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http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed712_comunicacao_cientifica_para_um_publico_mais_atento
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ENTREVISTA / SONIA VASCONCELOS
Comunicação científica para um público mais atento
Por Mauro Malin em 18/09/2012 na edição 712
A professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro Sonia Vasconcelos sugere que pesquisadores científicos unam esforços com jornalistas para responder a demandas de um público cada vez mais atento à qualidade da comunicação científica, numa época em que a velocidade de informação e outros fatores ampliam, sintomaticamente, a prática de retraction [retratação, que pode implicar remoção; existe um site dedicado especificamente à retraction: http://retractionwatch.wordpress.com/].
Ela propõe que os cientistas não se limitem a comunicar os resultados de sua própria área de pesquisa, mas procurem informar a sociedade sobre como se faz ciência, como se geram e se publicam dados.
“Vivemos um momento que sinaliza certa quebra de cultura na forma como se dá a comunicação científica. Com um público cada vez mais atento, me parece mais importante, por exemplo, que o jornalista divulgue uma informação mais confiável do que rápida − apesar de não serem necessariamente excludentes −, principalmente sabendo que o impacto social dessa informação pode ser importante”, disse a professora.
O contato com Sonia Vasconcelos foi feito no primeiro – e talvez mais importante − encontro preparatório do Fórum Mundial de Ciência que se realizará no Rio de Janeiro, em novembro de 2013. Criado em 1999, será a primeira edição do FMC fora de Budapeste. O encontro preparatório na Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) foi concebido para representar a Região Sudeste, sem prejuízo do próximo encontro, que será organizado pela Fapemig em Belo Horizonte.
Fórum Mundial de Ciência
Sobre a reunião em São Paulo, no final de agosto, saíram duas ou três matérias em sites com boa visitação – o do Terra, o da revista Exame – e algum noticiário em veículos especializados. O evento passou em brancas nuvens na chamada grande imprensa. Preocupante.
Haverá, até meados do ano que vem, mais cinco encontros preparatórios, além dos de São Paulo e Belo Horizonte: Manaus, Salvador, Recife, Porto Alegre e Brasília (veja as informações oficiais aqui). Os jornalistas e outros interessados podem acompanhar tudo que foi dito na Fapesp na página que exibe os vídeos. Na página com a programação, as apresentações estão disponíveis em PDF (várias em inglês; os vídeos não permitem ler a projeção no telão).
Ética e integridade
O tema da Sonia Vasconcelos no encontro em São Paulo foi “Ética/integridade na ciência”. Ela abordou questões que relacionam, por exemplo, a integridade em pesquisa com a comunicação científica e seus impactos na percepção pública sobre a ciência. A professora mencionou vários casos de divulgação incorreta de resultados de pesquisas, inclusive algumas consideradas suspeitas devido à maneira como foram feitas ou publicadas. Não ficou apenas na seara científica propriamente dita. Uma de suas recomendações foi “estimular a comunicação responsável entre pesquisadores e jornalistas”.
Os métodos de cobertura jornalística de ciência e tecnologia (tantas vezes sensacionalista) foram avaliados incontáveis vezes neste Observatório da Imprensa. O Curso de Pós-Graduação lato sensu em Jornalismo Científico é oferecido a cada dois anos, desde 1999, pelo Labjor, Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo, da Unicamp, instituição onde nasceu o Observatório. O objetivo do curso é capacitar jornalistas profissionais e cientistas para a divulgação científica.
Uma sugestão tão simples quanto destinada a sofrer resistência de jornalistas é submeter o texto, antes de publicá-lo, a um dos autores do artigo científico citado. Numa das revistas de divulgação científica mais importante do país, a Pesquisa Fapesp, as reportagens são lidas antes da publicação não só por pelo menos um dos autores da pesquisa que gerou a pauta, mas igualmente por integrantes do Comitê Científico e do Comitê Editorial da publicação, que leem todo o conteúdo do periódico. Com muito mais razão, a revisão do texto deveria ser praxe, havendo tempo hábil, no caso de entrevistas exclusivas.
A entrevista de Sonia Vasconcelos, abaixo, foi lida pela professora antes da publicação.
Fontes podem evitar equívocos
A imprensa comete uma série de equívocos na indispensável divulgação da produção científica, mas os cientistas e suas instituições não trabalham devidamente essa comunicação. Poderiam fazer algo diferente. Nosso foco é a imprensa, mas também interessa ao Observatório saber como as fontes deveriam, na sua opinião, atacar o problema da divulgação inadequada das pesquisas.
Sonia Vasconcelos – Especialmente neste momento, em que a velocidade da informação científica está cada vez mais acelerada, e as pessoas têm acesso a vários dados, muitas vezes sem contexto, ou sem as explicações devidas, deve haver um esforço, por parte dos cientistas, não só para comunicar os resultados da sua própria área de pesquisa, mas, de forma geral, para informar a sociedade sobre como funciona de fato o fazer ciência. Qual é o processo de geração e publicação de dados, por exemplo, e o que eles “dizem”, pelo menos em linhas gerais. Também acho importante que se reforcem questões como a de que a ciência tem resultados que muitas vezes não são definitivos, mas a forma como são apresentados às vezes pode gerar interpretações equivocadas.
Isso é problema exclusivo da imprensa?
S.V. – Entendo que a forma como alguns artigos são escritos, talvez até por um movimento inconsciente de querer seduzir o revisor científico, pode gerar a ideia de que aqueles dados são definitivos, indicar uma certeza que não se teve intenção de mostrar, que não era real. Acho que muitas vezes o desejo de “vender o peixe” é tão grande que a contribuição de determinados dados pode parecer maior do que de fato é. Em contrapartida, se o jornalista não conversou com nenhum dos autores envolvidos no trabalho seu trabalho pode resultar em má compreensão e levar alguém a fazer mau uso daquela informação. Acho desejável que haja essa conversa, principalmente quando se trata de um resultado que claramente terá um impacto, senão imediato, ao menos rápido, na saúde, por exemplo.
Acho que deve haver um esforço cada vez maior das universidades para abrir oportunidades – não necessariamente criar um programa, uma pós-graduação, que depende de procedimentos mais burocráticos −, talvez em cursos de extensão, ou oficinas, para atrair jornalistas que têm interesse na divulgação científica. Creio que esse público não é pequeno.
Leitura prévia
A senhora acredita, portanto, que uma prática recomendável seria submeter a matéria jornalística a uma leitura prévia pelo autor do paper? É certo que a dinâmica da redação não ajuda, mas uma consulta por e-mailnão seria um procedimento impensável, havendo planejamento e prazo suficiente para isso.
S.V. – A dinâmica de publicação de matéria científica depende do veículo. Se for um jornal ou uma revista que tenha uma editoria de ciência, que de alguma maneira faz um filtro e olha essas matérias antes da publicação, a chance de haver problemas é muito pequena. Sabemos que vários desses editores fazem um trabalho impecável.
Essa preocupação se tornou especialmente aguda hoje?
S.V. − Sabemos que há vários possíveis problemas que podem ser causados por má interpretação de resultados científicos. A literatura científica passa hoje por uma avaliação ainda mais detalhada dos editores, entre os quais muitos usam programas antiplágio, checando a originalidade do material submetido às revistas científicas. E há, ao mesmo tempo, o olhar atento da sociedade quando ocorre um caso de fraude, ou de questionamento de dados científicos. Vivemos neste início de século um momento que parece sinalizar uma quebra de cultura na forma como a comunicação científica vai acontecendo.
Trata-se de uma mudança positiva?
S.V. – A minha percepção é que essa quebra de cultura seria bem-vinda. É importante que, antes de uma informação científica ser divulgada amplamente, haja a possibilidade de o pesquisador olhar essa informação (claro que não há garantias de que o jornalista terá o retorno que espera, no tempo que espera, o que pode complicar essa interação). Isso não é rotina. O jornalista, na maioria das vezes com tempo superlimitado, terá que fazer a revisão possível, e aquela informação será divulgada. Há um estudo de 2010, de pesquisadores australianos, que ilustra bem isso. Esse estudo está publicado no BMC Public Health e ressalta inquietações e percepções de jornalistas, alguns deles especialistas na divulgação de temas de saúde, sobre a dificuldade de equacionar tempo, demandas comerciais, disponibilidade de informação e sobre a interação com pesquisadores. Os autores indicam alguns caminhos para uma comunicação científica mais efetiva e responsável.
A palavra retraction está sendo muito utilizada no cenário de publicações científicas, mas incrivelmente já começa a fazer parte do cenário de jornalismo. Isso vai aumentar? Não sei, mas hoje já temos registro de informações jornalísticas canceladas, ou, seja, algumas informações na matéria (ou toda ela) podem sofrer uma retraction. E é complicado, porque a informação questionada é multiplicada pela mídia, está na internet. Como as pessoas verão depois aquela correção? Ela deveria ser bem divulgada também. Muitas pessoas assumem como verdade uma dada informação simplesmente porque lhes foi dito que está numa revista científica. Está publicado numa revista científica, ou em qualquer outra revista de grande circulação? Então, muitas pessoas assumem como verdade, sem contexto. “Posso seguir esse caminho, porque está publicado.”
Evitar mal-entendidos
A propósito, a revista Veja publicou recentemente uma reportagem de capa que falava em “ginástica em gotas” (ver aqui).
S.V. – Essa reportagem foi comentada no blogue Imprensa Saudável, do professor Gustavo Gusso, da USP. A questão da adequação das palavras na divulgação dos resultados de pesquisa tem recebido uma atenção cada vez maior no cenário internacional e vem ganhando espaço em periódicos científicos de grande visibilidade, como a Nature, onde o artigo “Choose words carefully” [Escolha cuidadosamente as palavras, em tradução livre] parte da constatação de que não basta usar uma linguagem científica objetiva, porque títulos sensacionalistas de matérias jornalísticas muitas vezes não têm conexão clara com o tom dos papers originais. A revista dá como exemplo um artigo científico sobre comportamento sexual animal cujo título foi cuidadosamente elaborado pelos pesquisadores, mas virou uma espécie de piada na imprensa.
Em sentido contrário, o artigo da Nature menciona o caso bem-sucedido da bióloga Lindsay Young, estudiosa de um tipo de albatroz do Pacífico que disse e repetiu muitas vezes: “Lésbica é um termo humano. O estudo é sobre albatrozes, não sobre seres humanos.” Quando perguntada sobre o que seu estudo poderia dizer a respeito de comportamentos humanos, a única resposta de Young citada foi: “Não respondo a essa pergunta.”
Basta publicar com cuidado reportagens sobre ciência e tecnologia, em especial nas áreas de saúde e biomédica?
S.V. – Sim, e sei que, no Brasil, especificamente, temos profissionais do jornalismo científico brilhantes (eu conheço vários). Entretanto, sabemos que há gaps importantes na comunicação entre o cientista – que nem sempre inclui o público no contexto da comunicação de sua pesquisa − e a imprensa. Isso não é nenhuma novidade, mas acho que esse gap pode ser reduzido. Como havia comentado, creio que também é relevante que o público seja informado não somente sobre as contribuições da ciência de forma clara e acessível, mas também sobre como se faz e se publica ciência, e deve saber que uma publicação sobre dados de pesquisa numa revista científica pode apenas sinalizar um caminho; respostas definitivas nem sempre são possíveis. Esse é um aspecto fundamental da comunicação científica que merece maior atenção nas discussões sobre ciência e sociedade.
Recomendo a leitura de um artigo da Escola de Saúde Pública de Harvard onde é dada ao público orientação para entender melhor a natureza de determinados estudos e que impacto podem ter. Os autores acreditam que as frustrações que o público muitas vezes desenvolve em relação à comunidade científica, sobre resultados de pesquisas em nutrição, por exemplo, estão relacionadas com a forma como esses são publicizados pela imprensa.
Não acho que essas deficiências na maneira de comunicar sejam sempre propositais ou deliberadas. Se ampliarmos o cenário dessa comunicação, o problema deveria ser atribuído a um conjunto de fatores. Embora possamos assumir que a imprensa tem sua parcela de responsabilidade, não podemos afirmar que a comunicação de resultados de pesquisa e seus impactos é sempre clara o suficiente para evitar problemas indesejáveis na compreensão pública sobre esses resultados.
Há um estudo publicado em 2008 que mostra que a forma como o público vem sendo exposto ao tema da biotecnologia ao longo de anos segue vieses diferentes nos Estados Unidos, na Alemanha e no Reino Unido, o que também se associa com o papel da comunicação científica nesses contextos. Acredito que há uma responsabilidade que deve ser compartilhada entre todos os que participam dessa rede de comunicação.
***
Notas
>> A apresentação em PDF de Sonia Vasconcelos está neste endereço:http://www.fapesp.br/eventos/2012/08/FMC/Sonia.pdf.)
Exemplos de retraction fornecidos pela professora:
>> The Daily Beast;
>> Vancouver Sun;
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