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Tuesday, 10 May 2022

Anvisa suspende testes de agrotóxicos nos alimentos há mais de dois anos



Anvisa suspende testes de agrotóxicos nos alimentos há mais de dois anos

https://apublica.org/2022/05/anvisa-suspende-testes-de-agrotoxicos-nos-alimentos-ha-mais-de-dois-anos/

Fonte: Agência Pública



Resumo:

Desde o início do governo de Jair Bolsonaro, só houve divulgação de alimentos coletados até 2018; programa monitora pesticidas em produtos vendidos em supermercados e feiras

Por Júlia Rohden

Desde 2020, os brasileiros não sabem quanto de resíduos de agrotóxicos há em maçãs, laranjas, tomates, pimentões e outros alimentos que são vendidos em feiras e supermercados pelo país. Isso porque o principal programa de monitoramento do Governo Federal não divulgou o resultado de coletas feitas desde o início do governo de Jair Bolsonaro (PL). A última publicação foi justamente em 2019, a partir de amostras coletadas em 2017 e 2018.

Criado em 2001, o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) teve sete relatórios publicados. “Na medida em que o próprio governo avalia e autoriza agrotóxicos, que são substâncias que comportam perigo à saúde humana, o monitoramento se torna obrigatório. [O programa] é o que permite saber o que está acontecendo depois que libera determinado agrotóxico, o que está sendo contaminado e em qual proporção”, afirma Luiz Cláudio Meirelles, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz que também foi um dos fundadores do PARA quando era gerente de toxicologia na Anvisa.
 
Anvisa parou de coletar alimentos para testar presença de agrotóxicos em 2020

Em agosto de 2020, a Anvisa informou que as coletas seriam suspensas temporariamente devido à pandemia de Covid-19. Não foram divulgados os resultados das coletas feitas no ciclo do segundo semestre de 2018 e 2019, e desde 2020 não houve novas coletas para avaliar as frutas e verduras consumidas pela população. Por meio da assessoria de imprensa, o órgão respondeu que o relatório com os dados de 2018 e 2019 está previsto para ser divulgado no segundo semestre deste ano. Em relação às novas coletas, a assessoria respondeu que “estão dando andamento às atividades preparatórias para execução das coletas e análises de amostras a partir do segundo semestre de 2022”.

O resultado da última edição foi avaliado pela Agência Pública e Repórter Brasil e constatou que laranja, pimentão e goiaba foram os principais alimentos com agrotóxicos acima do limite. A cada dez pimentões, oito tinham agrotóxicos proibidos ou acima do permitido, já 42% das amostras de goiabas, 39% das cenouras e 35% dos tomates testados estavam em desconformidade. Foram 14 frutas e legumes analisados na última edição do Programa e as amostras foram recolhidas entre agosto de 2017 e junho de 2018 – ou seja, antes do início do governo de Jair Bolsonaro, que lidera o recorde histórico de liberação de agrotóxicos.
Alimentos com agrotóxicos proibidos ou acima do limite no relatório divulgado em 2019

Nos últimos anos, o Brasil teve uma média anual de aprovação de 500 novos produtos, como mostra relatório da organização Amigos da Terra, de autoria das pesquisadoras Larissa Mies Bombardi e Audrey Changoe. “Ao mesmo tempo em que o governo pede que a Anvisa acelere o registro de novos agrotóxicos, não mantém programas como o PARA”, avalia Fran Paula, integrante da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e engenheira agrônoma. Segundo ela, a função da Agência de garantir a saúde da população brasileira estaria sendo deturpada para atuar a serviço de indústrias químicas. “O Programa é um exemplo desse ataque e tentativa de mudar o foco de atuação da própria Agência”, afirma.


A atuação da Anvisa em relação aos agrotóxicos está na mira do PL 6.299, apelidado “Pacote do Veneno”. O projeto que tramita no Senado prevê concentrar no Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) a responsabilidade pela aprovação de novos produtos, retirando o poder da Anvisa e do Ibama. Atualmente, para que um novo agrotóxico possa ser registrado no país, precisa ser aprovado pelos três órgãos. Luiz Cláudio Meirelles analisa que a aprovação do PL 6.299 significaria o fim do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos da Anvisa. “Se tirar a competência da Saúde [para registro de agrotóxicos], dificilmente a Agência vai ficar priorizando o Programa”, diz. Meirelles avalia que houve piora na área que trata de questões vinculadas aos agrotóxicos.

Ausência de monitoramento impede brasileiros de saberem quanto de resíduos de agrotóxicos há em alimentos
Brasil não tem outros programas regulares de impactos de agrotóxicos, critica pesquisador

O primeiro relatório do PARA divulgado pela Anvisa continha informações sobre a quantidade de agrotóxico em alimentos entre 2001 e 2007, e informava que o programa seria implementado gradualmente, por razões de infraestrutura (como escassez de laboratórios públicos que fazem as análises) e articulação com as vigilâncias públicas estaduais. Os três relatórios seguintes foram anuais (2008, 2009 e 2010). Depois, passou a condensar anos de forma irregular, com relatórios monitorando amostras de 2011 e 2012, e na sequência de 2013 a 2015.

Para a integrante da ANA, Fran Paula, a oscilação dos períodos divulgados já demonstrava uma desestruturação do programa. “Transmitia a sensação que está tudo bem, que não precisa mais monitorar os alimentos”, avalia.

Em resposta à reportagem, a assessoria da Anvisa informou que “a decisão sobre o período a ser divulgado depende prioritariamente da obtenção e consolidação de todos os resultados das amostras analisadas, além de se considerar o contexto da execução do Programa”.

O ex-gerente da Anvisa lembra que, mesmo quando realizado, o programa já seria insuficiente, porque monitora apenas alimentos in natura. “[O governo] teria que monitorar alimentos processados, de origem animal, além da água, para ter uma ideia melhor de como estão os níveis de contaminação por agrotóxicos no país, que é campeão em uso de venenos”, afirma. Tais monitoramentos não são feitos ou divulgados de forma sistemática pelo governo brasileiro, mas há iniciativas que investigam e divulgam as situações. Um exemplo é o Mapa da Água, publicado pela Agência Pública e Repórter Brasil, que revela dados públicos para mostrar que há agrotóxico na água que sai das torneiras em várias cidades do país. Outro exemplo é a pesquisa realizada pelo Idec que encontrou pesticidas em 60% de alimentos ultraprocessados, como bisnaguinha, bolachas e bebidas lácteas.

Além do PARA, executado pela Anvisa, o Mapa também monitora resíduos de agrotóxicos em alimentos. “Há uma grande diferença, porque o PARA [Programa da Anvisa] é o único que faz análise de resíduos de agrotóxicos no alimento que vai para mesa da população, na gôndola do supermercado. O programa do Mapa faz as coletas na área de produção”, avalia Fran Paula. “Entre o local de produção e o consumo tem um caminho muito grande. Uma laranja produzida no Rio Grande do Sul pode demorar cinco ou seis dias até chegar no Mato Grosso, por exemplo, e teria inclusive maior aplicação de produto químico. Então é preciso considerar que há diferença entre os programas e sua finalidade”, diz.


PARA é o único que faz análise de resíduos de agrotóxicos no alimento que vai para mesa da população
Anvisa mudou tom da divulgação sobre agrotóxicos em alimentos no último relatório

Mudanças significativas já foram alvo de críticas na última pesquisa realizada pela Anvisa, divulgada em 2019. O relatório teve tom otimista, informando que “alimentos vegetais são seguros”. Pela primeira vez, a Anvisa avaliou o potencial de risco crônico (a longo prazo) para a saúde, além do risco agudo (a curto prazo). Para isso, foram usados dados sobre quanto os brasileiros consomem em média de cada alimento e o peso dos consumidores a partir de 10 anos de idade, ou seja, ignorando o risco para crianças de zero a 10 anos.



“Não foram identificadas situações de potencial risco à saúde dos consumidores”, informa o documento em relação aos riscos crônicos. O relatório identificou risco agudo em apenas 0,89% das amostras, ou seja 41 amostras de frutas e legumes. Destas, 27 eram laranjas. O documento não colocou de forma clara informações que foram destaque na divulgação de relatórios anteriores.

O relatório não dava destaque, por exemplo, para a informação de que, a cada 14 laranjas vendidas nos mercados, uma tinha agrotóxico suficiente para causar intoxicação imediata. Cinco laranjas analisadas apresentaram mais de cinco vezes o limite de segurança de exposição, todas para o agrotóxico carbofurano, um inseticida proibido no Brasil desde 2017 por causar malefícios ao sistema nervoso, como a morte de neurônios.

Análise independente deste mesmo relatório conduzida pelo Grupo de Trabalho de Agrotóxicos da Fiocruz aponta que em 34% das amostras foram identificadas misturas de agrotóxicos, variando de dois a 21 tipos diferentes de ingredientes ativos. “Quando mudou a metodologia, que colocou a dose de referência aguda como parâmetro, acabou! É claro que não vai ter uma quantidade de resíduo de agrotóxico que provoque este efeito agudo em alguém — apenas em casos muito raros. Mas não é isso o que importa em uma avaliação toxicológica de resíduo, porque em sã consciência ninguém quer comer uma alface com 15 diferentes tipos de agrotóxicos”, finaliza Meirelles.
Créditos de imagens
Marcelo Camargo/Agência Brasil


Bruno Fonseca/Agência Pública
Pixabay
Pixabay


Esta reportagem faz parte do projeto Por Trás do Alimento, uma parceria da Agência Pública e Repórter Brasil para investigar o uso de Agrotóxicos no Brasil. A cobertura completa está no site do projeto.

Reportagem originalmente publicada na Agência Pública

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Thursday, 28 May 2020

Para Rob Wallace, autor de Pandemia e agronegócio, o aumento da ocorrência de vírus está intimamente ligado à produção alimentar

https://editoraelefante.com.br/de-onde-veio-o-coronavirus-e-por-que-se-espalhou/?ct=t%28PANDEMIA+compilado+textos+blog%29&mc_cid=3eb6bcf5f1&mc_eid=%5BUNIQID%5D

De onde veio o coronavírus, e por que se espalhou? Para Rob Wallace, autor de Pandemia e agronegócio, o aumento da ocorrência de vírus está intimamente ligado à produção alimentar e à rentabilidade das corporações. ‘Quem quiser compreender por que os vírus estão se tornando mais perigosos deve investigar o modelo industrial da agricultura e, mais especificamente, a produção animal’


Por Rob Wallace
Publicado em Marx21

 

Nesta entrevista publicada em 11 de março, Rob Wallace, autor de Pandemia e agronegócio: doenças infecciosas, capitalismo e ciência, com sua incisividade habitual e amplo conhecimento, fala sobre os perigos da covid-19, o papel do agronegócio na crise e a importância de rever o relacionamento da humanidade com os ecossistemas, a fim de chegar às raízes da crise.

 

Qual é o perigo do novo coronavírus?

 

Depende em que momento se encontra o surto local de covid-19: no início, no momento de pico, no final? Qual é a resposta da sua região em matéria de saúde pública? Quais são os seus dados demográficos? Qual é a sua idade? Está imunossuprimido? Como é a sua saúde geral? Para perguntar sobre uma possibilidade não diagnosticável: a sua imunogenética — a genética intrínseca à sua resposta imunitária — se ajusta ou não ao vírus?

 

Então todo este barulho sobre o vírus é apenas tática para gerar medo?

 

Não, claro que não. Em nível da populacional, a covid-19 registrava, no início do surto de Wuhan, uma taxa de mortalidade de 2% a 4%. Fora de Wuhan, a taxa de mortalidade parece cair para mais ou menos 1% ou ainda menos, mas também parece disparar em pontos aqui e ali, incluindo em locais na Itália e nos Estados Unidos. O seu alcance não parece grande em comparação com, digamos, a taxa de mortalidade de 10% da Sars, a de 5% a 20% da gripe de 1918, a de 60% da “gripe aviária” H5N1 ou, em alguns pontos, a de 90% do ebola. Mas excede certamente a taxa de mortalidade de 0,1% da gripe sazonal. O perigo, porém, não é apenas uma questão de taxa de mortalidade. Temos de lidar com aquilo a que se chama taxa de penetração ou de ataque comunitário: ou seja, quanto da população global é atingida pelo surto.

 

Pode ser mais específico?

 

A rede global de viagens está em uma conectividade recorde. Sem vacinas ou antivirais específicos para o coronavírus, nem, neste momento, qualquer imunidade grupal ao vírus, mesmo uma cepa com uma mortalidade de apenas 1% pode representar um perigo considerável. Com um período de incubação de até duas semanas e provas crescentes de alguma transmissão antes da doença — antes de sabermos que as pessoas estão infectadas —, poucos locais estariam livres de infecção. Se, por exemplo, a covid-19 registrar 1% de mortalidade no decurso da infecção de quatro bilhões de pessoas, são quarenta milhões de mortos. Uma pequena parte de um grande número pode ser também um grande número.

 

Estes são números assustadores para um patógeno ostensivamente menos que virulento.

 

Definitivamente, e estamos apenas no início do surto. É importante compreender que muitas novas infecções mudam ao longo do curso das epidemias. A infecciosidade, a virulência, ou ambas, podem atenuar. Por outro lado, outros surtos aumentam em termos de virulência. A primeira onda da pandemia de gripe, na primavera de 1918, foi uma infecção relativamente leve. Foram a segunda e terceira ondas, no inverno de 1918 e em 1919, que mataram milhões de pessoas.

 

Mas os céticos da pandemia argumentam que muito menos doentes foram infectados e mortos pelo coronavírus do que pela gripe sazonal típica. O que pensa sobre isso?

 

Eu seria o primeiro a celebrar se este surto se revelasse um fracasso. Mas estes esforços para desconsiderar o Covid-19 como um possível perigo, citando outras doenças mortais, especialmente a gripe, é um dispositivo retórico para apontar a preocupação com coronavírus como algo desproporcional.

 

Então, a comparação com a gripe sazonal é capenga?

 

Faz pouco sentido comparar dois agentes patogênicos em diferentes partes das suas curvas epidemiológicas. Sim, a gripe sazonal infecta muitos milhões em todo o mundo, matando, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), até 650 mil pessoas por ano. A covid-19, porém, está apenas iniciando a sua viagem epidemiológica. E, ao contrário da gripe, não dispomos nem de vacinas, nem de imunidade de grupo para retardar a infecção e proteger as populações mais vulneráveis.

 

Mesmo que a comparação seja enganadora, ambas as doenças são causadas por vírus de um grupo específico, os vírus RNA. Ambas podem causar doenças. Ambas afetam a região da boca e da garganta e, por vezes, também os pulmões. Ambas são bastante contagiosas.

 

Estas são semelhanças superficiais que ignoram uma parte crítica da comparação entre dois agentes patogênicos. Sabemos muito sobre as dinâmicas da gripe. Sabemos muito pouco sobre a covid-19: a doença está impregnada de incógnitas. Na verdade, há muito sobre a covid-19 que era indecifrável até o surto se manifestar plenamente. Ao mesmo tempo, é importante compreender que não se trata de covid-19 versus gripe. Trata-se de covid-19 e gripe. O surgimento de infecções múltiplas capazes de se tornarem pandêmicas, atacando populações em massa, deve ser a preocupação principal e central.

 

Há vários anos você pesquisa as epidemias e as suas causas. O seu livro Pandemia e agronegócio tenta estabelecer essas ligações entre as práticas agrícolas industriais, a agricultura biológica e a epidemiologia viral. Quais são seus argumentos?

 

O perigo real de cada novo surto é o fracasso ou, melhor dizendo, a recusa conveniente de compreender que cada novo covid-19 não é um incidente isolado. O aumento da ocorrência de vírus está intimamente ligado à produção alimentar e à rentabilidade das empresas multinacionais. Quem pretender compreender por que razão os vírus estão se tornando mais perigosos deve investigar o modelo industrial da agricultura e, mais especificamente, a produção animal. Neste momento, poucos governos — e poucos cientistas — estão dispostos a fazê-lo.

Quando surgem os novos surtos, os governos, a mídia e mesmo a maioria dos estabelecimentos médicos estão tão concentrados em cada emergência que descartam as causas estruturais que estão conduzindo múltiplos agentes patogênicos marginalizados ao status de súbitas celebridades globais, um após o outro.

 

De quem é a culpa?

 

Eu disse agricultura industrial, mas há um âmbito mais vasto. O capital é a ponta de lança da invasão de terras das florestas primárias e das terras agrícolas de pequenos proprietários em todo o mundo. Estes investimentos impulsionam o desmatamento e o desenvolvimento que conduzem ao aparecimento de doenças.

A diversidade funcional e a complexidade que estas enormes extensões de terra representam estão sendo racionalizadas de tal forma que agentes patogênicos anteriormente “encaixotados” estão se espalhando para o gado local e as comunidades humanas. Em suma, os centros metropolitanos, como Londres, Nova York e Hong Kong, devem ser considerados os nossos principais focos de doença.

 

Este o caso para quais doenças?

 

Neste momento, não existem agentes patogênicos livres do capital. Mesmo os mais remotos são afetados, ainda que de forma distante. O ebola, o zika, os coronavírus, a febre amarela, uma variedade de influenzas aviárias e a peste suína africana estão entre os muitos agentes patogênicos que saem das zonas mais remotas do interior para os circuitos periurbanos, as capitais regionais e, por fim, para a rede global de viagens: de morcegos frugívoros no Congo à morte de banhistas em Miami, em algumas semanas.

 

Qual é o papel das empresas multinacionais neste processo?

 

Neste momento, o Planeta Terra é, em grande parte, o Planeta Fazenda, tanto na biomassa como nas terras utilizadas. O agronegócio tem como objetivo monopolizar o mercado de alimentos. A quase totalidade do projeto neoliberal está organizada em torno do apoio aos esforços das empresas sediadas nos países industrializados mais avançados para roubar a terra e os recursos dos países mais fracos. Como resultado, muitos desses novos agentes patogênicos, anteriormente controlados por ecologias florestais há muito evoluídas, estão sendo liberados, ameaçando o mundo inteiro.

 

Que efeitos têm os métodos de produção do agronegócio sobre este aspecto?

 

A agricultura direcionada pelo capital, que substitui as ecologias naturais, oferece o meio exato pelo qual os agentes patogênicos podem evoluir para fenótipos mais virulentos e infecciosos. Não se conseguiria conceber um sistema melhor para criar doenças mortais.

 

Como assim?

 

O cultivo de monoculturas genéticas de animais domésticos retira a proteção imunológica que poderia estar disponível para retardar a transmissão. As dimensões e densidades maiores da população facilitam taxas maiores de transmissão. Estas condições de aglomeração diminuem a resposta imunitária.

O elevado rendimento, uma parte de qualquer produção industrial, proporciona um fornecimento continuamente renovado de produtos sensíveis, o combustível para a evolução da virulência. Em outras palavras, o agronegócio está tão concentrado nos lucros que a seleção de um vírus que pode matar bilhões de pessoas é tratada como um risco aceitável.

 

O quê!?

 

Estas empresas podem simplesmente externalizar os custos das suas operações epidemiologicamente perigosas para os próprios animais, os consumidores, os trabalhadores agrícolas, o meio ambiente local e os governos, em todas as jurisdições. Os prejuízos são tão elevados que, se devolvêssemos esses custos aos balanços das empresas, o agronegócio, tal como o conhecemos, acabaria para sempre. Nenhuma empresa poderia suportar os custos dos danos que impõe ao entorno humano e natural.

 

Em muitos meios de comunicaçãoafirma-se que o ponto de partida do coronavírus foi um “mercado de alimentos exóticos” em Wuhan, na China. Esta descrição é verdadeira?

 

Sim e não. Existem pistas geográficas a favor desta noção. O rastreio de contatos relacionados com infecções remonta ao mercado de Hunan, em Wuhan, onde animais selvagens eram vendidos. A amostragem ambiental parece indicar a extremidade oeste do mercado, onde os animais selvagens eram mantidos.

 

Mas a que distância e até que ponto devemos investigar? Quando é que a emergência começou realmente? O enfoque sobre o mercado não leva em conta as origens da agricultura selvagem no interior do país e a sua crescente capitalização. A nível global, e na China, os alimentos selvagens estão se formalizando como um setor econômico.

Mas a sua relação com a agricultura industrial vai além da mera partilha dos mesmos sacos de dinheiro. À medida que a produção industrial — ovo, aves e similares — se expande para a floresta primária, exerce pressão sobre os operadores de alimentos selvagens para que estes se alimentem ainda mais profundamente na floresta, aumentando a interface com novos agentes patogênicos, incluindo o novo coronavírus.

 

O coronavírus não é o primeiro vírus a desenvolver-se na China que o governo tentou encobrir.

 

Sim, mas não se trata, porém, de um excepcionalismo chinês. Os Estados Unidos e a Europa também serviram de pontos zero para novas gripes, recentemente o H5N2 e o H5Nx, e as suas multinacionais e aliados neocoloniais impulsionaram o surgimento do ebola na África Ocidental e do zika no Brasil. Funcionários de saúde pública dos Estados Unidos protegeram o agronegócio durante os surtos de H1N1 (2009) e H5N2.

 

A reestruturação neoliberal do sistema de saúde agravou tanto a investigação como o tratamento geral dos doentes, por exemplo, nos hospitais. Que diferença poderia fazer um sistema de saúde mais bem financiado para combater o vírus?

 

Há a terrível mas contagiosa história do empregado da empresa de aparelhos médicos de Miami que, ao regressar da China com sintomas semelhantes aos da gripe, fez a coisa certa pela sua família e pela sua comunidade e exigiu um exame hospitalar local para a covid-19. Ele temia que a sua opção mínima no Obamacare não cobrisse os testes. Ele estava certo. De repente, ele estava com uma conta de 3.270 dólares.

Uma opção estadunidense poderia ser uma ordem de emergência que estipula que, durante um surto pandêmico, todas as contas médicas pendentes relacionadas com os testes de infecção e de tratamento após um teste positivo seriam pagas pelo governo federal. Queremos encorajar as pessoas a procurar ajuda, em vez de estimular que se escondam e infectem outras pessoas porque não podem pagar o tratamento. A solução óbvia é um serviço nacional de saúde — dotado de pessoal e equipamento adequados para fazer frente a emergências de dimensão comunitária — para que não haja espaço para um problema tão ridículo como o de desencorajar a cooperação comunitária.

 

Assim que o vírus é descoberto num país, os governos de todos os países reagem com medidas autoritárias e punitivas, tais como a quarentena obrigatória de áreas inteiras. Justificam-se medidas tão drásticas?

 

A utilização de um surto virótico para testar o mais recente controle autocrático é um sinal do capitalismo de catástrofe que descarrilou. Em termos de saúde pública, eu preferiria cometer erros apostando na confiança e na solidariedade, que são importantes variáveis epidemiológicas. Sem qualquer delas, as autoridades perdem o apoio das suas populações. O respeito comum é uma parte essencial da cooperação de que necessitamos para, em conjunto, sobreviver a tais ameaças. As autoquarentenas com o devido apoio de brigadas de bairro treinadas, caminhões de abastecimento de alimentos que vão de porta em porta, libertação do trabalho e seguro-desemprego podem suscitar esse tipo de cooperação, e o sentimento de que estamos todos juntos nisto.

 

O que seria uma mudança sustentável?

 

A fim de reduzir o aparecimento de novos surtos de vírus, a produção alimentar tem de mudar radicalmente. A autonomia dos agricultores e um setor público forte podem refrear as infecções descontroladas, assim como a introdução de variedades de criações e culturas. Permitir que os animais destinados à alimentação se reproduzam no local para transmitir as imunidades testadas. Relacionar produção justa com circulação justa. Subsidiar preços e programas de compras que apoiem a produção agroecológica. Defender estas experiências tanto das compulsões que a economia neoliberal impõe aos indivíduos e às comunidades como da ameaça da repressão do Estado liderada pelo capital.

 

O que os socialistas devem exigir perante a dinâmica crescente dos surtos de doenças?

 

O agronegócio como modo de reprodução social tem de acabar definitivamente, mesmo que não seja por uma questão de saúde pública. A produção altamente capitalizada de alimentos depende de práticas que põem em perigo toda a humanidade, neste caso ajudando a desencadear uma nova pandemia mortal. Devemos exigir que os sistemas alimentares sejam socializados de forma a impedir que surjam agentes patogênicos tão perigosos. Isso exigirá a reintegração da produção alimentar nas necessidades das comunidades rurais, em primeiro lugar. Isso exigirá práticas agroecológicas que protejam o ambiente e os agricultores à medida que cultivam os nossos alimentos. Em termos gerais, temos de curar as fissuras metabólicas que separam as nossas ecologias das nossas economias. Em suma, temos um planeta a ganhar.

Monday, 13 July 2015

Percepção Pública da C&T no Brasil 2015


http://percepcaocti.cgee.org.br/

Percepção Pública 
da C&T no 
Brasil 2015

O Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) realizaram a quarta edição da pesquisa sobre “Percepção Pública da Ciência e Tecnologia no Brasil”. Esse estudo teve como objetivo principal fazer um levantamento do interesse, acesso à informação, conhecimento, bem como comportamentos, hábitos e atitudes dos brasileiros em relação à C&T, tendo como público-alvo a população brasileira adulta, homens e mulheres, e jovens com idade igual ou superior a 16 anos.

Explorando 
RESULTADOS

1962 entrevistas realizadas em todo oBrasil +

A atitude e o interesse sobre C&T

A atitude dos brasileiros em relação à ciência e à tecnologia é muito positiva e otimista. Há uma expectativa de que a ciência seja um fator de transformação para melhorar a qualidade de vida das pessoas.
Isso tem a ver com a percepção da ciência como um instrumento que gera resultados aplicáveis às suas vidas e capaz de solucionar problemas, como por exemplo, na área de saúde e meio ambiente.
Otimismo sobre os benefícios da C&T
A grande maioria dos brasileiros acredita que C&T traz mais benefícios do que malefícios para a humanidade.
+
Em sua opinião, a Ciência e Tecnologia trazem mais malefícios ou benefícios para a humanidade?
Essa opinião prevalece em todas as faixas derenda e escolaridade e vem crescendo desde1987. Passe o mouseSó benefíciosMais benefíciosTanto um quanto outroMais malefíciosSó malefíciosNão Sabe/Não Respondeu1987200620102015
Imagem do Cientista
Essa visão positiva se estende ao cientista, visto como um agente de transformação social, que contribui para o crescimento do País e o bem-estar da sociedade.
Descrição
6%
Pessoas que trabalham muito sem querer ficar ricas
Motivação
5%
Adquirir poder
Demostram preocupação com questões de importantes impactos tecnológicos:
  • Maior grau de preocupação com pesticidas do que com transgênicos.

  • Preocupação grande com efeitos das mudanças climáticas.

  • Tais preocupações são maiores em pessoas que declaram maior interesse em C&T e têm mais acesso à informação.
Avaliação sobre C&T no Brasil
Os brasileiros se mostram bastante preocupados com algumas questões local e globalmente relevantes nas quais a C&T está envolvida.
GRAU DE PREOCUPAÇÃO DE 1 A 10
9.2
Atitudes positivas 
e críticas
Apesar da visão otimista, a postura dos brasileiros também é crítica. A maioria da população reconhece a importância de regulações e controle social sobre C&T, em especial no que diz respeito aos aspectos éticos e políticos da pesquisa.
 1 de 16 
50%
Concordam totalmente
É necessário que os cientistas exponham publicamente os riscos decorrentes dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos
Acesso à informação sobre C&T
A enquete forneceu dados ricos sobre o acesso à informação e a divulgação científica. Embora a atitude dos brasileiros seja positiva e o interesse por C&T seja alto, o acesso à informação é limitado e a desinformação é grande.
Foram investigados os seguintes meios de informação: internet, jornais impressos, revistas, livros, rádio e conversas com amigos. A TV continua prevalente e a internet vem crescendo.
22%
Pouca frequência
 1 de 7 
Lê sobre C&T em livros?
Opinião sobre divulgação de C&T pela mídia:NãoSimParcialmenteNão Sabe/Não RespondeuConsidera que TV noticia demaneira satisfatória asdescobertas científicas etecnológicasConsidera que INTERNET ouredes sociais noticiam demaneira satisfatória asdescobertas científicas etecnológicasConsidera que JORNAISIMPRESSOS noticiam demaneira satisfatória asdescobertas científicas etecnológicasNão: 20.8%
Lê sobre ciência e tecnologia na internet
Muitas pessoas declaram utilizar, como fonte para acessar informação de C&T, sites de instituições de pesquisa, seguidos de sites de jornais e revistas, facebook, wikipedia e blogs.
Meios mais utilizados na internet para obter informações sobre tecnologia
 1 de 12 
Site de Instituições de pesquisa

42.4%
Apesar de um interesse declarado bastante elevado, e apesar de uma visão substancialmente positiva sobre C&T, os brasileiros continuam tendo pouco acesso à informação científica e tecnológia, especialmente nas camadas sociais de menor escolaridade de renda
 2015 
+
Saiba mais!
Lembra o nome de alguma instituição que se dedique a pesquisa científica no País
Lembra o nome de algum cientista brasileiro famoso
 2015 
+
Saiba mais!
A visitação a espaços de difusão cientifico-cultural (museus e centros de C&T, museus de arte, bibliotecas, jardins botânicos, zoológicos e parques ambientais) e a participação em atividades públicas de popularização da ciência (Feiras e Olimpíadas Científicas, Semana Nacional de C&T) aumentou no Brasil ao longo da última década. Contudo, a visitação a museus e centros de C&T continua ainda muito baixa, se comparada com padrões europeus, e é extremamente desigual: o acesso é muito menor em camadas de renda e escolaridade mais baixa.
 Visitou biblioteca nos últimos 12 meses 
200620102015
+
Motivos para não visitar museu ou centro de ciência e tecnologia
Quando questionados pela baixa visitação a esses espaços, as respostas mais frequentes demostram muito mais falta de acesso ou de conhecimento do que a falta de interesse. Ou seja, a oferta é restrita, a informação é esparsa.
Avaliação sobreC&T no Brasil
Os brasileiros apoiam, em sua grande maioria, o aumento do investimento público em C&T. Se comparada esta posição, obtida em enquete similar, com outros países, a diferença é marcante: nos EUA, Espanha e França fica em torno de 40%.
78.1%
Aumentar os investimentos
Temos uma população que respeita, valoriza e tem interesse na ciência e na tecnologia.
Nossa população também indica suas prioridades
 1 de 20 
Site de Instituições de pesquisa

51.9%