Relatório
de viagem São Pedro de Joselândia 29 de outubro a 02 de novembro de 2014
Rosana Manfrinate
Nossa viagem de campo para São Pedro
de Joselândia, teve início no dia 29 de outubro, seguimos de caminhonete, pela
estrada de terra esburacada, com pontes de madeira mal cuidadas e de travessia
perigosa, mas que segundo os critérios locais “tava boa” pelo fato de não estar
alagada, e permitir que nela possa se transitar com caminhonetes com tração,
Van que vão deixando pedaços pelo caminho, tratores, caminhões, cavalos e
boiadas, nunca carros pequenos.
Figura 1-Estrada que leva a Joselândia/29out2014-foto RosanaManfrinate
O Solavanco proporcionado pela estrada, a
poeira, se misturaram a ansiedade do trabalho que nos esperava em campo. A
pesquisa se delineava no pensamento ao mesmo tempo em que a estrada abria
espaço para a nossa chegada na comunidade, assim na nossa ida física e material
a Joselândia tinhamos escolhido um modo mais prático: a caminhonete, mas na ida
ideológica e epistemológica, a intenção foi ir no caracol traçando a
cartografia do imaginário, demorando em cada entrevista, conversa e observação,
deixando nosso rastro se misturando a terra em que passávamos.
Abordar
um campo investigativo exige uma enorme responsabilidade e grau de compromisso
para além de nós mesmos. (...) Uma aventura em risco, onde cada qual escolherá
o seu itinerário de pesquisa. Fixando o destino, é possível escolher o meio de
transporte pelo qual queremos chegar (SATO, 2011.p.545)
Essa viagem de campo no período da seca foi
planejada para que pudéssemos conhecer e conversar com as mulheres de partes
mais distantes de Joselândia, como a pimenteira, Matão e Santana que ficam
isoladas no período da cheia.
Objetivo das entrevistas foi o de conhecer o cotidiano
do trabalho doméstico dessas mulheres e seu modo de vida, e como elas entendem
as mudanças climáticas, como apresentam suas identidades, e seu relacionamento
com a água no dia a dia.
Esse trabalho de campo foi muito intenso e
com bons resultados, pois consegui nesses dias conversar com várias mulheres
dos locais que nem sempre temos acesso.
Entre elas está a
Dona Gonçalina, que em seu pequeno sítio faz queijo e doces para vender, e com
sua voz serena e modos elegantes contou sobre sua vida e seu cotidiano,
mostrando que a maior parte do rendimento da família vem do seu trabalho,
aprendido com a mãe como uma obrigação doméstica. Para ela é apenas uma de suas
atividades, porém essas atividades cotidianas das mulheres tem ganhado cada vez
mais lugar na economia brasileira, como uma fonte segura de melhoria de vida
para muitas famílias, demonstrando assim a importância desse trabalho, para
Bachelard conseguimos ver cores e luzes invisibilizadas “figuras suaves e
fortes saem da sombra” (p.13).
Figura 2-Dona
Gonçalina-31out2014-Foto Rosana Manfrinate
Também pude participar de vários momentos em
espaço coletivo das mulheres: oficina de artesanato, e encontro da Irmandade de
Apostolado do Sagrado Coração de Jesus. Esses espaços se configuram como
espaços de fé, de encontro, de discussão e diálogos e de acordo com Brandão
também de aprendizado pois: “Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na
igreja ou na escola, de um modo ou de muitos todos nós envolvemos pedaços da
vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender e ensinar” (BRANDÃO,
1985, p. 7).
Figura 3-Oficina
de artesanato-31out2014-foto Rosana Manfrinate
Figura 4
Encontro da Irmandande do Postolado do Sagrado Coração de Jesus.
31out2014 -Foto
Rosana Manfrinate
Figura 5 Dona
Filhinha 01out2014-Foto Rosana Manfrinate
Consegui ainda uma
entrevista muito importante com Dona Filhinha, uma senhora já bem idosa, que
foi uma requisitada na comunidade por seus trabalhos de parteira, benzedeira e
“achadora de poço de água com galho de goiabeira”. Apesar de Dona Filhinha já estar
muito debilitada por conta de um derrame, e ter dificuldades de fala, sua memória
é primorosa, e sua generosidade em participar da entrevista cativante.
Ela conta que a necessidade de ajudar
as vizinhas na hora do parto, a fez aprender a profissão de parteira, a
necessidade da falta de assistência a comunidade também a fez se tornar
benzedeira e a achar água, mas a essas duas atividades ela diz que nem todo mundo
consegue, pois é um Dom recebido de Deus, e que nunca sequer recebeu um centavo
por nada que ajudou a fazer, pois não se cobra pelo trabalho de Deus. Assim
encontramos eco no pensamento de Muraro(1998)
Desde
a antiguidade as mulheres foram as curandeiras populares, cultivadoras de
ervas, parteiras, as que conheciam os segredos do corpo, as que abençoavam na
hora do nascimento e as que rezavam na hora da morte. Estavam sempre prontas a
usarem seus saberes, recebidos de gerações anteriores, para ajudar os
desvalidos, tornando-se imprescindíveis na vida das pessoas pobres e sem
assistência.(p.34)
Ao todo foram entrevistadas 08 mulheres, e
participei de 03 encontros coletivos com as mulheres. Observei a comunidade em
outra época do ano e em outras necessidades impostas pela seca. Essas
entrevistas foram gravadas e serão transcritas e interpretadas, considerando as
observações e servirão como base para pensar a vulnerabilidade feminina frente
as injustiças ambientais no território.
Nesse encontro da pesquisa com Joselândia,
além do ciclo da seca e da cheia, dessa vez pude também reverenciar o ciclo da
vida e da morte, infelizmente uma das idosas, talvez a mais espirituosa, que me
cedeu entrevista logo nas primeiras vezes que fui a Joselândia faleceu no dia
03 de outubro. Dona Maria da Conceição, nos seus 85 anos de vida veio a Cuiabá
para resolver assuntos de sua aposentadoria e segundo os médicos não resistiu
ao calor que fazia nesse dia. Longe de seu Pantanal Dona Maria tristemente nos
mostrou o que tanto a falta de estrutura, e o aumento de temperatura podem
causar, e quem é mais vulnerável a esses problemas.
Mas na sua longa sabedoria de vida Dona Maria
ensinou sempre um exemplo de força e amor pelo pantanal. Quando perguntei qual
elemento da natureza do pantanal ela gostaria de ser, ela mostrou toda a sua
irreverência dizendo: “ eu queria ser o
Jacaré que come a piranha que come a gente”, ou seja dos fortes o mais
forte. E é assim que lembraremos dela.
Referências:
BACHELARD, Gaston.
O Direito de sonhar. São Paulo:
Difel , 1985.
MURARO, Rose Marie. Breve introdução histórica. In: KRAMER,
Heinrich; SPRENGER, James. O martelo das
feiticeiras. Rio de Janeiro: Record; Rosas dos Tempos, 1998. p. 5-17.
SATO, Michèle. Cartografia do Imaginário no mundo da
pesquisa. In: ABILÍO, Francisco Pegado. Educação Ambiental para o Semiárido. Ed. Universitária. João
Pessoa, 2011
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