http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/570100-o-semiocapitalismo
“O nível de predomínio do capital financeiro
na atualidade é esmagador e constitui o eixo central da acumulação
contemporânea, até praticamente reduzir a produção de objetos materiais
ou imateriais à periferia na busca de rentabilidade. O semiocapitalismo
[capitalismo semiótico] se tornou o ponto máximo de abstração do
capital, impactando direta e fulminantemente sobre indivíduos que vivem,
cada vez mais, no interior de realidades virtuais e sob o signo da
desmaterialização dos vínculos intersubjetivos”, escreve o filósofo Ricardo Forster, analisando a obra Fenomenología del fin. Sensibilidad y mutación conectiva, de Franco “Bifo” Berardi, filósofo, escritor e agitador cultural italiano.
A análise é publicada por Página/12, 28-07-2017. A tradução é do Cepat.
Não por isso, deixa de ser um livro valioso e agudo em sua tentativa de cartografar a obscura complexidade de nossa época. Detenho-me em um dos tantos parágrafos de um texto inquietante: “O ponto crucial da crítica de Baudrillard é o fim da referencialidade e a (in)determinação do valor. Na esfera do mercado, as coisas não são consideradas a partir do ponto de vista de sua utilidade concreta, mas, ao contrário, a partir de sua permutabilidade e seu valor de troca. De maneira similar, na esfera da comunicação, a linguagem é comercializada e valorizada como performance. É a efetividade, e não o valor de verdade, a regra da linguagem na esfera da comunicação. É a pragmática, e não a hermenêutica, a metodologia para compreender a comunicação social, especialmente na era dos novos meios de comunicação” (pág. 175).
Nestas reflexões de Berardi se manifesta o processo que, no interior da modernidade burguesa, chegou, séculos depois, ao que ele denomina “semiocapitalismo” [capitalismo semiótico], esta etapa na qual o signo linguístico se emancipou plenamente de qualquer referencialidade para se deslocar por uma espacialidade na qual a abstração domina.
Citando Jean Baudrillard – que não costuma ser citado, ultimamente, para além do valor antecipatório de muitas de suas análises -, diz que o filósofo francês “propôs uma semiologia geral da simulação baseada na premissa do fim da referencialidade, tanto na economia como no campo linguístico. Em O espelho da produção, escreve: ‘[...] a necessidade, o valor de uso e o referencial ‘não existem’: não passam de conceitos produzidos e projetados em uma dimensão genérica pelo próprio desenvolvimento do sistema de valor de troca’. O processo de autonomização do dinheiro, que é a principal característica do capitalismo financeiro, pode se inscrever no marco geral da emancipação da semiose da referencialidade” (págs. 172-173).
“Todos os signos – escreve Baudrillard, em “A troca simbólica e a morte” – se permutam entre si, daqui por diante, sem se permutar por algo real (e não se permutam bem, não se permutam perfeitamente entre si, a não ser na condição de não se permutar por algo real)”. Pensar as estratégias comunicacionais é adentrar nesta hipérbole do signo, na qual a operação de deslocamento se consumou de forma definitiva, impactando de cheio na subjetivação de indivíduos que estabelecem vínculos com “a realidade” por meio desta “emancipação do signo de sua função referencial”. Na era da “pós-verdade”, tudo pode ser dito e convertido em “verdade irrefutável”. Romper esta nova forma de feitiço constitui o desafio mais árduo e difícil de qualquer projeto de libertação.
O perigo é que a dimensão real e imaginária deste ‘transtrocamento’ da materialidade em abstração acabe por ser aceita pelos sujeitos como a efetiva “realidade”, sem chances de se subtrair desta colonização cada vez mais profunda. “A virtualização financeira – diz Berardi – é o último passo na transição para a forma do ‘semiocapital’. Nesta esfera, aparecem dois novos níveis de abstração, como fruto da abstração do trabalho, a respeito da qual Marx escreveu (...). A abstração digital soma uma segunda camada à abstração capitalista. A transformação e a produção já não acontecem no campo dos corpos, da manipulação material, mas, sim, no da pura interação autorreferencial entre máquinas informáticas. A informação toma o lugar das coisas e o corpo fica eliminado do terreno da comunicação (...). Depois, há um terceiro nível de abstração, que é o da abstração financeira. As finanças (...) se desvincularam da necessidade da produção. O processo de valorização do capital, ou seja, aquele que aumenta o dinheiro investido, já não passa pela instância da produção do valor de uso ou, inclusive, pela produção física ou semiótica de bens” (págs. 176-177).
De qualquer modo, Giovanni Arrighi, em seu livro O longo século XX, já havia destacado que em cada uma das etapas ou ciclos atravessados pelo capitalismo, desde sua primeira estação genovesa, era possível constatar um traço comum a todas: que em seus períodos de declive se produzia, no centro hegemônico de cada época, um deslocamento do capital comercial e produtivo para o capital financeiro (isso aconteceu com Gênova, Holanda, Grã-Bretanha e, atualmente, com Estados Unidos que, segundo Arrighi, constituem os quatro ciclos de acumulação que definem o percurso histórico da economia-mundo capitalista). Traço mais que interessante – aquela condição de hegemonia financeira nas épocas de decadência, em cada etapa do capital – que nos permite antecipar a crise, talvez terminal, do ciclo dominado pelos Estados Unidos. É como se no corpo imaterial do capitalismo já estivesse escrito, desde seus começos no século XVI, a significação decisiva da financeirização como núcleo último de seu desdobramento histórico e como marca de sua condição crepuscular.
Berardi acrescenta que a depredação do mundo real se tornou possível, em toda a sua extensão, no exato momento em que o capital pôde prescindir da produção de coisas úteis para se centrar, quase com exclusividade, na dimensão abstrata da circulação e investimento monetário. “A separação do valor de um referencial conduz à destruição do mundo existente” (pág. 178). O domínio da abstração generalizada como traço decisivo da etapa neoliberal não só avança sobre uma depredação do mundo real, como também deixa sem capacidade de reflexão e, portanto, de crítica, a uma humanidade que é incapaz de compreender os mecanismos que definiram uma atualidade demolidora, sobre a qual parece impossível intervir em um sentido político.
Slavoj Zizek, por sua vez, também insiste neste caráter desmaterializador e supostamente não ideológico do capitalismo contemporâneo, um caráter que se torna indecifrável para o indivíduo presos nas volumosas, mas invisíveis malhas do consumo e da virtualidade, a trama de dominação que segue exercendo seu grande poder sobre os corpos e a natureza, ao mesmo tempo em que promove uma “verdade-sem-significado que se adapta, sem inconvenientes, à era da digitalização e da comunicação de massas.
Há uma asfixia da compreensão que é proporcional à complexidade tecnológica, a partir da qual se deslocam os infinitos fluxos do capital financeiro pela abstração do éter informacional. É como se aquele sujeito da ilustração tivesse se transformado em um indivíduo passivo, que é falado por uma realidade desmaterializada, na qual só parece imperar o reino da ficção e da artificialidade. Nada permanece da aposta kantiana que postulava indivíduos autônomos e soberanos. O semiocapitalismo se move, sem inconvenientes, no interior de uma sociedade presa nas redes do binarismo digital.
Fenomenologicamente, isto pode ser observado nas estratégias desenvolvidas pelos meios de comunicação na hora de construir dispositivos que operam sob a lógica dos memes neurolinguísticos, aos quais Berardi faz referência, buscando, justamente, saltar a cristalizada capacidade reflexiva dos telespectadores ou dos usuários da internet e de redes sociais, até atingir sua mais profunda sensibilidade, onde as respostas se vinculam ao gesto automático que se manifesta como um antes e, por que não, como um bloqueador de qualquer ação argumentativa.
A massa dos cidadãos-consumidores se movimenta no interior deste processo de estetização do mundo, que corresponde ao que Nicolás Casullo chamava de “culturalização da política”, perspectiva que nos leva diretamente à influência decisiva que se estabeleceu entre as esferas da linguagem e da economia no interior do semiocapitalismo, uma categoria perturbadora que busca decifrar a fabricação de subjetividade e os novos dispositivos da servidão voluntária, que já não se desdobra na dimensão exclusiva da imagem, mas penetra nos interstícios da linguagem até atingir seu núcleo mais profundo e inconsciente. Os sujeitos sujeitados no interior desta lógica do capital são, agora, falados por esta configuração feita de algoritmos, figuras e diferenças digitais. A armadilha já foi construída e caímos em suas redes. Seremos capazes de romper seus nós?
30 Julho 2017
A análise é publicada por Página/12, 28-07-2017. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
O semiocapitalismo se tornou o ponto máximo de
abstração do capital, impactando direta e fulminantemente sobre
indivíduos que vivem, cada vez mais, no interior de realidades virtuais e
sob o signo da desmaterialização dos vínculos intersubjetivos
Leio, não sem começar a me perguntar algumas coisas que me remetem a nossa atualidade, o último livro de Franco “Bifo” Berardi, Fenomenología del fin. Sensibilidad y mutación conectiva,
no qual esmiúça a época da digitalização e do predomínio da
financeirização do mundo, não sem derramar, ao menos sobre mim, uma
sutil dose de pessimismo civilizatório, que conduz mais à melancolia que
à rebelião. Não por isso, deixa de ser um livro valioso e agudo em sua tentativa de cartografar a obscura complexidade de nossa época. Detenho-me em um dos tantos parágrafos de um texto inquietante: “O ponto crucial da crítica de Baudrillard é o fim da referencialidade e a (in)determinação do valor. Na esfera do mercado, as coisas não são consideradas a partir do ponto de vista de sua utilidade concreta, mas, ao contrário, a partir de sua permutabilidade e seu valor de troca. De maneira similar, na esfera da comunicação, a linguagem é comercializada e valorizada como performance. É a efetividade, e não o valor de verdade, a regra da linguagem na esfera da comunicação. É a pragmática, e não a hermenêutica, a metodologia para compreender a comunicação social, especialmente na era dos novos meios de comunicação” (pág. 175).
Nestas reflexões de Berardi se manifesta o processo que, no interior da modernidade burguesa, chegou, séculos depois, ao que ele denomina “semiocapitalismo” [capitalismo semiótico], esta etapa na qual o signo linguístico se emancipou plenamente de qualquer referencialidade para se deslocar por uma espacialidade na qual a abstração domina.
Citando Jean Baudrillard – que não costuma ser citado, ultimamente, para além do valor antecipatório de muitas de suas análises -, diz que o filósofo francês “propôs uma semiologia geral da simulação baseada na premissa do fim da referencialidade, tanto na economia como no campo linguístico. Em O espelho da produção, escreve: ‘[...] a necessidade, o valor de uso e o referencial ‘não existem’: não passam de conceitos produzidos e projetados em uma dimensão genérica pelo próprio desenvolvimento do sistema de valor de troca’. O processo de autonomização do dinheiro, que é a principal característica do capitalismo financeiro, pode se inscrever no marco geral da emancipação da semiose da referencialidade” (págs. 172-173).
Os sujeitos sujeitados no interior desta
lógica do capital são, agora, falados por esta configuração feita de
algoritmos, figuras e diferenças digitais. A armadilha já foi construída
e caímos em suas redes. Seremos capazes de romper seus nós?
O capital financeiro não só constitui o ponto mais avançado da “abstração”, já destacado por Marx,
como também, na perspectiva da comunicação, introduz, de forma radical,
a autonomização do signo e de seu impacto na produção artificial de
conteúdos imateriais que, no entanto, definem o vínculo com a realidade
determinando a busca de rentabilidade por parte de um capital que
abandonou a esfera da produção para se centrar na esfera financeira. Ao
se evaporar a referencialidade, o que também se encerra é a vinculação
argumentativa, abrindo passagem à fabricação de sujeitos impulsionados
por signos vazios e abstratos que impactam de cheio na dimensão afetiva e
sensível.“Todos os signos – escreve Baudrillard, em “A troca simbólica e a morte” – se permutam entre si, daqui por diante, sem se permutar por algo real (e não se permutam bem, não se permutam perfeitamente entre si, a não ser na condição de não se permutar por algo real)”. Pensar as estratégias comunicacionais é adentrar nesta hipérbole do signo, na qual a operação de deslocamento se consumou de forma definitiva, impactando de cheio na subjetivação de indivíduos que estabelecem vínculos com “a realidade” por meio desta “emancipação do signo de sua função referencial”. Na era da “pós-verdade”, tudo pode ser dito e convertido em “verdade irrefutável”. Romper esta nova forma de feitiço constitui o desafio mais árduo e difícil de qualquer projeto de libertação.
O perigo é que a dimensão real e imaginária deste ‘transtrocamento’ da materialidade em abstração acabe por ser aceita pelos sujeitos como a efetiva “realidade”, sem chances de se subtrair desta colonização cada vez mais profunda. “A virtualização financeira – diz Berardi – é o último passo na transição para a forma do ‘semiocapital’. Nesta esfera, aparecem dois novos níveis de abstração, como fruto da abstração do trabalho, a respeito da qual Marx escreveu (...). A abstração digital soma uma segunda camada à abstração capitalista. A transformação e a produção já não acontecem no campo dos corpos, da manipulação material, mas, sim, no da pura interação autorreferencial entre máquinas informáticas. A informação toma o lugar das coisas e o corpo fica eliminado do terreno da comunicação (...). Depois, há um terceiro nível de abstração, que é o da abstração financeira. As finanças (...) se desvincularam da necessidade da produção. O processo de valorização do capital, ou seja, aquele que aumenta o dinheiro investido, já não passa pela instância da produção do valor de uso ou, inclusive, pela produção física ou semiótica de bens” (págs. 176-177).
De qualquer modo, Giovanni Arrighi, em seu livro O longo século XX, já havia destacado que em cada uma das etapas ou ciclos atravessados pelo capitalismo, desde sua primeira estação genovesa, era possível constatar um traço comum a todas: que em seus períodos de declive se produzia, no centro hegemônico de cada época, um deslocamento do capital comercial e produtivo para o capital financeiro (isso aconteceu com Gênova, Holanda, Grã-Bretanha e, atualmente, com Estados Unidos que, segundo Arrighi, constituem os quatro ciclos de acumulação que definem o percurso histórico da economia-mundo capitalista). Traço mais que interessante – aquela condição de hegemonia financeira nas épocas de decadência, em cada etapa do capital – que nos permite antecipar a crise, talvez terminal, do ciclo dominado pelos Estados Unidos. É como se no corpo imaterial do capitalismo já estivesse escrito, desde seus começos no século XVI, a significação decisiva da financeirização como núcleo último de seu desdobramento histórico e como marca de sua condição crepuscular.
O nível de predomínio do capital financeiro na atualidade é esmagador e constitui o eixo central da acumulação contemporânea
Claro que, e nisto é preciso dar razão a Berardi, o
nível de predomínio do capital financeiro na atualidade é esmagador e
constitui o eixo central da acumulação contemporânea, até praticamente
reduzir a produção de objetos materiais ou imateriais à periferia na
busca de rentabilidade. O semiocapitalismo se tornou o ponto máximo de
abstração do capital, impactando direta e fulminantemente sobre
indivíduos que vivem, cada vez mais, no interior de realidades virtuais e
sob o signo da desmaterialização dos vínculos intersubjetivos. Berardi acrescenta que a depredação do mundo real se tornou possível, em toda a sua extensão, no exato momento em que o capital pôde prescindir da produção de coisas úteis para se centrar, quase com exclusividade, na dimensão abstrata da circulação e investimento monetário. “A separação do valor de um referencial conduz à destruição do mundo existente” (pág. 178). O domínio da abstração generalizada como traço decisivo da etapa neoliberal não só avança sobre uma depredação do mundo real, como também deixa sem capacidade de reflexão e, portanto, de crítica, a uma humanidade que é incapaz de compreender os mecanismos que definiram uma atualidade demolidora, sobre a qual parece impossível intervir em um sentido político.
Slavoj Zizek, por sua vez, também insiste neste caráter desmaterializador e supostamente não ideológico do capitalismo contemporâneo, um caráter que se torna indecifrável para o indivíduo presos nas volumosas, mas invisíveis malhas do consumo e da virtualidade, a trama de dominação que segue exercendo seu grande poder sobre os corpos e a natureza, ao mesmo tempo em que promove uma “verdade-sem-significado que se adapta, sem inconvenientes, à era da digitalização e da comunicação de massas.
Não existe nenhuma ‘cosmovisão capitalista’,
nenhuma ‘civilização capitalista’ propriamente dita: a lição fundamental
da globalização consiste precisamente em que o capitalismo consegue se
adaptar a todas as civilizações, desde a cristã até a hindu ou a
budista, do Oriente ao Ocidente
Em Problemas no paraíso. Do fim da história ao fim do capitalismo, [Zizek]
destaca que talvez “seja aqui onde deveríamos localizar um dos
principais perigos do capitalismo: ainda que seja global e abarque todo o
mundo, mantém uma constelação ideológica stricto sensu sem mundo,
privando a grande maioria das pessoas de qualquer mapa cognitivo
significativo. O capitalismo é a primeira ordem socioeconômica que destotaliza
o significado: não é global em nível de significado. Além do mais, não
existe nenhuma ‘cosmovisão capitalista’, nenhuma ‘civilização
capitalista’ propriamente dita: a lição fundamental da globalização
consiste precisamente em que o capitalismo consegue se adaptar a todas
as civilizações, desde a cristã até a hindu ou a budista, do Oriente ao
Ocidente. A dimensão global do capitalismo só pode ser formulada em
nível de verdade-sem-significado, como Real do mecanismo global de
mercado” (pág. 16). Essa destotalização do significado
corresponde ao abandono da ação reflexiva de parte de sujeitos carentes
daqueles instrumentos promovidos pela ilustração e que permaneceram como
restos arqueológicos de uma história vazia de conteúdo.Há uma asfixia da compreensão que é proporcional à complexidade tecnológica, a partir da qual se deslocam os infinitos fluxos do capital financeiro pela abstração do éter informacional. É como se aquele sujeito da ilustração tivesse se transformado em um indivíduo passivo, que é falado por uma realidade desmaterializada, na qual só parece imperar o reino da ficção e da artificialidade. Nada permanece da aposta kantiana que postulava indivíduos autônomos e soberanos. O semiocapitalismo se move, sem inconvenientes, no interior de uma sociedade presa nas redes do binarismo digital.
O semiocapitalismo se move, sem inconvenientes, no interior de uma sociedade presa nas redes do binarismo digital.
Bifo Berardi disse isto de um modo direto e
preocupante: “Hoje em dia, a tecnologia digital se baseia na inserção de
memes neurolinguísticos e dispositivos automáticos na esfera da
cognição, na psique social e nas formas de vida. Tanto metafórica com
literalmente, podemos dizer que o cérebro social está sofrendo um
processo de cabeamento, mediado por protocolos linguísticos imateriais e
dispositivos eletrônicos. Na medida em que os algoritmos se tornam
cruciais na formação do corpo social, a construção do poder social se
desloca do nível político da consciência e a vontade, ao nível técnico
dos automatismos localizados no processo de geração de intercâmbio
linguístico e na formação psíquica e orgânica dos corpos” (pág. 34). Fenomenologicamente, isto pode ser observado nas estratégias desenvolvidas pelos meios de comunicação na hora de construir dispositivos que operam sob a lógica dos memes neurolinguísticos, aos quais Berardi faz referência, buscando, justamente, saltar a cristalizada capacidade reflexiva dos telespectadores ou dos usuários da internet e de redes sociais, até atingir sua mais profunda sensibilidade, onde as respostas se vinculam ao gesto automático que se manifesta como um antes e, por que não, como um bloqueador de qualquer ação argumentativa.
Chamo de semiocapitalismo a atual configuração
da relação entre linguagem e economia. Nesta configuração, a produção
de qualquer bem, seja material ou imaterial, pode ser traduzida a uma
combinação e recombinação de informação (algoritmos, figuras, diferenças
digitais)
Mais adiante, e seguindo sua desconstrução da era digital, Berardi
especifica melhor sua definição da atual etapa da sociedade dominada
pela confluência do semiológico e do financeiro: “Chamo de
semiocapitalismo a atual configuração da relação entre linguagem e
economia. Nesta configuração, a produção de qualquer bem, seja material
ou imaterial, pode ser traduzida a uma combinação e recombinação de
informação (algoritmos, figuras, diferenças digitais). A semiotização da
produção social e do intercâmbio econômico implica uma profunda
transformação no processo de subjetivação. A infosfera atua diretamente
no sistema nervoso da sociedade, afetando a psicoesfera e a
sensibilidade em particular. Por esta razão, a relação entre economia e
estética é crucial para entender a atual transformação cultural” (pags.
127-128). A massa dos cidadãos-consumidores se movimenta no interior deste processo de estetização do mundo, que corresponde ao que Nicolás Casullo chamava de “culturalização da política”, perspectiva que nos leva diretamente à influência decisiva que se estabeleceu entre as esferas da linguagem e da economia no interior do semiocapitalismo, uma categoria perturbadora que busca decifrar a fabricação de subjetividade e os novos dispositivos da servidão voluntária, que já não se desdobra na dimensão exclusiva da imagem, mas penetra nos interstícios da linguagem até atingir seu núcleo mais profundo e inconsciente. Os sujeitos sujeitados no interior desta lógica do capital são, agora, falados por esta configuração feita de algoritmos, figuras e diferenças digitais. A armadilha já foi construída e caímos em suas redes. Seremos capazes de romper seus nós?
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