Monday, 12 November 2018

CARTA DE MIGRAÇÃO DE MATO GROSSO


fonte:
https://direitoshumanosmt.blogspot.com/p/migracao.html


CARTA DE MIGRAÇÃO DE MATO GROSSO
Fórum de Fluxos Migratórios



Só se enxerga bem a ilha
Quando se sai da ilha

~ José Saramago
 
Intensificado e num dos momentos mais marcantes da história civilizatória, o processo de migração bate os recordes mundiais em número, e qualitativamente, assemelha-se mais às remoções (movimentos forçados) do que os deslocamentos opcionais. Trata-se de movimentos locais, nacionais e internacionais, que demanda políticas públicas dos países que acolhem os refugiados, os removidos ou os migrantes.

Esta Carta da Migração é fruto do Fórum Fluxos Migratórios, que reuniu organismos do governo e da sociedade civil, com estudiosos e militantes, além de migrantes de Cuba, Haiti, Venezuela, Senegal, Peru, Chile, México, Indonésia, Vietnam, Libéria e também descendentes de migrantes do próprio Brasil. Por meio de depoimentos, palestras e debates em fórum por todos os participantes, o diálogo buscou um pacto de pensamentos, ações, sentimentos e políticas que pudessem subsidiar a construção de fortes políticas públicas que considerassem as migrações de maneira inclusiva, e sobremaneira, justa.

Diversos outros temas perpassam a dimensão migratória, como um aumento considerável do sexo feminino na pauta, entretanto, sofrendo mais assédio moral e sexual. Além disso, o processo migratório deve ampliar o debate para acolhimento dos grupos em situação de vulnerabilidade, como as crianças, idosos, Pessoas com Deficiência (PcD), povos indígenas, ciganos, comunidade LGBTIQ, quilombolas, favelados e demais grupos que estão mais expostos com o crescimento do fascismo, com claros pilares do autoritarismo, armamentos, racismo, misoginia, homofobia e xenofobia.

O fluxo migratório da atualidade supera todos os recordes anteriores e o relatório mundial da Organização das Nações Unidas (ONU)[1] acusa que em 2017 tivemos cerca de 258 milhões de pessoas transitando entre um país e outro. Embora os países do hemisfério norte sejam aqueles que mais recebem migrantes, aumentam a frequência e número de migrações em todo o mundo, inclusive no Brasil. As causas principais são econômicas, políticas, religiosas e conflitos civis, aumentando a migração climática em todo o mundo.

Consideramos que seja fundamental construir políticas públicas de migração que sejam transparentes, que possibilitem a participação e o controle social por parte da sociedade civil e das diversas comissões de Direitos Humanos existentes em MT. Devem ser incluídas o acolhimento linguístico e à educação, de forma plena, ampla e irrestrita. Os processos legais da residência, que inclui a mobilidade e trabalho, além de outros aspectos relevantes da garantia da boa alimentação, saúde, acesso digital e moradia são essenciais à democracia da migração, com assistências e diálogos articulados dos órgãos públicos, sociedade civil e agências nacionais e internacionais.

Esta Carta da Migração quer fomentar marcos legais que tratem da legislação migratória que fortaleça e garanta o acolhimento, o espaço de refúgio, o trabalho, a educação, a saúde e o bem-viver das populações. Uma especial atenção às crianças e adolescentes, que garanta uma juventude digna, inclusive com inclusão da dimensão lúdica, ao lume dos fatos de que as mulheres e as crianças são as que mais sofrem nos processos de migração.

Para além dos sofrimentos humanos, há um ambiente que foi destruído, devastado pelo clima, gerando o desgaste da natureza que inibe a agricultura camponesa, a ausência de falta de água ou desastres que destroem outras formas de vida, além da aridez da terra, escassez da água ou desastres relativos à atmosfera do planeta. Por isso, as políticas públicas migratórias devem estar em consonância com as políticas ambientais, nos diálogos inseparáveis entre cultura e natureza.

Os participantes do fórum debatem a migração como responsabilidade do Estado, como abertura democrática e participativa, para construir as políticas públicas, principalmente em alguns eixos principais:

1)      POLÍTICAS MIGRATÓRIAS – Recomenda-se a regulamentação da Lei Federal 13.445/2017 no âmbito do estado de MT. Fortalecer uma forte política pública de migrantes, garantindo a mobilidade e trabalho; com a criação de mais centros, refúgios ou casas de acolhimento que consigam atender os migrantes. Encorajar e estimular as atividades já existentes, como cursos de formação profissional, empreendedorismo social, idiomas, ou cidadania, além de um “balcão” de direitos trabalhistas com orientações gerais sobre o trabalho. Abrir diálogos com empregadores para fortalecer a possibilidade de contratação de migrantes estrangeiros. Sob o guarda-chuva da Lei de Migração (2017), é essencial construir legislações específicas do estado e dos municípios de Mato Grosso. Recomenda-se para que os municípios criem seus meios e redes para articulação política, conforme as singularidades, limites e possibilidades de cada território, a exemplo de Conselhos Municipais de Migração, de Fóruns Participativos e de Observatório da Migração, entre outras possibilidades.

2)     POLÍTICAS EDUCATIVAS – garantia da aprendizagem da língua portuguesa, reforço da educação de forma ampla, irrestrita e multilíngue, para todos os níveis e idades, para todos os credos, orientação sexual, religião ou etnia. Uma aprendizagem que considere a formação, a extensão e a pesquisa num ciclo permanente que possibilite a comunicação, o acesso digital, políticas específicas de inclusão e a construção da interculturalidade na “com-vivência” com os diferentes.

3)     POLÍTICAS DE SAÚDE – com boa alimentação, combate ao agrotóxico, acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS) e inclusive com apoio odontológico e, na eminência do mal do século, atendimento psicológico que vise cuidados com a depressão e outras inquietudes emocionais.

4)     POLÍTICAS DE DIREITOS HUMANOS – de forma geral, que abarque as dimensões prévias, incluindo as relações de gênero, direitos das crianças e adolescentes, idosos, Pessoas com Deficiência (PcD), e demais grupos em situação de vulnerabilidade. Uma política que fomente a criação de redes com várias conexões e intersetorialidades, e que por meio de diálogos, consigam frear o tráfico de pessoas, o trabalho escravo e as demais situações que comprometam o bem-viver. Uma rede de fluxos e conexões que promovam uma lei de migração mais democrática, o trabalho digno, o acesso a moradia, a livre mobilidade, o direito da informação, da educação, da saúde e também do lazer. E porque somos conectados, a garantia do ambiente protegido, com direitos que possam promover a proteção dos povos humanos, dos não humanos e de toda porções da água, terra, fogo e ar que consigam manter a felicidade de uma Terra sustentável.


Cuiabá, 8 e 9 de novembro de 2018.
Auditório Setec, UFMT
Participantes do Fórum Fluxos Migratórios


[1] United Nations Organisation, International Migration Report, 2017.
https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=12&ved=2ahUKEwjThpmsbveAhWCC5AKHSWRCU4QFjALegQIBxAC&url=http%3A%2F%2Fwww.un.org%2Fen%2Fdevelopment%2Fdesa%2Fpopulation%2Fmigration%2Fpublications%2Fmigrationreport%2Fdocs%2FMigrationReport2017_Highlights.pdf&usg=AOvVaw2vveTgkGD49UXb6IhwqiwJ

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