Prezados(as),
O Grupo de
Estudos e Pesquisas Paulo Freire (GEPPF), registrado no CNPq, e localizado no
Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, foi constituído
recentemente com o objetivo de empreender estudos e pesquisas, e também de
construir um espaço dialógico sobre a obra freireana no Espírito Santo, tendo
em vista realizar aquilo que o professor nos pediu em vida: mais que divulgar
e/ou “aplicar” suas ideias, discutir e recriar sua obra.
Infelizmente,
nosso primeiro ato oficial, depois da certificação institucional, não foi um
evento, curso ou pesquisa, mas uma carta que altivamente busca defender Paulo
Freire, sua obra e memória de injustas acusações de setores conservadores que,
no âmbito da luta de classes (como não nos deixava esquecer, nem nos enganar),
ousam atacar publicamente nosso mestre Paulo Freire, aproveitando-se das
manifestações de 15/03/2015.
Nossa carta
foi construída pelas mãos dos professores pesquisadores que compõem o grupo
(Itamar Mendes da Silva, Valter Martins Giovedi e Débora Monteiro do Amaral) e
foi lida pelo professor Itamar (que é Conselheiro Estadual de Educação) na
sessão plenária do Conselho Estadual de Educação do Espírito Santo no dia 18 de
março, sendo aprovada por unanimidade e publicada na página do CEE-ES. Neste
contexto queremos dividi-la com vocês.
Grupo
de Estudos e Pesquisas Paulo Freire (GEPPF).
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Carta Aberta: Obrigado Paulo Freire!
Prezados(as),
Vimos à
presença de vocês pedindo licença para nos posicionarmos, primeiramente enquanto
educadores(as) capixabas e brasileiros, e depois como estudiosos/pesquisadores
da educação, frente a algumas manifestações particulares no interior das
manifestações do último domingo, dia 15/03/2015.
As
declarações de ódio explícito a Paulo Freire e sua suposta “pedagogia de
doutrinação comunista” foi uma das marcas dos protestos ocorridos no último domingo
em vários lugares do Brasil.
Certamente,
quem estendeu cartazes desse tipo atacando, senão o maior, um dos maiores
educadores brasileiros de todos os tempos, reconhecido internacionalmente como
autor de uma obra magnífica e também como símbolo de uma práxis pedagógica a
serviço da construção de uma sociedade mais humana, justa e democrática,
desconhece a sua história, não leu a sua obra ou, se leu, não a compreendeu.
Qualquer
leitor atento da obra de Freire é obrigado a reconhecer que a sua Pedagogia é
atravessada pelo princípio do diálogo como método essencial de construção do
conhecimento. Não conseguimos entender como é possível que alguém que afirma e
reafirma reiteradamente o diálogo como o caminho necessário para uma educação que
respeita a autonomia dos educandos, pode ser rotulado de doutrinador.
A educação é
por princípio uma atividade de difusão de valores políticos, axiológicos,
estéticos, ideológicos etc. Freire insistia em nos alertar: NÃO EXISTE EDUCAÇÃO
NEUTRA.
Transmitir
conteúdos prontos sem problematizar os diferentes usos que se faz e que se pode
fazer deles na vida concreta da sociedade tem sido a prática dominante da
educação escolar brasileira há séculos. Tal processo tem ocorrido de modo
dogmático, autoritário, antidialógico e antidemocrático. Ou seja, promovendo
(aí sim) uma doutrinação política em favor de uma ordem autoritária,
hierárquica, injusta, formadora de sujeitos submissos, incapazes de compreender
o uso social do conhecimento que é sempre subordinado a algum interesse.
Freire
explicitou que não existe conhecimento e professor que pairam acima das
circunstâncias sociais. A educação não é neutra, ao contrário, é sempre a favor
ou contra algo, a favor ou contra alguém, a favor ou contra uma dada realidade.
Assumindo-se
o caráter eminentemente político de qualquer ato educativo, o educador, de
fato, não é aquele que se diz neutro, e sim aquele que abre o diálogo com os
educandos a respeito das suas visões de mundo, problematizando-as e buscando
seus fundamentos. Freire nos ensinou a fazer isso, ou seja, ensinou-nos a fazer
uma educação adequada a uma sociedade democrática.
Tempos
difíceis esses em que vivemos. Pessoas que não se importam de marchar junto com
outras que pedem intervenção militar acusam Paulo Freire, um dos maiores
símbolos da luta democrática do Brasil, de defender a doutrinação na educação.
Se tivéssemos
certeza de que esse tipo de deturpação e inversão da realidade não passasse de
mera provocação sem maiores danos, nem precisaríamos nos dar ao trabalho de
responder e comentar. Porém, infelizmente, não é assim. A história nos ensina
que um povo movido por ódio, ignorância, irracionalidade e manipulação
midiática pode provocar muitos estragos.
Pode, inclusive,
manchar uma obra reconhecida mundialmente, independentemente do sistema
político adotado, pois se trata de uma obra moderna, humanista, democrática e
defensora do respeito aos seres humanos e seus direitos. Inclusive os que com
honestidade intelectual e política discordam, reconhecem que é uma obra
eminentemente dialógica.
O Brasil, com
suas condições objetivas, produziu no decorrer do século XX este educador e
pensador da educação reconhecido pelo mundo, que não sejamos nós, neste início
de século XXI a desfazer esta lição de diálogo e democracia.
Freire nos
ensinou a fazer da educação um instrumento de luta a favor dos mais vulneráveis
da sociedade e revelou que a educação hegemônica tem servido aos poderosos. Seja
por desonestidade, seja por ignorância, seja por manipulação, seja por
cumplicidade com a ordem social vigente no planeta, os que levantam cartazes
contra Paulo Freire fazem um desfavor à educação do Brasil e do mundo.
Diante de
tudo o que dissemos anteriormente resta-nos concluir dizendo e conclamando a
todos(as) educadores(as) deste país a se indignar, dizendo:
OBRIGADO
PAULO FREIRE: por ter aberto os nossos olhos sobre o potencial da educação.
OBRIGADO
PAULO FREIRE: por ter nos legado uma obra de tanto valor.
OBRIGADO
PAULO FREIRE: por nos deixar orgulhosos por saber que um brasileiro é tão lido
e respeitado no mundo inteiro, inspirando milhões de educadores e estudiosos,
que veem em sua vida e em sua obra uma inspiração para continuar lutando contra
todas as formas de opressão e para continuar desvendando as deturpações promovidas
por aqueles que se acham os únicos merecedores de uma vida digna.
Grupo
de Estudos e Pesquisas Paulo Freire (GEPPF)
da
Universidade Federal do Espírito Santo