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ALGUMAS ADVERTÊNCIAS PRELIMINARES ACERCA DO TRABALHO INTERDISCIPLINAR
Uma das maiores dificuldades para os trabalhos de investigação de natureza interdisciplinar é superar a própria linguagem que nos constituiu enquanto comunidades específicas de conhecimento como a geografia, a antropologia, a politologia, a sociologia, a economia e demais. Na constituição desses diferentes “territórios de conhecimento” conformaram-se verdadeiras “barreiras alfandegárias” com seus territórios de poder enquanto tais. O positivismo cuidou que cada fronteira, com a área específica de seu objeto de estudo, fosse delimitada de modo mais preciso e rigidamente possível. Vários autores (Santiago Castro Gómez, Aníbal Quijano, Edgardo Lander, Carlos Walter Porto Gonçalves entre tantos outros) vêm destacando que as ciências sociais são instituídas por e instituintes da sociedade contemporânea1 e, assim, a superação da divisão do trabalho científico, tal como ela se apresenta, faz parte da luta pela superação das contradições dessa mesma sociedade.
Daí a importância dos trabalhos que se colocam para além das disciplinaridades instituídas. Observe-se que importantes contribuições teóricas para a compreensão dos processos sociais foram dadas por intelectuais que, a rigor, não cabem nessa divisão do trabalho científico, como Marx e Engels, Antonio Gramsci, Paulo Freire, Mariátegui, entre tantos e muitos outros, até porque, parafraseando o próprio Marx, esses intelectuais não estavam simplesmente interpretando o mundo, mas tentando transformá-lo.
O que se procura aqui, considerando essas dificuldades e essas possibilidades, é contribuir para uma aproximação comum das ciências sociais desde a geografia.
DA GEOGRAFICIDADE DO SOCIAL
Há razões historicamente compreensíveis para a recusa de um diálogo mais próximo entre a geografia e as ciências sociais em sentido estrito, sobretudo para os cientistas do social que se colocam de um ponto de vista crítico. Embora o determinismo naturalista não seja uma invenção propriamente dos geógrafos, vide Montesquieu, encontrou na geografia um campo onde germinou tão amplamente que o que era inicialmente determinismo naturalista tornou-se, com o tempo, determinismo geográfico. Essa redução naturalista tem sido um dos principais obstáculos ao necessário diálogo entre essas disciplinas. Há outros, é claro, como o privilégio dado ao tempo em relação ao espaço na tradição do pensamento ocidental que colonizou corações e mentes (Porto Gonçalves, 2002), assim como a instrumentalização do saber geográfico pelo colonialismo e pelo imperialismo por meio da geopolítica.
Várias foram as conseqüências desse divórcio entre a geografia e as ciências sociais, entre os quais destaco, por sua importância nas questões que hoje se apresentam para superar os impasses teóricos e políticos que atravessamos: não termos conseguido dar uma solução adequada ao significado da natureza no devir social, prisioneiros que ficamos de um pensamento eurocêntrico onde natureza e sociedade são termos que se excluem reciprocamente ou são pensados numa relação de causalidade unilateral seja da natureza para a sociedade (naturalismo), seja da sociedade para a natureza (antropocentrismo); e ignorarmos a dimensão espacial, na sua materialidade historicamente constituída. Enfim, não consideramos devidamente a geograficidade do social.
Essa geograficidade deve começar, portanto, considerando o espaço geográfico enquanto dimensão constitutiva do social, recuperando, inclusive mas não exclusivamente, a natureza no corpo da análise sociológica (Coronil, 1997; 2000). A recuperação do espaço geográfico e da natureza na análise social deve, todavia, considerar todo o legado crítico das ciências sociais ao naturalismo bem característico do darwinismo social de corte spenceriano, inclusive nas suas atualizações mais recentes, como a sociobiologia. Assim, acautelemo-nos, o esforço necessário para recuperar a natureza e o espaço geográfico2 na análise social deve se manter longe de qualquer redução naturalista.
Partimos do pressuposto de que não existe sociedade a-geográfica assim como não existe espaço geográfico a-histórico. Assim como todo o espaço geográfico está impregnado de historicidade, a história está, sempre, impregnada de geograficidade. “A expressão, por certo, causa um certo estranhamento, embora seja natural dizer-se que o espaço que vivemos está impregnado de história. É como se fosse natural falar da historicidade do espaço geográfico e não de uma geograficidade da história. Poderíamos, à guisa de provocação epistemológica, afirmar que se a história se faz geografia é porque, de alguma forma, a geografia é uma necessidade histórica e, assim, uma condição de sua existência que, como tal, exerce uma coação que, aqui, deve ser tomada ao pé da letra, ou seja, como algo que co-age, que age com, é co-agente” (Porto Gonçalves, 2002). Afinal, o espaço geográfico é constituído pela relação que os diferentes seres estabelecem entre si na sua materialidade.
A centralidade que a espécie humana adquire na conformação do espaço geográfico decorre, entre outras razões, desse atributo natural de a espécie humana ser a natureza tomando consciência de si própria. Somos, assim, uma corporeidade que existimos por meio da imaginação, do imaginário, da representação, animal simbólico que somos. A geograficidade é uma dimensão necessária de toda sociedade. É preciso considerar toda a riqueza dessa expressão na medida que se trata de “pensar el espacio en términos que integren su significado socialmente construido con sus propiedades formales y materiales” (Coronil, 1997: 28).
Toda sociedade é um modo próprio de estar-junto (proxemia) e esse estar-junto é, ao mesmo tempo, simbólico e material. Nomear e fazer são atributos distintos, mas indissociáveis, de nossa espécie. No entanto, há a possibilidade, sempre presente, de se falar (nomear) sobre o mundo como se não fôssemos do mundo, desse mundo. A relação com os demais seres da natureza é uma condição de existência de toda sociedade e nenhuma sociedade animal, inclusive a humana, pode prescindir dessa condicionalidade.
Nossas limitações biológicas3, como a de dependermos de estruturas de proteção primárias, como a família, até que possamos ganhar maior autonomia que, diga-se de passagem, nunca é absoluta, nos faz sermos sociais, e o fazemos enquanto espécie humana de um modo sempre próprio, diferente, mesmo sendo da mesma espécie biológica. Diferença radical que faz da diversidade sociocultural um dos maiores atributos da espécie humana e, pode-se dizer, patrimônio da humanidade enquanto tal.
A geografia ganha aqui uma qualidade importante na medida que a diferença, esses diferentes modos próprios de estar-juntos –diferentes modos de nomear/fazer– investem o mundo de significações, emprestam sentido à vida, sem o que o mundo não é mundo. A espécie humana não só bebe água como diz água, ritualiza-a, sacraliza-a, idolatra-a, estetiza-a, cientifiza-a. Nossa corporeidade biológica nos impele a buscar fora de nós mesmos o alimento, inclusive a água. Deste modo, o trabalho, o fazer, se impõe, embora não façamos a água, o ar, a terra, o fogo sem os quais não somos, não vivemos. A palavra água não sacia a sede, assim como o conhecimento científico-tecnológico, ou qualquer outro conhecimento, não faz o petróleo, o carvão, a água, a fotossíntese4.
A materialidade do espaço geográfico é, sempre, sign-ificada, de-sign-ada, posto que é, sempre, apropriada, até mesmo pela palavra. Os homens só se apropriam do que faz sentido para suas vidas e esse sentido é, sempre, criação social, e não das coisas em si e por si mesmas. Afinal, dar nomes próprios já é se apropriar e, assim, partilhar em comum um espaço de existência, um espaço de significações, uma comunidade de destino. O que se oferece à apropriação –o espaço-que-aí-está– implica que haja uma ação no sentido de se apropriar dele que, por sua vez, depende da correlação de forças entre os agentes. Não olvidemos que o espaço-que-aí-está enquanto espaço objetivado –habitat– está, também, in-corpo-rado habitando os corpos de cada um e de todos –habitus (Bourdieu, 1989).
Deste modo, é admissível que uma sociedade que constitui suas relações por meio do racismo, tenha em sua geografia lugares e espaços com as marcas dessa distinção social: no caso brasileiro, a população negra é francamente majoritária nos presídios e absolutamente minoritária na universidades; se uma sociedade se constitui com base em relações de gênero assimétricas, os diferentes gêneros não freqüentarão os mesmos espaços da mesma forma: as mulheres sabem, numa sociedade machista, que não podem freqüentar qualquer lugar da cidade a qualquer hora do dia; se uma sociedade se constitui a partir de relações de produção que canalizam o excedente (que bem pode ser a mais valia) para um dos pólos da relação, sua geografia acusará “bairros ricos” e “bairros pobres” ou “países pobres” e “países ricos”. É importante assinalar que essas diferentes configurações espaciais se constituem em espaços de conformação das subjetividades de cada qual.
Enfim, há toda uma série de sujeitos sociais cuja compreensão da sua própria natureza sociológica implica considerar o espaço e a natureza –os camponeses, os indígenas, os afrodescendentes (com seus palenques, na Colômbia e na Venezuela, e seus quilombos no Brasil), os ecologistas, os moradores, os jovens-da-periferia (hip hop)5, para não dizer do próprio operariado, cuja constituição enquanto classe social teve muito a ver com os bairros proletários enquanto espaços de conformação da subjetividade (Porto Gonçalves, 1998). O próprio Estado Moderno pressupõe o espaço geográfico por meio do território.
SOCIEDADE E (É) TERRITÓRIO
Sociedade e espaço não são dimensões que se excluem ou que se precedem lógica ou ontologicamente. Uma sociedade não se organiza primeiro para depois constituir o seu espaço geográfico ou vice-versa. Toda sociedade ao se constituir enquanto tal constitui seu espaço geográfico e este “... es tanto el producto de, como la condición de posibilidad de las relaciones sociales. Como una relación social, el espacio es también una relación natural entre sociedad y naturaleza a través de la cual la sociedad mientras se produce a sí misma transforma y se apropia de la naturaleza” (Coronil, 1997: 28).Toda sociedade ao se constituir a si mesma constitui seu espaço conformando, assim, seu território. Deste modo, o território não é uma substância externa, nem tampouco uma base sobre a qual a sociedade se erige, como queria Hegel. Ao contrário, o território é constituído pela sociedade no próprio processo em que tece o conjunto das suas relações sociais e de poder6.
Assim, é preciso considerar, sempre, a tríade –Território, Territorialidade e Territorialização. Um mesmo espaço apropriado e constituído por uma determinada sociedade contém, sempre, territorialidades distintas (Porto Gonçalves, 2001[b]).
Antonio Gramsci, em seu seminal artigo A Questão Meridional, desenvolveu o conceito de “bloco histórico” tendo um claro sentido geográfico ou, se se preferir, regional, e melhor seria chamá-lo “blocos regionais (historicamente construídos) de poder”, para compreender a formação do Estado Italiano a partir da aliança entre o Bloco Histórico (de poder) do Norte e o Bloco Histórico (de poder) do Sul, numa circunstância histórica particular da história geográfica italiana. O Estado, observe-se, não é um ente superestrutural que prescinde de um território.
A dimensão territorial salta à vista nos dias que correm, exatamente quando se vê que o Estado (territorial) entra em processo de redefinição com o realinhamento dos diferentes grupos/classes/estamentos que se fizerem por meio dessa territorialidade que é o Estado Nacional. Aníbal Quijano (2000[a]) tem chamado a atenção para o fato de que hoje estamos diante de Estados que des-nacionalizam e se des-democratizam7, sobretudo na América Latina, ao serem capturados por setores/grupos/classes que se fazem por meio de uma outra territorialidade que não o Estado-Nação nesta quadra histórica onde se constitui um novo padrão de poder mundial (Império/Imperialismo).
É interessante observarmos as análises que Quijano faz dos Estados na América Latina e Caribe onde destaca que, desde o início, os elementos da colonialidade se mantiveram mesmo com o fim do colonialismo, na medida que uma minoria branca é que se controla o poder no interior das diferentes formações dos estados nacionais. Mais interessante ainda é quando verificamos, ainda em companhia de Anibal Quijano, que após um curto período de ampliação da participação de outros e maiores setores da sociedade, entre 1930 a 1970 (com as variações anteriores da Argentina, Uruguai e Chile), se vê, nos anos 80 e 90 o Estado ser capturado por uma nova configuração de poder mundial quando os passam a ser desterritorializados e comandados cada vez mais por uma dinâmica ditada por uma outra territorialidade (Império/Imperialismo) o que quer dizer por setores/classes/estamentos/grupos que se fazem por meio de outra territorialidade que não o Estado-Nação. Mais interessante ainda é observar que essa des-nacionalização, essa des-democratização, vem ensejando a emergência à cena política exatamente daqueles setores que, desde sempre, ficaram à margem da formação dos Estados: os indígenas (os mapuches, no Chile), no Equador e no Brasil; os indígeno-campesinos na Colômbia (Floro Tunubalá, governador eleito em Cauca), os zapatistas no México, na Bolívia (a luta contra a capitalização da água em Cochabamba e a luta dos cocaleros no Xapare cujo ciclo de lutas proporcionou, pela primeira vez, que um indígena camponês, Evo Morales, se destacasse numa eleição presidencial); os camponeses, como é o caso do Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra do Brasil (MST) e no Equador; os afrodescendentes com seus palenques na Colômbia (Pacífico Sul) ou com os quilombos no Brasil, agora reconhecidos como direito à territorialidade nas Cartas Magnas dos dois países.
O ESPAÇO: CONDIÇÃO PARA A COMPREENSÃO DO SISTEMA-MUNDO MODERNO-COLONIAL
A dimensão espacial é fundamental, ainda, para uma boa caracterização do “sistema-mundo moderno-colonial” (Lander, 2000; entre outros), assim como o papel que a natureza joga na constituição desse mesmo mundo moderno-colonial.
Afinal, a Europa só se afirma como centro geopolítico e cultural do mundo moderno a partir da constituição da América enquanto periferia colonial (1492) com seu ouro e sua prata; com sua tropicalidade, condição natural favorável, mas não suficiente, sabemos, para o plantio da cana, do cacau, do algodão, do café, da banana, ou para a coleta da canela, da borracha, do caucho; com o braço escravo modernamente implantado ou com a servidão indígena modernamente direcionada para atender aos ditames do conquistador.
É preciso considerar os dois lados dessa geografia que constitui o “sistema-mundo moderno-colonial” e, definitivamente, abandonarmos a idéia de uma Modernidade que se constituiu isoladamente na Europa sem que se considere o papel que a América, enquanto colônia, teve na constituição do que se viria ser chamado e, paradoxalmente idolatrado, Modernidade. A Modernidade se constitui no mesmo movimento que constitui a colonialidade. Assim, é preciso romper com o evolucionismo eurocêntrico que vê cada lugar do mundo como se fôra um determinado estágio da evolução européia, o que só é possível a partir de uma perspectiva teórica que toma o tempo como algo linear (o europeu) e ignora o espaço, enfim, uma perspectiva teórica que pensa a sucessão de eventos numa linha temporal unidirecional e ignora a simultaneidade constitutiva da história (espaço-tempo). Pensar com o espaço implica admitir múltiplas temporalidades convivendo simultaneamente. Sem considerar o espaço geográfico e a natureza, a clivagem constitutiva do “sistema-mundo moderno-colonial” desaparece e o mundo europeu emerge como se fôra por auto-geração e fruto de uma presumida superioridade, cuja legitimação sempre corre o risco de cair no racismo.
O mundo não é simplesmente um conjunto de regiões atrasadas (pelo relógio de quem?) à espera que chegue a modernização, como se o pólo moderno (Europa) fosse o lado ativo e o resto do mundo o lado passivo do devir histórico8.
A Europa não se constituiria como pólo hegemônico do mundo sem a América, insistimos. Nos séculos XVI e XVII, por exemplo, não existia na Europa nenhuma manufatura que se comparasse às existentes no Brasil (os engenhos de açúcar, por exemplo) e, assim, o desenvolvimento da manufatura deveria ser buscado aqui mesmo na América e não na Europa como etnocentricamente se faz9. Se essas manufaturas não foram capazes de gerar sociedades mais justas e auto-sustentáveis não foi por não ter um elevado nível de desenvolvimento tecnológico, mas sim pelo caráter colonial inerente à modernidade que aqui se implantava. Quando da Segunda Revolução Industrial em finais do século XIX o boom da exploração do látex –goma elástica amplamente empregada na fabricação de correias de transmissão nas máquinas, de batentes, de encapamentos de fios elétricos que tanto propiciaram a expansão das comunicações e da transmissão de energia, além de ser utilizada na fabricação de pneumáticos– fez com que se desenvolvesse na Amazônia brasileira, colombiana e boliviana o fenômeno que, no Brasil, ficou conhecido como correria –prática de correr atrás dos indígenas para matá-los e, assim, dominar seus territórios para produzir látex. Assim, a modernidade que se afirmava na Europa e nos Estados Unidos se fez com a colonialidade da opressão e da exploração e, mesmo, massacre daqueles cujo único pecado era o de serem diferentes e habitarem um território que detinha recursos sem os quais a Europa e os Estados Unidos não seriam o que são. A velocidade das máquinas tornada possível pela goma elástica com suas correias de transmissão e batentes era acompanhada de uma outra correria que não era veiculada pelos meios de comunicação que, também, se ampliavam a partir da utilização do látex enquanto suporte material das transmissões10. Isso tudo já deveria estar suficientemente admitido para que não mais considerássemos, como ainda se faz, que o desenvolvimento tecnológico gera necessariamente bem estar para a humanidade como um todo (tecnocentrismo).
Não nos esqueçamos, também, que o racismo e a escravidão foram criações modernas que geraram riqueza para um dos pólos do mundo moderno-colonial, a Europa, e miséria e sofrimento para a América, África e Ásia. Não há como querer ficar só com o lado bom da modernidade, olvidando-se do seu contrário historicamente necessário, a colonialidade que, como bem salienta Aníbal Quijano, pode muito bem sobreviver ao colonialismo11.
GEOGRAFIA E MOVIMENTOS SOCIAIS
Independentemente das razões que muitos teóricos tentam a priori estabelecer para compreender a(s) lógica(s) inscritas nos processos sociais os conflitos expressam a dialética aberta dos processos instituintes. Considerá-los, assim, como contradição em estado prático, é um primeiro passo teórico-metodológico que ao recusar qualquer lógica a priori, seja do capital, seja do que quer que seja, aceita o caráter instituinte das possíveis ordens sociais inscritas no magma de significações imaginárias (Castoriadis, 1982). A conflitividade se revelaria, assim, rica de possibilidades teóricas e, porque não dizer, políticas. É nela que as bifurcações possíveis se tornam reais ou não.
É freqüente o uso de metáforas topológicas (espaciais) nas ciências sociais –base e superestrutura; “os de cima” e “os de baixo”; centro e periferia; classe social como lugar que o indivíduo ocupa diante dos meios de produção12; relações Norte-Sul– indicando que as relações sociais são, também, relações de poder. O mesmo se pode observar na linguagem dos próprios movimentos sociais onde, quase sempre, reivindicam ocupar mais espaços.
Deste modo, devemos considerar com mais atenção o lugar e o espaço (em suas diferentes escalas –local, regional, nacional, global) onde ocorre um determinado conflito, ali onde uma determinada luta social põe frente a frente dois ou mais protagonistas sociais. Afinal, o lugar é, ele mesmo, constituído por essas relações (lutas) e a sociedade se constitui, constituindo seus lugares. Observemos que fronteira deriva de front, expressão do campo militar que significa um espaço que ainda está sendo objeto de luta nos limites espaciais de duas forças em confronto aberto por afirmar seu controle. Definido quem controla o front este se transforma em fronteira que, depois, passa a ser naturalizada. Daí dizer-se que o rio Grande faz a fronteira entre os Estados Unidos e o México; que o rio Paraguai separa a Bolívia do Brasil e por aí vai. Nenhum rio separa coisa alguma, na verdade, une. A palavra fronteira tem como raiz front que indica que por trás das fronteiras sempre está a política, seja por meios diplomáticos, seja por meio da guerra.
Os movimentos sociais adquirem, no contexto teórico que abraçamos, um lugar de altíssima relevância por trazerem à luz, com sua própria existência, não só as contradições inscritas no espaço-tempo como, também, os possíveis inscritos nessa própria realidade (Santos, 1996). Afinal, a realidade é constituída não só pelo que é, mas também, pelo que pode ser e, por alguma razão, está impedido de ser.
Sendo assim, todo movimento social é portador, em algum grau, de uma nova ordem que, como tal, pressupõe novas posições, novas relações, sempre socialmente instituídas, entre lugares. É por isso que o pensamento conservador, isto é, aquele que quer conservar a ordem social, chama aos movimentos sociais de desordeiros, procurando assimilar a contestação da ordem que querem manter (da sua ordem) à desordem. Freqüentemente chama-se de baderneiros aqueles que se movimentam buscando outras relações dos homens e mulheres entre si por meio das coisas. Procura-se, assim, desenvolver estratégias discursivas de criminalização dos que contestam a (sua) ordem como se só houvesse uma ordem possível –a sua.
Assim, a dialética entre o ser e o dever ser se instaura não como categoria abstrata, mas no chão concreto das lutas sociais, nas lutas sociais. Afinal, toda(o) aquela(e) que se sente oprimido ou explorado diz querer mais espaço –as mulheres querem mais espaço; os negros querem mais espaço; os sem-terra ocupam, isto é, se co-locam; os indígenas querem de-marcar suas terras, na verdade, seus territórios; os desempregados reinventam as lutas sociais bloqueando estradas, bloqueando a circulação e, assim, retomando seu lugar no espaço geral da produção da sociedade, eles que foram deslocados (desplazados) dos lugares fixos de produção (fábricas, lojas, escritórios, das fazendas...). Enfim, os diferentes movimentos sociais re-significam o espaço e, assim, com novos signos grafam a terra, geografam, reinventando a sociedade. A Geografia, deste modo, de substantivo se transforma em verbo –ato de marcar a terra.
É possível, deste modo, construirmos uma teoria geográfica dos movimentos sociais levando em conta a experiência dos “homens e mulheres de carne e osso” (Thompson, 1983) que através das suas lutas esperam mudar de lugar. Assim, a esperança de construção de uma nova ordem é posta no centro do debate da sociedade contemporânea. Afinal, movimento é, literalmente, mudança de lugar e, assim, todo movimento social é, de alguma forma, em maior ou menor grau, portador de uma outra configuração social possível. Eis uma possibilidade de aproximação da geografia das ciências sociais.“Cuando un sistema histórico está viviendo su etapa de desarrollo normal, el rango de opciones y alternativas para los actores sociales es bastante limitado. Sin embargo, cuando un sistema histórico se encuentra en su fase de desintegración, el rango de opciones posible se amplía y las posibilidades de cambio son infinitamente mayores” (López Segrera, 2000: 193). Quando sabemos que o Observatório Social da América Latina e Caribe –OSAL– registrou, somente do 1º para o 2o quadrimestre do ano de 2001, um aumento de cerca de 64% (de 1.221 para 2003) nos número de conflitos, a assertiva de Francisco López Segrera, assim como as considerações feitas anteriormente, acabam por ganhar uma importância ainda maior na medida que a conflitividade social tende a se tornar mais aberta. É isso que a iniciativa de múltiplos movimentos sociais vêm demonstrando, num cenário político incerto, como a quadra que se inicia desde os finais dos anos 80, sobretudo após o fim do socialismo real.
No entanto, as possibilidades de superação das enormes desigualdades sociais que marcam a América Latina só terão oportunidade de ser consistentes se, de fato, forem capazes de incorporar o próprio conflito enquanto dimensão instituinte da vida social e, assim, oferecer a oportunidade para que novos protagonistas se façam presentes na vida política.
Paradoxalmente, admitir o conflito como tensão criativa pressupõe construir uma cultura de paz por parte dos movimentos sociais, posto que a lógica da guerra acaba por impor a negação do outro. Para isso é fundamental a construção de contra-hegemonias, de uma revolução de tempo longo, como é possível imaginar a partir de Antonio Gramsci.
É por todas essas razões que nos vimos estimulados a buscar alternativas metodológicas que, de alguma forma, possam contribuir para uma aproximação comum para os estudos de conflito e dos movimentos sociais.
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NOTAS
* Coordenador do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense (Rio de Janeiro, Brasil). Ex-presidente da Associação dos Geógrafos Brasileiros-AGB (1998-2000).
1 “Limite entre saberes, limite entre disciplinas, limite entre países. Por todo lado se fala que os limites já não são rígidos, que os entes já não são tão ‘claros, distintos e definidos’ como recomendara René Descartes. Cada vez mais se fala de empresas internacionais, ou transnacionais ou multinacionais, assim como se fala de interdisciplinaridade, transdisciplinaridade ou multidisciplinaridade. Enfim, por todo lado são usados os prefixos inter, trans ou multi indicando que as fronteiras, sejam elas epistêmicas, sociológicas ou geográfico-políticas, se é que podemos separá-las, são mais porosas do que se acreditava” (Porto Gonçalves, 2002).
2 Que não se reduz à natureza como, freqüentemente, os cientistas sociais associam.
3 O reducionismo naturalista tem-nos impedido de buscar uma análise mais complexa entre o biológico e o social. A vida, no seu sentido estritamente biológico implica, sempre, abertura; implica, sempre, a existência de poros por onde se vai buscar o alimento, a inspiração. Todo ser vivo é autônomo e dependente e a sociedade humana sendo constituída por um ser biológico que se faz por meio da cultura (Fazer/Nomear) nem por isso deixa de ser biológico, embora não seja a dimensão biológica que faça a cultura.
4 Caso o conhecimento científico e tecnológico dos Estados Unidos, por exemplo, fosse suficiente para gerar o carvão ou o petróleo o faria em seu próprio território e, assim, o Oriente Médio, a Ásia Central ou a América Latina não teriam a importância que têm na geopolítica mundial. Deste modo, a força militar que se coloca como tão necessária para o controle daquilo que não fazem é a melhor expressão da limitação daqueles que mostram a força militar.
5 O jovens que constituem o movimento hip hop produzem um deslocamento da violência direta das gangues das periferias urbanas para um sentido estético com o rap, o break e o grafite entre outras práticas que os caracterizam.
6 E aqui deveremos ser capazes de considerar as múltiplas fontes desse conceito –jurídico–política, antropológica, biológica e geográfica.
7 Aqui é sutil a observação de Quijano pois o des-nacionalizar indica que estamos diante de Estados que voltam a costas às suas populações, sobretudo a grandes parcelar dos que vivem de seu próprio trabalho.
8 Se a conquista da América não tivesse nenhum sentido para a Europa a própria colonização não teria existido. Afinal, não tem sentido dominar o que não tem importância. Assim, o primado do dominado se revela com toda intensidade como constitutivo da própria relação de dominação que só existe por meio daquilo que nega.
9 Evito aqui comparar o que se passava na Europa com outras matrizes de racionalidade, como a Inca, a Maia, a Asteca, a Zapoteca, a Ashanti, a Guarani, a dos Bantos até porque sendo outras não se prestam a comparações. Considerando que o projeto moderno foi, desde o início, colonial, posso comparar o grau de desenvolvimento desigual entre a Europa e a América posto que se trata de níveis distintos do mesmo. O que surpreende aqui é que o grau maior de desenvolvimento tecnológico estivesse aqui, na América, e não na Europa. O mesmo pode ser dito do atual processo de expansão (diz-se modernização!) do cultivo de soja pelos cerrados do Planalto Central brasileiro, como se fôra uma grande novidade. A exploração sempre foi moderna e é isso que a ideologia da modernização esconde.
10 Para aqueles que acham que isso era um problema amazônico recomendo que assistam ao filme Indochina.
11 É o que se vê, por exemplo, na ideologia dos que querem ser “primeiro mundo”, dos que querem ser desenvolvidos, cujo modelo vem sempre se fora . (Des) envolvidos é o que são.
12 Não é aqui o lugar mais adequado para demonstrar que o lugares não estão lá para serem ocupados como se fossem anteriores e exteriores às relações sociais, conforme se poderia depreender da definição de classes sociais acima indicada. É por meio das lutas/das relações sociais que os lugares e as classes se constituem. Anibal Quijano, numa passagem genial, diz que os camponeses estão se classi-ficando, ao caracterizar o período atual das lutas camponeses na América Latina (Quijano, 2000[b]; Porto Gonçalves, 1998).
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Porto Gonçalves, Carlos Walter. A geograficidade do social: uma contribuição para o debate metodológico sobre estudos de conflito e movimentos sociais na América Latina. En publicación: Movimientos sociales y conflictos en América Latina. José Seoane. CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, Buenos Aires, Argentina. Programa OSAL. 2003. 288 p. ISBN: 950-9231-92-4
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A geograficidade do social: uma contribuição para o debate metodológico sobre estudos de conflito e movimentos sociais na América Latina
Carlos Walter Porto Gonçalves
ALGUMAS ADVERTÊNCIAS PRELIMINARES ACERCA DO TRABALHO INTERDISCIPLINAR
Uma das maiores dificuldades para os trabalhos de investigação de natureza interdisciplinar é superar a própria linguagem que nos constituiu enquanto comunidades específicas de conhecimento como a geografia, a antropologia, a politologia, a sociologia, a economia e demais. Na constituição desses diferentes “territórios de conhecimento” conformaram-se verdadeiras “barreiras alfandegárias” com seus territórios de poder enquanto tais. O positivismo cuidou que cada fronteira, com a área específica de seu objeto de estudo, fosse delimitada de modo mais preciso e rigidamente possível. Vários autores (Santiago Castro Gómez, Aníbal Quijano, Edgardo Lander, Carlos Walter Porto Gonçalves entre tantos outros) vêm destacando que as ciências sociais são instituídas por e instituintes da sociedade contemporânea1 e, assim, a superação da divisão do trabalho científico, tal como ela se apresenta, faz parte da luta pela superação das contradições dessa mesma sociedade.
Daí a importância dos trabalhos que se colocam para além das disciplinaridades instituídas. Observe-se que importantes contribuições teóricas para a compreensão dos processos sociais foram dadas por intelectuais que, a rigor, não cabem nessa divisão do trabalho científico, como Marx e Engels, Antonio Gramsci, Paulo Freire, Mariátegui, entre tantos e muitos outros, até porque, parafraseando o próprio Marx, esses intelectuais não estavam simplesmente interpretando o mundo, mas tentando transformá-lo.
O que se procura aqui, considerando essas dificuldades e essas possibilidades, é contribuir para uma aproximação comum das ciências sociais desde a geografia.
DA GEOGRAFICIDADE DO SOCIAL
Há razões historicamente compreensíveis para a recusa de um diálogo mais próximo entre a geografia e as ciências sociais em sentido estrito, sobretudo para os cientistas do social que se colocam de um ponto de vista crítico. Embora o determinismo naturalista não seja uma invenção propriamente dos geógrafos, vide Montesquieu, encontrou na geografia um campo onde germinou tão amplamente que o que era inicialmente determinismo naturalista tornou-se, com o tempo, determinismo geográfico. Essa redução naturalista tem sido um dos principais obstáculos ao necessário diálogo entre essas disciplinas. Há outros, é claro, como o privilégio dado ao tempo em relação ao espaço na tradição do pensamento ocidental que colonizou corações e mentes (Porto Gonçalves, 2002), assim como a instrumentalização do saber geográfico pelo colonialismo e pelo imperialismo por meio da geopolítica.
Várias foram as conseqüências desse divórcio entre a geografia e as ciências sociais, entre os quais destaco, por sua importância nas questões que hoje se apresentam para superar os impasses teóricos e políticos que atravessamos: não termos conseguido dar uma solução adequada ao significado da natureza no devir social, prisioneiros que ficamos de um pensamento eurocêntrico onde natureza e sociedade são termos que se excluem reciprocamente ou são pensados numa relação de causalidade unilateral seja da natureza para a sociedade (naturalismo), seja da sociedade para a natureza (antropocentrismo); e ignorarmos a dimensão espacial, na sua materialidade historicamente constituída. Enfim, não consideramos devidamente a geograficidade do social.
Essa geograficidade deve começar, portanto, considerando o espaço geográfico enquanto dimensão constitutiva do social, recuperando, inclusive mas não exclusivamente, a natureza no corpo da análise sociológica (Coronil, 1997; 2000). A recuperação do espaço geográfico e da natureza na análise social deve, todavia, considerar todo o legado crítico das ciências sociais ao naturalismo bem característico do darwinismo social de corte spenceriano, inclusive nas suas atualizações mais recentes, como a sociobiologia. Assim, acautelemo-nos, o esforço necessário para recuperar a natureza e o espaço geográfico2 na análise social deve se manter longe de qualquer redução naturalista.
Partimos do pressuposto de que não existe sociedade a-geográfica assim como não existe espaço geográfico a-histórico. Assim como todo o espaço geográfico está impregnado de historicidade, a história está, sempre, impregnada de geograficidade. “A expressão, por certo, causa um certo estranhamento, embora seja natural dizer-se que o espaço que vivemos está impregnado de história. É como se fosse natural falar da historicidade do espaço geográfico e não de uma geograficidade da história. Poderíamos, à guisa de provocação epistemológica, afirmar que se a história se faz geografia é porque, de alguma forma, a geografia é uma necessidade histórica e, assim, uma condição de sua existência que, como tal, exerce uma coação que, aqui, deve ser tomada ao pé da letra, ou seja, como algo que co-age, que age com, é co-agente” (Porto Gonçalves, 2002). Afinal, o espaço geográfico é constituído pela relação que os diferentes seres estabelecem entre si na sua materialidade.
A centralidade que a espécie humana adquire na conformação do espaço geográfico decorre, entre outras razões, desse atributo natural de a espécie humana ser a natureza tomando consciência de si própria. Somos, assim, uma corporeidade que existimos por meio da imaginação, do imaginário, da representação, animal simbólico que somos. A geograficidade é uma dimensão necessária de toda sociedade. É preciso considerar toda a riqueza dessa expressão na medida que se trata de “pensar el espacio en términos que integren su significado socialmente construido con sus propiedades formales y materiales” (Coronil, 1997: 28).
Toda sociedade é um modo próprio de estar-junto (proxemia) e esse estar-junto é, ao mesmo tempo, simbólico e material. Nomear e fazer são atributos distintos, mas indissociáveis, de nossa espécie. No entanto, há a possibilidade, sempre presente, de se falar (nomear) sobre o mundo como se não fôssemos do mundo, desse mundo. A relação com os demais seres da natureza é uma condição de existência de toda sociedade e nenhuma sociedade animal, inclusive a humana, pode prescindir dessa condicionalidade.
Nossas limitações biológicas3, como a de dependermos de estruturas de proteção primárias, como a família, até que possamos ganhar maior autonomia que, diga-se de passagem, nunca é absoluta, nos faz sermos sociais, e o fazemos enquanto espécie humana de um modo sempre próprio, diferente, mesmo sendo da mesma espécie biológica. Diferença radical que faz da diversidade sociocultural um dos maiores atributos da espécie humana e, pode-se dizer, patrimônio da humanidade enquanto tal.
A geografia ganha aqui uma qualidade importante na medida que a diferença, esses diferentes modos próprios de estar-juntos –diferentes modos de nomear/fazer– investem o mundo de significações, emprestam sentido à vida, sem o que o mundo não é mundo. A espécie humana não só bebe água como diz água, ritualiza-a, sacraliza-a, idolatra-a, estetiza-a, cientifiza-a. Nossa corporeidade biológica nos impele a buscar fora de nós mesmos o alimento, inclusive a água. Deste modo, o trabalho, o fazer, se impõe, embora não façamos a água, o ar, a terra, o fogo sem os quais não somos, não vivemos. A palavra água não sacia a sede, assim como o conhecimento científico-tecnológico, ou qualquer outro conhecimento, não faz o petróleo, o carvão, a água, a fotossíntese4.
A materialidade do espaço geográfico é, sempre, sign-ificada, de-sign-ada, posto que é, sempre, apropriada, até mesmo pela palavra. Os homens só se apropriam do que faz sentido para suas vidas e esse sentido é, sempre, criação social, e não das coisas em si e por si mesmas. Afinal, dar nomes próprios já é se apropriar e, assim, partilhar em comum um espaço de existência, um espaço de significações, uma comunidade de destino. O que se oferece à apropriação –o espaço-que-aí-está– implica que haja uma ação no sentido de se apropriar dele que, por sua vez, depende da correlação de forças entre os agentes. Não olvidemos que o espaço-que-aí-está enquanto espaço objetivado –habitat– está, também, in-corpo-rado habitando os corpos de cada um e de todos –habitus (Bourdieu, 1989).
Deste modo, é admissível que uma sociedade que constitui suas relações por meio do racismo, tenha em sua geografia lugares e espaços com as marcas dessa distinção social: no caso brasileiro, a população negra é francamente majoritária nos presídios e absolutamente minoritária na universidades; se uma sociedade se constitui com base em relações de gênero assimétricas, os diferentes gêneros não freqüentarão os mesmos espaços da mesma forma: as mulheres sabem, numa sociedade machista, que não podem freqüentar qualquer lugar da cidade a qualquer hora do dia; se uma sociedade se constitui a partir de relações de produção que canalizam o excedente (que bem pode ser a mais valia) para um dos pólos da relação, sua geografia acusará “bairros ricos” e “bairros pobres” ou “países pobres” e “países ricos”. É importante assinalar que essas diferentes configurações espaciais se constituem em espaços de conformação das subjetividades de cada qual.
Enfim, há toda uma série de sujeitos sociais cuja compreensão da sua própria natureza sociológica implica considerar o espaço e a natureza –os camponeses, os indígenas, os afrodescendentes (com seus palenques, na Colômbia e na Venezuela, e seus quilombos no Brasil), os ecologistas, os moradores, os jovens-da-periferia (hip hop)5, para não dizer do próprio operariado, cuja constituição enquanto classe social teve muito a ver com os bairros proletários enquanto espaços de conformação da subjetividade (Porto Gonçalves, 1998). O próprio Estado Moderno pressupõe o espaço geográfico por meio do território.
SOCIEDADE E (É) TERRITÓRIO
Sociedade e espaço não são dimensões que se excluem ou que se precedem lógica ou ontologicamente. Uma sociedade não se organiza primeiro para depois constituir o seu espaço geográfico ou vice-versa. Toda sociedade ao se constituir enquanto tal constitui seu espaço geográfico e este “... es tanto el producto de, como la condición de posibilidad de las relaciones sociales. Como una relación social, el espacio es también una relación natural entre sociedad y naturaleza a través de la cual la sociedad mientras se produce a sí misma transforma y se apropia de la naturaleza” (Coronil, 1997: 28).Toda sociedade ao se constituir a si mesma constitui seu espaço conformando, assim, seu território. Deste modo, o território não é uma substância externa, nem tampouco uma base sobre a qual a sociedade se erige, como queria Hegel. Ao contrário, o território é constituído pela sociedade no próprio processo em que tece o conjunto das suas relações sociais e de poder6.
Assim, é preciso considerar, sempre, a tríade –Território, Territorialidade e Territorialização. Um mesmo espaço apropriado e constituído por uma determinada sociedade contém, sempre, territorialidades distintas (Porto Gonçalves, 2001[b]).
Antonio Gramsci, em seu seminal artigo A Questão Meridional, desenvolveu o conceito de “bloco histórico” tendo um claro sentido geográfico ou, se se preferir, regional, e melhor seria chamá-lo “blocos regionais (historicamente construídos) de poder”, para compreender a formação do Estado Italiano a partir da aliança entre o Bloco Histórico (de poder) do Norte e o Bloco Histórico (de poder) do Sul, numa circunstância histórica particular da história geográfica italiana. O Estado, observe-se, não é um ente superestrutural que prescinde de um território.
A dimensão territorial salta à vista nos dias que correm, exatamente quando se vê que o Estado (territorial) entra em processo de redefinição com o realinhamento dos diferentes grupos/classes/estamentos que se fizerem por meio dessa territorialidade que é o Estado Nacional. Aníbal Quijano (2000[a]) tem chamado a atenção para o fato de que hoje estamos diante de Estados que des-nacionalizam e se des-democratizam7, sobretudo na América Latina, ao serem capturados por setores/grupos/classes que se fazem por meio de uma outra territorialidade que não o Estado-Nação nesta quadra histórica onde se constitui um novo padrão de poder mundial (Império/Imperialismo).
É interessante observarmos as análises que Quijano faz dos Estados na América Latina e Caribe onde destaca que, desde o início, os elementos da colonialidade se mantiveram mesmo com o fim do colonialismo, na medida que uma minoria branca é que se controla o poder no interior das diferentes formações dos estados nacionais. Mais interessante ainda é quando verificamos, ainda em companhia de Anibal Quijano, que após um curto período de ampliação da participação de outros e maiores setores da sociedade, entre 1930 a 1970 (com as variações anteriores da Argentina, Uruguai e Chile), se vê, nos anos 80 e 90 o Estado ser capturado por uma nova configuração de poder mundial quando os passam a ser desterritorializados e comandados cada vez mais por uma dinâmica ditada por uma outra territorialidade (Império/Imperialismo) o que quer dizer por setores/classes/estamentos/grupos que se fazem por meio de outra territorialidade que não o Estado-Nação. Mais interessante ainda é observar que essa des-nacionalização, essa des-democratização, vem ensejando a emergência à cena política exatamente daqueles setores que, desde sempre, ficaram à margem da formação dos Estados: os indígenas (os mapuches, no Chile), no Equador e no Brasil; os indígeno-campesinos na Colômbia (Floro Tunubalá, governador eleito em Cauca), os zapatistas no México, na Bolívia (a luta contra a capitalização da água em Cochabamba e a luta dos cocaleros no Xapare cujo ciclo de lutas proporcionou, pela primeira vez, que um indígena camponês, Evo Morales, se destacasse numa eleição presidencial); os camponeses, como é o caso do Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra do Brasil (MST) e no Equador; os afrodescendentes com seus palenques na Colômbia (Pacífico Sul) ou com os quilombos no Brasil, agora reconhecidos como direito à territorialidade nas Cartas Magnas dos dois países.
O ESPAÇO: CONDIÇÃO PARA A COMPREENSÃO DO SISTEMA-MUNDO MODERNO-COLONIAL
A dimensão espacial é fundamental, ainda, para uma boa caracterização do “sistema-mundo moderno-colonial” (Lander, 2000; entre outros), assim como o papel que a natureza joga na constituição desse mesmo mundo moderno-colonial.
Afinal, a Europa só se afirma como centro geopolítico e cultural do mundo moderno a partir da constituição da América enquanto periferia colonial (1492) com seu ouro e sua prata; com sua tropicalidade, condição natural favorável, mas não suficiente, sabemos, para o plantio da cana, do cacau, do algodão, do café, da banana, ou para a coleta da canela, da borracha, do caucho; com o braço escravo modernamente implantado ou com a servidão indígena modernamente direcionada para atender aos ditames do conquistador.
É preciso considerar os dois lados dessa geografia que constitui o “sistema-mundo moderno-colonial” e, definitivamente, abandonarmos a idéia de uma Modernidade que se constituiu isoladamente na Europa sem que se considere o papel que a América, enquanto colônia, teve na constituição do que se viria ser chamado e, paradoxalmente idolatrado, Modernidade. A Modernidade se constitui no mesmo movimento que constitui a colonialidade. Assim, é preciso romper com o evolucionismo eurocêntrico que vê cada lugar do mundo como se fôra um determinado estágio da evolução européia, o que só é possível a partir de uma perspectiva teórica que toma o tempo como algo linear (o europeu) e ignora o espaço, enfim, uma perspectiva teórica que pensa a sucessão de eventos numa linha temporal unidirecional e ignora a simultaneidade constitutiva da história (espaço-tempo). Pensar com o espaço implica admitir múltiplas temporalidades convivendo simultaneamente. Sem considerar o espaço geográfico e a natureza, a clivagem constitutiva do “sistema-mundo moderno-colonial” desaparece e o mundo europeu emerge como se fôra por auto-geração e fruto de uma presumida superioridade, cuja legitimação sempre corre o risco de cair no racismo.
O mundo não é simplesmente um conjunto de regiões atrasadas (pelo relógio de quem?) à espera que chegue a modernização, como se o pólo moderno (Europa) fosse o lado ativo e o resto do mundo o lado passivo do devir histórico8.
A Europa não se constituiria como pólo hegemônico do mundo sem a América, insistimos. Nos séculos XVI e XVII, por exemplo, não existia na Europa nenhuma manufatura que se comparasse às existentes no Brasil (os engenhos de açúcar, por exemplo) e, assim, o desenvolvimento da manufatura deveria ser buscado aqui mesmo na América e não na Europa como etnocentricamente se faz9. Se essas manufaturas não foram capazes de gerar sociedades mais justas e auto-sustentáveis não foi por não ter um elevado nível de desenvolvimento tecnológico, mas sim pelo caráter colonial inerente à modernidade que aqui se implantava. Quando da Segunda Revolução Industrial em finais do século XIX o boom da exploração do látex –goma elástica amplamente empregada na fabricação de correias de transmissão nas máquinas, de batentes, de encapamentos de fios elétricos que tanto propiciaram a expansão das comunicações e da transmissão de energia, além de ser utilizada na fabricação de pneumáticos– fez com que se desenvolvesse na Amazônia brasileira, colombiana e boliviana o fenômeno que, no Brasil, ficou conhecido como correria –prática de correr atrás dos indígenas para matá-los e, assim, dominar seus territórios para produzir látex. Assim, a modernidade que se afirmava na Europa e nos Estados Unidos se fez com a colonialidade da opressão e da exploração e, mesmo, massacre daqueles cujo único pecado era o de serem diferentes e habitarem um território que detinha recursos sem os quais a Europa e os Estados Unidos não seriam o que são. A velocidade das máquinas tornada possível pela goma elástica com suas correias de transmissão e batentes era acompanhada de uma outra correria que não era veiculada pelos meios de comunicação que, também, se ampliavam a partir da utilização do látex enquanto suporte material das transmissões10. Isso tudo já deveria estar suficientemente admitido para que não mais considerássemos, como ainda se faz, que o desenvolvimento tecnológico gera necessariamente bem estar para a humanidade como um todo (tecnocentrismo).
Não nos esqueçamos, também, que o racismo e a escravidão foram criações modernas que geraram riqueza para um dos pólos do mundo moderno-colonial, a Europa, e miséria e sofrimento para a América, África e Ásia. Não há como querer ficar só com o lado bom da modernidade, olvidando-se do seu contrário historicamente necessário, a colonialidade que, como bem salienta Aníbal Quijano, pode muito bem sobreviver ao colonialismo11.
GEOGRAFIA E MOVIMENTOS SOCIAIS
Independentemente das razões que muitos teóricos tentam a priori estabelecer para compreender a(s) lógica(s) inscritas nos processos sociais os conflitos expressam a dialética aberta dos processos instituintes. Considerá-los, assim, como contradição em estado prático, é um primeiro passo teórico-metodológico que ao recusar qualquer lógica a priori, seja do capital, seja do que quer que seja, aceita o caráter instituinte das possíveis ordens sociais inscritas no magma de significações imaginárias (Castoriadis, 1982). A conflitividade se revelaria, assim, rica de possibilidades teóricas e, porque não dizer, políticas. É nela que as bifurcações possíveis se tornam reais ou não.
É freqüente o uso de metáforas topológicas (espaciais) nas ciências sociais –base e superestrutura; “os de cima” e “os de baixo”; centro e periferia; classe social como lugar que o indivíduo ocupa diante dos meios de produção12; relações Norte-Sul– indicando que as relações sociais são, também, relações de poder. O mesmo se pode observar na linguagem dos próprios movimentos sociais onde, quase sempre, reivindicam ocupar mais espaços.
Deste modo, devemos considerar com mais atenção o lugar e o espaço (em suas diferentes escalas –local, regional, nacional, global) onde ocorre um determinado conflito, ali onde uma determinada luta social põe frente a frente dois ou mais protagonistas sociais. Afinal, o lugar é, ele mesmo, constituído por essas relações (lutas) e a sociedade se constitui, constituindo seus lugares. Observemos que fronteira deriva de front, expressão do campo militar que significa um espaço que ainda está sendo objeto de luta nos limites espaciais de duas forças em confronto aberto por afirmar seu controle. Definido quem controla o front este se transforma em fronteira que, depois, passa a ser naturalizada. Daí dizer-se que o rio Grande faz a fronteira entre os Estados Unidos e o México; que o rio Paraguai separa a Bolívia do Brasil e por aí vai. Nenhum rio separa coisa alguma, na verdade, une. A palavra fronteira tem como raiz front que indica que por trás das fronteiras sempre está a política, seja por meios diplomáticos, seja por meio da guerra.
Os movimentos sociais adquirem, no contexto teórico que abraçamos, um lugar de altíssima relevância por trazerem à luz, com sua própria existência, não só as contradições inscritas no espaço-tempo como, também, os possíveis inscritos nessa própria realidade (Santos, 1996). Afinal, a realidade é constituída não só pelo que é, mas também, pelo que pode ser e, por alguma razão, está impedido de ser.
Sendo assim, todo movimento social é portador, em algum grau, de uma nova ordem que, como tal, pressupõe novas posições, novas relações, sempre socialmente instituídas, entre lugares. É por isso que o pensamento conservador, isto é, aquele que quer conservar a ordem social, chama aos movimentos sociais de desordeiros, procurando assimilar a contestação da ordem que querem manter (da sua ordem) à desordem. Freqüentemente chama-se de baderneiros aqueles que se movimentam buscando outras relações dos homens e mulheres entre si por meio das coisas. Procura-se, assim, desenvolver estratégias discursivas de criminalização dos que contestam a (sua) ordem como se só houvesse uma ordem possível –a sua.
Assim, a dialética entre o ser e o dever ser se instaura não como categoria abstrata, mas no chão concreto das lutas sociais, nas lutas sociais. Afinal, toda(o) aquela(e) que se sente oprimido ou explorado diz querer mais espaço –as mulheres querem mais espaço; os negros querem mais espaço; os sem-terra ocupam, isto é, se co-locam; os indígenas querem de-marcar suas terras, na verdade, seus territórios; os desempregados reinventam as lutas sociais bloqueando estradas, bloqueando a circulação e, assim, retomando seu lugar no espaço geral da produção da sociedade, eles que foram deslocados (desplazados) dos lugares fixos de produção (fábricas, lojas, escritórios, das fazendas...). Enfim, os diferentes movimentos sociais re-significam o espaço e, assim, com novos signos grafam a terra, geografam, reinventando a sociedade. A Geografia, deste modo, de substantivo se transforma em verbo –ato de marcar a terra.
É possível, deste modo, construirmos uma teoria geográfica dos movimentos sociais levando em conta a experiência dos “homens e mulheres de carne e osso” (Thompson, 1983) que através das suas lutas esperam mudar de lugar. Assim, a esperança de construção de uma nova ordem é posta no centro do debate da sociedade contemporânea. Afinal, movimento é, literalmente, mudança de lugar e, assim, todo movimento social é, de alguma forma, em maior ou menor grau, portador de uma outra configuração social possível. Eis uma possibilidade de aproximação da geografia das ciências sociais.“Cuando un sistema histórico está viviendo su etapa de desarrollo normal, el rango de opciones y alternativas para los actores sociales es bastante limitado. Sin embargo, cuando un sistema histórico se encuentra en su fase de desintegración, el rango de opciones posible se amplía y las posibilidades de cambio son infinitamente mayores” (López Segrera, 2000: 193). Quando sabemos que o Observatório Social da América Latina e Caribe –OSAL– registrou, somente do 1º para o 2o quadrimestre do ano de 2001, um aumento de cerca de 64% (de 1.221 para 2003) nos número de conflitos, a assertiva de Francisco López Segrera, assim como as considerações feitas anteriormente, acabam por ganhar uma importância ainda maior na medida que a conflitividade social tende a se tornar mais aberta. É isso que a iniciativa de múltiplos movimentos sociais vêm demonstrando, num cenário político incerto, como a quadra que se inicia desde os finais dos anos 80, sobretudo após o fim do socialismo real.
No entanto, as possibilidades de superação das enormes desigualdades sociais que marcam a América Latina só terão oportunidade de ser consistentes se, de fato, forem capazes de incorporar o próprio conflito enquanto dimensão instituinte da vida social e, assim, oferecer a oportunidade para que novos protagonistas se façam presentes na vida política.
Paradoxalmente, admitir o conflito como tensão criativa pressupõe construir uma cultura de paz por parte dos movimentos sociais, posto que a lógica da guerra acaba por impor a negação do outro. Para isso é fundamental a construção de contra-hegemonias, de uma revolução de tempo longo, como é possível imaginar a partir de Antonio Gramsci.
É por todas essas razões que nos vimos estimulados a buscar alternativas metodológicas que, de alguma forma, possam contribuir para uma aproximação comum para os estudos de conflito e dos movimentos sociais.
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NOTAS
* Coordenador do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense (Rio de Janeiro, Brasil). Ex-presidente da Associação dos Geógrafos Brasileiros-AGB (1998-2000).
1 “Limite entre saberes, limite entre disciplinas, limite entre países. Por todo lado se fala que os limites já não são rígidos, que os entes já não são tão ‘claros, distintos e definidos’ como recomendara René Descartes. Cada vez mais se fala de empresas internacionais, ou transnacionais ou multinacionais, assim como se fala de interdisciplinaridade, transdisciplinaridade ou multidisciplinaridade. Enfim, por todo lado são usados os prefixos inter, trans ou multi indicando que as fronteiras, sejam elas epistêmicas, sociológicas ou geográfico-políticas, se é que podemos separá-las, são mais porosas do que se acreditava” (Porto Gonçalves, 2002).
2 Que não se reduz à natureza como, freqüentemente, os cientistas sociais associam.
3 O reducionismo naturalista tem-nos impedido de buscar uma análise mais complexa entre o biológico e o social. A vida, no seu sentido estritamente biológico implica, sempre, abertura; implica, sempre, a existência de poros por onde se vai buscar o alimento, a inspiração. Todo ser vivo é autônomo e dependente e a sociedade humana sendo constituída por um ser biológico que se faz por meio da cultura (Fazer/Nomear) nem por isso deixa de ser biológico, embora não seja a dimensão biológica que faça a cultura.
4 Caso o conhecimento científico e tecnológico dos Estados Unidos, por exemplo, fosse suficiente para gerar o carvão ou o petróleo o faria em seu próprio território e, assim, o Oriente Médio, a Ásia Central ou a América Latina não teriam a importância que têm na geopolítica mundial. Deste modo, a força militar que se coloca como tão necessária para o controle daquilo que não fazem é a melhor expressão da limitação daqueles que mostram a força militar.
5 O jovens que constituem o movimento hip hop produzem um deslocamento da violência direta das gangues das periferias urbanas para um sentido estético com o rap, o break e o grafite entre outras práticas que os caracterizam.
6 E aqui deveremos ser capazes de considerar as múltiplas fontes desse conceito –jurídico–política, antropológica, biológica e geográfica.
7 Aqui é sutil a observação de Quijano pois o des-nacionalizar indica que estamos diante de Estados que voltam a costas às suas populações, sobretudo a grandes parcelar dos que vivem de seu próprio trabalho.
8 Se a conquista da América não tivesse nenhum sentido para a Europa a própria colonização não teria existido. Afinal, não tem sentido dominar o que não tem importância. Assim, o primado do dominado se revela com toda intensidade como constitutivo da própria relação de dominação que só existe por meio daquilo que nega.
9 Evito aqui comparar o que se passava na Europa com outras matrizes de racionalidade, como a Inca, a Maia, a Asteca, a Zapoteca, a Ashanti, a Guarani, a dos Bantos até porque sendo outras não se prestam a comparações. Considerando que o projeto moderno foi, desde o início, colonial, posso comparar o grau de desenvolvimento desigual entre a Europa e a América posto que se trata de níveis distintos do mesmo. O que surpreende aqui é que o grau maior de desenvolvimento tecnológico estivesse aqui, na América, e não na Europa. O mesmo pode ser dito do atual processo de expansão (diz-se modernização!) do cultivo de soja pelos cerrados do Planalto Central brasileiro, como se fôra uma grande novidade. A exploração sempre foi moderna e é isso que a ideologia da modernização esconde.
10 Para aqueles que acham que isso era um problema amazônico recomendo que assistam ao filme Indochina.
11 É o que se vê, por exemplo, na ideologia dos que querem ser “primeiro mundo”, dos que querem ser desenvolvidos, cujo modelo vem sempre se fora . (Des) envolvidos é o que são.
12 Não é aqui o lugar mais adequado para demonstrar que o lugares não estão lá para serem ocupados como se fossem anteriores e exteriores às relações sociais, conforme se poderia depreender da definição de classes sociais acima indicada. É por meio das lutas/das relações sociais que os lugares e as classes se constituem. Anibal Quijano, numa passagem genial, diz que os camponeses estão se classi-ficando, ao caracterizar o período atual das lutas camponeses na América Latina (Quijano, 2000[b]; Porto Gonçalves, 1998).
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