Monday, 25 October 2021

Madagascar poderá ter situação de fome por mudança climática

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Madagascar poderá ter situação de fome por mudança climática

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Redação

25/10/2021 às 03:35 | Atualizado 25/10/2021 às 03:57

6 min de leitura

Foto: iStock


Mais de 1 milhão de pessoas no sul do Madagascar estão batalhando para conseguir o suficiente para comer. O país africano poderá ter a primeira situação de fome causada pela mudança climática, de acordo com o Programa Mundial de Alimentos, PMA

O Madagascar é a quarta maior ilha do mundo e tem um ecossistema único, com plantas e animais que não são encontrados em mais nenhuma outra parte do planeta. Geralmente, a temporada de secas vai de maio a outubro, e a de chuvas começa em novembro.  

 

 

Rotina interrompida  


Mas a mudança climática vem alterando este ciclo, afetando pequenos agricultores e seus vizinhos. Quem confirma é a porta-voz do PMA na capital do país, Antananarivo.  

Alice Rahmoun foi entrevistada pela ONU News e declarou:

 

“É claro que há menos chuva, então quando acontecem as primeiras chuvas, eles ficam com esperança e plantam algumas sementes. Mas um pouquinho de chuva não é uma temporada de chuvas apropriada.” 

 

Segundo a representante do PMA, é possível afirmar que “os impactos da mudança climática são cada vez mais fortes. As colheitas falham constantemente, e as pessoas não têm o que colher nem nada para renovar seus estoques de alimentos.” 

 

 

Impactos que variam  


Alice Rahmoun esteve recentemente em Madagascar, onde PMA e parceiros estão apoiando centenas de milhares de pessoas. Ela explica que o impacto da seca varia de lugar para lugar. Enquanto algumas comunidades não tem uma temporada apropriada de chuvas há 3 anos, a situação é bem pior em zonas a 100 km de distância.  

 

A especialista lembra de ter visto vilarejos com campos completamente secos e tomateiros “totalmente amarelados ou até mesmo marrons” devido à falta de água.  

 

 

Sobrevivendo à base de gafanhotos 

 

“Em algumas áreas as pessoas até conseguem plantar alguma coisa, mas não é nada fácil, então estão tentando plantar batata doce. Mas em outras regiões, absolutamente nada está crescendo agora, então as pessoas estão comendo gafanhotos para sobreviver, comendo frutas e folhas de cactos”, afirma Rahmoun.  

 

A representante do PMA explica que as folhas de cacto geralmente servem para o gado e não são para consumo humano. A situação é ainda pior porque segundo ela, “até os cactos estão morrendo com a seca”.  

 

 

Famílias não estão aguentando  


O peso desta situação para as famílias é muito perturbador. Alice Rahmoun declara que “as pessoas já começaram a desenvolver mecanismos para sobreviver. Estão vendendo o próprio gado para ter dinheiro para comprar comida, sendo que deveriam poder obter comida da sua própria produção agrícola. 

 

Terrenos e até casas estão sendo vendidas. Há famílias que tiraram seus filhos das escolas, numa “estratégia para conseguir atividades rentáveis onde as crianças possam estar envolvidas”, explica a especialista do PMA.  

 

 

Fornecimento de assistência vital  


O PMA está colaborando com parceiros humanitários e com o governo do Madagascar para fornecer dois tipos de resposta à crise. Cerca de 700 mil pessoas estão recebendo ajuda alimentar, incluindo suplementos para prevenir a desnutrição. 

 

“A segunda resposta é mais de longo prazo, com o objetivo de permitir que as comunidades estejam bem preparadas para responder aos choques climáticos”, afirma Rahmoun.  

 

O PMA auxilia com canais de irrigação, reflorestamento e pequenos seguros para ajudar os agricultores quando perdem uma colheita, por exemplo. 

 

A agência da ONU também espera apoiar 1 milhão de pessoas até abril e para isso, busca US$ 70 milhões para financiar suas operações.

 

“Estamos também envolvendo mais parceiros para encontrar e financiar soluções para que as comunidades se adaptem aos desafios causados pela mudança climática.” 

 

 

COP-26: Priorizar a adaptação  


Daqui a uma semana, os líderes mundiais estarão reunidos em Glasgow, na Escócia, para a COP-26, a Conferência da ONU sobre Mudança Climática. Segundo o secretário-geral António Guterres, esta poderá ser a última chance de “mudar a corrente” para alinhar o planeta.

  

A representante do PMA explica que a agência pretende usar a conferência para mudar o foco de resposta à crise para gestão de riscos. Segundo Alice Rahmoun, os países precisam estar preparados para os choques climáticos, e devem agir em conjunto para reduzir os impactos severos às pessoas mais vulneráveis, incluindo os moradores do sul de Madagáscar. 

 

A COP-26 é uma oportunidade de pedir aos governos e aos doadores para priorizarem o financiamento relacionado a programas de adaptação climática, e para ajudar os países a controlarem melhor os riscos, até mesmo em Madagascar, pois se nada for feito, a fome aumentará de forma exponencial nos próximos anos devido à mudança climática. E não apenas em Madagascar, mas em outros países”, afirma Alice Rahmoun.

 

 

Fonte: ONU  News

Saturday, 23 October 2021

Lula, o mais perigoso dos líderes

 https://revistacult.uol.com.br/home/lula-o-mais-perigoso-dos-lideres/?unapproved=102617&moderation-hash=34d6de8b65beaa9101624122c5c4e4bd#comment-102617


Lula, o mais perigoso dos líderes

Lula, o mais perigoso dos líderes
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O ex-presidente Lula, condenado a 9 anos de prisão nesta quarta (12) pelo juiz Sérgio Moro (Arte Andreia Freire / Foto Sérgio Lima)

 

Pesquisas apontam que Lula seria novamente presidente do Brasil, caso concorresse ao cargo máximo da nação em 2018. No cenário de um país colonizado e cada vez mais “neoliberalizado” como é nosso, a presença de um personagem como Lula passa de fator de conciliação entre classes a grande perigo para as elites que usurparam o poder. Lula continua sendo um fator político fundamental, talvez o mais fundamental no contexto de uma democracia cada vez mais destruída.

Se estamos falando do desejo do eleitorado em relação a Lula, devemos começar por ter presente que esse desejo, na verdade, já não conta no Brasil desde o golpe de 2016. Sabemos que, se ainda houver eleição direta para presidente, hipótese plausível em um país que se tornou terra de ninguém, o desejo do povo manifesto nas urnas só será aceito entre aspas se ele coincidir com o desejo das elites, as mesmas que, servas do grande capital, transformam o Brasil inteiro em um mercado barato, vendendo-o em termos de commodities a preço de balaio. É nesse contexto que enfraquecem as tentativas de sustentar teoricamente a democracia, de manter a resistência contra a ditadura corporativa, midiática, judiciária cada vez mais claras. É claro que resistir é urgente, necessário e muitos morrerão por isso, mas é certo também que não podemos ser ingênuos diante dos jogos que estão sendo tramados nas costas da população, dos movimentos sociais, de todos os que se ocupam em promover qualquer sinal real de democracia no bizarrismo do momento.

Dilma Rousseff, sabemos, estava na mira das armas neoliberais manejadas pelo colonialismo externo do grande capital e o colonialismo interno de políticos, banqueiros e outros donos do Brasil. Ela estava marcada desde o começo, pelos muitos motivos que se tornam cada vez mais evidentes. Do mesmo modo, não é novidade que ela, assim como Lula, apesar dos pesares e das críticas de quem sempre espera um governo mais à esquerda, ou seja, mais socialista, mais capaz de garantir direitos, conseguiu uma proeza incomum: sustentar uma relação com o neoliberalismo de rapina ao mesmo tempo em que tentava por algum freio à barbárie, defendendo direitos fundamentais e uma democracia, por assim dizer, sustentável. Hoje, em que pese a necessidade de repensar o paradigma sócio-político que nos rege, sabemos que essa democracia sustentável praticada por Lula e, na sequência, por Dilma, é só o que se pode esperar de um governo popular em um país colonizado. Talvez Dilma e Lula tenham feito o melhor jogo de cintura de que teremos notícia em nosso país que começa a viver, de 2016 em diante, os piores tempos de sua pós-história. Perdemos a ingenuidade diante dos acontecimentos. A democracia se torna a cada dia um assunto menor.

Antes de seguir, gostaria de gastar um pouco do meu tempo e do meu espaço para pensar no lugar político mais fundamental da nação. Fato é que o cargo de Presidente da República Federativa do Brasil não é mais o mesmo depois do golpe. Esse lugar vale hoje em dia tanto quanto o voto da nação. Michel Temer conseguiu uma antiproeza fundamental na política brasileira do momento. De tudo o que ele ajuda a destruir hoje, o cargo de presidente da República é um dos que perdeu a dignidade conquistada com as eleições de Fernando Henrique Cardoso, de Luiz Inácio Lula da Silva, bem como de Dilma Rousseff, presidentes eleitos e legítimos. Não eram vices golpistas, nem oportunistas. Entrará Rodrigo Maia em seu lugar para confirmar a trilha do rebaixamento, deixando claro que não é de democracia, nem de dignidade que se trata, ou qualquer desses valores que contavam na época em que política era algo fundamental. Ao ocupar o cargo de maneira ilegítima, entre o patético e o ridículo de seu personagem, invotável e rejeitado por mais de 90% dos brasileiros, Michel Temer segue se segurando na própria incompetência dos que querem derrubá-lo para não cair, e humilha o cargo que ocupa por meio de um golpe.

Não é possível, nesse momento, não pensar na figura dos que nos representando, não nos representam. Não é possível não se perguntar como Michel Temer suporta ser quem se tornou, sem grau algum de reconhecimento, sem méritos, sem história, sem coragem, sem brilho, sem vergonha. Qualquer pessoa a quem a questão da dignidade ainda fizesse sentido, que ainda tivesse um mínimo de amor próprio, já teria renunciado, teria se matado ou morrido de tristeza estando em sua situação. Mas aqueles que perderam a subjetividade, aquilo que os antigos, chamavam de alma, esses não sentem nada. E talvez seja esse o caso do homem que, sentado no trono da ilegitimidade e da rejeição popular, estarrece a todos.

Anti-Temer

Mas por que gastar tempo falando de Michel Temer enquanto os direitos trabalhistas vazam pelo ralo, enquanto vários outros direitos se perdem no meio da desregulamentação da economia, da privatização e dos demais aspectos que fazem parte de um programa neoliberal? Por que Michel Temer é apenas mais um. E porque é sob o seu nome, num país que precisaria de líderes democráticos, de um projeto de país, que se produz a ignominia do desmantelamento do Estado, da sociedade e assistimos a destruição do país. O protótipo do político brasileiro, aquele que chegou onde chegou por tramas obscuras, por jogos sinuosos de poder, no caminho da ilegitimidade é o que está em jogo.

Podemos citar muitos nomes que acompanham Michel Temer na sua inexpressividade a serviço da covardia dos neoliberais. Falamos de um e estamos falando de todos, salvaguardadas as exceções que confirmam a regra. Não podemos nisso tudo esquecer os agentes do Judiciário que hoje, sem provas, sustentados em convicções em nível de delírio, que fazem lembrar idiotas, tentam encontrar um lugar ao sol enquanto todos percebem que se valem de um ódio – no caso dos mais famosos atualmente, de um ódio contra Lula e o Partido dos Trabalhadores. O ódio destrói a crítica que poderia ser interessante em qualquer momento. O ódio, como sabemos, é plantado em corações vazios, em mentes despreparadas para a política por meios de comunicação que em tudo são máquinas protéticas que definem hoje o caminho, a verdade e a vida da população.

neoliberalismo é essa religião que programa um caminho, uma verdade e uma vida para cada um. O caminho é o mesmo, o da servidão voluntária ao mercado, ao capitalismo neoliberal.

Raduan Nassar recebe o ex-presidente Lula na fazenda Lagoa do Sino, 2016
Raduan Nassar recebe o ex-presidente Lula na fazenda Lagoa do Sino, 2016 (Foto Ricardo Stuckert)

O que Lula significa para o Brasil nesse momento? Qualquer líder que possa atrapalhar concreta ou simbolicamente o cenário do poder econômico, a descarada tendência dominante há tempos, será destruído, descartado, eliminado. Lula em tudo é o anti-Temer. Querido, amado, altamente expressivo como ser humano, capaz de encantar os mais exigentes estadistas e massas inteiras de gente simples, Lula continua impressionando os intelectuais, os que pensam e até aqueles que não se preocupam muito com política. Ele foi e continua sendo o mais perigoso dos líderes capazes de atrapalhar o cenário político previamente estabelecidos pelos donos do Brasil, simplesmente por um fator. Ele é amado pelo povo que nele se reconhece e nele votaria pura e simplesmente. Me refiro ao povo, às pessoas das classes humilhadas e exploradas que lhe eram fiéis e que, nesse momento, passam a amá-lo mais ainda. Do mesmo modo que, aqueles que ainda não tinham percebido a sua dimensão, diante das injustiças das quais é vítima, passam a adorá-lo.

Mas essa parte da população, que é a imensa maioria, tem perdido seu espaço. E tem perdido a si mesma, seus corpos e suas mentes.

Há, sem dúvida, também o lacaio do neoliberalismo. Em geral, ele não gosta de Lula, não gosta de esquerda, mesmo quando se favorece com as lutas em nome de direitos e garantias sociais levadas adiante por movimentos, ativistas e até políticos de esquerda. O neoliberalismo não respeita nada que não seja útil, e o cidadão, entre ingênuo e astucioso, tenta “prestar” seu serviço ao capital. Não é só a ingenuidade do corpo docilizado o que entra em jogo na inércia da população, é também a covardia interesseira que o “aburguesamento” do mundo nos legou. Muitos que um dia foram honrados com a consciência de serem trabalhadores perdem agora o seu desejo de lutar – porque o desejo político é a coragem da luta – enquanto são rebaixados a produtores e consumidores. Para essas pessoas, a política vira uma humilhação. A política deve ser rejeitada, pensam aqueles que não sabem o que dizem, nem o que fazem.

O pensamento simplificador, típico de sociedades levadas à incapacidade de reflexão, e a correlata polaridade política, movida a desinformação e ódio, impedem a compreensão do significado de Lula para o Brasil. Hoje, há uma espécie de interdição à percepção de que há um Lula para além do Luiz Inácio Lula da Silva, político com qualidades e defeitos, eleito por duas vezes à Presidência da República.

Se o Lula de carne e osso foi racionalmente tolerado pelos detentores do poder econômico (afinal, os bancos nunca lucraram tanto), esse outro Lula, o do imaginário de imensa parcela da população brasileira (e que alcançou também a atenção de pessoas em todo mundo) tornou-se insuportável justamente no momento em que vem simbolizar o Brasil que volta a ser uma velha colônia usada e abusada pelos colonizadores de sempre, o velho capital internacional aliado hoje em dia de corporações e banqueiros que ocupam os cargos políticos como se fossem os donos do Brasil.

Lula continua em seu papel como representante do povo idêntico ao povo, um papel que é incomparável com qualquer outro político de seu tempo. Perseguido e humilhado, como é inevitável a um líder de sua envergadura, mas altivo e sem dever nada a ninguém, ele nos deixa um recado: “não há solução para nenhum país que não seja uma solução política”. Isso nos leva a pensar que o neoliberalismo em curso propõe soluções econômicas que favorecem os ricos e que esse favorecimento conta com a adesão do cidadão rebaixado a otário. Nas palavras de Lula “a desgraça de quem não gosta de política é ser governado por quem gosta”. Precisamos sair desse lugar de otários em que fomos postos por uma produção discursiva que nos afasta de nosso próprio desejo por política e nos faz viver das decisões alheias que sempre nos desfavorecem.

O presidente Lula foi condenado como já se esperava, sem provas, a partir de acusações ridículas. Foi condenado por um juiz que só existe como figura pública porque se colocou a caçar o presidente. O juiz do Paraná lembra Michel Temer, é mais um dos “sem brilho próprio” que sobrevive tentando apagar o alheio. Após deixar de ser unanimidade, o que restará a esse cidadão é agradar alguns admiradores. Talvez Michel Temer, absolvido, Aécio, solto…

A estrela de Lula é maior. Não se apagará de modo algum da história do Brasil, nem do coração das classes humilhadas.

Thursday, 21 October 2021

O caminho da CPI da Pandemia: da instalação ao relatório final Fonte: Agência Senado

 O caminho da CPI da Pandemia: da instalação ao relatório final  Fonte: Agência Senado

RELATÓRIO FINAL

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Da Agência Senado

Publicado em 19/10/2021

Em quase seis meses de trabalho, a CPI da Pandemia colheu mais de 50 depoimentos, quebrou 251 sigilos, analisou 9,4 terabytes de documentos e fez mais de 60 reuniões, marcadas por intensos embates. Cabe agora ao senador Renan Calheiros (MDB-AL) apresentar nesta quarta-feira (20) o relatório final, que será votado pelos integrantes da comissão.

Caso aprovadas pela CPI, as propostas de indiciamento contidas no relatório devem ser encaminhadas ao Ministério Público, à Câmara dos Deputados e até ao Tribunal Penal Internacional, em Haia (Holanda), para que se promova a eventual responsabilização civil, criminal e política dos acusados. Se o documento recomendar mudanças legislativas, elas passam a tramitar como projetos de lei no Congresso Nacional.

No entendimento do presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), a comissão já deu certo em dois propósitos básicos: buscar justiça e estimular a vacinação. O percentual da população totalmente imunizada com vacinas saltou de 6,6% no início dos trabalhos, em abril, para 49% agora em outubro. Além disso, "a CPI já municiou a abertura de, ao menos, oito investigações, mesmo sem ainda ter apresentado o relatório", escreveu Omar em uma rede social.

Os requerimentos que deram origem à comissão, instalada em 27 de abril, previam diligências em duas frentes: além de apurar ações e omissões do governo federal, a CPI deveria fiscalizar o eventual desvio de recursos repassados da União para estados e municípios no enfrentamento à pandemia.

Para os senadores governistas, como Marcos Rogério (DEM-RO), a CPI focou apenas o governo federal, com o objetivo de desgastar o presidente Bolsonaro. Eduardo Girão (Podemos-CE), que se declara independente e é autor do requerimento para a investigação nos estados, diz que a comissão fechou os olhos à atuação de governos estaduais e prefeituras. Eles prometem relatórios alternativos ao de Renan.

Mesmo senadores que se posicionaram contra a atuação do governo na pandemia poderão submeter suas contribuições para análise da CPI. Caso de Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que na sexta-feira (15) protocolou um documento de 149 páginas, com críticas à gestão Bolsonaro e propostas de mudança na legislação.

De qualquer modo, o acompanhamento da pandemia não acaba com o fim da comissão de inquérito. Deve ser criada uma frente parlamentar para monitorar os desdobramentos da investigação (PRS 53/2021). A formação do “observatório” atende uma sugestão da senadora Zenaide Maia (Pros-RN).

— Um trabalho da dimensão que foi essa comissão parlamentar de inquérito poderia simplesmente acabar? — diz o vice-presidente do colegiado, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que propôs a criação da CPI. — Nós ainda teremos as consequências do relatório do senador Renan Calheiros — afirma.

Em homenagem às mais de 600 mil vítimas da pandemia, números computados até o momento, Renan Calheiros propôs e o Senado aprovou o PRS 46/2021, que prevê a construção de um memorial no espelho d’água do Congresso. Na segunda-feira (18), a CPI recebeu parentes de vítimas da covid-19, que relataram suas experiências de perda durante a pandemia. Os senadores se comprometeram em aprovar propostas de apoio às vítimas da doença, a seus parentes e aos chamados "órfãos da covid".

Vacinação, uso de máscaras e distanciamento social, “gabinete paralelo”, “kit covid” e “tratamento precoce” foram alguns dos temas sobre os quais a CPI se debruçou. Veja a seguir um balanço dos assuntos e personagens que marcaram o trabalho da comissão.

 

Fontes: Coordenação de Comissões Especiais, Temporárias e Parlamentares de Inquérito e CPI da Pandemia (Dados consolidados entre 27 de abril e 8 de outubro de 2021)

 

Colapso em Manaus e ex-ministro Pazuello

O colapso de oxigênio em Manaus (AM) ocupou os dois dias de depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. Em janeiro, dezenas de pacientes morreram devido à falta do insumo na capital amazonense. Pazuello disse ter sido informado sobre o risco de desabastecimento apenas no dia 10 daquele mês. Mas, segundo o ex-secretário de Saúde do Amazonas Marcellus Campêlo, a pasta foi informada três dias antes. Pazuello também foi questionado sobre o aplicativo TrateCov, lançado pelo Ministério da Saúde em Manaus. O programa recomendava o uso de medicamentos sem eficácia comprovada para pacientes com sintomas da doença. Segundo o ex-ministro, a plataforma nunca chegou a ser lançada oficialmente por ter sido atacada por hackers. A secretária de Gestão do Trabalho do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, afirmou, no entanto, que “o sistema era seguro”. Em depoimento à CPI, ela defendeu o uso da cloroquina contra a covid-19.


Pazuello, Mayra Pinheiro, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), e o senador Eduardo Braga (MDB-AM)

Velocidade da vacinação no país

Em depoimento à CPI em julho, a ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde Francieli Fantinato responsabilizou o presidente da República pelo atraso na vacinação contra o coronavírus. Segundo ela, Bolsonaro lançou dúvidas sobre a eficácia dos imunizantes.

— Quando o líder da nação não fala favorável, a minha opinião pessoal é que isso pode trazer prejuízos.

No dia 7 de outubro, o senador Renan Calheiros, relator da CPI, disse que a comissão cumpriu seu papel, entre outros motivos, por forçar a aceleração do processo de vacinação no país. Ele destacou que, no começo dos trabalhos, em abril, apenas 6,6% dos brasileiros tinham a imunização completa, enquanto hoje mais de 45% estão vacinados com as duas doses ou a dose única.

Em nota na sexta-feira (15), o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) rebateu as acusações de negacionismo contra o governo. "É preciso lembrar que todas as vacinas aplicadas no país, sem exceção, foram compradas pelo governo Bolsonaro. E que, apesar da CPI insistir no rótulo de negacionista, foi o governo Bolsonaro que aplicou mais de 254 milhões de doses de vacina”, escreveu.


A ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações Francieli Fantinato, o relator da CPI, Renan Calheiros, e o senador Flávio Bolsonaro

Queiroga, vacinas e distanciamento social 

O médico Marcelo Queiroga foi o quarto ministro da Saúde a assumir o enfrentamento à pandemia, após as demissões de Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich e Eduardo Pazuello. Queiroga prestou o primeiro depoimento à CPI em maio. Ele defendeu a vacinação em massa contra o coronavírus, mas evitou comentar declarações de Jair Bolsonaro contra o isolamento social e a favor da cloroquina. Em junho, o ministro prestou novo depoimento à comissão. Voltou a destacar a importância de medidas não farmacológicas, como o distanciamento social e o uso de máscaras. Questionado sobre aglomerações promovidas pelo presidente, Queiroga afirmou que seguir as recomendações de isolamento seria uma decisão de cada um. “Eu sou ministro da Saúde. Não sou um censor do presidente da República. O presidente da República não é julgado pelo ministro da Saúde. As recomendações sanitárias estão postas. Cabe a todos aderir a essas recomendações”, afirmou.


Queiroga no primeiro depoimento em maio, o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues, e novamente o ministro em junho

'Gabinete paralelo' e bula da cloroquina

O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta foi o primeiro a depor. Ele denunciou a existência de um “gabinete paralelo” para orientar Jair Bolsonaro no enfrentamento à pandemia. Em reunião no Palácio do Planalto, o grupo teria sugerido mudar a bula da cloroquina por meio de decreto para incluir o tratamento contra a covid-19. Segundo o presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, a proposta partiu da médica Nise Yamaguchi. Em depoimento à CPI, ela defendeu o uso da cloroquina. Embora tenha negado a existência do “gabinete paralelo”, Nise admitiu ter integrado um “grupo de médicos” que esteve “quatro ou cinco vezes” com o presidente da República. Outro entusiasta da hidroxicloroquina, o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) confirmou ter participado de um encontro em que Bolsonaro recebeu médicos defensores do “tratamento precoce”. Terra, no entanto, classificou a existência do “gabinete paralelo” como “falácia”, “absurdo” e “ficção”. Amparado por um habeas corpus, o empresário Carlos Wizard negou ter financiado o suposto “gabinete paralelo”.

Nise Yamaguchi, Carlos Wizard e deputado Osmar Terra, defensores do "tratamento precoce"; ex-ministro Mandetta e presidente da Anvisa, Barra Torres

Opiniões divergentes sobre cloroquina e ‘tratamento precoce’

A CPI ouviu especialistas a favor e contra o uso da cloroquina no “tratamento precoce” de pacientes com covid-19. A infectologista Luana Araújo classificou essa discussão como “esdrúxula”.

— Ainda estamos discutindo uma coisa que não tem cabimento. É como se a gente estivesse escolhendo de que borda da Terra plana a gente vai pular. Não tem lógica — afirmou.

Segundo os médicos Claudio Maierovitch e Natalia Pasternak, estudos científicos reconhecidos mostram que a cloroquina e outros medicamentos do “tratamento precoce” não funcionam contra a covid-19.

— A cloroquina, infelizmente, nunca teve plausibilidade biológica para funcionar — disse Natália.

Já os médicos Francisco Cardoso e Ricardo Zimerman defenderam o uso da droga.

— A equipe com a qual trabalhamos em São Paulo já atendeu mais de 4 mil casos com pouquíssimos desfechos fatais. Nós temos resultados — disse Cardoso.

Zimerman destacou que o “tratamento precoce” não se resume à cloroquina. Ele defendeu o uso de drogas como budesonida inalatória, colchicina, nitazoxanida e proxalutamida.


Cardoso e Zimerman defendem a cloroquina no "tratamento precoce", enquanto Mairerovitch, Luana e Natalia avaliam que a droga não funciona contra a covid

Denúncia contra a Prevent Senior por suposto uso forçado do 'kit covid'

Médicos acusaram a operadora de saúde Prevent Senior de forçar a prescrição de drogas do chamado "kit covid". Mensagens e áudios divulgados por ex-funcionários sugerem que a empresa pretendia evitar internações e reduzir custos usando o “tratamento precoce” de clientes. Em outra frente, familiares acusaram a Prevent de sugerir que pacientes com chances de recuperação fossem transferidos da UTI para o chamado tratamento paliativo, recomendado apenas aos casos terminais. As denúncias foram apresentadas pela advogada Bruna Mendes Morato, representante de 12 médicos que trabalharam em hospitais da rede, e reiteradas durante o depoimento do plantonista Walter Correa de Souza Neto e do paciente Tadeu Frederico Andrade. O diretor-executivo da Prevent Senior, Pedro Batista Júnior, negou as denúncias. Ele afirmou que documentos repassados à CPI foram furtados sem autorização dos pacientes e adulterados deliberadamente para deturpar a imagem da empresa.

A advogada Bruna, o médico Walter, o diretor Batista Júnior e o paciente Tadeu, que denunciou a empresa

Monitoramento da Prevent por parte da ANS

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) anunciou na CPI a instauração de um regime especial de direção técnica na operadora Prevent Senior. Segundo o presidente da ANS, Paulo Rebello Filho, a medida será aplicada por conta das “denúncias novas e extremamente graves” reveladas pela comissão. A ANS vai investigar a pressão indevida sobre médicos para a prescrição do chamado "kit covid" e a realização de tratamentos experimentais em pacientes com covid-19. Questionado pelo relator Renan Calheiros, Paulo Rebello Filho disse que a ANS apura denúncias de que pacientes da Prevent Senior teriam sido tratados com ozônio, terapia que não tem eficácia comprovada contra a covid-19. O empresário Luciano Hang, defensor do “tratamento precoce” contra a covid-19, admitiu que a mãe dele, Regina Modesti Hang, usou medicamentos do kit covid e morreu internada em uma das unidades da Prevent Senior. Apesar disso, o atestado de óbito emitido com base em informações do hospital não faz referência à covid-19. Luciano Hang atribuiu a ausência da informação a um "erro do plantonista".


O presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar, Paulo Rebello Filho, e o empresário Luciano Hang, defensor do "tratamento precoce"

Salto no faturamento de fabricante de ivermectina

Integrantes da CPI acusaram a farmacêutica Vitamedic de se beneficiar, durante a pandemia, com o crescimento do uso de ivermectina, medicamento sem eficácia comprovada contra a covid-19. A CPI revelou que a Unialfa, empresa que pertence ao grupo do empresário José Alves, dono da Vitamedic, patrocinou um manifesto da Associação Médicos pela Vida sobre "medicamentos contra a covid-19". O diretor-executivo da Vitamedic, Jailton Batista, alegou em depoimento que a empresa não tinha como interferir no conteúdo do informe publicitário da associação. Ele também disse que não poderia avaliar o impacto das falas do presidente Bolsonaro favoráveis à ivermectina, já que a procura pelo remédio aumentou com a eclosão da pandemia. O faturamento da empresa com a ivermectina saltou de R$ 15,7 milhões em 2019 para R$ 470 milhões em 2020.

A comissão também apurou a eventual participação do Itamaraty na aquisição de insumos que seriam usados na produção de cloroquina no Brasil. O ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo confirmou à CPI que a pasta enviou ao governo da Índia um telegrama pedindo a liberação dos produtos. Segundo Araújo, no primeiro semestre de 2020 havia expectativa sobre estudos que analisavam o efeito da droga no tratamento de pacientes acometidos pela covid-19.


Batista, da Vitamedic, senador Alessandro Vieira e Araújo, que confirmou tratativas para a importação de insumos destinados a produzir cloroquina

Divulgação de texto com suposta supernotificação de casos

O presidente Bolsonaro foi criticado por integrantes da CPI pela divulgação de um documento privado como se fosse um relatório oficial do Tribunal de Contas da União (TCU). Produzido informalmente pelo auditor Alexandre Figueiredo Costa Silva Marques, o texto sugere que o número de mortes por covid-19 estaria sendo supernotificado pelos governo estaduais. Segundo o auditor, o documento "inconclusivo, superficial e embrionário" foi enviado indevidamente pelo pai dele ao presidente da República, que o divulgou em redes sociais. O pai do auditor, Ricardo Marques, foi colega de Bolsonaro na Academia Militar das Agulhas Negras e no Exército. Para o presidente da CPI, Omar Aziz, a atitude de Marques e a do pai dele foram um desserviço à sociedade.


Alexandre Marques, senador Marcos do Val e a sala de reuniões da CPI durante o depoimento do auditor do TCU

Críticas à ausência de investigação nos estados 

Parlamentares governistas e independentes devem apresentar relatórios alternativos sobre os trabalhos da CPI. O senador Marcos Rogério (DEM-RO) criticou o fato de a comissão não ter convocado testemunhas para depor sobre o Consórcio Nordeste. Segundo ele, respiradores comprados e pagos por governos estaduais não foram entregues pela entidade. O senador Eduardo Girão (Podemos-CE), que se declara independente, também promete um voto em separado, em oposição ao relatório oficial que será apresentado por Renan. Segundo Girão, a intenção é sugerir um texto equilibrado que aponte eventuais irregularidades cometidas pelo governo federal, mas também destaque as denúncias sobre o desvio de recursos da União transferidos a estados e municípios.

— Para os oposicionistas, tudo o que acontece é culpa do governo federal. Eles se recusaram a ver os escândalos dos governos estaduais e municipais — criticou Girão.


Senadores Marcos Rogério, Eduardo Girão, Jorginho Melo e Luis Carlos Heinze, que criticam a CPI for focar investigação apenas sobre o governo federal

Atuação da bancada feminina

Mesmo sem vaga formal na CPI, senadoras participaram de todas as reuniões da comissão de inquérito. A presença da bancada feminina chegou a ser questionada em maio pelo então senador Ciro Nogueira (PP-PI), que se licenciou do mandato em agosto para chefiar a Casa Civil. Na ocasião, o presidente da CPI, senador Omar Aziz (MDB-AM), assegurou a participação das mulheres no colegiado. A força da bancada feminina foi reafirmada no depoimento do ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner Rosário. Confrontado pela senadora Simone Tebet (MDB-MS), que acusou a CGU de omissões e ações indevidas durante a negociação da vacina Covaxin, o ministro disse que a parlamentar estava “totalmente descontrolada”. Simone reagiu e teve o apoio de senadores e senadoras, que acusaram Wagner Rosário de cometer “machismo explicito”.

— Quando a mulher tenta, desde o início do século passado, buscar espaços de poder; quando ela abria a boca para divergir, era chamada de louca, histérica e exaltada. Toda vez que ousa enfrentar, ela é chamada de descontrolada. Essa palavra é inadmissível. É emblemática e não pode ser dirigida enquanto uma mulher está se posicionando e defendendo suas ideias — disse Simone no dia seguinte, ao receber a solidariedade dos colegas durante reunião da Comissão de Constituição e Justiça.


Eliziane Gama, Soraya Thronicke, Leila Barros, Zenaide Maia e Simone Tebet: mesmo sem vaga formal na CPI, senadoras têm atuação de destaque

Tempo para compra de vacinas da Pfizer

O ex-secretário de Comunicação da Presidência da República Fabio Wajngarten confirmou que o Palácio do Planalto levou dois meses para responder uma carta em que a farmacêutica Pfizer prometia fornecer doses de vacinas ao Brasil. Segundo Wajngarten, a empresa enviou uma carta a autoridades brasileiras em setembro do ano passado, mas a resposta ocorreu em novembro. Chamado a depor à CPI um dia depois de Wajngarten, o presidente da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, disse que os primeiros contatos com o governo brasileiro teriam ocorrido, na verdade, entre maio e junho de 2020. Segundo ele, a Pfizer ofereceu 1,5 milhão de doses a serem entregues ainda naquele ano. Mas isso não ocorreu, de acordo com o empresário, devido à falta de resposta. A primeira entrega de doses do imunizante ao Brasil aconteceu em abril de 2021.


A revelação de Wajngarten sobre o tempo de resposta à Pfizer foi confirmada por Murillo. Tasso Jereissati conduz uma das sessões da CPI

Resposta do governo à proposta da CoronaVac

O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, contou à CPI que a primeira oferta do imunizante CoronaVac ao governo ocorreu em julho de 2020, quando o Ministério da Saúde era comandado por Eduardo Pazuello. Segundo Covas, a proposta previa a entrega de 60 milhões de doses no último trimestre daquele ano. Mas isso não ocorreu. A primeira dose só foi aplicada no Brasil em janeiro. O ex-secretário-geral do Ministério da Saúde Antônio Elcio Franco Filho foi convocado pela comissão para depor em junho. Senadores questionaram por que a pasta resistiu à compra da CoronaVac. Segundo Elcio Franco, o imunizante ainda não havia sido submetido à terceira fase de estudos clínicos.

— Ela [terceira fase] é considerada como o cemitério de vacinas, porque pode haver um insucesso no desenvolvimento — justificou.


Dimas Covas, ao lado de Omar e Renan, Elcio Franco e o senador Humberto Costa

Denúncia de irregularidades em processo de compra da Covaxin

O deputado Luis Miranda (DEM-DF) denunciou irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin. Ele prestou depoimento ao lado do irmão, Luís Ricardo Miranda, que é servidor do Ministério da Saúde e afirmou ter sofrido “pressão atípica” para agilizar a compra do imunizante. Segundo os irmãos, o caso foi levado ao presidente Bolsonaro, que teria atribuído as irregularidades ao líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR). O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), leu uma nota para apontar que o presidente Bolsonaro, assim que foi alertado pelo deputado Luis Miranda, levou o fato ao  Ministério da Saúde, que teria concluído que o contrato estava correto. Em outro depoimento, o consultor do Ministério da Saúde William Santana afirmou ter feito alertas sobre erros em faturas apresentadas para a compra da Covaxin. Ele identificou divergências como número menor de doses, prazo maior de entrega, pagamento antecipado e presença de intermediários. A fiscal do contrato, Regina Célia Oliveira, negou as irregularidades. Mas admitiu que foi nomeada para o cargo na gestão de Ricardo Barros no Ministério da Saúde. Barros prestou depoimento à CPI em agosto. Em uma reunião tumultuada, ele disse que Bolsonaro não o acusou.

— O presidente nunca afirmou que eu estava envolvido no caso Covaxin. Ele perguntou — disse o deputado.


Irmãos Miranda (os dois ao lado de Omar e Renan), William Santana, Regina Célia e o deputado Ricardo Barros

Intermediação e suspeita de superfaturamento pela Precisa

As tratativas para compra de 20 milhões de doses da Covaxin pelo Ministério da Saúde levaram a CPI a investigar a suspeita de que a intermediária Precisa Medicamentos tenha tentado superfaturar o negócio com a farmacêutica indiana Bharat Biotech. Segundo parlamentares, o imunizante chegou a ser oferecido ao governo brasileiro por US$ 10. Mas, no contrato, o valor unitário foi fixado em US$ 15. A diretora executiva da Precisa, Emanuela Medrades, negou a oferta de US$ 10. Segundo ela, as atas da reunião entre o Ministério da Saúde e a intermediária eram “imprecisas”. O dono da empresa, Francisco Maximiano, foi convocado a depor em agosto. Amparado por um habeas corpus, ele se recusou a responder a maior parte das perguntas. Senadores questionaram o empresário sobre uma emenda, sugerida pelo deputado Ricardo Barros, à medida provisória 1.026/2021. A mudança facilitaria a importação da Covaxin pelo governo brasileiro. Maximiano reconheceu que a proposta era de interesse da Precisa. Mas negou ter discutido o assunto com o parlamentar.


O dono da Precisa, Francisco Maximiano, o senador Otto Alencar e o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra

Garantia do FIB Bank para compra da Covaxin

A empresa FIB Bank ofereceu uma carta de garantia — considerada irregular por integrantes da CPI — para a Precisa negociar a compra da Covaxin pelo governo. O presidente da FIB Bank, Roberto Pereira Ramos Júnior, prestou um depoimento avaliado como contraditório pelos parlamentares. A CPI levantou a informação de que, apesar de informar um capital social de R$ 7,5 bilhões, a FIB Bank faturou apenas R$ 1 milhão no último ano. Os parlamentares denunciaram ainda o uso de “laranjas” para a formalização da empresa. Roberto Pereira Ramos Júnior negou ter envolvimento com integrantes do Ministério da Saúde ou com o deputado Ricardo Barros. Quem também prestou depoimento à CPI foi o advogado Marcos Tolentino, apontado como sócio oculto da FIB Bank. Ele negou ter participação societária na empresa, mas foi confrontado com uma procuração que concede poderes para representar a firma Pico do Juazeiro, uma das sócias da FIB Bank. Questionado sobre a procuração, Tolentino ficou em silêncio. Ele admitiu manter uma relação de “respeito e amizade” com Ricardo Barros.


Senador Rogério Carvalho, Roberto Ramos Júnior, da FIB Bank, e Marcos Tolentino, apontado como sócio oculto da empresa

Suposta lavagem de dinheiro

Um dos desafios da CPI foi desvendar a intrincada relação financeira entre a Precisa Medicamentos e outras empresas. Uma dessas firmas é a Primarcial Holding e Participações, registrada em nome de Danilo Trento, diretor institucional da Precisa. Protegido por um habeas corpus, ele se recusou a prestar o compromisso de dizer a verdade. Confrontado com fluxogramas de transferência de dinheiro entre empresas dele e de Francisco Maximiano — o que de acordo com a direção da CPI sugere um esquema de lavagem de dinheiro — Trento calou-se. Quem também optou pelo silêncio foi o lobista Marconny Albernaz de Faria. Apontado como intermediário entre a Precisa e o Ministério da Saúde, ele deixou de responder perguntas alegando não se lembrar dos fatos questionados. Usando mensagens de textos de Marconny, obtidas pela CPI, senadores procuraram identificar relações do depoente com pessoas próximas ao presidente Jair Bolsonaro. Marconny admitiu conhecer Jair Renan, filho do presidente, e Ana Cristina Siqueira Valle, ex-mulher de Bolsonaro e mãe de Jair Renan. A CPI chegou a aprovar um requerimento de convocação para Ana Cristina, mas o depoimento não foi marcado.


Danilo Trento, diretor da Precisa Medicamentos, e o lobista Marconny Albernaz durante os depoimentos

Acusação de pedido de propina para compra da AstraZeneca

O policial militar Luiz Paulo Dominguetti acusou o ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias de ter pedido propina para viabilizar a compra do imunizante da farmacêutica AstraZeneca pelo governo. Dominguetti disse trabalhar para a empresa Davati na intermediação do negócio. Chamado a depor uma semana depois, Roberto Dias negou a denúncia. Mas deixou a comissão preso, sob a acusação de mentir aos senadores, e foi solto horas depois. A CPI também ouviu Cristiano Carvalho, representante da Davati no Brasil. Carvalho admitiu ter sido procurado por Roberto Dias, por meio de telefonemas e mensagens. Questionado sobre a denúncia de propina, o representante da Davati disse que foi informado por Luiz Paulo Dominguetti. Segundo Carvalho, o pedido de “comissionamento” teria sido feito com o conhecimento do tenente-coronel Marcelo Blanco, ex-assessor de Roberto Dias. Em depoimento à CPI, Blanco negou a acusação. A AstraZeneca informou oficialmente que não vende imunizantes à iniciativa privada nem autoriza intermediários a negociar vacinas em nome da empresa.


Dominguetti, Roberto Dias e Marcelo Blanco, que negou conhecer pedido de comissionamento

Encontros para negociação de vacinas com religioso, coronel e empresário 

A CPI descobriu que um religioso sem credenciais para atuar na área da saúde teria sido recebido em uma secretaria do Ministério quando também tentou negociar a venda de 400 milhões de doses da AstraZeneca, sem autorização da farmacêutica. O reverendo Amilton Gomes de Paula disse ter sido procurado e “usado de maneira ardilosa” pelo policial militar Luiz Paulo Dominguetti para agendar três reuniões com o Ministério da Saúde. Quem também apareceu na negociação foi o coronel da reserva Helcio Bruno de Almeida, presidente da ONG Instituto Força Brasil (IFB). Ele admitiu ter compartilhado com representantes da empresa Davati uma agenda previamente marcada no Ministério da Saúde, mas negou ter pedido vantagens na negociação. Um terceiro personagem citado no episódio foi o empresário José Ricardo Santana. Ele participou do jantar ocorrido em um shopping center em Brasília em que Roberto Ferreira Dias teria cobrado propina do policial militar Luiz Paulo Dominguetti. Ouvido pela CPI em agosto, Santana disse que não presenciou nenhum pedido de vantagem indevida durante o encontro.


Reverendo Amilton, coronel Helcio Bruno e empresário Ricardo Santana, que cumprimenta o relator

Investigação por fake news e homofobia

O empresário Otávio Fakhoury foi chamado a depor sobre fake news disseminadas pelo Instituto Força Brasil (IFB), do qual é vice-presidente. Segundo a CPI, a entidade também tentou intermediar a negociação de vacinas entre a Davati e o Ministério da Saúde. Fakhoury admitiu que financiou o IFB e exerce um cargo de direção simbólica. Mas afirmou que não participa e não tem responsabilidade por atos de gestão. Durante o depoimento, parlamentares criticaram a participação do empresário na transmissão de notícias falsas sobre a eficácia do imunizante contra o coronavírus e do uso de máscaras. O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) foi além e acusou Otávio Fakhoury de cometer crime de homofobia. Em referência ao parlamentar, o empresário havia publicado o seguinte texto em uma rede social: “O delegado homossexual assumido talvez estivesse pensando no perfume de alguma pessoa ali daquele plenário. Qual seria o perfumado que o cativou?”. O comentário surgiu após uma postagem em que Contarato cometeu um erro de grafia: ele escreveu “fragrancial” em vez de “flagrancial”.

Senado Fabiano Contarato, o empresário Otávio Fakhoury e o plenário da CPI

Pagamento de boletos de ex-diretor do Ministério da Saúde

Acusado de pedir propina para a compra de vacinas, o ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias teve o nome envolvido em outra situação investigada pela CPI. Segundo documentos obtidos pela comissão, ele teria tido contas pessoais pagas pela VTCLog, que presta serviços de logística para o governo federal. Ivanildo Gonçalves da Silva, um motoboy da empresa, admitiu realizar saques e pagamentos em dinheiro na boca do caixa. Segundo a comissão, os saques totalizam mais de R$ 4,7 milhões desde 2018. Um dos boletos pagos estava em nome de Roberto Dias. Um dos sócios e a diretora executiva da VTCLog, Raimundo Nonato Brasil e Andreia Lima, negaram ter beneficiado o ex-diretor do Ministério da Saúde para obter vantagens. Mas integrantes da CPI questionaram o fato de a VTCLog ter assegurado aditivos contratuais durante a gestão de Roberto Ferreira Dias, mesmo com parecer contrário de outros setores da pasta. 


O motoboy da VTCLog Ivanildo Gonçalvez, o sócio da empresa Raimundo Nonato Brasil e a diretora Andreia Lima

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Reportagem: Agência Senado

Edição: Maurício Müller e Silvio Burle

Edição e tratamento de fotos: Marri Nogueira e Bernardo Ururahy

Fotos de capa e abertura: Edilson Rodrigues/Agência Senado

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Fonte: Agência Senado