Aquecimento eleva risco de desertificação no Nordeste
Áreas ameaçadas de sofrer com seca extrema podem alcançar metade da região se temperatura do planeta subir 4°C, aponta estudo
Giovana Girardi,
O Estado de S.Paulo
20 Setembro 2018 | 07h00
SÃO PAULO - Os sete anos consecutivos de seca
no Nordeste do País são um recorde desde que o volume de chuvas na
região começou a ser medido, em 1850. Cerca de 1.100 municípios foram
afetados, atingindo mais de 20 milhões de pessoas. Inédito nos registros
históricos, esse cenário pode se tornar cada vez mais comum no futuro
se não for possível conter o aquecimento global.
Comunidade recupera nascente no alto sertão de Sergipe; lama foi retirada e agora minam 145 litros de água/hora
Foto: PAULO DE ARAÚJO/MMA
O alerta será feito nesta quinta-feira, 20, por um grupo de
pesquisadores brasileiros, liderado por José Marengo, do Centro Nacional
de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), que estimou
os impactos das mudanças climáticas no Nordeste até o final do século.
Num pior cenário, em que o mundo não consiga cumprir o Acordo de Paris
– que estabelece esforços de todos os países para conter o aumento da
temperatura a menos de 2°C até o final do século –, e o aquecimento
passe de 4°C, pode ocorrer uma tendência acentuada de aridização da
região.
Com o clima mais quente, a área em condições de seca extrema pode
alcançar metade da região. “No pior ano de seca do período recente, em
2012, a área que ficou em condição de seca extrema foi de cerca de 2%.
Até o final do século, em um cenário de 4°C, 51% poderiam ser afetados
por essas secas extremas”, disse ao Estado o climatologista Carlos Nobre, um dos autores do estudo.
Nesse processo, regiões hoje cobertas por vegetação típica do Cerrado, como se observa em parte do Maranhão, do Piauí e da Bahia, podem se tornar Caatinga. E até mesmo áreas de Mata Atlântica
poderiam se transformar em semiáridas. De acordo com os autores, secas
hoje consideradas intensas seriam a norma já na segunda metade do
século. “Se não tivermos sucesso com o Acordo de Paris, podemos ver uma
expansão da região semiárida, com alguns locais sujeitos a secas muita
intensas”, complementa Nobre.
Os dados do trabalho, que ainda não foi publicado, serão apresentados em evento no Ministério do Meio Ambiente
que vai reativar a Comissão Nacional de Combate à Desertificação,
responsável por promover a Política Nacional de Combate à
Desertificação.
A pesquisa avalia ainda os impactos sobre o processo de
desertificação, que já ocorre na região independentemente das mudanças
climáticas, e tem a ver com a retirada da vegetação nativa – a Caatinga.
Sem ela, o solo fica exposto e sujeito a erosões quando vem a chuva.
“Isso tira a camada superior e resta somente um solo rico em
metais. E aí pode chover o quanto for, que a vegetação não volta. Com as
mudanças climáticas, essas condições para a desertificação podem
aumentar”, diz o pesquisador.
“Nossas pesquisas ainda não conseguem dizer se esses sete anos
secos consecutivos, três deles com secas severas (2012, 2013 e 2016),
teriam ocorrido se o planeta não estivesse aquecendo. Não conseguimos
fazer essa atribuição de causa. Se a probabilidade de ocorrência seria
menor”, pondera Nobre.
“Mas mesmo não tendo essa resposta, vermos a sete anos com chuvas
abaixo da média é o que vamos ver no clima do futuro. É o que podemos
esperar se o Acordo de Paris não for cumprido.”
Recuperação
Para o combate do processo de desertificação, o ministério deu início
no começo do ano a um projeto de implementação das chamadas Unidades de
Recuperação de Áreas Degradadas (Urads). Os resultados também serão
apresentados nesta quinta.
“Antes das mudanças climáticas, vamos acabar expulsos daqui por
causa da degradação do solo. Os efeitos da desertificação já são
deletérios”, comenta Valdemar Rodrigues, diretor do Departamento de
Desenvolvimento Rural Sustentável e de Combate à Desertificação do MMA.
Pensando nisso, ele elaborou um plano, executado em parceria com
ONGs locais,de recuperar a vegetação e nascentes, criar mecanismos de
adaptação e oferecer uma alternativa econômica para as comunidades que
vivem em áreas em vias de desertificação. De acordo com a pasta, 15% do
território nacional, onde vivem 37 milhões de pessoas, enfrenta esse
fenômeno.
Segundo Rodrigues, hoje há 12 Urads em andamentos em seis Estados
(MA, PI, CE, PE, BA e SE). Cada uma envolve 30 famílias. Até o momento
foram investidos R$ 4,5 milhões.
O projeto inicial foi feito no Sergipe. No assentamento Florestan
Fernandes, em Canindé de São Francisco, no alto sertão do Estado, por
exemplo, os moradores conseguiram recuperar uma nascente.
Toda a lama que passou a entupir a nascente ao longo dos anos de
erosão foi retirada e hoje minam do local 145 litros de água por hora.
“Estamos rompendo a dependência de carro-pipa”, diz Rodrigues.
Para evitar que o assoreamento ocorra novamente, os moradores
constroem barragens e cordões de pedra ao redor das nascentes. Assim,
impedem que o barro e outros detritos sejam carregados com a chuva.
Paralelamente, foram adotadas ações de melhorias sociais – como a
construção de cisternas, fogões ecológicos e fossas sépticas – e das
práticas agrícolas, com a implementação de integração
lavoura-pecuária-floresta. A desertificação é em boa parte resultado de
atividades inadequadas, que não conservam o solo ou a água.
“Na Caatinga, quando se perde o solo, é praticamente impossível
de recuperar. Então criamos as condições para a vegetação renascer e
recuperar esse solo”, afirma.
Segundo ele, o plano é trabalhar para que a Presidência edite um
decreto até o final do ano com um plano para, até 2030, implantar 10 mil
Urads no Nordeste.
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