Monday, 21 December 2015

Extinção de animais pode agravar efeito das mudanças climáticas

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http://revistapesquisa.fapesp.br/2015/12/18/extincao-de-animais-pode-agravar-efeito-das-mudancas-climaticas/

Extinção de animais pode agravar efeito das mudanças climáticas

Ausência de espécies frugívoras de grande porte pode interferir no processo de sequestro de CO2 da atmosfera
RODRIGO DE OLIVEIRA ANDRADE | Edição Online 17:00 18 de dezembro de 2015

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© GUILHERME JOFILI / FLICKR
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Animais frugívoros como as cutias cumprem funções importantes em relação às plantas, por comer os frutos e dispersar as sementes, favorecendo a regeneração natural das florestas
A extinção de animais frugívoros, que se alimentam sobretudo de frutos, como antas, cutias e muriquis poderá comprometer a capacidade das florestas tropicais de absorver dióxido de carbono (CO2) da atmosfera. Isso porque a extinção desses animais capazes de dispersar sementes de frutos grandes mudaria a composição das florestas, afetando seu potencial para combater alterações climáticas. A relação foi observada por um grupo de pesquisadores de várias instituições brasileiras e internacionais sob coordenação do biólogo brasileiro Mauro Galetti e sua orientanda de doutorado, Carolina Bello, ambos do Departamento de Ecologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro, interior de São Paulo. Em um artigo publicado nesta sexta-feira, 18, na revista Science Advances, eles relacionam a composição e a abundância de espécies de árvores, bem como o tipo de dispersão de suas sementes, à padrões de dureza da madeira e altura. Essa é uma maneira de medir o quanto uma árvore pode estocar carbono.
Os pesquisadores estimaram a perda da capacidade de estoque de CO2 na Mata Atlântica a partir de diferentes cenários de defaunação, como é conhecida a diminuição acentuada da população de animais em um ecossistema, em geral induzida por atividades humanas como desmatamento e caça ilegal. Ao simular a extinção local de árvores que dependem da dispersão de suas sementes por grandes frugívoros na Mata Atlântica, os pesquisadores verificaram que a defaunação comprometeria significativamente a capacidade de armazenamento de CO2 pela floresta. Esses animais, há algum tempo se sabe, cumprem funções importantes em relação às plantas, seja por polinizar as flores ou por comer os frutos e dispersar as sementes, favorecendo a regeneração natural das florestas.
© MIGUEL RANGEL JR/FLICKR
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A extinção de animais que se alimentam sobretudo de frutos, como os muriquis, poderá comprometer a capacidade das florestas tropicais de absorver CO2 da atmosfera
No estudo, a equipe de Galetti observou que árvores com troncos grandes e duros têm sementes igualmente grandes. Logo, quanto maior a semente, tanto maior será a árvore. Árvores grandes, por sua vez, são capazes de sequestrar e armazenar maiores quantidades de carbono. Por meio de simulações computacionais, os pesquisadores verificaram que à medida que dispersores de sementes grandes eram progressivamente extintos, também as árvores grandes tornavam-se menos abundantes. Em outras palavras, na ausência de antas, bugios e muriquis, a floresta mudava para uma composição de espécies de árvores de sementes pequenas e madeira “mole”. Com o tempo, segundo eles, a tendência é que somente as sementes menores sejam encontradas na natureza, em um efeito cascata induzido pela ação humana que pode desencadear mudanças ecológicas significativas. “As sementes de canelas, jatobás e maçarandubas, por exemplo, são grandes e dispersadas apenas por animais grandes, como antas e muriquis”, diz Galetti. “Essas árvores são as de madeira mais nobre e as que estocam mais carbono”, explica.
A Mata Atlântica é um dos mais degradados ecossistemas brasileiros, do qual restam, segundo algumas estimativas, aproximadamente 12% da cobertura original – mais de 80% da vegetação remanescente encontra-se altamente fragmentada em áreas com menos de 50 hectares. De acordo com os pesquisadores, o mesmo raciocínio que eles aplicaram à Mata Atlântica pode ser extrapolado para outros ambientes, como o amazônico, cujas espécies de árvores que retêm até 50% de CO2 da atmosfera dependem em grande medida da dispersão das sementes por frugívoros de grande porte. Segundo eles, os resultados ressaltam a importância de se considerar os animais como parte fundamental no processo de redução de emissões de gases do efeito estufa por meio do armazenamento de carbono em florestas tropicais.
ProjetoLigando defaunação e os serviços de ecossistemas de armazenamento de carbono em florestas atlânticas (nº 2013/22492-2); Modalidade Bolsa no país — doutorado;Pesquisador responsável Mauro Galetti Rodrigues (Unesp); Bolsista Laura Carolina Bello Lozano (Unesp); Investimento R$ 140.088,00 (FAPESP)
Artigo científicoBELLO, C. et alDefaunation affects carbon storage in tropical forestsScienceAdvances. dez. 2015.

Thursday, 17 December 2015

Ciência e Progresso diante de Gaia

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http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=244478

Ciência e Progresso diante de Gaia

151217-Modernidade
Na introdução de seu livro mais recente, o antropólogo francês relembra percurso intelectual e afetivo que o levou a questionar certezas da Modernidade e do Antropoceno
Por Bruno Latour | Tradução Guilherme Giufrida, na Revista Centro | Imagem: James Howe Carse
Tudo começou com um movimento de dança que se impôs a mim, há vários anos, do qual não consegui me desfazer. Uma dançarina, enquanto fugia de costas para escapar de algo que devia lhe parecer terrível, não cessava de lançar para trás, de relance, olhares cada vez mais inquietos, sempre correndo, como se sua fuga acumulasse em suas costas obstáculos que atrapalhavam cada vez mais seus movimentos, até o limite em que foi forçada a virar-se completamente, e ali, suspensa, imóvel, os braços pendurados, ela percebia vir ao seu encontro algo ainda mais assustador do que aquilo de que fugira – ao ponto de forçá-la a esboçar um gesto de recuo. Ao fugir de um horror, ela encontrara um outro, em parte criado por sua fuga.
Eu estava convencido de que aquela dança exprimia o espírito do tempo; ela resumia em uma só situação, para mim muito perturbadora, aquilo de que os Modernos haviam em um primeiro momento fugido, a aversão arcaica pelo passado, e isto a que eles deveriam hoje defrontar-se, a irrupção de uma figura enigmática, fonte de um horror que não estava mais atrás dele, mas sim a sua frente. A irrupção deste monstro, meio ciclone, meio Leviatã, que, em princípio, apelidei com um nome bizarro: “Cosmocolosso [1]”.
Antes de fundi-lo muito rapidamente nesta outra figura tão controversa sobre a qual eu meditara lendo James Lovelock, a saber, Gaia. Naquele momento, eu não podia mais me esquivar: era preciso compreender aquilo que se apresentava a mim sob a forma particularmente angustiante de uma força ao mesmo tempo mítica, científica, política e provavelmente também religiosa.
Como não conheço nada de dança, precisei de alguns anos para encontrar em Stéphanie Ganachaud a intérprete ideal desse movimento[2]. Enquanto isso, sem saber o que fazer com a minha obsessão pela figura do Cosmocolosso, convenci alguns amigos próximos a criar a partir dela uma peça de teatro sobre o assunto, dando origem a Gaïa Global Circus [3]. Nessa época, por uma dessas coincidências que não deveriam surpreender àqueles perseguidos por uma obsessão, o comitê de conferências Gifford me pediu para proferir, em 2013 em Edimburgo, um ciclo de seis conferências sob o título, também muito enigmático, de “religião natural”. Como resistir a uma oferta dessas, a qual William James, Alfred North Whitehead, John Dewey, Henri Bergson, Hannah Arendt e muitos outros haviam atendido [4]? Não seria essa a ocasião ideal para desenvolver pela argumentação aquilo que a dança e o teatro me haviam anteriormente forçado a explorar? Ao menos esse meio não me seria muito estranho. Ainda mais por ter acabado de escrever uma investigação sobre os modos de existência, sob a influência cada vez mais importante de Gaia [5]. São estas conferências, modificadas, ampliadas e completamente reescritas, que se encontrará neste livro.
Se eu as publico mantendo o gênero, o estilo e o tom da conferência, é porque esta antropologia dos Modernos a qual eu persigo há quarenta anos se encontra cada vez mais em ressonância com o que podemos chamar de Novo Regime Climático [6]. Eu resumo nessa expressão a situação presente na qual o ambiente físico que os Modernos haviam considerado como assegurado, o solo sobre o qual sua história sempre se desenrolara, tornou-se instável. Como se o cenário tivesse sido montado sobre o palco para compartilhar o enredo com os atores. A partir disso, tudo muda nas formas de se contar as histórias, a ponto de politizar tudo aquilo que outrora parecia pertencer à natureza – figura que, por sua vez, se torna um enigma cada vez mais indecifrável.
TEXTO-MEIO
Há anos que eu e meus colegas temos tentado absorver esta introdução da natureza e das ciências na política; tínhamos desenvolvido vários métodos para acompanhar e até cartografar as controvérsias ecológicas. Mas todos esses trabalhos especializados nunca conseguiram estremecer as certezas daqueles que continuavam a imaginar um mundo social sem objeto frente a um mundo natural sem humano – e sem cientistas para conhecê-lo. Enquanto nos esforçávamos para desatar alguns nós da epistemologia e da sociologia, todo o edifício, cujas funções eles haviam distribuído, caía por terra, ou, mais precisamente, desabava sobre a Terra. Estávamos ainda discutindo as ligações possíveis entre humanos e não-humanos, o papel dos cientistas na produção da objetividade, a importância eventual das gerações futuras, o fato de que os próprios pesquisadores multiplicavam as invenções para falar da mesma coisa; todavia, numa escala totalmente outra, surgiam: o “Antropoceno”, a “grande aceleração”, os “limites planetários”, a “geohistória”, os “pontos de inflexão” [“tipping points”] as “zonas críticas”, todos esses termos surpreendentes e que parecem necessários, os quais, pouco a pouco, iríamos encontrar para compreender esta Terra que parece reagir as nossas ações.
Minha disciplina de origem – a sociologia ou, melhor, a antropologia das ciências – encontra-se hoje convencida pela evidência amplamente compartilhada segundo a qual a antiga Constituição que repartia os poderes entre ciência e política tornou-se obsoleta. Como se tivéssemos passado de um Antigo Regime a um Novo marcado pela irrupção multiforme da questão dos climas e, algo ainda mais desconhecido, de sua ligação com o governo. É no sentido mais amplo dessas expressões que os historiadores da geografia só utilizavam no contexto da “teoria dos climas” de Montesquieu, que, há muito tempo se tornou obsoleta. Bruscamente, todo mundo pressente que um outroEspírito das leis da Natureza está por emergir e é preciso começar a redigi-lo se desejamos sobreviver às forças desencadeadas por este Novo Regime. A esse trabalho coletivo de exploração esta obra gostaria de contribuir.
Gaia é apresentada aqui como a oportunidade de um retorno para a Terra, permitindo uma versão diferenciada das respectivas qualidades que podemos exigir das ciências, das politicas e das religiões, enfim trazidas para definições mais modestas e mais terrestres de suas antigas vocações. (…)
GAIA-cover3
[Esse artigo é a introdução do novo livroFace à Gaia, do antropólogo Bruno Latour. Recém publicado na França, o texto ainda é inédito em português. Sobre o conceito de Gaia, além dos livros do autor, ver, por exemplo, Isabelle Stangers (No tempo das catástrofes) para quem: “Gaia foi assim batizado por James Lovelock e Lynn Margulis no início dos anos 70. Eles incorporavam pesquisas que contribuem para esclarecer o denso conjunto de relação, articulando o que as disciplinas científicas tinham o hábito de tratar separadamente: os seres vivos, os oceanos, a atmosfera, o clima, os solos mais ou menos férteis. Dar um nome, Gaia, a esse agenciamento de relações, era insistir sobre duas consequências dessas pesquisas. Aquilo de que dependemos e que foi com frequência definido como “dado”, o enquadramento globalmente estável de nossas histórias e de nossos cálculos, é produto de uma história de coevolução, cujos primeiros artesãos e verdadeiros autores permanentes foram as inúmeras populações de microorganismos. E Gaia, ‘planeta vivo’, deve ser reconhecida como um ‘ser’, e não assimilada a uma soma de processos (…): ela é dotada não apenas de uma história, mas também de um regime de atividades próprio, oriundo das múltiplas e emaranhadas maneiras pelas quais os processos que constituem são articulados uns aos outros”. Ou ver também Deborah Danowski e Eduardo Viveiro de Castro (Há mundo por vir?: ensaio sobre os medos e os fins): “A transformação  dos humanos em força geológica, ou seja, em um fenômeno ‘objetivo’, em um objeto ‘natural’, em um ‘contexto’ ou ‘ambiente’ condicionante, paga assim com a intrusão de Gaia no mundo humano, dando ao Sistema Terra a forma ameaçadora de um sujeito histórico, um agente político, uma pessoa moral”]
(Trecho de: Face à Gaïa. Huit conférences sur le nouveau régime climatique. Paris: Éditions La Découverte, outubro de 2015; pp. 9-12)

Metodologia de pesquisa: guia prático com ênfase em Educação Ambiental

federal de lavras
http://repositorio.ufla.br/jspui/handle/1/10706


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Title: Metodologia de pesquisa: guia prático com ênfase em Educação Ambiental
Keywords: Pesquisa qualitativa
Educação
Formação de professores
Issue Date: 12-Dec-2015
Publisher: Universidade Federal de Lavras
Citation: MARTINS, R. X. (Org.). Metodologia de pesquisa: guia prático com ênfase em educação ambiental. Lavras: UFLA, 2015.
Description: A Educação Ambiental é uma área interdisciplinar com atuação simultânea em torno do ambiental e do educativo e que tem assumido grande relevância no Brasil. Existe abundância de temas para pesquisa e muitos problemas a serem investigados, mas para isso são necessários: muita criatividade, metodologia bem elaborada e rigor científico na construção/validação do novo conhecimento. Além disso, a pesquisa em Educação Ambiental deve cumprir a função social de enriquecer não só o que se sabe, mas principalmente o que se faz nessa área. Com base em tais premissas, este livro foi organizado com o objetivo de orientar estudantes de graduação e pós-graduação na concepção, delineamento e desenvolvimento de projetos de pesquisa nessa área.
URI: http://repositorio.ufla.br/jspui/handle/1/10706
ISBN: 9788569274094
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Projeto fotográfico evidencia tragédia no Rio Doce

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Projeto fotográfico evidencia tragédia no Rio Doce

Leonardo Merçon é o responsável pelo trabalho que virou o projeto fotográfico 'Lágrimas do Rio Doce', que em breve será disponibilizado também em formato de documentário


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Rebeca Oliveira - Correio BraziliensePublicação:07/12/2015 10:10Atualização:07/12/2015 11:54
 (Instituto Últimos Refúgios / Divulgação)
“As pessoas só protegem o que sabem que existe.” Com a sentença em mente, o fotógrafo de natureza e conservação Leonardo Merçon deixou de pagar as contas pessoais, alugou um barco e saiu de Vitória com destino a 10 cidades em Minas Gerais e Espírito Santo. Merçon, que também é presidente do Instituto Últimos Refúgios, partiu de casa com um grupo composto por ele e mais duas pessoas. Ao longo de três semanas, registrou o antes e o depois da maior tragédia ambiental que abalou o país nos últimos meses: o rompimento das barragens da mineradora Samarco (Vale e BHP Billiton) em 5 de novembro, levando uma onda de caos por onde passaram as 62 milhões de toneladas de lama, que deixou pelo menos 13 mortos, uma dezena de desaparecidos e milhares de desabrigados. As viagens feitas por ele viraram o projeto fotográfico Lágrimas do Rio Doce, que em breve será disponibilizado também em formato de documentário.

Até agora, Merçon fez duas expedições fotográficas. A primeira aconteceu quatro dias após o rompimento das barragens, destruindo o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG). A priori, a previsão do grupo era acompanhar a chegada da lama no Espírito Santo, onde vivem. Diante da demora inicial, o fotógrafo e equipe decidiram subir o Rio Doce de barco. Por um momento, chegaram a pensar que a lama tinha se dissipado. Até chegarem a Governador Valadares, um dos municípios mineiros mais atingidos pelos restos do acidente na mineradora. A bordo de uma embarcação simples, Merçon e os colegas registravam tudo que podiam. Ele recorda: foi difícil fotografar com os olhos mareados diante da situação de desespero da população.
 (Instituto Últimos Refúgios / Divulgação)

Expedição
O fotógrafo viu a cor da água do Rio Doce mudar de verde-esmeralda para um marrom sem vida. Peixes pulavam para fora da água, desesperados. Alguns pescadores colhiam os animais mortos e tentavam vender por míseros R$ 5 por quilo, para garantir o sustento da família. As primeiras imagens foram visualizadas por mais de cinco milhões de pessoas, o que ajudou o Instituto Últimos Refúgios a realizar a segunda expedição, quando acompanharam a chegada da lama tóxica no mar. A morte não se restringia a peixes. Capivaras, lontras, jacarés, cavalos e até aves também morreram. Pessoas também ficaram doentes por beber a água proveniente do rio. A lama segue o curso do mar, e continua, diariamente, matando mais histórias. “Passei a prestar atenção nas comunidades. Quis mostrar o crime que estava sendo cometido, e não consegui dissociar os lados pessoal e emocional”, afirma o fotógrafo.

Uma das imagens mais icônicas tem nas lágrimas de um pescador uma síntese que viveram os ribeirinhos ao ver seu sustento se perder em litros de água avermelhada e cheia de poluentes. Em Aimorés, em Minas Gerais, Benilde Madeira foi flagrado em uma das fotografias mais tocantes. Os olhos cheios d’água carregavam um misto de lamento e desespero. “Naquele momento, ele falava sobre o filho dele, que havia perguntado sobre quando ele pescaria um dourado de novo no rio, e ele não sabia a resposta”, recorda Merçon. “Em todos os pescadores, percebi que não havia só tristeza, mas raiva. Esse não é o primeiro problema que estão enfrentando. Eles já tinham dificuldades com os empreendimentos que usam os rios, como as hidrelétricas e outras empresas que o polui. E com o próprio governo e o defeso, que não havia sido pago”, acrescenta.

 (Instituto Últimos Refúgios / Divulgação)

 (Instituto Últimos Refúgios / Divulgação)

 (Instituto Últimos Refúgios / Divulgação)

 (Instituto Últimos Refúgios / Divulgação)

 (Instituto Últimos Refúgios / Divulgação)

Duas perguntas Leonardo Merçon 
A Organização das Nações Unidas classificou as medidas tomadas pelo governo federal para conter o desastre inaceitáveis. Como testemunha ocular da tragédia, acredita que houve negligência? 
É inaceitável a postura defensiva das empresas responsáveis e do governo. A primeira coisa que eles deveriam ter feito, independentemente de quem fosse a culpa, era mitigar aquilo, conter os estragos. Gastou-se muito tempo tentando achar culpados em vez de resolver. A barragem e a responsabilidade era deles. Em algumas cidades, pessoas ficaram em situações desumanas. Teve uma cidade chamada Galileia, em Minas, onde fomos fazer doação de água. Eles estavam há uma semana sem água. Muita gente estava doente, com diarreia, porque as pessoas tentaram filtrar a água do Rio, de chuva, e de outras fontes duvidosas.

A instabilidade política em que vive o país atrapalha na contenção e resolução das consequências do desastre em Mariana? 
O país vive uma crise econômica, ambiental e política desde antes da catástrofe. Muitos crimes ambientais têm sido cometidos, principalmente na Amazônia, na Mata Atlântica e no Cerrado, que têm sido devastados. Essa dificuldade de lidar com a tragédia do Rio Doce é só um reflexo do que tem sido feito nos últimos anos em nosso país. Isso é evidenciado por inúmeros atitudes, como desmantelamento do Código Florestal. A população também está distante do meio ambiente e se blindando dentro da bolha da cidade. É como se a natureza não fizesse mais parte da vida delas. Quem vai querer proteger o que não faz parte da vida delas? Elas acham que essas consequências ambientais estão distantes, só percebem quando está mais quente e gastam mais dinheiro por causa do ar-condicionado.

Wednesday, 9 December 2015

Estudo reitera escassez hídrica severa no Brasil

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Estudo reitera escassez hídrica severa no Brasil

Dados obtidos por satélites da Nasa sugerem que as regiões Sudeste e Nordeste perderam juntas cerca de 105 trilhões de litros d’água por ano entre 2012 e 2015
RODRIGO DE OLIVEIRA ANDRADE | Edição Online 17:53 7 de dezembro de 2015

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© LÉO RAMOS
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Regiões Sudeste e Nordeste do país perderam, no total, 56 km³ e 49 km³ de água entre fevereiro de 2012 e janeiro de 2015
As regiões Sudeste e Nordeste do Brasil perderam juntas cerca de 105 trilhões de litros d’água por ano entre 2012 e 2015. A estimativa é do hidrologista brasileiro Augusto Getirana, pesquisador assistente no Goddard Space Flight Center da agência espacial norte-americana (Nasa), em Maryland, nos Estados Unidos. Em um estudo publicado em outubro na revistaJournal of Hydrometeorology, ele analisou variações do armazenamento total de água no Brasil, das águas superficiais — como rios, lagos e reservatórios — às subterrâneas — como aquíferos e a umidade do solo — entre 2002 e 2015. Usou para isso um conjunto de dados obtidos por dois satélites Grace (sigla para Gravity Recovery and Climate Experiment) da Nasa. Esses satélites foram usados porque são capazes de detectar dois tipos de variações: no campo gravitacional da Terra, em geral causadas pelo movimento de grandes massas d’água, como rios e aquíferos subterrâneos; e ao medir a altura da camada de água.
De fevereiro de 2012 a janeiro de 2015, ele verificou, a quantidade de água nas regiões Sudeste e Nordeste do país diminuiu significativamente. Nesse período, essas regiões perderam, no total, 56 quilômetros cúbicos (km3) e 49 kmde água, respectivamente. Os satélites Grace também medem a quantidade de água a partir da altura da camada de água entre o fundo e a superfície de rios, reservatórios e lagos. Se a camada tiver mais de 1 centímetro (cm) de altura, o satélite detectará e fará a medição. Por essa medida, em comparação à média dos últimos 13 anos, o Sudeste dispunha de 4,1 cm menos de água enquanto o Nordeste teve 3,7 cm menos de água.
As represas e reservatórios brasileiros também foram avaliados. Segundo o estudo, eles atingiram os níveis mais baixos desde 2005. Para se ter ideia, os 16 reservatórios avaliados no estudo — entre eles de Furnas, Ilha Solteira e Três Marias —registraram capacidade mínima de armazenamento de água nos últimos 12 meses. O reservatório de água do sistema Cantareira, responsável pelo abastecimento de aproximadamente 8,8 milhões de pessoas na Região Metropolitana de São Paulo, em setembro de 2014, por exemplo, tinham preenchido apenas 10,7% de sua capacidade total.
Em 2002, quando os satélites começaram a coleta de dados, o Brasil havia acabado de passar por um período de seca iniciado em 2000. Um período mais úmido estendeu-se até 2012, quando, novamente, a baixa incidência de chuvas, associada ao aumento das temperaturas médias, voltou a predominar em grande parte do território brasileiro, configurando-se mais tarde na pior seca do país em 35 anos. Análises mais detalhadas dos dados produzidos pelos satélites Grace ao longo de 13 anos mostraram que o Brasil tem oscilado entre períodos ora mais secos, ora mais úmidos. Desde 2011, no entanto, um novo período de seca estabeleceu-se no país, sobretudo nas regiões Sudeste e Nordeste.
Augusto Getirana pretende seguir monitorando variações do armazenamento de água no país, mesmo diante da possibilidade de os satélites Grace serem desativados em breve. Ele explica que ainda é difícil fazer projeções relacionadas à situação hídrica do país para os próximos anos. “Satélites observam o presente e levam um certo tempo para processar os dados para que, então, sejam disponibilizados para uso científico”, diz. “Isso faz com que esses dados, de certa forma, se tornem obsoletos. Daí a importância do monitoramento contínuo da distribuição de água no Brasil.”
Artigo científico
GETIRANA, A. C. V. Extreme water deficit in Brazil detected from spaceJournal of Hydrometeorology. out. 2015.

Wednesday, 2 December 2015

O bioregionalismo como alternativa ecológica

O bioregionalismo como alternativa ecológica

         O modelo ainda dominante nas discussões ecológicas privilegia em escala o Estado e o mundo; em economia a exploração da natureza, o crescimento/desenvolvimento ilimitado em nível mundial e a competição; em política prevalece a centralização, a hierarquização, o controle e o governo da maioria; na cultura o quantitativo sobre o qualitativo, a uniformização dos costumes, o consumismo e o individualismo  e o pensamento tecnocrático.
Este paradigma subjaz, em grande parte, à atual crise da Terra, pois considera esta como um todo uniforme sem valorizar a singularidade de seus muitos ecossistemas e a diversidade das culturas. Por isso, gera desequilíbrios no sistema da vida e na dinâmica natural da Terra viva. Era a crítica que Chico Mendes fazia ao abordar o desenvolvimento da Amazônia: o de querer uniformemente aplicar nela as mesmas tecnologias e métodos como nas demais regiões da Terra. Tal procedimento implicaria na devastação da Amazônia, como de fato está ocorrendo. Daí sua sugestão do extrativismo como adequado àquele ecossistema: extrai o que se precisa até para o comercio, mas preservando a riqueza daquela floresta, fundamental para os climas e para o equilíbrio geral do planeta.
Hoje está se impondo uma outra vertente  mais amiga da natureza e com possibilidades de nos tirar da crise atual: o bioregionalismo. A bioregião se circunscreve numa área, normalmente, definida pelos rios e pelo maciço de montanhas. Possui certo tipo de vegetação, geografia do terreno, de fauna e da flora e mostra uma cultura local própria com seus hábitos, tradições, valores, religião e história feita no local.
Em termos de escala se centra na região e na comunidade; em economia, na conservação, adaptação, autossuficiência e cooperação; em política, na descentralização,  na subsidiariedade, na participação e na busca do consenso; na cultura favorece a simbiose, a diversidade e o crescimento qualitativo e inclusivo.
O bioregionalismo não é novo, pois  se inspira nos modos de vida milenares, anteriores ao surgimento dos impérios com sua burocracia, hierarquia e exércitos, base dos Estados modernos.
A tarefa básica do bioregionalismo é fazer os habitantes  entenderem e valorizarem o lugar onde vivem. Importa fazê-los conhecer o tipo de solos, de florestas, de animais, as fontes de água, o rumo dos ventos, os climas e microclimas, os ciclos das estações, o que a natureza nos pode oferecer em termos de paisagens, alimentação e bens e serviços para nós e para toda a comunidade de vida. Faz-se mister inserir as pessoas na cultura local, nas estruturas sociais, urbanas e rurais, no aprendizado das figuras exemplares da história local. Finalmente, sentir-se filho e filha da Terra.
É na bioregião que a sustentabilidade se faz real e não retórica a serviço do marketing; pode se transformar num processo dinâmico que aproveita racionalmente das capacidades oferecidas pelo ecossistema local, criando mais igualdade, diminuindo em níveis razoáveis a pobreza, facilitando a participação das comunidades no estabelecimento dos projetos e das prioridades.
Mesmo sendo a comunidade local a unidade básica, isso não invalida as unidades sistêmicas maiores (inter-regionais, nacionais e internacionais) que afetam a todos (por exemplo, o aquecimento global). A ideia do glocal, vale dizer, pensar e agir local e globalmente nos ajuda a articular as duas dimensões. Sempre é necessário informar-se sobre as experiências de outras regiões e como está o estado geral do planeta Terra.
O bioregionalismo possibilita que as mercadorias circulem no local, evitando as grandes distâncias; favorece o surgimento de cooperativas comunitárias; persiste a economia de mercado mas composta primariamente, embora não exclusivamente, de empresas familiares, iniciativas cujos proprietários são os próprios trabalhadores e uma cooperação aberta entre bairros e municípios, como ocorre entre vários municípios do vale do Rio Itajai em Santa Catarina e em outras regiões.
O bioregionalismo permite deixar para trás o objetivo de “viver melhor”(ética da acumulação ilimitada) para dar lugar ao “bem viver e conviver” (ética da suficiência) dos andinos, que implica sempre o bem-estar para toda a comunidade e entrar em harmonia com a Mãe Terra, com os solos, as águas e os demais elementos que garantem nossa vida junto com os demais seres vivos do ecossistema.
Esse é um caminho  que está sendo trilhado em muitos lugares no mundo. Ele configura uma semente de esperança no meio da falta de alternativas dos dias atuais.

]Leonardo Boff escreveu com Mark Hathaway o livro O Tao da libertaçãoo: explorando a ecologia da transformação, Vozes 2012.