ANDRÉ MANFRINATE
Relatório de Campo –
PIBIC/2013
Viagem a São Pedro de
Joselândia – 05 a 08 de abril.
André Manfrinate, Regis Paiva e Evelyn. (Foto
de Michèle Sato, 2013).
Viajando pela segunda vez com o grupo GPEA,
voltei para a comunidade de São Pedro de Joselândia, um novo contato com a
região do Pantanal Matogrossense.
Em
tal impressão, pelo trajeto fui percebendo a mudança, em contraste com a
primeira viagem feita – na época da seca – criada com a chegada da cheia. No
primeiro dia, todos do grupo estivemos na Escola Estadual Maria Moura, que é a
única da comunidade.
A
ESCOLA
Em
reunião do GPEA com o corpo docente da escola, houve uma interessante abordagem
dos trabalhos que vieram a ser feitos no dia sequente àquele em questão, e uma gostosa
conversa. Observamos que muitos projetos de gestão ambiental estão sendo
criados, constantemente, em diálogo com as pesquisas da academia, em São Pedro,
pelos professores locais.
Em
diálogo sincero, o corpo docente narrou a dificuldade enfrentada por eles para
trazer materiais e estrutura ao local de ensino. Dificuldades físicas e também
de ordem financeira. Uma reflexão surgiu de Benedita Luciana, diretora e também
professora da escola, seus dizeres foram no sentido que: “As leis não são
feitas pensando na educação do campo”.
O que deseja Benedita, ao afirmar isso,
transmitir? É a pergunta que me faço. Em diálogo com o grupo, ela explica que
os órgãos pertencentes ao executivo dificultam, através da burocracia, na
execução dos projetos e no andamento das atividades escolares, bem como agem
com negligência para os problemas que a mesma enfrenta.
O reforço vem com Seu Paiva, afirmando que a
presença física dos tomadores de decisão por vezes ocorre, mas em verdade, nada
de eficiente emana dessa alegoria - Havia um requisito para a possibilidade de
construir uma quadra de esportes: 500 alunos, sendo que a escola Maria Moura
tem cerca de 300 – ofícios são requeridos, e a escola os emite, contudo, o
resultado não aparece, e a escola permanece desamparada. De tal forma, a falta
de preparo e estruturas também espantaria os professores.
Neste quadro apresentado, contudo, eis que
surge na fala de seu Paiva, a revelação de que tem sempre, com seus alunos, uma
relação de respeito e amizade. Juntamente com a religião, consegue sempre
manter os estudantes na busca do aprendizado. Diz ele “meu sangue é que é bom”.
Revela que seus alunos tem honestidade, não furtam, não tomam as coisas dos
coleguinhas; é algo que vem sendo ensinado desde os primeiros anos para o
futuro da comunidade.
Dita Luciana infere que a comunidade também
colabora com a escola. O que se precisa e é possível se fazer, o povo faz.
Porém, conforme o ciclo das águas no Pantanal, não foi possível elaborar um
calendário que atendesse às necessidades da comunidade, então, essa ajuda é
contínua, vez que muitas vezes as crianças têm pouco acesso à escola. Ela mesma
abriga duas alunas que moram longe, para poderem estudar.
A respeito da perspectiva de melhora com a
educação, para os professores, muitos dos alunos não a tem; existe a
expectativa da volta ao trabalho na horta, no plantio, o que leva, muitas
vezes, ao desinteresse na escola.
Em contrapartida, a memória da comunidade de
São Pedro, por diversas vezes foi abordada aos alunos, em reconhecimento à sua
própria história, geografia, etc. Um livro foi gerado como produto dessa
abordagem, com as histórias de Joselandia. O corpo docente porém alerta: Cada
comunidade ( São Pedro, Retiro, Pimenteira) tem sua própria história, e os
pesquisadores se atém às histórias de São Pedro.
A dinâmica de acompanhamento do filho na
escola, dos comunitários, e sua relação com os professores é interessante; por vezes,
a conversa se dá em ambiente informal, na rua mesmo, encontrando as pessoas no
dia a dia. A facilidade de contato entre as pessoas na comunidade reflete na
escola.
Os professores também reclamam a respeito das
novas tecnologias, que distraem os alunos. Eis que traz a intervenção a
Professora Michèle, no sentido de reflexão, apresentando exemplos de
professores que sofrem, e que tem sucesso no uso da tecnologia na educação.
Em tal ocasião, para mim muito proveitosa,
pude ter o primeiro contato desta segunda viagem, com toda uma abordagem
referente a escola, com inúmeros temas. Aproveitando-me da situação, consigo
uma rápida conversa com Seu Paiva, juiz de paz da região, e que adora uma boa
conversa.
Reunião com os
professores (Foto de Lúcia Shiguemi Kawahara, 2013).
PROFESSOR PAIVA
Em diálogo, Seu Paiva vai me passando uma
rápida noção da organização da comunidade. O comércio da comunidade é de fato,
informal. Além do regime de trocas, os preços são combinados pela tradição –
sempre custou R$ 2,00 reais o saco de arroz, e assim vai continuar, é o preço
que as pessoas compram – e o que não se compra, é porque se planta; persiste a
agricultura familiar para muitas casas, todavia, produtos que faltam vem de
fora, como açúcar.
Perguntado sobre a criação do asfalto na
comunidade, ele fala que pode ser prejudicial; a tranquilidade que se tem em
São Pedro será comprometida.
Ultimamente, alguns roubos haviam acontecido
na região, em influencia daqueles que vem de Cuiabá – moram na região, mas
trabalham na capital, ou em Barão. Como não há policiamento, é Seu Paiva que
interfere em situações delicadas como aquelas. Trabalha a mediação – recurso
que é pouco utilizado no judiciário brasileiro, o que faz surgir o afogamento
dos tribunais em processos que poderiam ser resolvidos com a conversa, com o
acordo – e se vale do que chama o poder da amizade. Isso assegura à comunidade
sua calma e harmonia, evitando conflitos maiores e a necessidade de procurar a
jurisdição estatal.
Pelo dia seguinte, encontrei o professor
Pedro, também da escola Maria Moura, que gentilmente, concedeu entrevista para
falar da comunidade.
PROFESSOR PEDRO
Professo
Pedro vem a contar um pouco sobre a formação de São Pedro de Joselandia, que
foi criada por posseiros e, com a permanência dos mesmos por gerações, famílias
inteiras formaram a vila.
Na comunidade, assim, não existe hoje uma figura de
liderança, as reuniões são feitas com todos os moradores da região, que
expressam sua opinião e sugestões. A estrada que pretendem criar, segundo o
professor, foi ideia que nasceu no seio da comunidade.
Na fala do professor, uma fala se destaca: A agricultura
familiar, tradicionalmente utilizada pela comunidade, veio dando espaço para a
criação de gado, o que possibilitou o surgimento de certos conflitos, como o de
apropriação de gado, de um dono para outro, além de algum roubo de terras, que
de vez em quando aparece. Observamos aí que a dinâmica de resolução de
conflitos da comunidade tende a ser alterada, na medida em que as leis
comunitárias, adaptadas para a economia familiar não consegue dar conta de
certos empecilhos que surgem com a pecuária e a monocultura, que começam a ser
utilizadas.
Saindo do ambiente da escola, juntamente com as
pesquisadoras Rosana e Lúcia, fomos à casa dos festeiros Seu Gonçalo e Dona
Maria, na qual tive oportunidade de participar, na viagem anterior, da festa de
São Cosme e Damião, em 2011, e que neste ano pretendem fazer a festa de São
Pedro!
SEU GONÇALO
Na casa de Seu Gonçalo, conversamos sobre as festas de
Joselandia, revelando ele que este é o símbolo da comunidade.
Quando se faz a festa, devem-se contratar pessoas para
ajudar, mas no caso de Seu Gonçalo, o contrato é assinar seu caderninho. No
caderno se fazem todos os registros de gastos e a pagar. Ele também demonstra
que nem sempre as coisas são pagas com o dinheiro; pode ser feito pela amizade,
uma ajuda aqui, uma ajuda ali; quem tem amizade tem mais que dinheiro.
Sobre o material utilizado nas festas, em especial, a
madeira, ele fala que são poucas aquelas retiradas da mata. Só se retiram as
chamadas “brancas”, vez que as “de lei”, que são as verdes, não se pode
retirar. A polícia multa caso estas árvores sejam retiradas.
Para ganhar um dinheirinho, Seu Gonçalo, juntamente com
seus filhos faz estribos, arreios, equipamentos para cavalos, entre outras
coisas, para vender. O preço que cobra é de acordo com o que se possa pagar,
afinal, diz ele, se for muito caro, ele fica sem trabalho, porque ninguém irá
comprar. Dona Maria interfere falando que deveria sim cobrar mais caro, para
dar mais valor ao trabalho feito, que é muito bonito – esta forma de valoração
e preço destoa daquela definida por Karl Marx em “O Capital”, como sendo do
capital financeiro, que conta para o custo da coisa o tempo de serviço, a
matéria prima utilizada e a mais-valia, bem como o lucro que se pretende
atingir.
Após a conversa, nos despedimos de Dona Maria e Seu
Gonçalo, e retornamos para a escola, onde pude conversar com Benedita Luciana e
Ricardo, participantes da organização e gestão da escola.
Lushi, Seu Gonçalo e
André (Foto de Rosana Manfrinate, 2013).
DIRETORA BENEDITA LUCIANA
Como diretora da escola, ela comenta acerca da
importância que se deve dar à escola de modo geral, inclusive estruturalmente.
As condições de trabalho a qual se encontram por vezes traz desmotivação aos
professores, o que reflete no ensino e nos alunos. A questão do trabalho no
campo faz também com que muitos meninos abandonem mais cedo a escola, fazendo
com que haja um numero superior de alunas estudando.
Em questão sobre a convivência na comunidade, ela afirma
que é pacífica. Algumas vezes, ocorrem brigas por apropriação de gado alheio, o
dono briga com quem pegou, mas logo estão de bem, e ainda nem devolvem o gado,
fica por isso mesmo, sem ressentimentos ou mesmo nova rixa pelo mesmo motivo.
Após a conversa com Benedita, falei com o professor
Ricardo, que me abordou alguns pontos de São Pedro.
PROFESSOR RICARDO
Perguntado sobre como os projetos teriam começado na
comunidade, ele revela que é fruto da influencia dos pesquisadores, que
trouxeram uma melhor noção ambiental para a comunidade e, assim, a percepção
entre o povo aumentou com isso. Por meio das escolas, isso acabou tendo um
grande reflexo, vez que a comunidade sabe respeitar seus professores como
autoridades, são aqueles que ensinam, são sábios.
Todavia, salienta que, por falta de oportunidade de renda
em Joselandia, muitos dos que lá cresceram e acabam tendo uma formação
concluída na universidade, acabam por se distanciar de suas origens, indo para
os grandes centros para trabalhar e viver.
Assim, voltamos para a pousada após as entrevistas, para
descansar. No outro dia, fomos à casa de Melquíades e Seu José.
MELQUIADES E SEU JOSE
Sendo irmãos, falaram um pouco sobre a vida de Joselandia
e São Pedro. Melquíades, que é vereador no município de Barão do Melgaço
representando a comunidade, revela que em épocas de eleição, aparecem muitos
“representantes”, que, contudo não são de fato moradores da região.
Para ele, a comunidade é excelente para se viver, e as
brigas só ocorrem em festas, quando há bebida alcoólica.
Seu José, questionado sobre o porquê do consumo de gado,
revela que há hoje em dia pouco peixe na dieta da comunidade, pela falta que
existe no rio – ao que ele entende ser por culpa do alto turismo na região – e
da impossibilidade de se caçar. Assim, cada família tem seu galinheiro, criação
de porcos e gado, é uma tradição que vem se fazendo.
A respeito da utilização de madeira, usa-se muitas vezes
o trator e a motosserra alugadas de quem as tenha. Isso causa uma dependência
daqueles que possuem um poder aquisitivo maior na comunidade, como os
comerciantes, mas, mesmo assim, muitas vezes a amizade faz com que, em troca de
favores, todos possam realizar suas atividades um ajudando o outro em muitas
ocasiões.
Após
a entrevista, fomos para a casa de Seu Joaquim, um dos habitantes mais antigos
da região, para ouvirmos suas histórias em relação a São Pedro.
Flores (Foto de
Michèle Sato, 2013).
Canoa (Foto de Lúcia
Shiguemi Kawahara, 2013).
SEU JOAQUIM
Com 97 anos e bem lúcido, Seu Joaquim nos recebeu com
muita simpatia. Começou a contar sobre a origem de São Pedro, a começar pela
idade: mais de 200 anos de sua fundação, quando foi chamada, primeiramente, de
Macaco.
Na época, a vegetação era de certa forma diferente,
haviam muitas Arueiras, Anjico, Piúva, e hoje poucas árvores de tais espécies
restaram, tendo aumentado o número de Cambarazais, de Feijão-crú, entre outras.
Como não havia escolas, Fernando da Costa Leite,
habitante da região e que viria a ser professor, criou a primeira escola da
comunidade. Para Seu Joaquim, a escola deveria levar seu nome. A explicação
sobre a escolha de Maria Moura seria pelo fato da primeira escola ter sido
desativada, e esta moradora (Maria) ter trazido de volta as atividades
escolares.
O nome da comunidade teria origem na criação da igreja de
São Pedro. Causava estranheza à população local a comunidade ter nome de
“macaco”, dessa forma, homenageou novamente o santo. O professor Fernando da
Costa Leite utilizava a palmatória para punir os estudantes que permanecessem
escrevendo nos cabeçalhos o nome “macaco”, referindo-se a comunidade.
Seu Joaquim fala também na figura que havia do “inspetor
de quarteirão”. Era a autoridade na região. Concebido como a lei local, o que
ele falava era seguido por todos, afinal, era também escolhido pela comunidade.
Com o tempo, passou a ser chamado de Subdelegado.
Uma história engraçada sobre Fernando Leite, que também se
tornou subdelegado da região, é a da menina que morava na região, de família em
São Pedro, que seu pai aceitou trocá-la por dois tachos de cobre com um grupo
de ciganos, que pretendiam levá-la embora. Como não aceitando o subdelegado que
se vendessem as mulheres para andarilhos de fora, foram reunidos 40 homens para
chegar ao acampamento dos ciganos, para trazer a menina de volta, obtendo
êxito. Naquela época, também acreditavam que os ciganos possuíam praticas
canibais, que comiam as meninas nas matas, após levarem-nas de seus pais.
Ademais, pudemos entender melhor pelas histórias de Seu
Joaquim como eram as relações matrimoniais em São Pedro, onde o homem fazia a
proposta ao pai da menina, e ficava por esperar a resposta, que quando era
afirmativa já vinha com a data da cerimônia.
Após a conversa, nos despedimos de Seu Joaquim, o que
aconteceria novamente no dia seguinte, vez que passamos em frente à sua casa
para irmos para Porto Cercado, no SESC. Excelente oportunidade pudemos sentir.
Terminando o fim de semana, encerramos as pesquisas, com
a professora Michèle auxiliando na sistematização das informações. Assim,
terminou-se meu segundo contato com São Pedro de Joselandia, com muitas novas
amizades, com novas interpretações e visões do Pantanal, em meio à cheia, uma
nova experiência, um novo contato, que para sempre guardarei durante a vida
como pesquisador, como estudante, como humano e como ser, no passar das cheias
e vazantes do tempo.
Volta para porto
cercado (Foto de Lúcia Shiguemi Kawahara, 2013).
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