Thursday 16 August 2012

Cultivo que gera vida

revista da fapemat
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Pesquisa
Cultivo que gera vida
15/08/2012 11:20
A energia que já faz parte do ambiente pode potencializar a produção de alimentos.
Segundo dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), até a metade do século a população mundial deverá atingir a incrível marca de 9 bilhões. Aestimativa é de que 80% dessas pessoas viverão nas grandes cidades. Os números apontam ainda que cerca de 80% das terras férteis de todo o mundo já estão em uso. A agricultura vem se preparando para isso, investindo maciçamente em pesquisa científica. Já vimos como as Fazendas Verticais podem contribuir para a solução do problema de abastecimento nas metrópoles.
As Fazendas Verticais se apresentam como uma solução para as áreas urbanas, mas podem ser um investimento desnecessário e pouco rentável para a região rural, além de não se encaixarem na paisagem. Por isso, outra técnica de cultivo tem se tornado atração entre os defensores da agricultura sustentável: o Sistema Agroflorestal (SAF).  Este método pode ser definido como a combinação de cultivos simultâneos e/ou consecutivos de espécies arbóreas com culturas agrícolas, hortaliças, frutíferas e mesmo a criação de animais.
“Quando você olha para uma floresta, como os organismos vivos se desenvolvem nesses sistemas? Existe uma lógica da diversidade, da sucessão de espécies, onde cada ser vivo tem uma função, um período de vida, um local onde melhor se desenvolve. A diversidade e a interação desses seres vivos, que é o modelo natural, podem ser potencializadas pela ação do homem, a partir da observação da natureza. Não é um modelo de monocultura”, explica o professor Oscar Sampaio, mestre em engenharia de alimentos pela Unicamp, professor da UFMT, coordenador do setor de Tecnologia Social e Economia Solidária do Escritório de Inovação Tecnológica (EIT).
Mais do que orgânico: natural
O grupo Semente, que é incubado no Escritório de Inovação Tecnológica (EIT) da UFMT, oferece cursos para pequenos agricultores aprenderem a utilizar o sistema.
No sistema agroflorestal busca-se reutilizar toda a energia que está disponível no ambiente para produzir mais energia. Os insumos para esse tipo de plantio são retirados da própria floresta. Para isso, os agricultores fazem um manejo cuidadoso, mantendo o chão constantemente coberto por uma camada de folhas, que serão decompostas para enriquecer o solo com nutrientes. Uma das formas desse trabalho é intrigante: o primeiro canteiro que o fazendeiro faz é de capim – que seria considerado erva-daninha. Após completar seu crescimento, esse capim será cortado e espalhado sobre o terreno, onde será decomposto e enriquecerá o solo para as plantas em desenvolvimento. A cobertura do solo ainda reduz a troca de carbono com a atmosfera, reduzindo as emissões de gases do efeito estufa. Isso é o homem reproduzido o que acontece naturalmente nas florestas.
“Quando falamos em produto orgânico, falamos em substituição de insumos. Quer dizer, se na agricultura tradicional você pode utilizar insumos químicos, na agricultura orgânica tiramos os insumos químicos e só utilizamos insumos produzidos em processos naturais. Quando pensamos em sistemas agroflorestais, é mais do que substituição de insumo. É outra lógica de produção. É um valor superior ao de um produto orgânico, porque além de não utilizar produtos químicos, traz-se outra lógica de desenvolvimento local, de redução de gases do efeito estufa, economia de energia. São outros conceitos que agregam mais valor do que uma simples produção orgânica”, explica o prof. Oscar.
Estudos da Embrapa, realizados no Centro de Pesquisas Agropecuárias do Pantanal e no Centro Nacional de Pesquisa de Florestas, apontam ainda que os sistemas agroflorestais serão mais produtivos se puderem gerar maior lucro por hectare, devido à sua diversidade. Dentro destes sistemas a maior despesa é a mão de obra (aproximadamente 47% do total), que é totalmente humana. Se considerarmos sua aplicação na agricultura familiar, a rentabilidade do sistema é ainda maior, pois não haverá a necessidade de pagar pelo trabalho. Além disso, o produtor fica menos vulnerável às oscilações do mercado, pois produz uma larga variedade. Assim, se o preço da banana cai, ele pode compensar vendendo maçã ou abacate.
O sistema agroflorestal respeita os ciclos da natureza e ganha com isso.
As atividades agroflorestais também são menos vulneráveis aos riscos climáticos – a presença de árvores reduz os efeitos de ventos e fortes chuvas –, enriquecem o solo e diminuem os efeitos de erosão (também devido à presença das árvores), que facilitam a penetração da água no solo. Além disso, as pesquisas apontam sua utilidade na recuperação de áreas degradadas, aliando produção à conservação, recuperação, manutenção e ainda certa melhoria da qualidade dos recursos naturais.
Outra vantagem é que, também devido à diversidade, essas culturas são mais resistentes a doenças. A Dra. Daniela Thiago, especialista em microbiologia dos solos, explica que essa variedade de plantas possibilita uma melhor interação entre os organismos, diferentemente do sistema tradicional, pois “quando você faz cultivos muito grandes você pode ter um desequilíbrio no solo, presença de certa bactéria em detrimento de outra, fungo ou nematoide e até mesmo da planta”.
Outras doenças são evitadas por meio do manejo adequado. Assim, nos sistemas agroflorestais tudo o que se produz é resultado apenas da manipulação da terra, sem a introdução de novos elementos estranhos ao ambiente, o que gera um alimento mais saudável. Esse manejo consiste em fornecer às plantas o cuidado específico que cada espécie necessita. A bananeira, por exemplo, precisa ter as folhas secas removidas para evitar a ocorrência de algumas doenças. Outros fatores importantes são:  atenção à irrigação e à adubação correta do solo, que deve ser realizada sempre de forma orgânica, através da compostagem dos resíduos.
“O produtor fazia isso, na prática, antes da Revolução Verde. Houve o desenvolvimento da tecnologia [durante a II Guerra Mundial] e no pós-guerra começou a utilizar os diversos produtos químicos que foram desenvolvidos naquela época. A agricultura tradicional pensa só em três elementos, o NPK – Nitrogênio, Fósforo e Potássio, os principais nutrientes para as plantas – e a natureza, se formos observar, vai muito além. Então o conceito do sistema agroflorestal é justamente o de utilizar a energia disponível no local, fazendo a ciclagem dos nutrientes no ambiente”, explica o prof. Oscar.
 
Criando Vida
O melhor exemplo d o potencial regenerativo dos sistemas agroflorestais talvez seja o caso do suíço Ernst Götsch. Tendo conhecido o Brasil a convite de um aluno, Götsch se mudou com a família para o país em 1982, quando adquiriu uma propriedade de 480 hectares em Piraí do Norte, na zona cacaueira da Bahia. Na época, a área era considerada improdutiva devido ao manejo inadequado, sendo a maior parte utilizada como pastagem.
Após anos de preparação da área, Götsch conseguiu recuperar a fertilidade do solo. Seu foco era o plantio de cacau, espécie que precisa ser cultivada à sombra, ficando muito vulnerável a doenças se plantada em pleno sol. Para produzir essa sombra, Götsch cultiva frutas cítricas, abacate, cupuaçu, entre outras espécies.Hoje, sua floresta é altamente produtiva, sendo que grande parte da área é considerada RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural).  Além de cuidar da propriedade, atualmente Götsch viaja pelo Brasil e pelo mundo dando palestras e cursos sobre o Sistema Agroflorestal.
“Visitei a propriedade do Ernst Götsch, que é nosso mestre, e fiquei maravilhado com o que encontrei lá. Quando ele comprou essa área, não tinha nem água. Quando o visitei tinha 26 nascentes, inclusive com córregos, dentro da sua propriedade. E ele pagou a propriedade de 480 hectares com frutas secas, em três anos e meio”, conta o produtor Eloir Antônio Bernardon, 66 anos, que resolveu utilizar o sistema após esta experiência.
O produtor agroflorestal Eloir Bernardon apostou na  técnica depois de conhecer o trabalho de um pioneiro na Bahia.
Eloir era funcionário de uma multinacional e decidiu abandonar a carreira para comprar uma propriedade em Chapada dos Guimarães, onde começou a viver como um agricultor ecológico. Após 17 anos de agricultura, tendo experimentado diversas outras técnicas, Eloir conheceu o sistema agroflorestal, em 2002. Desde então tem viajado o país pesquisando sobre o assunto, visitando cursos e propriedades. Ele também ministra cursos e palestras sobre o tema, através do Grupo Semente, uma organização de interessados nas agroflorestas. Atualmente, o grupo é uma das iniciativas incubadas no Escritório de Inovação Tecnológica da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
“A hora que o pessoal da monocultura descobrir que a agroflorestal é muito mais lucrativa, penso que teremos uma mudança significativa [no meio de produção]. Pode demorar um pouco, mas vai acontecer”, diz o esperançoso o agricultor.
A pesquisa sobre os sistemas agroflorestais ainda está começando. O movimento vem tomando força por iniciativa dos produtores, com alguns casos de sucesso, mas ainda é muito tímido. Hoje os sistemas agroflorestais são uma grande aposta para a agricultura familiar, pois é uma técnica barata e não deixa o pequeno produtor vulnerável às variações do mercado, já que a produção é diversificada. No futuro, pode representar uma importante carta nas mãos da humanidade, gerando emprego e renda no campo, mitigando os efeitos do aquecimento global e garantindo a segurança alimentar.

Gabriel Soares / Imagens: Dafne Spolti – EIT(UFMT) / Infográfico: Gabriel Soares


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