Monday 16 May 2022

África: corrida por pão e energia

 

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África: corrida por pão e energia

A guerra que está se consumando na Ucrânia tem graves consequências para todo o continente africano. E, se a escassez de alimentos está se tornando um problema social, a crise energética poderia servir de força motriz para aqueles países que são ricos em gás. Mas a que preço?

 

A reportagem é de Enzo Nucci, publicada em Settimana News, 15-05-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Os grandes e lotados mercados africanos são os fiéis sismógrafos que registram os tremores sentidos no continente pela invasão russa da Ucrânia. No Quênia, um pacote de farinha de trigo custava menos de um euro; com o início do conflito, chegou a um 1,5 euro.

 

Os comerciantes se lamentam de uma vertiginosa falta de clientes em coincidência com o início do Ramadã, quando todos fazem estoques para a ceia. Mesmo antes da guerra, estava em andamento nas redes sociais uma campanha para pedir que o governo interrompesse os aumentos de preços, já que a inflação está corroendo há muito tempo o poder aquisitivo.

 

Há dois anos, em Cartum, um sanduíche custava duas libras sudanesas; hoje disparou para 50 libras. O aumento dos preços do trigo e dos cereais ameaça arrastar a África subsaariana (que em 2020 importou produtos agrícolas no valor de quatro bilhões de dólares da Rússia e de três bilhões da Ucrânia) para uma gravíssima crise alimentar com um efeito dominó perverso.

 

Sudão (Fonte: Wikimedia Commons)

Sudão é justamente o país de maior risco, onde se espera que até o fim do ano quase metade dos 45 milhões de habitantes passará fome. Já hoje, um em cada três sudaneses precisa de ajuda. O golpe de Estado militar de 25 de outubro de 2021 fez a nação recuar no tempo, depois de sobreviver a 30 anos de ditadura islamista. A junta no poder é muito próxima de Moscou (há muito tempo presente no território com a sociedade Wagner, que recruta mercenários), mas certamente a Rússia e as Nações Unidas serão obrigadas a reduzir o envio das ajudas alimentares. Essa crise – segundo os analistas – fará crescer o abandono escolar, o trabalho infantil e os casamentos precoces.

 

No entanto, a fome de gás (uma consequência do conflito russo-ucraniano) está desviando a atenção da Europa para a África, que possui jazidas muito ricas. Paradoxalmente, a crise energética mundial poderia servir de força motriz para o desenvolvimento, transformando-se em uma oportunidade para a África.

 

Moçambique (Fonte: Wikimedia Commons)

Em Moçambique, estão concentradas 52% das reservas, seguido pelo Senegal e pela Mauritânia com 20% e pela Tanzânia com 12%. Mas também GabãoNigéria e África do Sul podem contar com boas reservas.

 

Antes da invasão da Ucrânia, os especialistas especulavam que a produção de gás na África dobraria até 2030. Diante da massiva demanda do mundo rico, no entanto, existem muitos obstáculos.

 

Nigéria (Fonte: Wikimedia Commons)

Acima de tudo, faltam as infraestruturas necessárias, porque não houve investimentos estrangeiros. As grandes potências se atolaram no debate planetário sobre o desenvolvimento das energias renováveis, o que fez diminuir a atenção às existentes. A Nigéria (que também é o maior produtor de petróleo do continente e o oitavo do mundo) pede há muito tempo financiamentos para a construção de um gasoduto transaariano para levar o produto à Argélia e depois à Europa.

 

Gasoduto Transsaariano, em vermelho (Fonte: Wikimedia Commons)

Nigal – esse é o nome do gasoduto – poderá se tornar uma artéria crucial para a distribuição de matérias-primas energéticas. Desde 2009, está prevista a construção de gasodutos, mas o que está travando a sua construção são disputas territoriais (como a que opõe o Níger à Argélia) e também condições de segurança problemáticas que, portanto, não garantem o investimento.

 

Há também problemas de segurança em Moçambique, onde a província setentrional de Cabo Delgado (rica em reservas de gás que se encontram no trecho de mar à sua frente) é abalada pela violência islamista que tem visado justamente os interesses das grandes companhias francesas, italianas e estadunidenses que atrasaram seu investimento de 50 bilhões de dólares em projetos ligados ao gás.

 

Incertezas semelhantes também são registradas na Nigéria, onde há anos existe um conflito de baixa intensidade ao longo do poluído delta do rio Níger, que opõe as populações locais às empresas envolvidas na extração.

 

Cabo Delgado (Fonte: Wikimedia Commons)

Mas nem tudo o que brilha é ouro. Relatórios documentados das organizações ambientais afirmam que os projetos extrativistas lançados em Cabo Delgado (onde estão concentrados cinco trilhões de metros cúbicos de gás, a nona maior reserva do mundo) têm o potencial de liberar no ar 49 vezes as emissões anuais de gases de efeito estufa de Moçambique e sete vezes as da França. Os estudiosos a rotularam como uma verdadeira bomba climática.

 

 

 

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