Crise hídrica
04/02/2015 19:09
O assunto da vez, que ganha lugar nas manchetes e discussões em rodas de conversa, é a falta de água em São Paulo. A carência não é novidade no Brasil, já que o Nordeste sofre com a seca há décadas. Só que, agora, a população do Sudeste, região mais povoada do país, passou a ser atingida.
Devido ao Dia Mundial das Áreas Úmidas, comemorado segunda-feira [02/02], Paulo Teixeira, professor da Universidade Federal de Mato Grosso [UFMT], esclareceu algumas questões referentes à falta d’água no país e à possibilidade de Mato Grosso ser atingido pela estiagem.
A data foi instituída devido à Convenção de Ramsar, acordada no Irã, em 1971 – o Brasil assinou o tratado na década de 90 –, com o objetivo de estimular a reflexão e mostrar a importância das áreas úmidas para a vida. A convenção, contudo, nunca foi colocada em prática efetivamente. Com isso, as consequências da ausência de preservação do meio ambiente começam a vir à tona.
Mas o que pouca gente sabe é que tomar banho demorado, lavar a calçada de casa ou escovar os dentes com a torneira aberta não são os verdadeiros vilões da escassez de água. O pesquisador conta que as residências são responsáveis por apenas 10% do total. “Isso não significa que nós não temos que economizar”, ressalta Teixeira, ao lembrar também que é a população em geral que joga garrafa pet, sofá e lata de cerveja nos rios.
Do que “sobra”, 20% são consumidos pela indústria, que já começa a investir no reuso, e 70% pela agricultura. Dessa forma, o professor ressalta duas preocupações: uma é a de que o ser humano precisa de comida, e, por isso, a agricultura não deve ser colocada totalmente como vilã. A outra trata da necessidade de água para viver. Como solução, ele sugere que no país, especialmente em Mato Grosso, que tem o setor como principal fonte da economia, seja adotado novo modelo para produção, a fim de economizar o líquido.
[Foto: www.terraambiental.com.br]
A iniciativa, todavia, deve vir acompanhada da preocupação em preservar as áreas úmidas. Teixeira conta que, segundo pesquisa feita pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas [IPCC], se nada for feito para mudar a poluição, desmatamento etc, em 100 anos, 85% das áreas úmidas vão desaparecer e a temperatura média vai aumentar 6°C no mundo. “As áreas úmidas são poços de carbono. Elas, secando, vão liberar CO2 na atmosfera e alimentar mais ainda o efeito estufa”, explica.
No Brasil, a situação grave teve destaque com a falta de água em São Paulo. Teixeira lembra que a maior cidade do país degradou dois rios, Pinheiros e Tietê, ao acabar com a mata ciliar, canalizando e transformando ambos em um depósito de esgoto.
A mata ciliar, lagos, manguezais e pântanos são exemplos de áreas úmidas, essenciais para o armazenamento e purificação de água, retenção de sedimentos, recarga do nível de águas do solo, regulação do clima local e regional e à manutenção da biodiversidade. “A área úmida funciona como se fosse uma esponja: quando chove, absorve a água; quando seca, vai lentamente liberando H2O. Por isso, regula o ciclo hidrológico”, relata.
Da área total do Pantanal em território brasileiro [150 mil km2 de 210 mil km2], 63% ficam em Mato Grosso do Sul e 37% estão em Mato Grosso
[Foto: www.viajeaqui.abril.com.br]
O Pantanal é a maior área úmida tropical do planeta, e, apesar de boa parte dela estar no Estado vizinho, Mato Grosso do Sul, é aqui em Mato Grosso que 70% das nascentes estão, e a maioria delas ameaçada. “Existem denúncias de plantação de soja a dez metros de nascente de rio. Isso é um perigo, pois se seca a nascente, seca o rio”, lamenta o professor.
Para ele, o Pantanal só está protegido ainda porque é muito grande. É uma região de 160 mil km² de inundação. “O aquífero guarani é o maior do mundo e passa embaixo da gente aqui”, conta, deixando claro que pode vir a secar.
MT e relação com a seca em SP
A falta de água do Sudeste não se deve às ações isoladas praticadas nessa região do Brasil. O fenômeno é consequência não só da poluição dos rios, da destruição da mata nas margens deles ou do desperdício. O desmatamento e a redução das áreas úmidas na região amazônica e em Mato Grosso estão diretamente ligados à falta de chuva em São Paulo, que leva à não reposição dos reservatórios para abastecer a cidade. “Chama-se evapotranspiração. Na floresta, as árvores absorvem a água do solo, as folhas transpiram e as nuvens formadas em cima das florestas, o que é chamado pelos pesquisadores de “rios voadores”, descem para chover no Sudeste”, salienta.
Segundo dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazonia [Imazon], em agosto e setembro de 2014 o desmatamento da Amazônia apresentou aumento de 191%
em relação ao mesmo período de 2013
[Foto: www.amazonia.org.br]
E completa ainda: “O desmatamento da Amazônia e mudanças climáticas têm como consequência a ocorrência de eventos extremos. Quando é seco, é muito seco; quando chove, chove muito; quando é frio é muito frio”.
Medidas urgentes
Segundo Paulo Teixeira, o tratamento de esgoto, para que a água purificada seja jogada nos rios, é uma das medidas urgentes a serem tomadas. O Governo e a população devem cuidar das Áreas de Preservação Permanente [APP] que estão na beira do rio. Isso quer dizer que qualquer propriedade nas margens do rio está irregular, e o governo precisa fiscalizar e punir quem desrespeita a lei.
Além disso, Teixeira prega o uso de energia limpa, como hidrelétricas. Nesse sentido, ele ressalta que há conflitos com ambientalistas, pois existem dois tipos de hidrelétrica. Uma é a que tem reservatório, a exemplo do Manso e de Itaipu, em que se acumula água como se fosse uma grande caixa d’água. “Mas os ambientalistas não querem mais que faça isso”. O outro tipo é igual à do rio Madeira e também a Teles Pires [em construção em MT, com a perspectiva de ser a maior do Estado], que são a fio d’água. Essa modalidade funciona com a água só passando pelas turbinas, respeitando o fluxo normal dos rios, o que as torna mais sensíveis à seca. Segundo o pesquisador, energia não limpa, como as termelétricas, agravam a situação do efeito estufa.
Leis no Brasil
Está em tramitação no Congresso Nacional projeto de lei do senador Blairo Maggi (PR-MT), o PLS 750/2012, sobre a gestão do Pantanal. “Nós, do INAU e do CPP, demos contribuição, mas ainda há várias críticas à proposta. Uma das principais é que o projeto contraria a própria Legislação Federal. A política nacional diz que a gestão dos recursos hídricos tem que ser feita considerando a bacia hidrográfica como um todo. Então, não pode fazer uma lei para o Pantanal, calculando só a planície inundável, de 160 mil km². Tem que considerar a bacia do Alto Paraguai toda, que tem 400 mil km²”, avalia Teixeira.
Para concluir, o professor afirma que no projeto do parlamentar essas regiões não estão protegidas. “Você vai proteger a caixa d’água, mas vai esquecer da torneira, de garantir que ela não esteja aberta”.
Imagem de capa: www.tvosasco.com.br
Paulo Teixeira é coordenador em exercício do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Áreas Úmidas[INAU] e do Centro de Pesquisa do Pantanal [CPP]
fonte: http://www.revistafapematciencia.org/noticias/noticia.asp?id=657
Valérya Próspero
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