“Agora aparece o cenário de pesadelo: uma nova pandemia de gripe suína poderia se sobrepor com a atual de covid-19, porque não se fez nada para mudar o sistema de criação animal e o sistema agrícola industrial que o sustenta, com extensas monoculturas, principalmente de transgênicos, cuja expansão é a principal causa de desmatamento e destruição de habitats. Pelo contrário, as empresas de agronegócios e criação animal tiveram abundantes lucros e até subsídios governamentais em vários países neste período”, escreve Silvia Ribeiro, pesquisadora do Grupo ETC, em artigo publicado por Alai, 08-07-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Eis o artigo.
Um estudo recentemente publicado alerta que uma nova cepa da gripe suína (H1N1) sofreu mutação, pode infectar humanos e está se expandindo em várias províncias da China. Mais de 300 trabalhadores de instalações de criação industrial de porcos deram positivo a esta cepa. Os autores advertem que o vírus poderia aumentar sua capacidade de transmissão para se tornar uma epidemia ou pandemia, tal como ocorreu com a gripe suína em 2009, a partir do México.
Em 29 de junho de 2020, um grupo de pesquisadores liderados pelo cientista Liu Jinhua, da Universidade de Agricultura da China, publicou os resultados de seus estudos sobre patógenos em porcos na China, na revista científica Proceedings of the National Academy os Sciences, dos EUA. Baseiam-se em 30 mil amostras tiradas de porcos, entre 2011 e 2018, de 10 províncias chinesas. Identificaram 179 vírus diferentes de gripe suína. Um trouxe especial preocupação, o denominado G4, uma combinação de três linhagens, entre elas a cepa H1N1, que com a mutação tornou-se transmissível a humanos, originando a pandemia de 2009. Em testes com furões, que mostram sintomas de gripe similares aos humanos, concluiu-se que essa cepa é “altamente infecciosa” e “causa sintomas graves” em animais, considerando-a de alto risco.
Nos últimos três anos de estudo, o grupo também recolheu amostras de trabalhadores de 15 granjas industriais e populações vizinhas: 10,4% dos trabalhadores e 4,4% de outras pessoas mostraram ter anticorpos contra G4 EA H1N1, indicador de que teriam sido infectados. A incidência entre pessoas de 18 e 35 anos foi de 20,5%.
Ainda que variantes da H1N1 tenham circulado por anos em vários continentes, a presença da doença causada pelo vírus G4 em porcos na China aumentou notavelmente desde 2014. Estima-se que a cepa já está na maioria das grandes instalações de criação de porcos, o que acelera a possibilidade de novas mutações para infectar humanos.
Ian H. Brown, chefe do departamento de virologia da Agência de Saúde Animal e Vegetal da Grã-Bretanha, um dos cientistas que revisou o artigo, afirmou que “Pode ser que, com uma maior mudança no vírus, este se torne mais agressivo nas pessoas, tal como fez o SARS-CoV-2”, causador da covid-19. Os cientistas sabem que esta cepa se replica com facilidade nas vias respiratórias humanas, e ainda que aparentemente não causem doenças graves em humanos, isso pode mudar “sem avisos”, já que o vírus G4 “tem todas as características essenciais para se tornar em candidato a vírus pandêmico”.
Como expliquei em artigos anteriores, o sistema agropecuário industrial tem um papel fundamental nas pandemias, inclusive na que estamos sofrendo atualmente, pelas condições de criação industrial de gado. São milhões de animais vacinados, geneticamente uniformes, com sistemas imunológicos muito debilitados.
Agora aparece o cenário de pesadelo: uma nova pandemia de gripe suína poderia se sobrepor com a atual de covid-19, porque não se fez nada para mudar o sistema de criação animal e o sistema agrícola industrial que o sustenta, com extensas monoculturas, principalmente de transgênicos, cuja expansão é a principal causa de desmatamento e destruição de habitats naturais. Pelo contrário, as empresas de agronegócios e criação animal tiveram abundantes lucros e até subsídios governamentais em vários países neste período.
Ao mesmo tempo, está em curso outra doença grave nos porcos, a peste suína africana (PSA), que dizimou populações suínas na China e na Europa. Embora esse vírus ainda não tenha sofrido uma mutação para infectar seres humanos, ele mostra as condições doentes da agricultura industrial. A China é o maior criador de suínos industrial do mundo e, devido à PSA, perdeu quase metade de seu estoque de suínos.
Paradoxalmente, isso, embora tenha afetado inicialmente a WH Group, a empresa chinesa que é a maior produtora de carne suína do mundo (proprietária da empresa Smithfield), a “escassez” aumentou significativamente os preços e a WH acabou obtendo mais lucros com a venda de seus porcos e importações vindo do Brasil, em acordo com o principal criador mundial de gado, a empresa JBS, de origem brasileira.
Os lucros dessas empresas carnívoras são tão grandes, porque terceirizam todos os custos das doenças que causam nos seres humanos, nos animais e no meio ambiente, que, mesmo em meio à atual praga e pandemia, continuam a fazer grandes negócios. Em vista do que acontece com a PSA, a WH Group, neste ano, fez vários acordos para transferir grande parte da suinocultura à Argentina, com um investimento de 27 bilhões de dólares até 2028. A Argentina passaria a criar de 6 milhões para 100 milhões anualmente de porcos, em 5-8 anos. A WH escolheu a Argentina por suas condições climáticas e pela proximidade de milhões de hectares de soja e milho transgênico, a base da alimentação industrial de animais.
Em vez de aumentá-lo, é urgente desmontar todo o sistema agrícola e pecuário industrial, uma máquina mortal para a produção de doenças de pessoas, animais e meio ambiente.
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