Friday, 3 August 2012

Alterações climáticas estão se tornando uma das maiores causas de migrações no mundo

revista fapemat
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Meio ambiente
Alterações climáticas estão se tornando uma das maiores causas de migrações no mundo
31/07/2012 12:44
Muitas vítimas do  terremoto que devastou o Haiti em 2010 acabaram se transformando em migrantes ambientais transfronteiriços.
O grande terremoto que atingiu o Haiti em 12 de janeiro de 2010 entrou para a história do Brasil: Zilda Arns, pediatra e sanitarista, fundadora e coordenadora da Pastoral da Criança, foi uma das vítimas da tragédia. Debaixo dos escombros de uma igreja em Porto Príncipe foi silenciada uma das mais fortes vozes na luta pelos direitos humanos, principalmente das crianças vítimas da pobreza e da fome.  Mas este não é o único motivo pelo qual nosso país está intrinsecamente ligado ao desastre que mudou a vida daquele povo para sempre.  Hoje, estão no Brasil cerca de quatro mil haitianos. Eles deixaram seu país depois do tremor.
Agora, eles fazem parte de uma categoria que está sendo chamada de migrantes ambientais transfronteiriços. O nome soa complicado, mas o conceito é simples. Trata-se de um grupo que é obrigado a deixar o país em que vive por causa de um problema ambiental.   Seja ele um terremoto, um tsunami ou até mesmo a elevação do nível do mar. Situações que devem se tornar cada vez mais comuns devido às mudanças climáticas globais. 
O relatório mais recente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), prevê para os próximos 50 anos a intensificação de secas extremas, ondas de calor e grandes tempestades. A previsão é que a temperatura na terra suba, no mínimo, 2,5º C. A professora Susana Borrás Pentinat, pesquisadora do Centro de Estudos de Direito Ambiental de Tarragona, na Espanha, cita em seus estudos que, somente em 2009, 245 desastres naturais afetaram populações do mundo todo.  Destes, 224 estavam vinculados direta ou indiretamente às alterações no clima.
As dificuldades que estas pessoas enfrentam ao perderem seu habitat vão além das necessidades imediatas - como alimentação e abrigo. Elas também estão fragilizadas do ponto de vista jurídico e este é o tema da pesquisa de Fábio Fiorenza, mestrando em Direito Agroambiental na UFMT, sob orientação do Professor Valério Mazzuoli, Pós-Doutor em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade Clássica de Lisboa. 
Atualmente, os atingidos por problemas ambientais não são amparados pela Lei de Refúgio.  Tanto que os haitianos receberam apenas asilo no Brasil. “Existe uma diferença entre refúgio e asilo, que é importante. Asilo o Estado concede porque quer conceder, em caráter ético e humanitário. Já o refúgio, uma vez que a pessoa se insira em determinados quesitos, o estado é obrigado a conceder”, explica Fábio, que também é Juiz Federal.
Quem já sofreu com a falta de água e precisou até se mudar temporariamente durante o período de estiagem vivenciou, de forma bem atenuada, uma migração ambiental.  No Sudão, esse problema é muito comum e as pessoas precisam caminhas milhares de quilômetros para conseguir água.
Na prática, os haitianos que estão aqui receberam um favor.  “O estado pode suspender o asilo quando quiser. Eles ganharam asilo com a condição de obter emprego dentro de um prazo. Para o refugiado, não existe essa ou outra imposição. Ele só é obrigado a voltar para o lugar de origem se as condições que o forçaram a fugir tiverem sido solucionadas”’, completa o pesquisador.
O Estatuto dos refugiados, mais conhecido como Convenção de Genebra, assinada em 1951, beneficia aqueles que sofrem perseguições por causa de religião, opinião política, nacionalidade, etnia ou pertencimento a grupo social. Esse conceito reflete bem o espírito da época em que o documento foi criado. Naqueles dias, a grande preocupação era em torno dos refugiados da segunda guerra mundial e a questão ambiental não estava em pauta.  “Na verdade, eu penso que deveria haver uma ampliação do conceito de refugiados não só para quem foge de causas relacionadas ao meio ambiente, mas para todos aqueles que, se permanecerem no mesmo lugar, vão ter seus direitos humanos ameaçados”, resume Fábio. Ele lembra que a América do Norte e a África já trabalham com uma definição ampliada, na qual também se insere como causa de concessão de refúgio situação de violação massiva dos direitos humanos, por causa de guerra civil ou conflitos internos.
Um novo contexto para uma história antiga
A condição de migrante ambiental não é novidade.  Todos nós, em maior ou menor grau, nos concentramos em lugares onde as condições são mais favoráveis à sobrevivência. Nos primórdios da humanidade, os grupos viviam da caça e da coleta e vagavam de acordo com a oferta de alimentos, por sua vez regulada pelo equilíbrio do ecossistema.  O Brasil tem inúmeros casos de pessoas nesta situação.  Os nordestinos que se mudam para o sudeste fugindo da miséria provocada pela seca são um exemplo.  Os moradores do interior do Rio de Janeiro vítimas das enchentes edeslizamentos de terra são outro.  
Um caso extremo aconteceu em 1981 quando a Ilha Pagan, que faz parte do arquipélago das Ilhas Marianas do Norte, no Oceano Pacífico, teve que ser completamente evacuada devido à possibilidade de uma grande erupção vulcânica.  Localizada no encontro entre a placa tectônica do Pacífico e a das Filipinas, ela tem dois vulcões ativos e continua desabitada até hoje. 
Segundo a Universidade das Nações Unidas, os principais problemas ambientais que levam as pessoas a migrar são esgotamento do solo, desertificação, terremotos,  furacões e grandes enchentes, como as que ocorreram em meados de julho na ilha de Kyushu, no sudoeste do Japão e forçaram milhares de pessoas a deixarem suas casas.
Várias instituições buscam estimar quantos são os refugiados ambientais no mundo atualmente.  O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) calcula que sejam 25 milhões de pessoas – é o equivalente a quase toda a população do sul do Brasil. O pesquisador Filipe Duarte dos Santos, professor catedrático naFaculdade de Ciências da Universidade de Lisboa avalia que este número pode subir para pelo menos 150 milhões nos próximos quarenta anos. Para se ter uma idéia da grandiosidade deste número,segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, o Brasil tem hoje 190 milhões habitantes.
O que transformou essa realidade em questão para o direito internacional foi justamente o fato de que agora muitas pessoas chegam ao ponto de precisar deixar seus países devido aos problemas ambientais.   O tsunami de 2004, que atingiu a Indonésia, fez estragos também no sul da Somália, deixando 50 mil desabrigados e deflagrando uma epidemia de cólera, que durou meses. Para muitos habitantes do país, a única saída foi migrar para nações vizinhas, onde poderiam encontrar melhores condições de vida.   Só que nessa alternativa eles continuam sem a situação jurídica consolidada.
Há até mesmo países que devem desaparecer.  Com a elevação do nível dos oceanos, devido ao derretimento do gelo polar, a previsão é que Tuvalu e Kiribati, na Oceania, sejam engolidos pelas águas nas próximas décadas.   No total, cerca de 115 mil pessoas ficarão, literalmente, sem seus países. O mesmo deve acontecer com as Ilhas Maldivas, no oceano Índico, que tem hoje quase 300 mil habitantes. “As pessoas estão sujeitas a ficarem sem pátria e essa é uma condição que afronta os direitos humanos por si só”, ressalta Fábio.
O governo de Kiribati já anunciou que pretende comprar terras em ilhas vizinhas para reconstituir seu país.  É outro problema que não está previsto em lei e tem potencial para criar grandes conflitos.  Uma nação constituída dessa forma seria uma organização fictícia, pois teria apenas uma relação de propriedade com a terra e não de soberania.  Em última instância, precisaria ser submetida às leis e ao governo do lugar onde comprou o terreno. “Dificilmente, eu penso, um país aceitaria vender suas terras assim, pois isso ameaça a segurança nacional. Eu acredito agora que essas pessoas deveriam ter o direito de se deslocar para um outro país e ganhar a nacionalidade de forma mais simplificada”, argumenta Fábio.
As dificuldades para encontrar responsáveis
O livro “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, lançado em 1938, já mostra um triste registro da vida de quem é obrigado a deixar sua terra devido a problemas climáticos.  A história de sofrimento de uma família de retirantes nordestinos, que migra em função da seca, virou filme pelas mãos do cineasta Nelson Pereira dos Santos. 
No século passado, eventos climáticos extremos como os tsunamis, furacões e grandes enchentes aconteciam em intervalos de tempos maiores.  Atualmente, estes fenômenos são registrados com muito mais frequência. Para a ciência, a interferência humana é uma das grandes responsáveis por essa situação, devido ao aumento da emissão de gases do efeito estufa – provocada, entre outras coisas, pela queima de combustíveis fósseis e o desmatamento. 
Por isso, o labirinto jurídico não fica por aí.  Muitos países prejudicados pelo aquecimento global praticamente não emitem poluentes – como é o caso de Kiribati e Tuvalu.  A pergunta é inevitável: de quem é a culpa? “No caso da mudança climática, são os países industrializados que mais contribuem, mas quem sofre as consequências de forma mais severa são os países em desenvolvimento. Existe uma situação de injustiça”, expõe o pesquisador.
Já houve casos em que a questão foi levada à justiça.  Em 2007, o Estado de Massachusetts, nos EUA, processou a Agência de Proteção Ambiental por falhar na missão de regular a emissão de dióxido de carbono pelos automóveis. Segundo os autores da ação, as mudanças climáticas já estavam causando uma erosão séria na zona costeira e esse problema continuava se agravando devido à falta de ação da agência.  Apesar de todos os recursos da Agência, a Suprema Corte norte-america decidiu em favor do governo de Massachussetts, determinando que o órgão cumprisse seu papel regulador efetivamente.
Este é outro motivo para que o direito internacional se envolva no caso.   Para Fábio, apesar da tese de que as atividades humanas contribuem para as mudanças climáticas ser globalmente aceita, juridicamente seria muito difícil provar, por exemplo, que o aumento das chuvas de monções na Índia foi causado pelo aquecimento global. Mais complicado ainda seria determinar qual emissão de poluentes, de qual país, foi responsável pela alteração.  O que ele propõe é uma solução compartilhada entre todos.  “Eu acho que um sistema muito melhor do que a responsabilização direta de alguém é a criação de um fundo. Um seguro mundial em que quem mais contribui com a emissão de gases do efeito estufa, paga mais”, explica.  Esse dinheiro seria utilizado para ajudar países destruídos por catástrofes ambientais ligadas a esse problema.
Outra utilidade do fundo seria compensar financeiramente países que recebessem esses migrantes ambientais transfronteiriços.  Afinal, muitas nações se recusam a dar asilo ou refúgio para estas pessoas por questões econômicas.  São pessoas fragilizadas, que perderam tudo e dependem fortemente do amparo do Estado. “Dessa forma haveria uma solidariedade global, planetária, com os refugiados ambientais e com as consequências das mudanças climáticas”, avalia Fábio. 
Justiça internacional: com balança e sem espada
Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR)reconhece a precariedade destes grupos, mas ainda não considera que seja necessária uma revisão no Estatuto de Refugiados.  No entanto, o Brasil pode efetuar mudanças na lei para reconhecer os migrantes ambientais transfronteiriços como refugiados.  Para Fábio, essa ação colocaria o país na vanguarda da questão ambiental.
No caso do resto do mundo, no entanto, não existe um órgão acima dos países, que os obrigue a cumprir qualquer lei internacional.  “O Brasil pode criar sua regulamentação no âmbito doméstico, como a Suécia criou. O país aprovaria uma lei que reconhece que as pessoas que fogem dos seus países por causas ambientais vão ser admitidas no Brasil na condição de refugiados”.
No âmbito mundial, as sugestões do pesquisador poderiam integrar um acordo, do qual os países interessados se tornariam signatários.  Mas se algum país decidisse descumprir a regra não haveria um instrumento de punição – apenas sanções ou ações de repúdio que outras nações poderiam adotar.  “A gente tem a imagem da justiça com uma balança e uma espada nas mãos. A balança serve para medir o que é certo. A espada serve para fazer valer essa decisão. Ou seja, no Brasil, o judiciário decide e tem o poder para fazer cumprir. No plano internacional, só existe a balança, não existe a espada”, conta.
Uma questão humanitária
O termo “refugiados ambientais” foi usado pela primeira vez em 1985, em um artigo de mesmo nome, de autoria do professor Essam el-Hinnawi, do Centro Nacional de Pesquisas do Egito, no Cairo.
A terra em que se vive não é só um lugar de onde se tira o sustento e se encontra abrigo.  Por isso, os refugiados também sofrem com a perda cultural. “Há vários grupos sociais que têm a construção de suas identidades ligadas, de forma especial e intrínseca, com o ambiente a que pertencem. Em Mato Grosso, podemos citar, como exemplo, os povos pantaneiros, mimoseanos e ribeirinhos. Eles têm até mesmo suas respectivas denominações em referência aos ecossistemas/lugares que habitam”, avalia a pesquisadora Regina Silva, doutora em ecologia pela UFSCar e professora do Programa de Pós-graduação em educação da UFMT, que realizou um mapeamento das identidades e territórios de Mato Grosso (link para a matéria). 
O estudo detalhou como os impactos ambientais alteram os ecossistemas e, além de deformar as paisagens, acabam interferindo nas identidades dos grupos sociais que têm o seu modo de vida estritamente dependente dos ambientes naturais que habitam. “Discutimos e apresentamos exemplos de que, na alteração desses ambientes, perde-se diversidade biológica, mas também as diferentes culturas e as múltiplas formas de convívio com a natureza. É a alma, a cultura, a identidade individual e coletiva destas pessoas que estão sendo destruídas”, reforça Regina.
A questão é, acima de tudo, humanitária.  A julgar pelo texto da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, os refugiados ambientais – transfronteiriços ou não – podem se enquadrar no artigo XXV, como pessoas para as quais cessou o direito “... a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar...” e à segurança, inclusive em casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias que fujam ao controle humano. Por enquanto, cabe a cada país escolher a maneira como vai lidar com essa nova realidade.
Mas tratar com dignidade os refugiados ambientais é só uma parte da solução.  Dar proteção legal a estas pessoas é reconhecer também que estamos diante de um problema muito maior: o consumo desequilibrado dos recursos naturais está tornando o planeta um lugar menos receptivo para os seres humanos.  Sem mudanças efetivas no modo como nos relacionamos com a natureza, em breve, todos nós poderemos nos tornar migrantes ambientais e com um agravante: sem nenhuma perspectiva de encontrar um lugar que possa nos oferecer o mesmo nível de conforto que a Terra ainda nos proporciona, na maioria dos países.

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