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Tuesday, 3 May 2022

Relatório liga desmatamento ilegal e grilagem à indústria da soja da Bunge no Piauí



Relatório liga desmatamento ilegal e grilagem à indústria da soja da Bunge no Piauí

https://apublica.org/2022/05/relatorio-liga-desmatamento-ilegal-e-grilagem-a-industria-da-soja-da-bunge-no-piaui/

Fonte: Agência Pública



Resumo:

Rede Social Justiça e Direitos Humanos e Friends of the Earth indicam que alta nos preços de commodities está diretamente ligada a aumento do desmatamento, queimadas e grilagem

Por Caio de Freitas Paes

Em outubro de 2021, satélites flagraram uma cena cada vez mais comum no Cerrado do extremo sul do Piauí: dois tratores manobrando, por dias, uma imensa corrente de aço para a derrubada de dois mil hectares de matas nativas. Sem aval de órgãos ambientais, o desmatamento com “correntão” se deu em Santa Filomena (PI), divisa com o Maranhão, em uma fazenda ligada a “uma imensa grilagem de terras, talvez a maior do Estado do Piauí”. A definição acima é da justiça estadual, por meio da Vara Agrária de Bom Jesus (PI) que, em 2016, bloqueou o registro da área, proibindo seus donos de conduzirem quaisquer atividades no local.

O palco da devastação fica próximo a terras controladas por gigantes do agronegócio no Matopiba, uma fronteira agrícola maior que a França e a Inglaterra somadas nas áreas de Cerrado entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. A menos de 50 km do local desmatado há fazendas da brasileira SLC Agrícola, uma das maiores agroempresas do país, da holandesa Bunge, dona de um silo de grãos nas redondezas, e do fundo de aposentadoria dos professores dos Estados Unidos, acusado de envolvimento em compras ilegais de terras nesta mesma região há anos.

Para organizações que monitoram conflitos socioambientais no Matopiba, os fatos acima estão interligados e servem de alerta: o plantio de soja segue por trás do desmatamento e da grilagem no Cerrado, mesmo após grandes empresas firmarem compromissos por mais sustentabilidade em seus agronegócios na região.

“O objetivo do desmatamento [na fazenda em Santa Filomena] é possibilitar a venda da terra como uma fazenda legítima para cultivo de soja”, de acordo com denúncia contida no relatório “Desmatamento, grilagem de terras e financeirização: impactos da expansão do monocultivo da soja no Brasil”, lançado nesta terça-feira (3).

“Este caso no sul do Piauí repete algo que já vimos antes: a destruição vem com a grilagem de áreas próximas aos chapadões, propícios ao cultivo de soja, gerando conflitos com os povos que habitam a região”, disse à Agência Pública o professor de Geografia da Universidade de São Paulo (USP) Fábio Pitta. Co-autor do relatório, Pitta integra a Rede Social Justiça e Direitos Humanos, uma das organizações autoras do estudo.

De acordo com o material, “a recente alta nos preços de commodities contribuiu para o aumento do desmatamento, queimadas e grilagem no sul do Piauí – problemas também estimulados graças aos incentivos de corporações financeiras do exterior, tradings e agentes públicos”, diz.Plantio de soja segue por trás do desmatamento e da grilagem no Cerrado

“Quando denunciamos os problemas na cadeia da soja no Piauí, destacamos que os impactos não se restringem ali”, disse à Pública Maria Luisa Mendonça, diretora da Rede Social Justiça e Direitos Humanos e coautora do relatório. “A destruição do Cerrado afeta a Amazônia, o Pantanal e o hemisfério sul como um todo, agravando os impactos das mudanças climáticas”, afirma.

Além da dupla de pesquisadores da Rede Social Justiça e Direitos Humanos, a Friends of the Earth, Aidenvironment e Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais (AATR) colaboraram com o relatório lançado nesta terça, que foi obtido pela Pública com exclusividade.
Um dos maiores grileiros do Piauí controla a fazenda desmatada, segundo a justiça

Os responsáveis pelo novo estudo apresentam as controvérsias em torno da chamada fazenda Pedrinhas, palco do desmatamento de dois mil hectares em Santa Filomena. Os pesquisadores revelam a ligação deste latifúndio, com mais de 20 mil hectares no sul do Piauí, com um caso de grilagem de uma área maior que todo o município do Rio de Janeiro.

Segundo uma sentença de 2016 do ex-juiz da Vara Agrária de Bom Jesus, Heliomar Rios Ferreira, “diversas irregularidades são constatadas no registro” da fazenda Pedrinhas. “O imóvel não foi corretamente identificado, sendo mencionada apenas a denominação e a área”, afirma o magistrado em sua decisão, consultada pela Pública.

Com base em investigação do Grupo Especial de Regularização Fundiária e de Combate à Grilagem, do Ministério Público do Piauí, Heliomar Ferreira afirma que “não houve individualização do imóvel” e que “não se sabe qual o critério utilizado para converter 3 km de frente por 30 km de fundo em uma área de 27.089 hectares” – uma referência ao registro da propriedade, sob suspeita de irregularidades.



Sem a “individualização” da fazenda, torna-se possível alterar sua área total no registro junto aos cartórios da região, abrindo brechas para eventual grilagem. Na mesma sentença, o magistrado explica que “o dito imóvel [fazenda Pedrinhas], após passar por retificação da área, foi adquirido pelo requerido Euclides de Carli”.

Réu perante a justiça do Piauí, de Carli teria grilado os 20 mil hectares em Santa Filomena junto com João Emídio de Sousa Marques, então sócio e procurador de uma das empresas envolvidas no esquema. Ainda segundo a Vara Agrária, Marques “falsificou procurações públicas para adquirir propriedades” – dentre elas, a fazenda desmatada em outubro passado.

Com base nas investigações do Ministério Público, a justiça do Piauí afirma que Marques e de Carli teriam grilado mais de 124 mil hectares no estado. Em tempo: o empresário paulista Euclides de Carli é tido como um dos maiores grileiros no Piauí, segundo a justiça estadual, e enfrenta denúncias similares em estados vizinhos, como a Pública já relatou em 2018.

A Pública não localizou a defesa de Euclides de Carli. Caso ela se manifeste, a reportagem será atualizada.
Bunge domina comércio da soja no Piauí, segundo relatório

De acordo com o relatório lançado nesta terça, “o desmatamento ilegal beneficia companhias que dominam a indústria da soja no sul do Piauí”. Aqui surge uma das responsáveis pelo controle de 70% do comércio de commodities agrícolas no mundo: a holandesa Bunge, dona das marcas Primor, de margarinas e farinhas, e Soya, de óleos de cozinha, no Brasil.

Grupos que monitoram agronegócios no Cerrado apontam um recente domínio desta multinacional na produção e comércio do grão no Piauí.

O município de Santa Filomena teve uma safra de quase 175 mil toneladas de soja em 2018, produção esta que teria sido inteiramente adquirida pela multinacional holandesa de acordo com a plataforma de monitoramento de agronegócios TRASE. A iniciativa Chain Reaction Research, outra das que acompanha o comércio global de commodities agrícolas, estima que até 80% da soja cultivada em todo o Piauí acabe nos silos da Bunge no estado.

“A Bunge detém o monopólio da venda de insumos e financiamento para produtores de soja no Piauí” e controla “a compra de soja [no estado], graças à propriedade e arrendamento de diversos silos de armazenamento de grãos”, segundo o relatório recém-lançado.

Além de possuir um armazém em Santa Filomena, a companhia tem uma estrutura de processamento em Uruçuí, também no sul piauiense, de onde exporta soja já processada para outros países. Conforme o novo estudo, tal domínio “confirma que antigos desmatamentos na região, que tem sido destinada à produção de soja há anos, beneficiam os negócios da Bunge”.Bunge domina comércio da soja no Piauí

Informações da gigante do setor alimentício parecem reforçar os alertas. Recentemente, a Bunge teria imposto restrições sobre a aquisição de soja no sul do Piauí, segundo o site especializado Canal Rural.

Em 2020, a multinacional teria investigado a origem de parte da soja adquirida na região, buscando provas de que os grãos não vinham de áreas de Cerrado desmatadas após julho de 2008. Ou seja, a Bunge teria replicado no sul piauiense os termos da moratória da soja na Amazônia. À Pública, a companhia não confirmou nem negou o episódio.

Desde então, a multinacional holandesa criou um programa de monitoramento de suas compras indiretas no Cerrado. Negócios deste tipo envolvem fazendeiros, intermediários e revendedores, por vezes com a venda de soja cultivada em áreas nativas ilegalmente derrubadas – razão pela qual a própria Bunge já foi multada pelo governo federal.

A nova ferramenta de monitoramento da Bunge, porém, tem alcance limitado: ainda conforme o Canal Rural, a multinacional holandesa rastreia apenas 30% da soja adquirida indiretamente por ela no bioma.

A Pública perguntou à Bunge sobre a procedência da soja adquirida de Santa Filomena e se a companhia comprou grãos provenientes da fazenda Pedrinhas, recém-desmatada ilegalmente, mas a empresa respondeu que “não comenta relações comerciais com produtores específicos”.

A Bunge disse que “já rastreia e monitora aproximadamente 50% de suas compras indiretas no Cerrado” e que “aumentou de 25 para 61” o número de municípios monitorados entre os “mais vulneráveis ao desmatamento” no bioma, sem especificar se Santa Filomena e outros no sul do Piauí foram incluídos neste monitoramento.
Créditos de imagens
Reprodução/Relatório
Reprodução/Relatório

Reportagem originalmente publicada na Agência Pública

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Friday, 19 June 2020

Inpe consolida dado e desmatamento sobe ainda mais



Inpe consolida dado e desmatamento sobe ainda mais

Devastação da Amazônia no primeiro ano de Bolsonaro foi de 10,1 mil km2, alta da 34%

Mapa de calor mostra as áreas críticas de desmate (Imagem: Inpe)
Mapa de calor mostra as áreas críticas de desmate (Imagem: Inpe)

DO OC – A taxa de desmatamento na Amazônia em 2019 ultrapassou a marca simbólica dos cinco dígitos e foi a 10.129 quilômetros quadrados. É o que mostra o dado consolidado do sistema Prodes, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), divulgado nesta terça-feira (9).

Com isso, a elevação em relação ao ano anterior passa a ser de 34%. É a maior alta percentual neste século e a maior taxa desde 2008.

No ano passado, o Inpe havia divulgado uma estimativa de 9.762 km2 (alta de 29% em relação a 2018), com base em 99 imagens de satélite que cobriam mais de 90% da área com alertas de desmatamento.

A taxa consolidada é resultado do processamento de todas as 299 imagens de satélite nas quais a Amazônia é “fatiada” pelo sistema. A taxa consolidada é um trabalho demorado, por isso só é conhecida no ano seguinte. Para efeito de políticas públicas, a estimativa é um bom termômetro.

O desmatamento é medido sempre de agosto de um ano a julho do ano seguinte. Assim, a taxa de 2019 compreende o período da campanha eleitoral e os primeiros seis meses do governo Bolsonaro. A de 2020 encerrará seu período de apuração em julho.

Em 2019, os Estados que tiveram maiores altas foram Roraima (203%), Acre (54%) e Pará (52%). É no Pará o município mais desmatado de 2019, Altamira, que sozinho perdeu o equivalente a duas cidades de São Paulo em florestas. No Acre, o governador Gladson Cameli (PP) ficou famoso no ano passado por dizer a produtores rurais que não pagassem multas ambientais. O Acre foi também um dos Estados mais afetados pelas queimadas em 2019.

O desmatamento em terras indígenas cresceu 90%, na esteira do discurso do presidente Jair Bolsonaro de que abriria essas áreas ao garimpo e a outras atividades econômicas. As mais desmatadas foram Cachoeira Seca, Apyterewa e Ituna-Itatá, no Pará, todas elas alvo de uma operação do Ibama contra o garimpo e a grilagem neste ano – que resultou na demissão da cúpula da fiscalização do órgão.

No mesmo dia em que o Inpe divulgava seus dados, o atual “czar” da Amazônia, o vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB), disse em reunião ministerial que o desmatamento “caiu ao mínimo” em maio comparado com os anos anteriores. Só que não: dados do sistema Deter mostram que maio de 2020 teve a segunda maior área de alertas medida nos últimos cinco anos, perdendo apenas para 2019. O segundo lugar ainda pode virar primeiro, já que, no fechamento deste post, ainda faltavam três dias para fechar a série do mês.

Tuesday, 24 March 2015

Série revela Amazônia ainda anônima para o Brasil

Em cinco episódios, é retratada uma Amazônia pouco vista, com imagens inéditas de grandes lavouras, criação de gado e devastações ilegais.


O Fantástico deste domingo (22) estreia a série 'Amazônia Sociedade Anônima'. Em cinco episódios, é retratada uma Amazônia pouco vista, com imagens inéditas de grandes lavouras, criação de gado e devastações ilegais. Foram mais de 10 mil quilômetros percorridos por água, terra e ar para revelar uma sociedade que continua anônima para o Brasil.
Cada episódio passeia por um tema, que vai desde a retirada ilegal de madeira, a ampla fronteira agrícola da região, os altos investimentos no setor de energia e minério até a discussão sobre o futuro da maior floresta do mundo.

fonte: http://g1.globo.com/fantastico/quadros/amazonia-sociedade-anonima/noticia/2015/03/serie-revela-amazonia-ainda-anonima-para-o-brasil.html

Tuesday, 24 February 2015

A ÁGUA NOSSA DE CADA DIA ENTREVISTA COM ANTONIO DONATO NOBRE

ecodebate
enviado pelo fórum de justiça climática


A ÁGUA NOSSA DE CADA DIA
 
ENTREVISTA COM ANTONIO DONATO NOBRE

Há uma ficção que traduz com semelhança a situação que ora vivemos. Um cientista anteviu uma catástrofe climática inevitável no filme O dia depois de amanhã. Os políticos o ignoraram, até que o pior previsto aconteceu.
A entrevista é de Marcelo Csettkey, publicada por EcoDebate, 18-02-2015.
A diferença entre a realidade e a ficção se dá por dois detalhes importantes: no filme, o cientista elabora uma teoria no calor do momento, na iminência do fato ocorrer. Na vida real, nossa crise hídrica foi antevista e anunciada pelo cientista Antonio Donato Nobre (PhD, pesquisador do MCTi/CCST-Inpe e MCTi/Inpa) com bastante antecedência. Sua previsão, feita há dez anos, está registrada em uma reportagem da revista Veja intitulada “O ano em que a Amazôniacomeçou a morrer”, publicada no dia 28 de dezembro de 2005. Ali, Nobre afirmava:
“Teríamos uma grande queda de pluviosidade na Região Sudeste, comprometendo a Bacia do Prata e consequentemente, grande parte da geração de energia do país.”
Exatamente o que está acontecendo, basta acompanhar as notícias. Então, o que será da Região Sudeste se os “volumes mortos” morrerem? Os políticos até agora não quiseram ouvir o alerta e a mídia não lhe deu a importância merecida. Políticos e mídia, ao que parece, preferem assumir o risco da ocorrência, omitindo-se ou tergiversando. No filme, houve, por parte do cientista, a constatação da inevitabilidade da catástrofe! Na realidade, ainda há esperança de gerar-se uma inflexão no curso dessa inevitabilidade. É por esta esperança que entrevisto o cientista real.
Partilho a preocupação de todos com a seca que atinge o Sudeste do Brasil, pondo em risco nossas bacias hidrográficas, nossa energia elétrica, nossa água e comida. Tudo o que está acontecendo pode não ser aleatório, mas sim resultado também do desmatamento irresponsável que ocorre diuturnamente na Amazônia e sua relação causal, e não casual, com a diminuição da umidade vinda da floresta para o Sudeste do país nos “rios aéreos” – por uma singularidade que envolve a Cordilheira dos Andes.
O relatório de avaliação científica feito por Nobre, “O Futuro Climático da Amazônia“, é contundente; porém, como diziaShakespeare, “para males desesperados só remédios enérgicos ou remédio nenhum”. Nobre exorta a população, pois só combatendo a ignorância por meio da mobilização popular poderá ser estancada a grande perda anunciada.
Eis a entrevista.
O que de fato acontece que põe em risco o abastecimento de água e energia elétrica nas cidades e capitais do Sudeste? Que singularidade está sendo ameaçada – que difere o Sudeste do país dos desertos na mesma linha entre os trópicos de Câncer ou Capricórnio – e por que motivo os “volumes mortos” tendem a morrer definitivamente?
Os sintomas do desarranjo climático estão aí. Como na crônica da morte anunciada, experimentamos já agora muito do que fora previsto desde mais de 20 anos por vários estudos feitos na Amazônia. E da observação desta nova realidade chegamos à conclusão cientifica: remover árvores leva a um clima inóspito. Com a destruição continuada das florestas é garantido o destino de clima não amigável, especialmente sob o estresse aumentado das mudanças climáticas globais. Éramos felizes e não sabíamos, pois a Amazônia foi e, apesar do desmatamento, ainda é, grande provedora de serviços ao clima. Sabemos agora que a região centro sul da América do Sul recebe a maior parte de suas chuvas a partir de vapor bombeado pela grande floresta. Tal explicação permite compreender por que essa rica região produtiva não é deserto, como são outras regiões na mesma latitude. O clima é variável, assim é provável que, apesar destes anos alarmantemente secos, ainda voltem as chuvas. Não sabemos exatamente como essa transição para uma aridez possa se dar. Mas sabemos que, quando vier, toda a região se verá permanentemente privada do elo mais importante do ciclo de água doce em terra: o suprimento pelas chuvas. 2014 já é um exemplo do que poderemos esperar.
O que provoca o surgimento de uma enorme massa de ar seco, um “paquiderme atmosférico”, uma espécie de Jabba the Hutt“sentado” em cima da Região Sudeste? O que poderia ser feito para diluir essa massa de ar seco que insiste em impedir que as nuvens carregadas de água, vindas da Amazônia se espraiem pela Região Sudeste?
O grupo no qual atuo, liderado pelos físicos russos Victor Gorshkov e Anastassia Makarieva, explica o fenômeno como decorrência direta da remoção de florestas (também na própria região Sudeste), o que impede a convergência de umidade do oceano para o interior do continente, permitindo a estacionamento dessa massa de ar quente e seco, típica de deserto. Tem também a alça de ar da circulação de Hadley, aquela do ar ascendendo úmido no entorno do equador e baixando seco nas latitudes médias – a explicação clássica para o cinturão de desertos nestas latitudes – que poderia estar recebendo vitamina energética do próprio aquecimento global. Liguemos as pontas: tire as florestas e os efeitos da circulação alterada pelo aquecimento global têm campo livre para atuar e eventualmente ali se fixar. Se essa nova circulação e seu clima associado vieram para ficar, se já não for tarde demais, a única possibilidade é recolocar na paisagem o elemento-chave para um clima amigo: restaurar as florestas.
Quais as medidas mais eficientes para se impedir a catástrofe climática anunciada?
Nesta altura e a curto prazo não parece provável ou mesmo possível impedirmos a calamidade climática que nos bate a porta. Mas creio que podemos, se fizermos um genuíno esforço de guerra na restauração extensiva das florestas, atenuar muito os efeitos e quiçá logremos recuperar o espetacular sistema de condicionamento climático que operava no “berço esplêndido”.
No filme supracitado, os políticos são os últimos a reconhecer a situação emergencial. Na realidade, ao que tudo indica, o governo Dilma está na contramão da História, pois negou a assinatura da carta de intenções pelo desmatamento zero até 2030, e replantio de árvores, na Declaração de Nova York sobre Florestas, em setembro de 2014, na reunião do Clima em Nova York – documento assinado por 29 países, incluindo Estados Unidos, Canadá e vários países da União Europeia. Que interesse segundo sua opinião, motivou a negativa?
Não me parece útil presumir os interesses que governam o Brasil. Entretanto, o que parece evidente é que tais ações (ou falta delas) são instruídas pelo desconhecimento da ciência. Tenho a esperança de que governantes responsáveis e compromissados com a sorte da sociedade se apropriarão dos fatos científicos e reformarão as posturas oficiais. Em vista também dos graves fatos climáticos, o Brasil deveria ocupar a liderança mundial em uma luta que resultasse em curtíssimo prazo no estancamento do desmatamento, na abolição do fogo, fumaça e fuligem e no início de um amplo esforço de restauração florestal.
Como a destruição da Floresta Amazônica pode interferir no clima mundial? O que irá acontecer se a grande floresta se transformar em uma savana, ou algo pior, em um deserto?
Simulando a morte e desaparecimento da floresta, alguns estudos estimaram o efeito da liberação massiva do carbono estocado na Amazônia sobre o clima e os prognósticos que geraram indicam sério agravamento do aquecimento global. Outros estudos avaliaram o efeito do desaparecimento da floresta sobre a circulação atmosférica, transporte de vapor e mesmo no balanço de energia, e indicaram que o clima próximo e distante pode ser impactado via perturbação no funcionamento dos oceanos. A grande floresta amazônica, descobriu-se ter papel importantíssimo na regulação climática local, regional e mesmo global. Eliminá-la será uma catástrofe impensável para a humanidade.
De que forma pode haver cooperação internacional para frear o desmatamento da Amazônia? Que atitude mundial fará com que haja uma interrupção dessa catástrofe climática já anunciada? O senhor acredita que este tema possa estar inserido na pauta da Conferência sobre Mudanças Climáticas (COP 21), em Paris, em dezembro de 2015? O que fazer para que o mundo tome ciência da gravidade de destruir-se a maior floresta tropical contínua do planeta?
O desmatamento na Amazônia precisa ser zerado a qualquer custo. E a tarefa compete primeiramente aos países amazônicos porque a eles foi dado o privilégio de possuir tal riqueza. Os outros países podem colaborar neste esforço através de ações ao seu alcance, especialmente deixar de consumir produtos oriundos da destruição da floresta, como toras e madeira serrada, grãos e carnes produzidos em áreas de onde se removeram florestas, entre outros. Podem também apoiar a adoção de soluções alternativas à construção de hidrelétricas nos rios amazônicos, como facilitar o acesso a tecnologias de energia solar. Mas o essencial é que os países amazônicos assumam a liderança neste grande esforço, que precisa se estender a todos os países detentores de florestas e também aos que precisam reconstruir suas florestas originais. Essa grande ação na proteção e restauração de florestas tem ótima oportunidade de ser encampada pelas Nações Unidas, mas é preciso fazer um grande trabalho de conscientização da humanidade, que então demandará dos governos o fim da procrastinação.
Seria a demanda crescente por carne bovina, no mercado nacional e internacional, elemento catalisador do desmatamento da Floresta Amazônica, transformando grandes áreas do riquíssimo bioma em pastagens? O consumo de carne bovina oriunda da Amazônia poderia ser associado à crise hídrica no Sudeste? É plausível este pensamento?
Se uma maior parcela do desmatamento bruto é atribuível diretamente à pecuária bovina e a ampliação desta atividade somente existe devido ao consumo crescente de carne no mundo, decorre que os efeitos no clima do desmatamento estão intimamente associados ao hábito de consumir carne.
Em cinco séculos foram destruídos biomas exuberantes que garantiam o clima paradisíaco que encantou Pero Vaz de Caminha. A devastação sistemática de fauna e flora, apesar de enorme, alterou pouco o clima do país. Que singularidade beneficiou o Brasil até 40 anos atrás? E o que provocou a mudança drástica?
A grande floresta amazônica, como sabemos hoje, exporta serviços ao clima para uma maior parte da América do Sul. A destruição da Mata Atlântica certamente teve efeito ruim sobre o clima local, especialmente na perda da regulação hidrológica fina e da capacidade de atenuação de extremos climáticos. Mas nos séculos passados essas regiões continuaram recebendo umidade suficiente da Amazônia para não terem se aridificado. A destruição sistemática e acelerada da floresta amazônica nos últimos 40 anos começa a destroçar a proteção que oferecia. Estamos matando a galinha dos ovos de ouro.
Quanto o senhor calcula que a destruição de árvores tenha causado a diminuição dos “rios aéreos” que, tudo indica, tem provocado a crise hídrica crescente? O quanto de espaço foi perdido no desmatamento da Amazônia em quatro décadas?
A crise hídrica atual parece resultar da atuação de vários fatores. Aquecimento global, mudança da circulação atmosférica, impedimento da progressão da umidade amazônica e enfraquecimento dos fluxos de vapor nos rios aéreos são alguns destes fatores. Quanto e de que forma exatamente contribui cada um deles, ainda não sabemos. Mas sabemos que todos estes fatores têm sido impactados por atividade humana. O desmatamento é a face mais visível da tragédia: somente de corte raso foram três estados de São Paulo (~763 mil km2). Degradação florestal, uma área maior ainda (~1,2 milhão de km2). Somadas, estas áreas de impacto já ocupam mais de 47% da área original de floresta na Amazônia brasileira. Tanta destruição já está produzindo impacto.
Qual a importância das árvores na formação das nuvens? De que forma as árvores são vitais para se gerarem as chuvas de que tanto precisamos para viver?
As árvores transpiram grandes quantidades de água bombeada do solo, o que resfria a superfície e fornece matéria-prima principal para a formação de nuvens. Elas também emitem compostos voláteis, os cheiros, que, como gases que se precipitam na forma de poeira finíssima, atuam na nucleação de nuvens e promoção de chuvas. Com a condensação do vapor fornecido pelas árvores, ocorre um abaixamento da pressão na atmosfera sobre a floresta, o que determina a sucção dos ares úmidos de sobre o oceano para dentro do continente.
Há alguma possibilidade de tombar-se a Floresta Amazônica como patrimônio da Humanidade, tentando impedir assim sua destruição pela ignorância humana?
Creio ser mais factível e prático empreender esforços para eliminar a ignorância humana. Somente uma sociedade consciente consegue fazer frente a interesses menores e destrutivos que surgem e são defendidos por elites poderosas. O exemplo das hidrelétricas na Amazônia é sintomático. Nos anos 80, depois de absurdos como Balbinae outras represas, pensou-se que nunca mais voltariam a cogitar novas obras deste tipo na Amazônia. Mas passaram-se décadas e o lobby das hidrelétricas voltou à carga, desta vez recebendo suporte de um governo oriundo de movimentos populares e até de parcela da sociedade que passou a justificar a geração de energia para atender à crescente demanda nacional. Até a proteção das reservas indígenas e outras áreas de conservação inscrita em nossa carta magna estão sob ataque eficiente dos interesses menores que dominam o Congresso. A meu ver, somente tombar a floresta, como se faz com valores culturais reconhecidos, não conseguirá barrar tais ataques.
Sua mensagem para todos os que alimentam esperança, e possam garantir o futuro climático do Brasil, protegendo a Amazônia – por nós e pelas gerações que virão.
Absorva e entenda a mensagem de alerta; aproprie-se do saber sobre a floresta e o clima; explique a seu modo para seu semelhante da importância das florestas; ensine a seus filhos, tios e avós; deixe de consumir produtos que colocam a floresta em risco; plante árvores; substitua seu chuveiro por aquecimento solar; demande de seus representantes e governantes atitudes responsáveis com o interesse da sociedade. E alegre-se que ainda temos essa oportunidade de evitar o pior – se lutarmos com todas nossas forças!

Monday, 24 November 2014

Quem são os desmatadores?

Edição 225 - Novembro de 2014
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© LÉO RAMOS
Amazônia rural: propriedades grandes desmatam mais do que as menores
Amazônia rural: propriedades grandes desmatam mais do que as menores
Na Amazônia Legal, as grandes propriedades são responsáveis por boa parte do desmatamento. É o que conclui um grupo internacional liderado por Javier Godar, do Instituto Ambiental de Estocolmo, na Suécia, que reuniu dados de censos agropecuários e de sensoriamento remoto para identificar onde o desmatamento aconteceu na Amazônia entre 2004 e 2011, quando os índices de derrubada da floresta diminuíram (PNAS, 28 de outubro). O estudo avaliou uma escala detalhada: os 13.303 setores censitários da região, que abrange 771 municípios. Os setores em que predominam propriedades maiores do que 500 hectares representaram a maior parte (55,6%) do desmatamento no período. Nas áreas caracterizadas por pequenas propriedades, esse valor cai para 16,3%. Como a taxa de desmatamento voltou a crescer entre 2012 e 2013, os pesquisadores avisam que é importante entender esse perfil para direcionar estratégias de combate à eliminação da floresta, que prejudica sua capacidade de armazenar carbono atmosférico e contribuir para o ciclo da água. É possível, o estudo sugere, que os grandes produtores tenham aprendido a burlar a fiscalização abrindo clareiras menores. Uma solução para fazer frente ao problema pode ser uma política de incentivos positivos, como já é praticado em uma série de iniciativas, entre elas o Programa Municípios Verdes do Pará. Esse tipo de programa também pode ajudar pequenos fazendeiros a praticar um desenvolvimento rural mais sustentável.
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Monday, 3 November 2014

"Estamos indo direto para o matadouro”, diz Antonio Nobre


01/11/2014

Antonio Donato Nobre é um dos nossos melhores cientistas, pertence ao grupo do IPCC que mede o aquecimento da Terra e um especialista em questões amazônicas. É  mundialmente conhecido como  pesquisador do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Sustenta que o desmatamento para já, inclusive o permitido por lei sem prejuízo do agronegócio que de vê incorporar fatores novos da falta de água e das secas prolongadas. Enfatiza: ”A agricultura consciente, se soubesse o que a comunidade científica sabe, estaria na rua, com cartazes, exigindo do governo proteção das florestas e plantando árvores em sua propriedade”. Publicamos aqui sua entrevista aparecida no IHU de 31 de outubro de 2014, dada a urgência do tema e seus efeitos maléficos notados no Sudeste, especialmente na metrópole de São Paulo. Temos que divulgar conhecimentos para assumirmos atitudes corretas e organizarmos nosso desenvolvimento a partir destes dados inegáveis: Lboff

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Eis a entrevista.

Quanto já desmatamos da Amazônia brasileira?

Só de corte raso, nos últimos 40 anos, foram três Estados de São Paulo, duas Alemanhas ou dois Japões. São 184 milhões de campos de futebol, quase um campo por brasileiro. A velocidade do desmatamento na Amazônia, em 40 anos, é de um trator com uma lâmina de três metros se deslocando a 726 km/hora – uma espécie de trator do fim do mundo. A área que foi destruída corresponde a uma estrada de 2 km de largura, da Terra até a Lua. E não estou falando de degradação florestal.

Essa é a “guilhotina de árvores” que o senhor menciona?

Foram destruídas 42 bilhões de árvores em 40 anos, cerca de 3 milhões de árvores por dia, 2.000 árvores por minuto. É o clima que sente cada árvore que é retirada da Amazônia. O desmatamento sem limite encontrou no clima um juiz que conta árvores, não esquece e não perdoa.

O sr. pode explicar?

Os cientistas que estudam a Amazônia estão preocupados com a percepção de que a floresta é potente e realmente condiciona o clima. É uma usina de serviços ambientais. Ela está sendo desmatada e o clima vai mudar.

A mudança climática…

A mudança climática já chegou. Não é mais previsão de modelo, é observação de noticiário. Os céticos do clima conseguiram uma vitória acachapante, fizeram com que governos não acreditassem mais no aquecimento global. As emissões aumentaram muito e o sistema climático planetário está entrando em falência como previsto, só que mais rápido.

No estudo o sr. relaciona destruição da floresta e clima?

A literatura é abundante, há milhares de artigos escritos, mais de duas dúzias de projetos grandes sendo feitos na Amazônia, com dezenas de cientistas. Li mais de 200 artigos em quatro meses. Nesse estudo quis esclarecer conexões, porque esta discussão é fragmentada. “Temos que desenvolver o agronegócio. Mas e a floresta? Ah, floresta não é assunto meu”. Cada um está envolvido naquilo que faz e a fragmentação tem sido mortal para os interesses da humanidade. Quando fiz a síntese destes estudos, eu me assombrei com a gravidade da situação.

Qual é a situação?

A situação é de realidade, não mais de previsões. No arco do desmatamento, por exemplo, o clima já mudou. Lá está aumentando a duração da estação seca e diminuindo a duração e volume de chuva. Agricultores do Mato Grosso tiveram que adiar o plantio da soja porque a chuva não chegou. Ano após ano, na região leste e sul da Amazônia, isso está ocorrendo. A seca de 2005 foi a mais forte em cem anos. Cinco anos depois teve a de 2010, mais forte que a de 2005. O efeito externo sobre a Amazônia já é realidade. O sistema está ficando em desarranjo.

A seca em São Paulo se relaciona com mudança do clima?

Pegue o noticiário: o que está acontecendo na Califórnia, na América Central, em partes da Colômbia? É mundial. Alguém pode dizer – é mundial, então não tem nada a ver com a Amazônia. É aí que está a incompreensão em relação à mudança climática: tem tudo a ver com o que temos feito no planeta, principalmente a destruição de florestas. A consequência não é só em relação ao CO2 que sai, mas a destruição de floresta destrói o sistema de condicionamento climático local. E isso, com as flutuações planetárias da mudança do clima, faz com que não tenhamos nenhuma almofada.

Almofada?

A floresta é um seguro, um sistema de proteção, uma poupança. Se aparece uma coisa imprevista e você tem algum dinheiro guardado, você se vira. É o que está acontecendo agora, não sentimos antes os efeitos da destruição de 500 anos da Mata Atlântica, porque tínhamos a “costa quente” da Amazônia. A sombra úmida da floresta amazônica não permitia que sentíssemos os efeitos da destruição das florestas locais.

O Sr. fala em tapete tecnológico da Amazônia. O que é?

Eu queria mostrar o que significa aquela floresta. Até eucalipto tem mais valor que floresta nativa. Se olharmos no microscópio, a floresta é a hiper abundância de seres vivos e qualquer ser vivo supera toda a tecnologia humana somada. O tapete tecnológico da Amazônia é essa assembleia fantástica de seres vivos que operam no nível de átomos e moléculas, regulando o fluxo de substâncias e de energia e controlando o clima.

O Sr. fala em cinco segredos da Amazônia. Quais são?

O primeiro é o transporte de umidade continente adentro. O oceano é a fonte primordial de toda a água. Evapora, o sal fica no oceano, o vento empurra o vapor que sobe e entra nos continentes. Na América do Sul, entra 3.000 km na direção dos Andes com umidade total. O segredo? Os gêiseres da floresta.

Gêiseres da floresta?

É uma metáfora. Uma árvore grande da Amazônia, com dez metros de raio de copa, coloca mais de mil litros de água em um dia, pela transpiração. Fizemos a conta para a bacia Amazônica toda, que tem 5,5 milhões de km2: saem desses gêiseres de madeira 20 bilhões de toneladas de água diárias. O rio Amazonas, o maior rio da Terra, que joga 20% de toda a água doce nos oceanos, despeja 17 bilhões de toneladas de água por dia. Esse fluxo de vapor que sai das árvores da floresta é maior que o Amazonas. Esse ar que vai progredindo para dentro do continente vai recebendo o fluxo de vapor da transpiração das árvores e se mantém úmido, e, portanto, com capacidade de fazer chover. Essa é uma característica das florestas.

É o que faz falta em São Paulo?

Sim, porque aqui acabamos com a Mata Atlântica, não temos mais floresta.

Qual o segundo segredo?

Chove muito na Amazônia e o ar é muito limpo, como nos oceanos, onde chove pouco. Como, se as atmosferas são muito semelhantes? A resposta veio do estudo de aromas e odores das árvores. Esses odores vão para atmosfera e quando têm radiação solar e vapor de água, reagem com o oxigênio e precipitam uma poeira finíssima, que atrai o vapor de água. É um nucleador de nuvens. Quando chove, lava a poeira, mas tem mais gás e o sistema se mantém.

E o terceiro segredo?

A floresta é um ar-condicionado e produz um rio amazônico de vapor. Essa formação maciça de nuvens abaixa a pressão da região e puxa o ar que está sobre os oceanos para dentro da floresta. É um cabo de guerra, uma bomba biótica de umidade, uma correia transportadora. E na Amazônia, as árvores são antigas e têm raízes que buscam água a mais de 20 metros de profundidade, no lençol freático. A floresta está ligada a um oceano de água doce embaixo dela. Quando cai a chuva, a água se infiltra e alimenta esses aquíferos.

Como tudo isso se relaciona à seca de São Paulo?

No quarto segredo. Estamos em um quadrilátero da sorte – uma região que vai de Cuiabá a Buenos Aires no Sul, São Paulo aos Andes e produz 70% do PIB da América do Sul. Se olharmos o mapa múndi, na mesma latitude estão o deserto do Atacama, o Kalahari, o deserto da Namíbia e o da Austrália. Mas aqui, não, essa região era para ser um deserto. E no entanto não é, é irrigada, tem umidade. De onde vem a chuva? A Amazônia exporta umidade. Durante vários meses do ano chega por aqui, através de “rios aéreos”, o vapor que é a fonte da chuva desse quadrilátero.

E o quinto segredo?

Onde tem floresta não tem furacão nem tornado. Ela tem um papel de regularização do clima, atenua os excessos, não deixa que se organizem esses eventos destrutivos. É um seguro.

Qual o impacto do desmatamento então?

O desmatamento leva ao clima inóspito, arrebenta com o sistema de condicionamento climático da floresta. É o mesmo que ter uma bomba que manda água para um prédio, mas eu a destruo, aí não tem mais água na minha torneira. É o que estamos fazendo. Ao desmatar, destruímos os mecanismos que produzem esses benefícios e ficamos expostos à violência geofísica. O clima inóspito é uma realidade, não é mais previsão. Tinha que ter parado com o desmatamento há dez anos. E parar agora não resolve mais.

Como não resolve mais?

Parar de desmatar é fundamental, mas não resolve mais. Temos que conter os danos ao máximo. Parar de desmatar é para ontem. A única reação adequada neste momento é fazer um esforço de guerra. A evidência científica diz que a única chance de recuperarmos o estrago que fizemos é zerar o desmatamento. Mas isso será insuficiente, temos que replantar florestas, refazer ecossistemas. É a nossa grande oportunidade.

E se não fizermos isso?

Veja pela janela o céu que tem em São Paulo – é de deserto. A destruição da Mata Atlântica nos deu a ilusão de que estava tudo bem, e o mesmo com a destruição da Amazônia. Mas isso é até o dia em que se rompe a capacidade de compensação, e é esse nível que estamos atingindo hoje em relação aos serviços ambientais. É muito sério, muito grave. Estamos indo direto para o matadouro.

O que o Sr. está dizendo?

Agora temos que nos confrontar com o desmatamento acumulado. Não adianta mais dizer “vamos reduzir a taxa de desmatamento anual.” Temos que fazer frente ao passivo, é ele que determina o clima.

Tem quem diga que parte desses campos de futebol viraram campos de soja.

O clima não dá a mínima para a soja, para o clima importa a árvore. Soja tem raiz de pouca profundidade, não tem dossel, tem raiz curta, não é capaz de bombear água. Os sistemas agrícolas são extremamente dependentes da floresta. Se não chegar chuva ali, a plantação morre.

O que significa tudo isso? Que vai chover cada vez menos?

Significa que todos aqueles serviços ambientais estão sendo dilapidados. É a mesma coisa que arrebentar turbinas na usina de Itaipu – aí não tem mais eletricidade. É de clima que estamos falando, da umidade que vem da Amazônia. É essa a dimensão dos serviços que estamos perdendo. Estamos perdendo um serviço que era gratuito que trazia conforto, que fornecia água doce e estabilidade climática. Um estudo feito na Geórgia por uma associação do agronegócio com ONGs ambientalistas mediu os serviços de florestas privadas para áreas urbanas. Encontraram um valor de US$ 37 bilhões. É disso que estamos falando, de uma usina de serviços.

As pessoas em São Paulo estão preocupadas com a seca.

Sim, mas quantos paulistas compraram móveis e construíram casas com madeira da Amazônia e nem perguntaram sobre a procedência? Não estou responsabilizando os paulistas porque existe muita inconsciência sobre a questão. Mas o papel da ciência é trazer o conhecimento. Estamos chegando a um ponto crítico e temos que avisar.

Esse ponto crítico é ficar sem água?

Entre outras coisas. Estamos fazendo a transposição do São Francisco para resolver o problema de uma área onde não chove há três anos. Mas e se não tiver água em outros lugares? E se ocorrer de a gente destruir e desmatar de tal forma que a região que produz 70% do PIB cumpra o seu destino geográfico e vire deserto? Vamos buscar água no aquífero?

Não é uma opção?

No norte de Pequim, os poços estão já a dois quilômetros de profundidade. Não tem uso indefinido de uma água fóssil, ela tem que ter algum tipo de recarga. É um estoque, como petróleo. Usa e acaba. Só tem um lugar que não acaba, o oceano, mas é salgado.

O esforço de guerra é para acabar com o desmatamento?

Tinha que ter acabado ontem, tem que acabar hoje e temos que começar a replantar florestas. Esse é o esforço de guerra. Temos nas florestas nosso maior aliado. São uma tecnologia natural que está ao nosso alcance. Não proponho tirar as plantações de soja ou a criação de gado para plantar floresta, mas fazer o uso inteligente da paisagem, recompor as Áreas de Proteção Permanente (APPs) e replantar florestas em grande escala. Não só na Amazônia. Aqui em São Paulo, se tivesse floresta, o que eu chamo de paquiderme atmosférico…

Como é?

É a massa de ar quente que “sentou” no Sudeste e não deixa entrar nem a frente fria pelo Sul nem os rios voadores da Amazônia.

O que o governo do Estado deveria fazer?

Programas massivos de replantio de reflorestas. Já. São Paulo tem que erradicar totalmente a tolerância com relação a desmatamento. Segunda coisa: ter um esforço de guerra no replantio de florestas. Não é replantar eucalipto. Monocultura de eucalipto não tem este papel em relação a ciclo hidrológico, tem que replantar floresta e acabar com o fogo. Poderia começar reconstruindo ecossistemas em áreas degradadas para não competir com a agricultura.

Onde?

Nos morros pelados onde tem capim, nos vales, em áreas íngremes. Em vales onde só tem capim, tem que plantar árvores da Mata Atlântica. O esforço de guerra para replantar tem que juntar toda a sociedade. Precisamos reconstruir as florestas, da melhor e mais rápida forma possível.

E o desmatamento legal?

Nem pode entrar em cogitação. Uma lei que não levou em consideração a ciência e prejudica a sociedade, que tira água das torneiras, precisa ser mudada.

O que achou de Dilma não ter assinado o compromisso de desmatamento zero em 2030, na reunião da ONU, em Nova York?

Um absurdo sem paralelo. A realidade é que estamos indo para o caos. Já temos carros-pipa na zona metropolitana de São Paulo. Estamos perdendo bilhões de dólares em valores que foram destruídos. Quem é o responsável por isso? Um dia, quando a sociedade se der conta, a Justiça vai receber acusações. Imagine se as grandes áreas urbanas, que ficarem em penúria hídrica, responsabilizarem os grandes lordes do agronegócio pelo desmatamento da Amazônia. Espero que não se chegue a essa situação. Mas a realidade é que a torneira da sua casa está secando.

Quanto a floresta consegue suportar?

Temos uma floresta de mais de 50 milhões de anos. Nesse período é improvável que não tenham acontecido cataclismas, glaciação e aquecimento, e no entanto a Amazônia e a Mata Atlântica ficaram aí. Quando a floresta está intacta, tem capacidade de suportar. É a mesma capacidade do fígado do alcoólatra que, mesmo tomando vários porres, não acontece nada se está intacto. Mas o desmatamento faz com que a capacidade de resiliência que tínhamos, com a floresta, fique perdida.

Aí vem uma flutuação forte ligado à mudança climática global e nós ficamos muito expostos, como é o caso do “paquiderme atmosférico” que sentou no Sudeste. Se tivesse floresta aqui, não aconteceria, porque a floresta resfria a superfície e evapora quantidade de água que ajuda a formar chuva.

O esforço terá resultado?

Isso não é garantido, porque existem as mudanças climáticas globais, mas reconstruir ecossistemas é a melhor opção que temos. Quem sabe a gente desenvolva outra agricultura, mais harmônica, de serviços agroecossistêmicos. Não tem nenhuma razão para o antagonismo entre agricultura e conservação ambiental. Ao contrário. A agricultura consciente, que soubesse o que a comunidade científica sabe, estaria na rua, com cartazes, exigindo do governo proteção das florestas. E, por iniciativa própria, replantaria a floresta nas suas propriedades.

http://leonardoboff.wordpress.com/2014/11/01/estamos-indo-direto-para-o-matadouro-diz-antonio-nobre/