Thursday 23 August 2012

Áreas úmidas desprotegidas

revista fapemat
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Conbrau
Áreas úmidas desprotegidas
21/08/2012 12:41
Apesar de serem reconhecidas como berços da vida, as áreas úmidas ainda não contam com uma legislação específica de proteção no Brasil.
O novo Código Florestal Brasileiro, com suas atuais revisões, Lei nº 12.651 de 25 de maio deste ano, pode representar um grande vilão para as áreas úmidas (AUs) do país. Esse assunto foi amplamente discutido durante o Congresso Brasileiro de Áreas Úmidas (Conbrau), realizado em Cuiabá entre os dias 8 e 10 de agosto. O doutor Wolfgang J. Junk7, pesquisador da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), norteou as discussões e apontou os retrocessos que o atual Códig traz para as áreas úmidas (AUs).
Wolfgang ressalta, antes de tudo, os inúmeros benefícios que as áreas úmidas proporcionam ao planeta. As AUs permitem a limpeza da água e a recarga do lençol freático, além de serem responsáveis pela regulação do clima local, dos sistemas hidrológicos e dos ciclos bioquímicos e de estocagem de carbono. Favorecem, ainda, a manutenção da biodiversidade, sendo habitats para inúmeras espécies de plantas e animais. Esses sistemas também fornecem meios de vida para populações humanas tradicionais, com a pesca, agricultura de subsistência e produtos madeireiros e não madeireiros.
Porém, a nova Lei reduz as áreas de preservação permanente ao longo de rios e tem uma interpretação de que a proteção desses locais deve estar baseada nos níveis mais baixos de água, ou seja, nos períodos de seca. Segundo Junk, essa leitura pode acabar com as AUs do Brasil. “As áreas úmidas são as margens inundáveis ao longo dos rios. Se levarmos em consideração apenas o nível mínimo destruiremos toda a região que inunda e, com isso, acabaremos com as AUse a biodiversidade que habita nelas. É mesma coisa que alterar a paisagem do Pantanal pensando apenas na época de seca”, aponta.
As AUs podem ser as áreas planas com uma drenagem fraca, onde a chuva cai e inunda o local, formando grandes poças que demoram a secar. As áreas úmidas também são formadas por locais que são inundados por meses com água de chuva. Com exemplo desses sistemas temos as várzeas, os igapós, os campos úmidos, as veredas e os brejos. Nessas regiões, quando chega a seca, a água vai escoando vagarosamente para os rios, reabastecendo também os lençóis freáticos. Portanto, as AUs são formadas pelas fases de seca e cheias, e, segundo o pesquisador, enquanto não levarmos todo o sistema em consideração, acabaremos fazendo escolhas erradas de preservação.
Junk ressalta que as áreas úmidas cobrem entre 8,3 e 10,2 milhões de km2da superfície do mundo inteiro. Na América do Sul, elas representam 20% da cobertura do solo, sendo que no Brasil as AUs estão presentes em todos os biomas. “Nós temos uma imensa representação dessas áreas, sabemos da sua importância e não temos nenhuma legislação que as cubra de maneira adequada. Falta uma definição do que são áreas úmidas e as utilizações das AUs deveriam ser inseridas na Lei. As terminologias devem considerar, principalmente, o nível mais alto de cheia do ano”, acrescenta o pesquisador.
Esses sistemas estão sujeitos a uma série de outras ameaças, como a mudança das características das AUS em áreas voltadas para a agropecuária e construção civil. A poluição por esgotos e resíduos particulares domésticos, industriais e de mineração também se tornam um problema. Outra ameaça é a construção de hidrelétricas, que modificam a dinâmica das águas, interrompendo a ligação entre as áreas inundadas e os rios e alterando o fluxo de inundação rio abaixo. A construção de hidrovias e diques e a exploração indevida dos recursos naturais também causam danos.
Segundo o cientista, uma mudança que pode ser notada com a destruição das AUs são as alterações do clima global a médio e longo prazo. “Nos últimos anos percebemos secas e inundações extremas. Se pegarmos a oscilação de água podemos verificar que, nos últimos 10 anos, tivemos um acumulo de enchentes muito altas. Porém, nós não podemos confirmar 100% que isso corresponde às mudanças nas AUs. De qualquer forma esse é um ponto que devemos levar em consideração, porque todo o ecossistema depende da água. Caso não tenha água o ecossistema se altera” afirma Junk. Outro risco é que, sem as AUs, menos água é reabsorvida para o lençol freático – ocasionando desabastecimento.
Porém, para o pesquisador, todas essas ameaças estão ligadas a uma maior, que é a falta de uma legislação específica para as áreas úmidas brasileiras. Para ele, uma nova Lei deveria se basear em conhecimentos científicos mais recentes e que incluam o manejo sustentável das Aus. “Tem cálculos recentes que apontam que todo o lucro conquistado pela China não será suficiente para recuperar os danos ambientais causados no país. Nós não precisamos entrar nessa corrida. Se desenvolvermos uma legislação que respeite o meio ambiente e investirmos um pouco mais poderemos diminuir os problemas e as ameaças do Brasil”, aponta Junk.
O pesquisador ainda defende que o uso de áreas alagáveis deve se restringir às comunidades ribeirinhas, indígenas e tradicionais. Essa atuação deveria ser regulamentada por meio de Portarias, de acordo com o conhecimento científico a disposição. “Eu não acho, com a diversidade de habitats existentes, que grandes indústrias deveriam entrar nas AUs. Isso seria um fracasso, devido ao uso de pesticidas e fertilizantes em grandes quantidades, Com a existência destes produtos nas áreas de inundação, na época da cheia eles serão levados pelas águas e poderão acabar com o estoque pesqueiro. Então deveríamos pensar bem quem deveria utilizar essas áreas”, acrescenta.
Segundo o pesquisador, o processo político em andamento indica que as propostas levantadas terão poucas chances de serem incorporadas ao Código Florestal. Ele acrescenta que este não é um motivo para frear os esforços dos cientistas na luta por uma legislação especifica para as AUs brasileiras. “O Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Áreas Úmidas (INAU), que tem sede em Cuiabá, está tomando a liderança na discussão sobre esse tema. O próximo passo é montar um grupo de trabalho com a tarefa de elaborar um rascunho que discuta as definições e propostas sobre esse sistema. Depois nós vamos circular esse papel técnico e divulgar para a sociedade e os políticos. O principal objetivo disso é criar uma grande discussão pública sobre essas questões, tudo para elaborar propostas que criem a base de uma política moderna para as AUs”, afirma.
Adrielle Rodrigues / Foto: Wild Life Conservation Society


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