revista fapesp
http://revistapesquisa.fapesp.br/2012/08/10/a-diferen%C3%A7a-da-cr%C3%ADtica/
http://revistapesquisa.fapesp.br/2012/08/10/a-diferen%C3%A7a-da-cr%C3%ADtica/
A diferença da crítica
Leminski: o poeta da diferença | Elizabeth Rocha Leite | Edusp / Fapesp, 160 páginas, R$ 35,00 (preço estimado)
MARCELO TÁPIA | Edição 198 - Agosto de 2012
Elizabeth Leite realiza, no estudo que ora se publica, uma proeza de leitura crítica da obra de um autor que a merece: o “poeta-síntese dos anos 1970”, Paulo Leminski. O trabalho evidencia o ilimitado potencial de cumplicidade da análise interpretativa com a própria criação, ao reinventar sentidos no texto tomado como objeto. Seja quem for o leitor, mesmo que conhecedor de poesia e de teorias da linguagem e leitor de Leminski, descobrirá novidades por meio das associações estabelecidas no estudo de Elizabeth. Em seu entender, a obra leminskiana se constrói como um “campo de testes para uma grande diversidade de procedimentos”: o poeta-teórico se proporia a “questionar os limites tradicionais da poesia com base em um viés extraliterário”; seu interesse central seria “compreender as relações entre vida, linguagem e pensamento”. Com base nessa constatação, a autora procurará “estabelecer correspondências entre sua escrita e alguns postulados da filosofia da linguagem”.
A principal proposição que Elizabeth faz, e que será a base para sua leitura, é a da existência de “pontos em comum entre a poética do autor e a filosofia da diferença” (ou desconstrução), a teoria pós-estruturalista da década de 1960, protagonizada, na França, por Jacques Derrida e Gilles Deleuze. No dizer de Elizabeth, seria essa uma “visada teórica que permite ressaltar aspectos inéditos da poesia de Leminski”. A óptica de análise também incluirá, como referência, o pensamento de Wittgenstein, ao qual se poderia aproximar a poética estudada (com base, essencialmente, no uso que esta faz de jogos de linguagem), “independentemente de o poeta ter a ele se referido em seus escritos”. A autora levará adiante sua própria experimentação analítica no campo fértil da produção do poeta experimentador, cuja pretensão seria vista, sempre, como “irônica e estratégica”.
O próprio Leminski poderia surpreender-se com algumas das leituras sugeridas pela autora: pontos de vista diversos propiciam descobertas nos textos, que se complementam na expansão do sentido. As explicitações ou conjecturas relativas a aspectos da construção do poema o re-produzem e suscitam novos níveis de entendimento. É proveitosa, por exemplo, a leitura do poema “apagar-me / diluir-me / desmanchar-me / até que depois / de mim / de nós / de tudo / não reste mais / que o charme”, incluída no estudo sob o tópico “poesia, fala, música”. Elizabeth argumenta que, embora viesse a “defender a fala” em conhecidas afirmações suas – corroborando o que Derrida apontaria como “rebaixamento da escrita” e “fonocentrismo”, característicos do “pensamento formado com base em oposições binárias” –, Leminski “não adere a uma lógica binária da linguagem”: para ele “o negócio da poesia é ficar brincando nas fronteiras”. No poema citado, o poeta teria construído uma “fórmula encantatória, uma espécie de mantra”, para cuja compreensão evocam-se os possíveis significados e o conceito etimológico de charme(carmen, encantamento).
Em tópico dedicado à “crítica da racionalidade cartesiana”, Elizabeth expõe que, comparavelmente à proposição derridiana de se romperem as “velhas formas de pensamento”, Leminski, no poema “isso sim me assombra e deslumbra / como é que o som penetra na sombra / e a pena sai da penumbra?”, quebra regras da lógica e da gramática ao estabelecer relações etimológicas legítimas e falsas entre os “híbridos mutantes” do poema.
Mesmo quando as premissas são incertas – caso da leitura do verso “a grave advertência dos portões de bronze” como dodecassílabo – as análises de Elizabeth, com base nas referências teóricas expostas com certeiro poder de síntese, contribuem fortemente para a natural constatação de que Leminski “construiu uma poética diferenciada, que constitui um marco significativo em nossas letras”.
Marcelo Tápia é poeta e tradutor, doutor em teoria literária e literatura comparada pela USP e diretor da Casa Guilherme de Almeida – Centro de Estudos de Tradução Literária.
No comments:
Post a Comment