Sunday, 14 April 2013

ANDRÉ MANFRINATE Relatório de Campo – PIBIC/2013

ANDRÉ MANFRINATE


Relatório de Campo – PIBIC/2013
Viagem a São Pedro de Joselândia – 05 a 08 de abril.

André Manfrinate, Regis Paiva e Evelyn. (Foto de Michèle Sato, 2013).



Viajando pela segunda vez com o grupo GPEA, voltei para a comunidade de São Pedro de Joselândia, um novo contato com a região do Pantanal Matogrossense.
Em tal impressão, pelo trajeto fui percebendo a mudança, em contraste com a primeira viagem feita – na época da seca – criada com a chegada da cheia. No primeiro dia, todos do grupo estivemos na Escola Estadual Maria Moura, que é a única da comunidade.
A ESCOLA
Em reunião do GPEA com o corpo docente da escola, houve uma interessante abordagem dos trabalhos que vieram a ser feitos no dia sequente àquele em questão, e uma gostosa conversa. Observamos que muitos projetos de gestão ambiental estão sendo criados, constantemente, em diálogo com as pesquisas da academia, em São Pedro, pelos professores locais.
Em diálogo sincero, o corpo docente narrou a dificuldade enfrentada por eles para trazer materiais e estrutura ao local de ensino. Dificuldades físicas e também de ordem financeira. Uma reflexão surgiu de Benedita Luciana, diretora e também professora da escola, seus dizeres foram no sentido que: “As leis não são feitas pensando na educação do campo”.
O que deseja Benedita, ao afirmar isso, transmitir? É a pergunta que me faço. Em diálogo com o grupo, ela explica que os órgãos pertencentes ao executivo dificultam, através da burocracia, na execução dos projetos e no andamento das atividades escolares, bem como agem com negligência para os problemas que a mesma enfrenta.
O reforço vem com Seu Paiva, afirmando que a presença física dos tomadores de decisão por vezes ocorre, mas em verdade, nada de eficiente emana dessa alegoria - Havia um requisito para a possibilidade de construir uma quadra de esportes: 500 alunos, sendo que a escola Maria Moura tem cerca de 300 – ofícios são requeridos, e a escola os emite, contudo, o resultado não aparece, e a escola permanece desamparada. De tal forma, a falta de preparo e estruturas também espantaria os professores.
Neste quadro apresentado, contudo, eis que surge na fala de seu Paiva, a revelação de que tem sempre, com seus alunos, uma relação de respeito e amizade. Juntamente com a religião, consegue sempre manter os estudantes na busca do aprendizado. Diz ele “meu sangue é que é bom”. Revela que seus alunos tem honestidade, não furtam, não tomam as coisas dos coleguinhas; é algo que vem sendo ensinado desde os primeiros anos para o futuro da comunidade.

Dita Luciana infere que a comunidade também colabora com a escola. O que se precisa e é possível se fazer, o povo faz. Porém, conforme o ciclo das águas no Pantanal, não foi possível elaborar um calendário que atendesse às necessidades da comunidade, então, essa ajuda é contínua, vez que muitas vezes as crianças têm pouco acesso à escola. Ela mesma abriga duas alunas que moram longe, para poderem estudar.

A respeito da perspectiva de melhora com a educação, para os professores, muitos dos alunos não a tem; existe a expectativa da volta ao trabalho na horta, no plantio, o que leva, muitas vezes, ao desinteresse na escola.
Em contrapartida, a memória da comunidade de São Pedro, por diversas vezes foi abordada aos alunos, em reconhecimento à sua própria história, geografia, etc. Um livro foi gerado como produto dessa abordagem, com as histórias de Joselandia. O corpo docente porém alerta: Cada comunidade ( São Pedro, Retiro, Pimenteira) tem sua própria história, e os pesquisadores se atém às histórias de São Pedro.
A dinâmica de acompanhamento do filho na escola, dos comunitários, e sua relação com os professores é interessante; por vezes, a conversa se dá em ambiente informal, na rua mesmo, encontrando as pessoas no dia a dia. A facilidade de contato entre as pessoas na comunidade reflete na escola.

Os professores também reclamam a respeito das novas tecnologias, que distraem os alunos. Eis que traz a intervenção a Professora Michèle, no sentido de reflexão, apresentando exemplos de professores que sofrem, e que tem sucesso no uso da tecnologia na educação.
Em tal ocasião, para mim muito proveitosa, pude ter o primeiro contato desta segunda viagem, com toda uma abordagem referente a escola, com inúmeros temas. Aproveitando-me da situação, consigo uma rápida conversa com Seu Paiva, juiz de paz da região, e que adora uma boa conversa.

Reunião com os professores (Foto de Lúcia Shiguemi Kawahara, 2013).




PROFESSOR PAIVA

Em diálogo, Seu Paiva vai me passando uma rápida noção da organização da comunidade. O comércio da comunidade é de fato, informal. Além do regime de trocas, os preços são combinados pela tradição – sempre custou R$ 2,00 reais o saco de arroz, e assim vai continuar, é o preço que as pessoas compram – e o que não se compra, é porque se planta; persiste a agricultura familiar para muitas casas, todavia, produtos que faltam vem de fora, como açúcar.
Perguntado sobre a criação do asfalto na comunidade, ele fala que pode ser prejudicial; a tranquilidade que se tem em São Pedro será comprometida.
Ultimamente, alguns roubos haviam acontecido na região, em influencia daqueles que vem de Cuiabá – moram na região, mas trabalham na capital, ou em Barão. Como não há policiamento, é Seu Paiva que interfere em situações delicadas como aquelas. Trabalha a mediação – recurso que é pouco utilizado no judiciário brasileiro, o que faz surgir o afogamento dos tribunais em processos que poderiam ser resolvidos com a conversa, com o acordo – e se vale do que chama o poder da amizade. Isso assegura à comunidade sua calma e harmonia, evitando conflitos maiores e a necessidade de procurar a jurisdição estatal.
Pelo dia seguinte, encontrei o professor Pedro, também da escola Maria Moura, que gentilmente, concedeu entrevista para falar da comunidade.

PROFESSOR PEDRO

            Professo Pedro vem a contar um pouco sobre a formação de São Pedro de Joselandia, que foi criada por posseiros e, com a permanência dos mesmos por gerações, famílias inteiras formaram a vila.
            Na comunidade, assim, não existe hoje uma figura de liderança, as reuniões são feitas com todos os moradores da região, que expressam sua opinião e sugestões. A estrada que pretendem criar, segundo o professor, foi ideia que nasceu no seio da comunidade.
            Na fala do professor, uma fala se destaca: A agricultura familiar, tradicionalmente utilizada pela comunidade, veio dando espaço para a criação de gado, o que possibilitou o surgimento de certos conflitos, como o de apropriação de gado, de um dono para outro, além de algum roubo de terras, que de vez em quando aparece. Observamos aí que a dinâmica de resolução de conflitos da comunidade tende a ser alterada, na medida em que as leis comunitárias, adaptadas para a economia familiar não consegue dar conta de certos empecilhos que surgem com a pecuária e a monocultura, que começam a ser utilizadas.
            Saindo do ambiente da escola, juntamente com as pesquisadoras Rosana e Lúcia, fomos à casa dos festeiros Seu Gonçalo e Dona Maria, na qual tive oportunidade de participar, na viagem anterior, da festa de São Cosme e Damião, em 2011, e que neste ano pretendem fazer a festa de São Pedro!
            SEU GONÇALO
            Na casa de Seu Gonçalo, conversamos sobre as festas de Joselandia, revelando ele que este é o símbolo da comunidade.
            Quando se faz a festa, devem-se contratar pessoas para ajudar, mas no caso de Seu Gonçalo, o contrato é assinar seu caderninho. No caderno se fazem todos os registros de gastos e a pagar. Ele também demonstra que nem sempre as coisas são pagas com o dinheiro; pode ser feito pela amizade, uma ajuda aqui, uma ajuda ali; quem tem amizade tem mais que dinheiro.
            Sobre o material utilizado nas festas, em especial, a madeira, ele fala que são poucas aquelas retiradas da mata. Só se retiram as chamadas “brancas”, vez que as “de lei”, que são as verdes, não se pode retirar. A polícia multa caso estas árvores sejam retiradas.
            Para ganhar um dinheirinho, Seu Gonçalo, juntamente com seus filhos faz estribos, arreios, equipamentos para cavalos, entre outras coisas, para vender. O preço que cobra é de acordo com o que se possa pagar, afinal, diz ele, se for muito caro, ele fica sem trabalho, porque ninguém irá comprar. Dona Maria interfere falando que deveria sim cobrar mais caro, para dar mais valor ao trabalho feito, que é muito bonito – esta forma de valoração e preço destoa daquela definida por Karl Marx em “O Capital”, como sendo do capital financeiro, que conta para o custo da coisa o tempo de serviço, a matéria prima utilizada e a mais-valia, bem como o lucro que se pretende atingir.
            Após a conversa, nos despedimos de Dona Maria e Seu Gonçalo, e retornamos para a escola, onde pude conversar com Benedita Luciana e Ricardo, participantes da organização e gestão da escola.

Lushi, Seu Gonçalo e André (Foto de Rosana Manfrinate, 2013).

DIRETORA BENEDITA LUCIANA
            Como diretora da escola, ela comenta acerca da importância que se deve dar à escola de modo geral, inclusive estruturalmente. As condições de trabalho a qual se encontram por vezes traz desmotivação aos professores, o que reflete no ensino e nos alunos. A questão do trabalho no campo faz também com que muitos meninos abandonem mais cedo a escola, fazendo com que haja um numero superior de alunas estudando.
            Em questão sobre a convivência na comunidade, ela afirma que é pacífica. Algumas vezes, ocorrem brigas por apropriação de gado alheio, o dono briga com quem pegou, mas logo estão de bem, e ainda nem devolvem o gado, fica por isso mesmo, sem ressentimentos ou mesmo nova rixa pelo mesmo motivo.
            Após a conversa com Benedita, falei com o professor Ricardo, que me abordou alguns pontos de São Pedro.
            PROFESSOR RICARDO
            Perguntado sobre como os projetos teriam começado na comunidade, ele revela que é fruto da influencia dos pesquisadores, que trouxeram uma melhor noção ambiental para a comunidade e, assim, a percepção entre o povo aumentou com isso. Por meio das escolas, isso acabou tendo um grande reflexo, vez que a comunidade sabe respeitar seus professores como autoridades, são aqueles que ensinam, são sábios.
            Todavia, salienta que, por falta de oportunidade de renda em Joselandia, muitos dos que lá cresceram e acabam tendo uma formação concluída na universidade, acabam por se distanciar de suas origens, indo para os grandes centros para trabalhar e viver.
            Assim, voltamos para a pousada após as entrevistas, para descansar. No outro dia, fomos à casa de Melquíades e Seu José.
           

MELQUIADES E SEU JOSE
            Sendo irmãos, falaram um pouco sobre a vida de Joselandia e São Pedro. Melquíades, que é vereador no município de Barão do Melgaço representando a comunidade, revela que em épocas de eleição, aparecem muitos “representantes”, que, contudo não são de fato moradores da região.
            Para ele, a comunidade é excelente para se viver, e as brigas só ocorrem em festas, quando há bebida alcoólica.
            Seu José, questionado sobre o porquê do consumo de gado, revela que há hoje em dia pouco peixe na dieta da comunidade, pela falta que existe no rio – ao que ele entende ser por culpa do alto turismo na região – e da impossibilidade de se caçar. Assim, cada família tem seu galinheiro, criação de porcos e gado, é uma tradição que vem se fazendo.
            A respeito da utilização de madeira, usa-se muitas vezes o trator e a motosserra alugadas de quem as tenha. Isso causa uma dependência daqueles que possuem um poder aquisitivo maior na comunidade, como os comerciantes, mas, mesmo assim, muitas vezes a amizade faz com que, em troca de favores, todos possam realizar suas atividades um ajudando o outro em muitas ocasiões.
            Após a entrevista, fomos para a casa de Seu Joaquim, um dos habitantes mais antigos da região, para ouvirmos suas histórias em relação a São Pedro.

Flores (Foto de Michèle Sato, 2013).




 Canoa (Foto de Lúcia Shiguemi Kawahara, 2013).
 
SEU JOAQUIM
            Com 97 anos e bem lúcido, Seu Joaquim nos recebeu com muita simpatia. Começou a contar sobre a origem de São Pedro, a começar pela idade: mais de 200 anos de sua fundação, quando foi chamada, primeiramente, de Macaco.
            Na época, a vegetação era de certa forma diferente, haviam muitas Arueiras, Anjico, Piúva, e hoje poucas árvores de tais espécies restaram, tendo aumentado o número de Cambarazais, de Feijão-crú, entre outras.
            Como não havia escolas, Fernando da Costa Leite, habitante da região e que viria a ser professor, criou a primeira escola da comunidade. Para Seu Joaquim, a escola deveria levar seu nome. A explicação sobre a escolha de Maria Moura seria pelo fato da primeira escola ter sido desativada, e esta moradora (Maria) ter trazido de volta as atividades escolares.
            O nome da comunidade teria origem na criação da igreja de São Pedro. Causava estranheza à população local a comunidade ter nome de “macaco”, dessa forma, homenageou novamente o santo. O professor Fernando da Costa Leite utilizava a palmatória para punir os estudantes que permanecessem escrevendo nos cabeçalhos o nome “macaco”, referindo-se a comunidade.
            Seu Joaquim fala também na figura que havia do “inspetor de quarteirão”. Era a autoridade na região. Concebido como a lei local, o que ele falava era seguido por todos, afinal, era também escolhido pela comunidade. Com o tempo, passou a ser chamado de Subdelegado.
            Uma história engraçada sobre Fernando Leite, que também se tornou subdelegado da região, é a da menina que morava na região, de família em São Pedro, que seu pai aceitou trocá-la por dois tachos de cobre com um grupo de ciganos, que pretendiam levá-la embora. Como não aceitando o subdelegado que se vendessem as mulheres para andarilhos de fora, foram reunidos 40 homens para chegar ao acampamento dos ciganos, para trazer a menina de volta, obtendo êxito. Naquela época, também acreditavam que os ciganos possuíam praticas canibais, que comiam as meninas nas matas, após levarem-nas de seus pais.
            Ademais, pudemos entender melhor pelas histórias de Seu Joaquim como eram as relações matrimoniais em São Pedro, onde o homem fazia a proposta ao pai da menina, e ficava por esperar a resposta, que quando era afirmativa já vinha com a data da cerimônia.
            Após a conversa, nos despedimos de Seu Joaquim, o que aconteceria novamente no dia seguinte, vez que passamos em frente à sua casa para irmos para Porto Cercado, no SESC. Excelente oportunidade pudemos sentir.
            Terminando o fim de semana, encerramos as pesquisas, com a professora Michèle auxiliando na sistematização das informações. Assim, terminou-se meu segundo contato com São Pedro de Joselandia, com muitas novas amizades, com novas interpretações e visões do Pantanal, em meio à cheia, uma nova experiência, um novo contato, que para sempre guardarei durante a vida como pesquisador, como estudante, como humano e como ser, no passar das cheias e vazantes do tempo.



Volta para porto cercado (Foto de Lúcia Shiguemi Kawahara, 2013).
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