Um aumento inesperado na concentração atmosférica de metano ameaça anular os ganhos previstos com a implantação do Acordo de Paris pelo clima do nosso planeta
Em abril, a agência norte-americana NOAAA publicou dados preliminares que documentavam um salto histórico na concentração atmosférica de metano durante 2018 [1]. A
agência deu destaque a uma recente leva de dados e trabalhos científicos que mostram que os níveis globais de metano – anteriormente estáveis – têm aumentado inesperadamente nos últimos anos.
Mais recentemente, duas publicações de alto nível produzidas pela comunidade científica demandaram reduções nas emissões de metano da indústria global de gás natural, considerando que esta seria a resposta mais prática ao aumento da presença do gás na atmosfera [2].
No ano passado, a concentração atmosférica de metano atingiu um novo recorde histórico, marcando o segundo maior salto consecutivo nos últimos 20 anos. Mais importante ainda, o salto de 2018 estendeu o ressurgimento inesperado do crescimento dos níveis globais de metano, o que gerou uma enorme preocupação na comunidade científica. Os cientistas relatam que o novo e inesperado cômputo do metano ameaça eliminar os ganhos esperados com o Acordo de Paris, já que o Acordo foi construído considerando resultados de modelos que assumem a estabilidade da concentração de metano na atmosfera [3].
As causas desta ressurgência têm sido calorosamente debatidas e ainda não são bem compreendidas. Dito isto, a maioria dos especialistas da área suspeita que todas as fontes tradicionais (naturais e antropogênicas) estão contribuindo pelo menos com uma parte do aumento observado, e que o maior contribuinte pode ser a resposta das zonas úmidas à mudança climática (embora haja alguma discórdia sobre este ponto) [4].
Curiosamente, a resposta à pergunta sobre qual fonte de emissão está conduzindo o surto de crescimento da concentração de metano é muito diferente da resposta à pergunta sobre qual fonte de emissão está melhor posicionada para lidar com tal surto. Isto porque é extremamente desafiador controlar a forma como as zonas úmidas reagem às alterações climáticas (assumindo que esta seja a causa maior).
Assim, existe um amplo consenso entre os especialistas quanto à necessidade de redução das emissões da produção e distribuição de combustíveis fósseis, principalmente por meio da eliminação de vazamentos e de da melhoria da captura do gás dos sistemas de ventilação. Esta é a opção mais prática – e uma das poucas disponíveis – para o controle dos níveis globais de metano, independentemente das forças por trás do surto. Além dela, os cientistas dizem que existem algumas poucas oportunidades para a abordagem das emissões agrícolas. A título de exemplo, uma delas seria mudar a dieta do gado, o que pode reduzir a geração de metano sem afetar a produção de carne e laticínios.
Globalmente, as emissões antropogênicas de metano representam cerca de 48% do total de emissões do gás e, por sua vez, as emissões de metano pela indústria de combustíveis fósseis representam cerca de 34% das emissões antropogênicas totais [5].
Nos Estados Unidos, a indústria de gás natural e de petróleo é a maior fonte de emissões de metano [6]. A análise mais recente sugere que as emissões de metano provenientes da atividade de petróleo e gás nos EUA aumentaram nos últimos 10 anos em 3,4% ao ano [7], cerca de 40% ao longo da década [8].
Antecedentes
O metano é um gás de efeito estufa de vida curta, mas superpotente. O gás é o segundo mais importante contribuinte para o aquecimento global antropogênico, depois do CO2, e é responsável por um quarto do desequilíbrio antropogênico radiante (a força humana do aquecimento) desde a era pré-industrial [9]. Antes da era industrial, os níveis globais de metano eram baixos e relativamente estáveis, variando entre 300 a 800 partes por bilhão (ppb) nos últimos 800 mil anos. Com o advento da agricultura e, depois, com o emprego dos combustíveis fósseis, os níveis de metano dispararam para mais de 1.800 ppb.
A partir de 1990, o crescimento dos níveis globais de metano começou a desacelerar, e a concentração de metano na atmosfera tornou-se relativamente estável no período que vai de 2000 a 2006. Um ressurgimento do metano atmosférico não era previsto, foi uma surpresa [10]. Essencialmente, os níveis de metano foram considerados estáveis nos modelos de trajetória preparados para o Acordo Climático de Paris [11].
No entanto, os níveis globais de metano retomaram um rápido crescimento a partir de 2007. Esse crescimento excepcional continuou em 2018 [13]. A NOAAA anunciou recentemente que a taxa de aumento do metano atmosférico acelerou nos últimos cinco anos, saltando 50% sobre a taxa de crescimento observada no período 2007-2013 [14]. O crescimento sustentado dos últimos cinco anos foi observado pela última vez na década de 1980, quando a indústria de gás da ex União Soviética se desenvolvia muito rapidamente [15].
No início, a durabilidade dessa tendência emergente foi questionada e anos de rápido crescimento foram vistos como anomalias [16]. No entanto, já temos 12 anos de retomada do crescimento dos níveis globais de metano (2007-2018) em comparação com o período de 7 anos de níveis estáveis entre 2000 e 2006. E os dados preliminares de 2018 indicam que a tendência de crescimento extraordinariamente alto nos últimos 5 anos.
Por conta disso, a era de estabilidade dos níveis globais de metano é cada vez mais vista como uma anomalia, e o crescimento do metano global é visto como a retomada de um padrão de longo prazo [17]. Esse consenso emergente foi destacado em dois artigos recentes de alto nível publicados em 2019, representando as opiniões consensuais de uma grande variedade de especialistas da área.
A ameaça representada por esta retoma do crescimento do metano é significativa. Um grupo de 23 cientistas afirmou recentemente que “mesmo que as emissões antropogênicas de CO2 sejam restringidas com sucesso a uma via semelhante à do cenário RCP2.6, o inesperado e sustentado aumento atual do metano pode sobrecarregar o progresso dos outros esforços de mitigação a ponto de fazer fracassar o Acordo de Paris” [19].
Embora a retomada do crescimento das concentrações atmosféricas de metano esteja agora bem documentada, as forças que impulsionam este crescimento são menos bem compreendidas e seguem sendo debatidas acaloradamente. As atuais redes de monitoramento ambiental global fornecem apenas informações esparsas sobre as concentrações de metano, tornando difícil e complexo distinguir entre as inúmeras fontes individuais do gás das indústrias de combustíveis fósseis e fontes dispersas, como pântanos e agricultura. Lacunas no monitoramento também tornam impossível descartar uma diminuição na eficácia dos mecanismos naturais que varrem o metano da atmosfera (também conhecidos como “sumidouros”).
Potenciais impulsionadores do aumento de emissões incluem emissões de práticas agrícolas intensivas, emissões de operações de petróleo e gás e aumento de emissões de zonas úmidas em resposta ao aquecimento global. Este último impulsionador em potencial é particularmente preocupante, pois implica envolvimento de um ciclo de feedback sobre o aquecimento global. Diversos estudos têm atribuído e avaliado o papel de cada um dessas forças, com diferentes estudos atribuindo maior peso a diferentes motivadores; todos são geralmente considerados como tendo pelo menos um papel menor [20].
Embora o tamanho do papel da produção e distribuição de combustíveis fósseis para o crescimento recente do metano atmosférico seja muito debatido, está bem documentado que a produção de combustíveis fósseis é um dos principais impulsionadores da manutenção dos níveis de metano na era industrial [21]. Como resultado, a redução das emissões de metano da indústria de combustíveis fósseis teria um impacto significativo no combate ao aumento do metano. A vida útil do metano na atmosfera é relativamente curta ( de aproximadamente 11 anos), e os elevados níveis globais de metano da era industrial só ocorrem como resultado de grandes emissões antropogênicas. Finalmente, a produção e a distribuição de combustíveis fósseis é certamente uma das principais fontes de emissões antropogênicas.
As emissões de metano da indústria de combustíveis fósseis são também a fonte de emissões mais facilmente controlável. A Agência Internacional de Energia estima que a indústria pode reduzir suas emissões mundiais em 75% – e que até dois terços dessas reduções (40-50% das emissões totais) podem ser realizadas a custo líquido zero [22].
Além desta, existem outras oportunidades específicas para a redução de emissões da agricultura. Turner et al., 2019, observam que mudanças na dieta do gado poderiam reduzir a produção de metano no gado leiteiro sem reduzir a produção de leite.
Neste contexto, os 23 autores de Nisbet et al escreveram: “Podemos não ser capazes de influenciar os fatores que impulsionam o novo aumento do metano, especialmente se forem um feedback da mudança climática, mas monitorando, quantificando e reduzindo as maiores emissões antropogênicas, especialmente das indústrias de gás, carvão e gado, e talvez por remoção direta, podemos ser capazes de reduzir a carga total de metano para estar em conformidade com as metas de Paris”.
Citações
Jacobson et al. (2018): Chapter 8: Observations of atmospheric carbon dioxide and methane. In
Second State of the Carbon Cycle Report (SOCCR2): A Sustained Assessment Report [Cavallaro, N., G. Shrestha, R. Birdsey, M. A. Mayes, R. G. Najjar, S. C. Reed, P. Romero-Lankao, and Z. Zhu (eds.)]. U.S. Global Change Research Program, Washington, DC, USA, pp. 337-364,
https://doi.org/10.7930/SOCCR2.2018.Ch8.
Lan et al. (2019): Long‐Term Measurements Show Little Evidence for Large Increases in Total U.S. Methane Emissions Over the Past Decade.
Geophysical Research Letters. April 2019.
https://doi.org/10.1029/2018GL081731
Lyon and Schwietzke (2019) Does new NOAA study really show that methane emissions have been overestimated? No. Energy Exchange. EDF. May 2019
Maasakkers et al. (2019): Global distribution of methane emissions, emission trends, and OH concentrations and trends inferred from an inversion of GOSAT satellite data for 2010–2015. Atmospheric Chemistry and Physics. January
Nisbet et al. (2019): Very Strong Atmospheric Methane Growth in the 4 Years 2014–2017: Implications for the Paris Agreement.
Global Biogeochemical Cycles. March 2019.
https://doi.org/10.1029/2018GB006009
Shindell et al. (2017): The social cost of methane: theory and applications.
Faraday Discussions. January 2017 DOI:
10.1039/c7fd00009j
Turner, Frankenberg, and Kort (2019): Interpreting contemporary trends in atmospheric methane. Proceedings of the National Academy of Sciences. 19 February 2019.
Worden et al. (2017): Reduced biomass burning emissions reconcile conflicting estimates of the post-2006 atmospheric methane budget.
Nature Communications. December 2017.
https://doi.org/10.1038/s41467-017-02246-0
[1] NOAA Earth System Research Laboratory Global Monitoring Division.
https://esrl.noaa.gov/gmd/ccgg/trends_ch4/
[2] Nisbet et al., 2019. Turner, Frankenberg, and Kort, 2019.
[3] Nisbet et al., 2019; Underwood, 2019.
[4] Jacobson et al., 2018. Nisbet et al, 2019. Turner, Frankenberg, and Kort, 2019.
[5] Dean et al., 2018.
[6] https://www.epa.gov/ghgemissions/overview-greenhouse-gases
[7] Lan et al. 2019.
[8] Lyon and Schwietzke (2019)
[9] Turner, Frankenberg, and Kort, 2019.
[10] Nisbet et al., 2019. Turner, Frankenberg, and Kort, 2019. Underwood, 2019.
[11] Nisbet et al., 2019
[12] Nisbet et al., 2019. Turner, Frankenberg, and Kort, 2019. Underwood, 2019.
[13] NOAA Earth System Research Laboratory Global Monitoring Division.
https://esrl.noaa.gov/gmd/ccgg/trends_ch4/
[14] NOAA AGGI, 2019
[15] Nisbet et al, 2019
[16] Turner, Frankenberg, and Kort, 2019
[17] Turner et al., 2019
[18] Nisbet et al., 2019. Turner, Frankenberg, and Kort, 2019. Underwood, 2019.
[19] Nisbet et al., 2019
[20] Nisbet et al., 2019. Turner, Frankenberg, and Kort, 2019. Massakkers et al., 2019. Worden et al., 2017. Howarth et al., 2019. Jacobson et al., 2018. Lan et al., 2019.
[21] Dean et al., 2018. Nisbet et al., 2019.
[22] International Energy Agency, 2017.
World Energy Outlook 2017. IEA Publications, Paris.
https://www.iea.org/newsroom/news/2017/october/commentary-the-environmental-case-for-natural-gas.html
[23] Shindell et al., 2017