa desde 2015.
De acordo com a nota do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe), as taxas mais expressivas de desmatamento se concentraram em três dos
quatro estados que compõem a maior região de especulação imobiliária agrícola e
expansão do agronegócio do Brasil, o Matopiba,
sendo eles Maranhão, Tocantins e Bahia. A partir de análise realizada pelo Ipam
(Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), a região bateu o recorde de
desmatamento desde 2017, respondendo por mais da metade (61,3%) do total da
vegetação do Cerrado suprimida no período, ou seja, 5.227,32 km² dos 8.531 km²
registrados.
Ainda segundo análise do órgão, a cidade de Balsas, localizada no Sul do
Maranhão, ocupa o primeiro lugar da lista dos dez municípios onde houve a maior
derrubada de vegetação. Quatro desses municípios estão situados apenas na Bahia
e compõem a lista logo após a cidade maranhense – são eles: São Desidério (BA),
Formosa do Rio Preto (BA), Jaborandi (BA) e Correntina (BA) -, respectivamente.
O único município da relação fora do Matopiba é Santa Maria das Barreiras, no
Pará.
A ocorrência acelerada do desmatamento, ligado a diversos processos
consolidados pelo agronegócio no país, como a financeirização de terras – que
transforma o Cerrado em uma região de interesse para grileiros -, se relaciona
diretamente com normativas mais permissivas em relação ao uso de agrotóxicos.
Neste contexto, as chapadas Cerradeiras são transformadas em lavouras de soja e
milho, verdadeiros desertos entre plantios, e simultaneamente abrem espaço para
a incidência de diversas violências contra populações camponesas, tradicionais
e indígenas. E os agrotóxicos se consolidam como uma das principais armas nesse
processo.
Desde 2008 a Comissão Pastoral da Terra (CPT) registra situações de
conflitos envolvendo agrotóxicos nos territórios. Dados sistematizados de 2008
a 2020 revelam a ocorrência de 186 situações de conflitos no campo relacionados
à contaminação pelas substâncias químicas. Deste número, 47,31% ocorreram no
Cerrado e em suas áreas de transição, estas consideradas a partir das
definições do Laboratório de Estudos de Movimento Sociais e Territorialidades
(Lemto) da Universidade Federal Fluminense (UFF).
A partir da análise dos números ao longo deste período, é possível
concluir que, entre 2008 e 2018 os conflitos no campo envolvendo agrotóxicos
triplicaram, com um pico em 2013 (20 casos). Os anos de 2019 e 2020 – os dois
primeiros do mandato de Jair Bolsonaro – somam juntos 55 ocorrências, e
representam recordes históricos de conflitos com agrotóxicos, sendo quatro
vezes maior do que em 2008 (6 casos).
O Tribunal
Permanente em Defesa dos Povos do Cerrado (TPP), uma tribuna de
visibilidade e de afirmação dos direitos dos povos expostos a violações graves
e sistemáticas no campo brasileiro, conduzida desde o ano passado pela Campanha Nacional Em Defesa do Cerrado,
evidencia que “o desmatamento e a grilagem de terras, a expulsão dos povos, a
seca dos rios e a contaminação das águas” configuram um crime de ecocídio e
genocídio contra as populações do campo.
A peça de acusação apresentada pelo Tribunal expõe que “a expansão
devastadora e violenta da fronteira agrícola sobre o Cerrado tem contado com
algumas ‘armas’ concretas: o correntão, os incêndios criminosos, as cercas
sobre terras de uso comum, os agrotóxicos, as sementes transgênicas, os pivôs
centrais e grupos de segurança pública e privada”. Retoma, ainda, a
problemática da política de controle e monitoramento do uso de agrotóxicos, que
está sendo sistematicamente desestruturada.
Pacote de veneno avança
Os recordes de liberação de defensivos e o alarmante número em
comercialização no país são características do atual projeto político. As
políticas agrícolas estabelecidas por parte do Estado possuem apoio
significativo no financiamento da expansão do agronegócio e consequentemente
exercem papel fundamental no aumento do consumo de agrotóxicos. Nesse sentido,
uma publicação da campanha Agro É Fogo destaca
que as recentes iniciativas por parte do Estado brasileiro, as quais visam a
ampliação do financiamento via títulos financeiros, a expansão do crédito
público e a redução dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento, também
procuram reduzir a regulação de agrotóxicos.
Nesta cadeia, é o Estado o ator responsável pelas flexibilizações de
políticas ambientais vigentes e pelo desmonte das instituições de fiscalização
como Ibama e Anvisa. No dia 8 de outubro de 2021, o presidente Jair Bolsonaro
alterou a Lei dos Agrotóxicos, em vigor desde 1989. O Decreto Nº 10.833 publicado
no Diário Oficial da União traz, entre as séries de mudanças, a inserção do
Ministério da Agricultura em mais processos referentes a fiscalização,
regulamentação e uso de pesticidas.
Com essa alteração, cria-se uma categoria chamada “tramitação
prioritária”, na qual o Ministério da Agricultura definirá a ordem de registro
de novos produtos. O texto também destaca atuação em protocolo antes destinado
apenas ao Ministério da Saúde, por meio da Anvisa, o parecer sobre o
monitoramento de resíduos de
agrotóxicos em produtos de origem animal e vegetal.
Segundo a engenheira agrônoma Fran Paula, educadora da Federação de
Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) no Mato
Grosso e pesquisadora sobre impactos dos agrotóxicos, “a
flexibilização do registro de agrotóxicos e as aprovações dessas substâncias no
Brasil tem sido a marca do governo Bolsonaro, que tem batido recorde de
liberações. O decreto nada mais é do que uma estratégia dos setores ruralistas
e da indústria química para legitimar o ‘Pacote do Veneno’ que está ancorado no
PL 6299/2002 “. A pesquisadora reforça que a alteração da Lei de
Agrotóxicos “viola os direitos fundamentais, pois possibilita o
registro de mais substâncias cancerígenas, mutagênicas, teratogênicas, que
causam distúrbios hormonais e que tem um alto potencial de adoecimento na
população”.
As mudanças têm como objetivo apressar a regulamentação de novos
produtos, atendendo aos interesses econômicos do agronegócio no país. Por
exemplo, a insistente tentativa na aprovação do PL 6299/02,
conhecido como “Pacote do Veneno”, que entrou em votação na Câmara dos
Deputados durante o último dia legislativo de 2021, sendo retirado de pauta
após pressão dos movimentos sociais e organizações socioambientais. A promessa
do presidente da Câmara e aliado de Bolsonaro, Arthur Lira (PP-AL), foi a de
votar o projeto já no início deste ano, a qualquer momento. “Os ruralistas
estão pressionando para a votação do “PL do Veneno”, de cara, já no início do
ano legislativo de 2022. O projeto que já está sendo pautado na Câmara dos
Deputados, representa um retrocesso e maior exposição e riscos à saúde humana”,
alerta Fran.
Entre as principais armadilhas do projeto de lei estão a flexibilização
do marco regulatório de agrotóxicos e a redução da proteção ao meio ambiente e
à saúde, permitindo, agora, a liberação de pesticidas que causam doenças como o
câncer, mutação genética e má formação fetal.
Caso Chupé
O território ribeirinho de Chupé, constituído pelas comunidades Barra da
Lagoa e Chupé, finca raízes às margens do Riozinho, afluente do Rio Parnaíba,
no município de Santa Filomena (PI). São cerca de 20 famílias ribeirinhas que
ocupam tradicionalmente as terras, vivendo da subsistência do Cerrado, da pesca
e da agricultura familiar. Em fevereiro de 2020, os moradores do território
identificaram resíduos de cor avermelhada e espumoso em uma das fontes de água
das comunidades. Segundo os moradores, seria contaminação pelo agrotóxico
2,4-D, amplamente utilizado nas lavouras da região.
O 2,4-D, um dos agrotóxicos mais utilizados no país, ficando atrás
apenas do glifosato, teve sua aplicação banida em diversos países como
Austrália e Canadá e está desde 2006 em processo de reavaliação pela Anvisa. A
contaminação pelo fungicida tem graves efeitos ao corpo humano, sendo
classificado como possivelmente cancerígeno, além de estar relacionado a
patologias hormonais e reprodutivas.
Organizações socioambientais cobram a proibição do uso desta substância
no país. Em nota, a
Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos considera a decisão de manter o
registro do pesticida irresponsável e que a mesma “foi influenciada pelo
agronegócio, em especial pelas transnacionais agroquímicas que são as maiores
interessadas em seguir obtendo lucros com a venda deste veneno“.
O agrotóxico também possui riscos durante sua utilização devido a
ocorrência de deriva, quando a aplicação não atinge corretamente o alvo e se
espalha pelo solo e águas, contaminando a vegetação e os rios, como ocorre no
Território de Chupé. Jovecino Silva é um dos mais antigos moradores da
comunidade Chupé, vive da agricultura de subsistência e criação de animais e
tem sua vida e produções diretamente impactadas pelo uso excessivo de venenos
nas lavouras próximas à sua residência, principalmente, via pulverização aérea.
“Minhas plantas estão com sinal de veneno, as laranjas estão ficando com
as folhas pretas, tipo um ‘grude’. Tô vendo até nas telhas da casa, estão com
um sujo tipo uma poeira com óleo, até dentro de casa. Isso nunca tinha
acontecido antes…Eles passam jogando de avião por cima de casa, tanto vindo dos
municípios de Santa Filomena, como de Baixa Grande”, relata Jovecino, que
destaca os riscos de pulverização diária durante o período da safra de soja,
que coincide com as chuvas.
Moradores do território também relatam que o principal fazendeiro da
região, João Augusto
Philippsen, proprietário da fazenda J.A.P, utiliza a aplicação
de veneno também como uma tentativa de expulsão das comunidades do Território
Chupé. Em nota publicada
pela Comissão Pastoral da Terra – Regional Piauí, expondo o caso de
contaminação das águas do Rio Riozinho, destaca-se a denúncia de intimidação
por parte de João Philippsen. “O fazendeiro, disse às famílias que usou o
agrotóxico para matar uma moita de mato existente dentro de sua propriedade e
que elas deveriam sair dali e irem morar na cidade. Afirmou ainda que irá
cercar toda a área de uso coletivo do território, área essa utilizada pelas
famílias para criação de animais e plantio de legumes. É importante destacar
que o brejo contaminado deságua no Rio Riozinho, que, além de ser utilizado
pelas famílias do território, é um dos afluentes do Rio Parnaíba, importante
fonte hídrica do Piauí e do Maranhão. Acompanhava o fazendeiro o senhor
Vanderlei Pompeu de Matos, que se apresentava como advogado da fazenda,
inclusive declarou para famílias que deveriam sair da ‘porta’ de João Augusto“.
A contaminação por agrotóxicos atravessa diversas comunidades da região sudoeste
do Piauí, que desde 2017 denunciam coletivamente o envenenamento do Cerrado,
baixões e rios. A estratégia para o enfrentamento dessas violências foi a
criação de um coletivo de
comunidades no ano de 2018, que reúne povos ribeirinhos e
indígenas situados entre os municípios de Santa Filomena e Gilbués. “O coletivo
vem fortalecer a lutas das comunidades, e mostrar ao Estado que nós existimos
muito antes da soja chegar aqui“, contou Jovecino, durante plenária de
criação do coletivo.
Caso Guyraroka
A realidade do povo Guarani e Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, também é
alarmante quando se trata das consequências do uso excessivo de agrotóxicos nas
fazendas de monocultura que rodeiam os territórios tradicionais no estado. O
território Guyraroka, situado no município de Caarapó (MS), possui 11 mil e 400
hectares de extensão de terras indígenas declaradas, porém, apenas 50 hectares
são de fato ocupados pelos Guarani e Kaiowá. De acordo Matias Rempel,
missionário do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no Mato Grosso do Sul,
todo o território é cercado por lavouras do agronegócio que fazem uso excessivo
de agrotóxicos por meio de dispersão com o uso de tratores e pulverização
aérea.
Em 2021, em razão de uma ação solidária do Movimento dos Pequenos
Agricultores (MPA), realizada por conta do impacto da pandemia do coronavírus
na vida dos povos indígenas e camponeses, o povo Guarani e Kaiowá recebeu a
doação de quatro toneladas de sementes crioulas – fundamentais para a
manutenção da soberania alimentar e de seus modos de vida, sobretudo em tempos
pandêmicos de fome e miséria.
Entretanto, o plantio destas sementes não vingou no território Guyraroka
e acredita-se que o motivo esteja diretamente relacionado ao uso de agrotóxicos
na região. “Nós tentamos plantar as sementes no Guyraroka, fazer um processo de
cultivo agroecológico, mas nenhum dos plantios vingou. Acreditamos que esse
problema com a terra esteja diretamente ligado com o uso de agrotóxicos nas
lavouras em áreas do entorno e, também, por conta da presença de cupins e
outros insetos que fogem das áreas de monocultivo contaminadas pelo veneno e se
refugiam dentro da comunidade indígena, migrando para as plantações do povo
Guarani e Kaiowá”, explica Matias.
Segundo lideranças do povo Guarani e Kaiowá, algumas famílias que vivem
no território Guyraroka foram forçadas a se mudar por conta da dispersão de
agrotóxicos. “Em alguns casos, o veneno era despejado a metros de distância das
casas indígenas, localizadas próximas à cerca que divide o território
tradicional das fazendas do agronegócio. Com isso o agrotóxico era também
dispersado nos moradores do Guyraroka, sendo trazido pelo vento”, comenta o
missionário do Cimi.
As famílias que vivem na terra indígena também denunciam que escolas e
postos de saúde da área são impactados pela dispersão dos agrotóxicos, com
relatos de crianças que foram atingidas durante o período de aula. Em setembro
de 2019, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) emitiu ao estado
brasileiro uma medida cautelar para a proteção da comunidade
Guarani e Kaiowá, visando “garantir o direito à vida e à
integridade pessoal” dos e das indígenas, apontando que as famílias que vivem
no território “se encontram em uma situação de gravidade e urgência.”
Avião pulverizando
agrotóxico na comunidade Guyraroka (Crédito Comunidade Guyraroka)
O Cimi e lideranças locais também denunciam a contaminação das águas do
território, que acontece por conta do despejo de tambores com compostos
químicos em um rio localizado próximo ao território – fonte que abastecia as
famílias da terra indígena com água potável. Tito Guarani Kaiowá conta que em
uma noite achou que estava chovendo em sua comunidade mas, quando olhou “para
cima e estava o avião jogando agrotóxicos em nós, com o vento espalhando o
veneno pelo ar”, denuncia o ancião.
Seu Tito, como é conhecido na região, conta que sente falta do canto dos
pássaros em sua terra. Segundo a liderança indígena, houve uma diminuição
drástica da presença de animais no território, fato que pode ser relacionado
com o desmatamento associado ao monocultivo do agronegócio, mas também com a
dispersão abusiva de agrotóxicos.
De acordo com o Cimi, o uso dos agrotóxicos como arma química é um
elemento central do contexto sistemático de violências que o povo indígena
Guarani Kaiowá sofre há décadas. “Ataques, queimas de Casa de Reza e ameaças à
integridade física são frequentes na rotina dos e das indígenas. O uso
excessivo de agrotóxicos na região sem dúvidas faz parte deste pacote de
violações de direitos”, enfatiza Rempel. Neste momento, de acordo com
informações do Cimi e de famílias do território, os indígenas estão
desassistidos no campo da saúde, pois atualmente não há médicos para prestar
atendimento na região. “O atendimento é muito precário e os problemas de saúde
causados pelo veneno são recorrentes. Alguns dos sintomas mais comuns são as
brotoejas, erupções e inflamações no corpo, além das dores de cabeça que são
relatadas pelos moradores do Guyraroka”, finaliza.
Saúde coletiva
Os danos à saúde provocados por agrotóxicos não estão restritos aos
povos indígenas e comunidades tradicionais do Cerrado. De acordo com
informações da Associação
Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), moradores de regiões
rurais são os mais afetados pela intoxicação de pesticidas, mas nenhum grupo
está isento. “Mesmo nos grandes centros urbanos, os consumidores também são
afetados ao ingerirem água, frutas, verduras e até mesmo produtos
industrializados”, enfatiza Ada Cristina Pontes Aguiar, professora na Faculdade
de Medicina na Universidade Federal de Cariri, no Ceará, e pesquisadora da
Abrasco.
Segundo relatório do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em
Alimentos (Para), da Anvisa, 232 tipos de pesticidas foram monitorados em 25
alimentos diferentes que são consumidos pelos brasileiros. Do total de 12 mil
amostras analisadas, aproximadamente 20% possuíam resíduos “que excederam os
níveis permitidos por lei ou apresentavam agrotóxicos não autorizados para a
cultura em que foram identificados”.
Ainda de acordo com dados da Abrasco, problemas de saúde causados pela
exposição ou ingestão de alimentos contaminados podem aparecer de 24 a 72 horas
após o ocorrido, sendo os sintomas mais comuns a diarreia, febre, vômito, dores
na cabeça e abdômen.
A pesquisadora também aponta para o risco que todos corremos por conta
da ingestão cotidiana de pequenas doses destes compostos químicos por um longo
período de tempo. “Depois de cinco a 20 anos, o paciente pode apresentar
problemas neurológicos, câncer, doenças no fígado, desregulações endócrinas,
malformações congênitas, puberdade precoce. Inclusive, estudos têm mostrado
relações dos agrotóxicos com Parkinson, Alzheimer e síndrome metabólica”,
explica.
Leia também: Agrotóxicos
– Guerra química
contra as comunidades
—-
Amanda Costa e Andressa Zumpano são
jornalistas da Secretaria Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Bruno Santiago é assessor
de comunicação da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado.
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