Monday, 30 September 2019

Economia: cheiro de mudança no ar

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Economia: cheiro de mudança no ar

Falar em distribuir renda, frear corporações e papel ativo do Estado na produção deixou de ser “heresia” — até para parte dos conservadores. Em crise sem fim, neoliberalismo vacila. Abrem-se novas brechas; falta propor outro caminho
A cada novo dia que passa, a cada nova semana que avança, percebe-se que algumas das bases de sustentação do modelo em que se apoia o atual sistema do capitalismo global começam a apresentar suas fissuras. Apesar de não oferecer nenhuma novidade para os que sempre denunciamos esse regime injusto e excludente em escala mundial, é importante sim reconhecermos a gravidade da crítica que vem sendo lançada mais recentemente por gente de distintos perfis.
Uma das muitas maneiras para explicar as mudanças reside na identificação das consequências provocadas pela crise financeira internacional, que teve seu início no ambiente econômico dos Estados Unidos em 2008. A eclosão descontrolada de alguns dos principais símbolos da chamada “economia de mercado” teve um efeito tão ou mais devastador, inclusive do ponto de vista icônico, do que o bombardeio das torres do World Trade Center no coração de Manhattan em 2001.
Afinal, o que se viu a partir da quebra em cadeia das principais instituições financeiras que operavam no mercado estadunidense foi a colocação em xeque da própria estrutura de funcionamento da ordem liberal capitalista. Em 15 de setembro de 2008, a falência do banco Lehman Brothers oferece o primeiro susto, logo depois da estatização preventiva de alguns dos gigantes do mercado imobiliário de hipotecas, como Fanni Mae e Freddy Mac. Em seguida, o Tesouro daquele país injeta um volume considerável de recursos públicos para salvar o Bank of America e o Citibank de quebrarem. O argumento para justificar a medida, que se apresentava inclusive na contramão dos dogmas do livremercadismo, era o famoso too big to fail. Ou seja, de acordo com o contorcionismo retórico de nova ordem, elas seriam instituições tão grandes que sua falência deveria ser evitada a todo custo.
Crise de 2008/9: início das mudanças
Ainda na sequência, em 2009, o governo norte-americano injeta bilhões de dólares nas simbólicas corporações gigantes do mercado automobilístico. A estratégia era também salvar da falência empresas do porte de General Motors e Chrysler. É verdade que a narrativa do liberalismo, sempre tão propagada pelo mundo afora pelo establishment ianque, na verdade nunca foi aplicada com todo o rigor no seu próprio território. Para tanto, basta considerarmos as políticas de subsídios aplicados em setores politicamente sensíveis (como agricultura e energia), as políticas especiais oferecidas ao complexo bélico militar ou a proeminência de oligopólios em inúmeros setores da economia norte-americana. Receita de liberalismo é bom para se aplicar na grama do vizinho.
Porém os efeitos da crise operaram como um questionamento profundo de alguns dos dogmas basilares do modelo que vinha funcionando desde o início dos anos 1980. O Estado foi obrigado a intervir no jogo econômico de forma explícita e ultra evidente. A política de austeridade ortodoxa teve de ser revista em uma jogada de “pragmatismo realista”, de forma que as políticas monetária e fiscal foram subvertidas em relação a tudo aquilo que as instituições difusoras do neoliberalismo sempre haviam apregoado nos Estados Unidos e pelo mundo afora. Uma das razões mais importantes para a crise no âmbito financeiro foi identificada como sendo a ausência de regulação das instituições e das operações de risco elevado. Tanto que uma das primeiras medidas consideradas como “saneadora” foi a Lei Dodd Frank, que pode ser considerada a primeira grande regulação do mercado financeiro norte-americano desde a década de 1930.
Essa contradição entre o discurso liberal e a prática de governos e instituições revelou-se insustentável. Estados Unidos, União Europeia, Japão, Canadá e outros países são afetados por essa necessidade de adaptação. Abre-se, assim, uma brecha para o surgimento de visões e propostas alternativas, ainda mesmo no campo do conservadorismo. A hegemonia demolidora exercida pelos dogmas do neoliberalismo começa a perder o vigor que sempre havia caracterizado esse período. Questões como distribuição de renda, desigualdade social e econômica, regulamentação e regulação das atividades na economia, política fiscal contracíclica e outros temas “heréticos” passam a fazer parte do cardápio dos próprios economistas que defendiam o modelo da ortodoxia até poucos meses antes.
Piketty e Lara Rezende – críticas ao modelo
Um dos formuladores que ganhou mais notoriedade ao longo dos últimos anos foi o francês Thomas Piketty e seu livro O capital no século XXI, lançado em 2013. Oriundo de uma escola conservadora no ambiente universitário francês, ele foi um dos criadores e dirigentes da polêmica Paris School of Economics (PSE), iniciativa claramente inspirada no modelo da coirmã britânica, London School of Economics (LSE). Mas o fato é que a emergência da crise e a investigação de assuntos como concentração de renda e patrimônio levaram o economista a apontar o dedo para a necessidade de mudanças profundas na questão da tributação e da regulação da economia, entre outros aspetos.
Por outro lado, a brecha aberta no debate pós-crise 2008 permitiu também a recuperação de debates do campo da macroeconomia. Voltaram à baila questões que haviam ficado no esquecimento, em razão do esmagamento ideológico promovido pelo establishment neoclássico há décadas. Essa foi a oportunidade para o ressurgimento de vários pesquisadores agrupados em torno daquilo que passou a ser chamado de “Teoria Monetária Moderna” (MMT, da sigla em inglês). De acordo com tal interpretação do fenômeno econômico, faz-se necessário um repensar a respeito de dogmas como déficit público, função da moeda e capacidade de endividamento do Estado.
Apesar da relevância do tema, as elites do financismo tupiniquim não parecem nada entusiasmadas em oferecer espaço para esse tipo de autocrítica. Um dos poucos pensadores e operadores da economia que ousaram furar a bolha e trazer luz a esse importante debate tem sido André Lara Rezende. Apesar de toda a sua formação no campo do conservadorismo, bem como sua atuação no mercado financeiro e sua participação como formulador de política econômica nos governos de FHC, ele teve a coragem política e intelectual de reconhecer os equívocos. Em seus artigos mais recentes, o economista carioca traz informações sobre o andamento do debate da MMT nos fóruns internacionais e aponta os enganos da continuidade da opção pela austeridade em nossas terras. Essa nova abordagem proposta por um importante formador de opinião postula uma forte crítica à política monetária de juros altos praticada há duas décadas e também a essa verdadeira obsessão do financismo com o corte generalizado de despesas como sendo a única saída para a crise fiscal.
Draghi, Martin Wolf e o Reino da Dinamarca
No espaço europeu a polêmica também avança, uma vez que a política de austeridade levada a cabo pelo Banco Central Europeu (BCE) e pela Comissão Europeia (CE) não produziu os efeitos desejados pela maioria da população da maior parte dos países da região. A sequência interminável de planos de ajuste recessivos e destruidores (como ocorreu com Espanha, Grécia, Irlanda e Portugal no passado recente) parece que agora cede espaço para uma reflexão de matriz diferente. O próprio presidente do BCE, o economista italiano Mario Draghi, reconheceu há poucos dias a necessidade de abrir um diálogo para examinar as propostas da MMT como alternativas para o aperfeiçoamento dos mecanismos de política monetária no espaço europeu. Vindo de quem vem e do cargo que ocupa, esse gesto não é nada desprezível.
Outra iniciativa relevante foi um artigo de autoria de Martin Wolf, importante jornalista e economista conservador, que é conhecido por suas atividades como editor do jornal Financial Times (FT). Ali também se identifica um desconforto do autor com os rumos da própria economia capitalista nos tempos atuais. Nesse caso mais recente, o autor chega ao ponto de identificar na natureza rentista do capitalismo contemporâneo uma ameaça para a sobrevivência da democracia liberal. Ora, chegamos a uma situação em que um dos maiores baluartes de defesa da ordem capitalista como FT se vê obrigado a reconhecer a necessidade de mudanças de rota. Talvez seja mesmo o caso de recordarmos o que escreveu há mais de 4 séculos atrás outro inglês, William Shakespeare, em sua peça “Hamlet”: há algo de podre no Reino da Dinamarca.
É bem possível que estejamos mesmo vivendo um momento de mudança de paradigma. Esses períodos de transição podem oferecer espaços para o novo ainda em gestação. Às forças progressistas cabe uma intervenção nesse processo de disputa de ideias. Com isso, assegurar que o novo caminho seja na direção de um mundo mais justo, menos desigual e que esteja assentado na sustentabilidade.
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Saturday, 28 September 2019

Como Greta Thunberg se tornou alvo de uma campanha de desinformação nas redes

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Como Greta Thunberg se tornou alvo de uma campanha de desinformação nas redes

Por Amanda Ribeiro
27 de setembro de 2019, 13h50

Bastaram pouco mais de quatro minutos de discurso na Cúpula de Ação Climática da ONU na segunda-feira (23) para que a ativista ambiental sueca Greta Thunberg, 16, virasse alvo de uma campanha difamatória nas redes sociais calcada em desinformação. Desde a sua fala nas Nações Unidas, ganharam visibilidade posts enganosos que afirmam ser ela neta do bilionário húngaro George Soros, que seus pais são satanistas e anarquistas e que seu penteado de tranças seria a repetição de uma estratégia nazista para convencer o público.
Publicadas em diversas línguas, as postagens identificadas e analisadas por Aos Fatos já reuniam ao menos 42 mil compartilhamentos no Facebook nesta sexta-feira (27). Grande parte das peças de desinformação disseminadas agora por perfis brasileiros foram importadas de sites e páginas do Facebook dos Estados Unidos e da França ligados à direita e a temas conservadores.
No Brasil, essas informações falsas, inclusive, transbordaram os limites da internet, tendo sido reproduzidas em comentários de políticos e comunicadores, como o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o deputado estadual pelo PSL de São Paulo Frederico D’Avila, o colunista Rodrigo Constantino, o apresentador da Band Luis Ernesto Lacombe e o jornalista potiguar Gustavo Negreiros. Os ataques em série motivaram até uma reação nas redes, por meio da hashtag #desculpagreta, que ganhou fôlego no Twitter nesta quinta.
Em resposta aos ataques, Greta publicou na quarta (25) um texto no Facebook em que diz não entender porque “adultos escolhem gastar seu tempo ameaçando adolescentes e crianças por promoverem a ciência, quando poderiam fazer algo de bom”.
Abaixo, Aos Fatos destrincha os cinco principais eixos de desinformações contra Greta Thunberg que surgiram nos últimos dias nas redes sociais — e fora delas.

1. George Soros
Greta Thunberg não é neta do bilionário húngaro George Soros nem há indícios ou provas de que ela seja financiada pela ONG dele, a Open Society Foundation. Ainda assim, estas foram as duas informações falsas mais disseminadas sobre ativista nas redes sociais desde o discurso dela na Cúpula do Clima da ONU.
Os posts que afirmam o falso grau de parentesco, já checado por Aos Fatos, têm sido acompanhados de uma montagem na qual a ativista aparece ao lado do investidor. Na foto original, postada por Greta em sua conta no Twitter, é Al Gore, ex-vice-presidente dos Estados Unidos e também ativista pelo clima, quem está ao lado da adolescente. Os avôs de Greta são, na verdade, Olof Thunberg, do lado paterno, e Lars Ernman, do materno.


A associação de personalidades e defensores de causas progressistas a Soros é um argumento frequente entre conservadores, pois a sua fundação, de fato, costuma fazer doações para projetos voltados a direitos humanos e meio ambiente. Porém, esse não é o caso de Greta: Aos Fatos não encontrou o nome dela nem do movimento Fridays For Future entre os beneficiados pelos recursos da organização.
No Twitter, a Open Society Foundation negou que financie as atividades de Greta ou que Soros seja seu avô.
A falsa associação de Greta à Open Foundation tem sido feita usando a ativista alemã Luisa-Marie Neubauer, de 23 anos, que é embaixadora da ONG ONE e que, como a sueca, também se dedica à causa ambiental. A ONE tem a Open Foundation entre os seus doadores, mas não só: a lista conta com dezenas de corporações, como a Coca-Cola, o Bank of America, a Apple e a Beats. Desta forma, é falso afirmar que a ONG pertença a Soros.
Foi o que fez, por exemplo, o deputado federal e filho do presidente Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro em post no Twitter (4.000 compartilhamentos nesta sexta-feira, 27).
Na televisão, o apresentador da Band Luís Ernesto Lacombe foi além. Ao comentar que não "comprava” o discurso da ativista, ele disse: “essa é uma menina bancada por uma fundação do George Soros, né? One Foundation. Eu realmente, por enquanto, não compro".
Em fevereiro deste ano, Greta publicou texto em sua página no Facebook para desmentir rumores de que seria financiada por instituições ou influenciada por adultos. “Muitas pessoas amam espalhar rumores dizendo que existem pessoas ‘por trás de mim’ ou que estou sendo ‘paga’ ou ‘usada’ pelo que estou fazendo. Mas não há ninguém ‘por trás’ de mim exceto eu mesma. (...) Não faço parte de nenhuma organização. Às vezes apoio e coopero com ONGs que trabalham com o clima e o meio ambiente. Mas sou absolutamente independente e só represento a mim mesma”.
Como o Fridays For Future não é uma ONG, não é possível saber quais as fontes de financiamento do movimento. Apontado como motivo de enriquecimento da ativista, o livro “Our house in on fire” (nossa casa está em chamas), escrito pela família, tem seus lucros doados a instituições de caridade. É importante ressaltar também que a mãe de Greta, Malena Ernman, é uma conhecida cantora de ópera em seu país, o que significa que a família tem fonte de renda própria.
Outra fonte de críticas e boatos é o barco utilizado por Greta para se deslocar do Reino Unido aos Estados Unidos para o discurso na Cúpula do Clima da ONU. O iate Malizia II, que ofereceu uma carona a Greta e seu pai sem cobrança de custos, pertence ao príncipe Pierre Casiraghi, de Mônaco, e ao velejador Boris Herrmann, seu parceiro de corridas.

2. Transtornos
O fato de Greta Thunberg ser diagnosticada com Síndrome de Asperger, mutismo seletivo e Transtorno Obsessivo-Compulsivo também é usado de forma distorcida para desacreditar a ativista e a sua família. Aos Fatos identificou publicações com mais de 6.000 compartilhamentos no Facebook que afirmam, de maneira falsa, que a causa de sua condição seria o consumo de drogas exagerado por parte de seus pais.
Greta foi diagnosticada há cerca de quatro anos com a Síndrome de Asperger, uma condição do TEA (Transtorno de Espectro Autista). De acordo com o psicólogo especialista em Asperger Tony Attwood, portadores dessa condição têm um modo de pensar próprio, mas não deficiente. “A pessoa com Síndrome de Asperger pode perceber erros que não são aparentes aos outros, dada a considerável atenção a detalhes, ao invés de terem um olhar panorâmico sobre uma situação. A pessoa é geralmente conhecida por ser direta, falando o que lhe vem à cabeça, sendo honesta e determinada e tendo um forte senso de justiça”, afirma Attwood em seu site.
Não há uma causa exata para o TEA, mas pesquisas tendem a associar a condição principalmente a questões genéticas. Alguns fatores ambientais também podem estar envolvidos, mas ainda não está determinado precisamente quais seriam possíveis gatilhos para o desenvolvimento da condição. A Autism Speaks, organização americana de apoio a autistas, cita alguns dos que já foram apontados por cientistas: pais com idade avançada, complicações na gravidez (como nascimento prematuro ou gravidez de gêmeos) e gestações muito próximas (menos de um ano entre uma gravidez e a outra).
Em nota, Ana Maria Mello, superintendente da AMA (Associação de Amigos do Autista) afirmou que a exposição a agentes químicos já foi apontado como uma das possíveis causas do TEA, mas que não há nenhuma comprovação científica. Além disso, ela diz que não é possível atestar qual a “causa do autismo de alguém”.
Diferente do que afirmam as postagens que atacam Greta, portanto, a sua condição não poderia ter sido causada pelo consumo de drogas por parte de seus pais, Svante Thunberg e Malena Ernman. Aos Fatos também não encontrou indício de que algum dos dois seja usuários de entorpecentes. Em uma entrevista em 2014, Malena inclusive diz nunca ter consumido drogas.
Fora do Brasil, comentários a respeito da condição de Greta já extrapolaram as redes sociais e chegaram a textos de colunistas e falas de comentaristas de televisão. Em julho, em texto que criticava uma viagem da ativista em um iate movido a energia solar, o colunista do Australian News Corp Andrew Bolt a chamou de “estranha” e “profundamente perturbada”. Aos comentários, Greta respondeu que considera sua condição “um superpoder”.
Na última terça (24), foi a vez do comentarista político americano Michael Knowles, que a caracterizou como “doente mental” em um programa ao vivo da Fox News. A emissora pediu desculpas e afirmou que não pretende mais chamar Knowles para participar de programas.
No Brasil, Rodrigo Constantino seguiu o mesmo caminho e, em comentário durante o programa 3 em 1, na rádio Jovem Pan, afirmou que Greta era “retardada” e tinha “síndrome do autismo”. Em postagem no Facebook, ele também associou a condição da ativista a uma doença mental que, segundo ele, tem sido explorada para fins políticos por sua família e pela esquerda. O post reúne pouco mais de 2.000 interações entre comentários, compartilhamentos e reações.
Em resposta ao Aos Fatos, Constantino negou ter chamado, em discussão na rádio, Greta de "retardada" por conta de sua condição, mas "retardada no tema" em que milita, o meio ambiente. Ele também refutou ter se referido à condição de autismo ao afirmar em sua coluna que a adolescente sueca era doente mental: "questionei no texto se ela tinha outra coisa, como bipolaridade, pois tinha traços agressivos, e já teve depressão no passado, segundo a própria mãe".

3. Família
Informações falsas sobre os pais de Greta Thunberg também compõem a campanha difamatória contra a ativista nas redes sociais. Um texto compartilhado ao menos 2.000 vezes no Facebook e disseminado como corrente no WhatsApp traz uma série de afirmações infundadas, como a de que o pai dela seria um cientista social gay que abandonou a mãe para morar com o namorado na Alemanha.
O conteúdo enganoso afirma ainda que a mãe de Greta seria lésbica e satanista e dá aulas sobre aborto para adolescentes. As afirmações foram desmentidas por Aos Fatos.
Casados desde 2004, Malena Ernman e Svante Thunberg não se separaram e vivem com as duas filhas Greta e Beata, em Estocolmo, na Suécia. Ele é ator e produtor, ela, cantora de ópera.
A profissão e a renda dos pais de Greta, aliás, é outro enfoque bastante popular nas peças de desinformação. Há denúncias de que os dois teriam abandonado suas carreiras para viver da fama da menina, que estariam ricos e que o ativismo seria oportunista. As postagens, que circulam inicialmente em perfis portugueses na rede social, também passaram a ser compartilhadas no Brasil.
Uma delas apresenta duas fotos de Svante Thunberg e Malena Ernman para sugerir que os dois teriam enriquecido depois do ativismo da filha. Como mostra o Polígrafo, no entanto, a ordem temporal das imagens está trocada. A primeira, na qual o casal aparece com roupas mais simples, foi tirada em agosto de 2018 para matéria no jornal sueco Dagens Nheter. A segunda, que mostra o casal com trajes elegantes, retrata os dois no Polar Music Prize, em 2012.
Diferente do que afirmam postagens que chegam a cerca de mil compartilhamentos, os pais de Greta não abandonaram suas carreiras para viver da fama da filha. Segundo Malena, reconhecida cantora lírica da Suécia, ela deixou a carreira internacional ao ser conscientizada pela filha do grande impacto ambiental causado pelos voos de avião que a levavam para os shows. Ernman, no entanto, segue atuando na Suécia, enquanto apoia as ações da filha no combate às mudanças climáticas.
Greta também foi a causa de uma série de outras mudanças na vida dos pais, que se tornaram veganos e escreveram um livro de memórias sobre o início dos anos ativistas da primogênita.
Antifascista. Outra desinformação que vem sendo compartilhada em redes brasileiras, americanas e suecas, por exemplo, liga a adolescente e seus pais ao movimento Antifa, que agrega membros da esquerda e da extrema-esquerda e considera a violência, a destruição de patrimônio e o enfrentamento físico como táticas válidas de protesto, a chamada “ação direta”.
Nos Estados Unidos, os Antifa não estão listados como grupo terrorista pelo FBI (Federal Bureau of Intelligence), diferentemente do que afirmam usuários nas redes. Existem, no entanto, pressões do Congresso americano para que isso ocorra.
O vínculo entre a família e o movimento, explorado em posts no Facebook com ao menos 7.600 compartilhamentos, foi estabelecido após Greta postar uma foto no Twitter no dia 25 de julho trajando uma camisa com os dizeres “Antifascist All Stars”.
A partir daí, montagens dela e de seus pais com a mesma camiseta passaram a ser compartilhadas nas redes sociais. A origem das imagens que mostrariam Svante e Malena não pôde ser comprovada por Aos Fatos. Já a foto de Greta foi tirada durante as gravações de uma colaboração com a banda 1975, que usou um de seus discursos em uma música.
Depois de receber uma série de críticas nas redes, a ativista deletou a imagem e publicou um pedido de desculpas dizendo que não imaginava que a camiseta pudesse ser associada a grupos de esquerda violentos.
“Ontem postei uma foto usando uma camiseta emprestada que diz que sou contra o fascismo. Essa camiseta aparentemente pode ser relacionada a um movimento violento. Eu não apoio qualquer forma de violência e, para evitar mal-entendidos, apaguei o post. E, é claro, sou contra o fascismo”, diz ela na publicação.
A mãe de Greta também publicou em suas redes no mesmo dia uma postagem em que se desculpava pela camiseta. “Foi emprestada por mim a camiseta que a Greta estava usando. Ela está disponível para compra em vários sites na internet com textos diferentes. Não tinha ideia de que iriam associá-la a movimentos violentos, então nós nos distanciamos disso. Para evitar problemas, ela deletou a imagem.”
De fato, é possível encontrar a camiseta, que usa o logo do tênis All Star, da marca americana Converse, com uma série de outros textos na estampa. Tal imagem não é a mesma que serve como logo do movimento Antifa, caracterizado por duas bandeiras, uma vermelha e uma preta, tremulando.
A adolescente também já afirmou que se opõe ao fascismo e que não tem nenhuma intenção de se associar a qualquer tipo de movimento político. Em entrevista à CBS, inclusive, disse que “você pode se rebelar de diversas maneiras. Desobediência civil é se rebelar. Desde que isso seja de forma pacífica, claro”.

4. Nazismo
A comparação da aparência de Greta Thunberg, que geralmente se apresenta em público com o cabelo penteado em tranças, com crianças retratadas em propagandas nazistas na Alemanha nas décadas de 1930 e 1940 também tem sido frequente entre os ataques à adolescente nas redes.
A primeira postagem do tipo encontrada por Aos Fatos é de 22 de setembro, um dia antes do discurso de Greta na ONU, e foi publicada na conta oficial do Twitter do comentarista político e escritor conservador indo-americano Dinesh D’Souza. Ele apresenta uma montagem que compara Greta a uma criança loira de tranças que aparece segurando uma bandeira nazista em uma arte que serviu como propaganda ao movimento.
No texto, o comentarista afirma que “crianças — notadamente meninas brancas e nórdicas com tranças e bochechas rosadas — foram muito usadas na propaganda nazista. Uma técnica antiga de Goebbels! Parece que hoje a esquerda progressista está ainda aprendendo o jogo de uma esquerda antiga dos anos 1930”.
D’Souza usa um argumento falacioso recorrentemente compartilhado por grupos conservadores de associar o nazismo à esquerda. Com isso, afirma que Greta seria uma espécie de propaganda reciclada da Alemanha nazista pelos atuais progressistas.
A ligação entre o movimento alemão e a esquerda começou a ser ventilada no Brasil no início dos anos 2000 por Olavo de Carvalho, com a justificativa de que o termo “socialista” constava no nome oficial do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães. O argumento já foi apresentado pelos ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e pelo do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
No entanto, o nazismo é reconhecidamente um movimento radical de direita, segundo definição do próprio Museu do Holocausto, em Israel. Em entrevista ao veículo alemão Deutsche Welle, o historiador da Universidade de Aarhus Wulf Kansteiner, autor do livro In pursuit of German memory (Em busca da memória alemã), explicou que os nazistas não seguiam políticas de esquerda: “ao contrário, propagavam valores da extrema direita, um extremo nacionalismo, um extremo antissemitismo e um extremo racismo. Nenhum especialista sério considera hoje o nazismo de alguma forma um fenômeno de esquerda".
Apesar de já ter sido amplamente desmentida, a falsa relação entre o partido e a esquerda também foi usada no Brasil para criticar Greta. Provavelmente inspirados pelo comentários de D’Souza, publicações do deputado estadual de São Paulo Frederico D’Avila (PSL) e do responsável pelo site de direita Terça LivreAllan dos Santos, replicaram o argumento falacioso.

5. Privilégios
A última entre as principais estratégias utilizadas em peças de desinformação contra Greta nas redes tem sido o uso de montagens que supostamente exporiam a contradição entre os discursos da ativista e suas ações concretas. Em fala na ONU, a jovem disse que os líderes mundiais “roubaram meus sonhos e minha infância com suas palavras vazias, e eu ainda sou uma das que teve sorte. Pessoas estão sofrendo. Pessoas estão morrendo”.
A imagem mais disseminada — que chegou a ser compartilhada no Twitter pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) mostra Greta comendo dentro do que parece ser uma cabine de trem enquanto crianças negras a observam do lado de fora. Criticado pela publicação da montagem, o deputado federal respondeu a um usuário indicando ter conhecimento de que o conteúdo era falso e que aquilo seria uma piada.
O conteúdo, que foi checado por Aos Fatos, é flagrantemente falso. A montagem é uma combinação de duas imagens. A primeira, postada nas redes no dia 22 de janeiro deste ano pela própria Greta, mostra a adolescente tomando café da manhã em uma viagem de trem à Dinamarca. Já a segunda, tirada em 2007 por Stephanie Hancock, da Reuters, retrata crianças africanas que vivem nas florestas próximas à vila de Bodouli, na República Centro-Africana.
Colaborou Luiz Fernando Menezes.
Referências:
1. The Guardian (Fontes 12 e 3)
2. Época
3. Uol (Fontes 1 e 2)
4. Buzzfeed
5. Aos Fatos (Fontes 1234 e 5)
6. Open Society Foundation
7. German American Conference
8. ONE Campaign
9. Tony Attwood
10. Research Autism
11. Autism Speaks
12. Revopera
13. Polígrafo
14. Dagens Nheter
15. Alison Chapman Design
16. Classical MPR
17. No Fly Climate SCI
18. Democracy Now
19. FBI
20. Congresso dos EUA
21. CBS
22. BBC Brasil
23. Museu do Holocausto
24. Deutsche Welle
25. Reuters

O que há por trás de Greta Thunberg


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O que há por trás de Greta Thunberg

Como se articulou a Greve Climática Global – em que milhões questionaram corporações e governos. Por que a garota sueca tornou-se símbolo. A progressiva politização: da esperança ao desencanto e protestos. O que esperar agora
27/9, Milhares nas ruas em Valencia (Espanha). No encerramento da semana de Greve Global pelo Clima, multidões foram às ruas em centenas de cidades
Por Nick Engelfried, no CTXT | Tradução: Antonio Martins
MAIS:
Calcula-se que 6 milhões de pessoas — a grande maioria muito jovens — tenham participado da Greve Global pelo Clima. Veja aqui nossa cobertura e imagens da primeira jornada (20/9) do grande protesto.
Começou com um chamado à ação de um grupo de jovens ativistas espalhados pelo mundo, e logo tornou-se o que está se configurando como o maior protesto em favor do clima já visto, em escala planetária. A Greve Global pelo Clima, que terminou nesta sexta-feira (27/9) não foi a primeira ocasião em que pessoas de todo o mundo foram às ruas num único dia contra a destruição da natureza. Mas talvez seja um ponto de virada na resistência de base aos combustíveis fósseis.
“As greves estão ocorrendo em quase todos os lugares em que você pode pensar”, diz Jamie Margolin, uma estudante de ensino médio de Seattle, EUA, que jogou um papel na deflagração deste movimento global. “As pessoas estão participando em literalmente todas as partes do mundo”.
Buenos Aires, 27/9
Entre os dias 20 e 27, milhões de pessoas participaram de ações que exigiram dos governos agir diante da crise climática. De estudantes muito jovens organizando manifestações a ativistas experientes planejando corte de vias em grandes cidades, as pessoas chamaram atenção para a urgência moral da mudança climática ao interromper a banalidade da vida cotidiana.
“É um instante de galvanização do movimento pelo clima, que está perdendo a batalha até agora”, diz Jake Woodier, da Rede Norte-Americana de Estudantes pelo Clima, que organizou-se para a greve em Londres e outras cidades do Reino Unido. “De repente, há toda uma nova geração de ativistas desafiando todo mundo, não importa quem seja, por não fazer o suficiente – e isso está despertando as pessoas”.
Roma, 27/9. Os protestos ocorreram em dezenas de cidades italianas, e reuniram 1,3 milhão de pessoas
Como quase sempre, no caso de grandes movimentos sociais, o impulso para a Greve do Clima partiu de muitas iniciativas distintas, em diferentes pontos. Mas se as origens podem ser ligadas a um evento específico, foi provavelmente uma marcha em 2018, organizada pela organização juvenil Hora Zero (Zero Hour), que Margolin ajudou a fundar um ano antes, com um pequeno grupo de outros ativistas jovens – principalmente estudantes não brancos.
A marcha juvenil pelo clima do Hora Zero ocorreu em 21 de junho do ano passado, em Washington e foi precedida, dois dias antes, por um dia de pressão sobre os deputados norte-americanos, além de outros eventos nos Estados Unidos. Centenas de jovens aderiram, apesar da chuva, o que atraiu considerável atenção da mídia e jogou os holofotes em como a chamada Geração Z é atingida de modo desproporcional pela crise climática. Mas o que quase ninguém poderia ter imaginado é que, nos bastidores, o Hora Zero havia colocado em movimento uma série de processos que iria levar a uma mobilização ainda maior, e em escala global.
Guayaquil, Equador, 27/9
No outro lado do Atlântico, a garota sueca Greta Thunberg, então com 15 anos, havia lido notícias sobre o Hora Zero e fora inspirada pela visão de seus líderes a respeito de um movimento claramente liderado por jovens. Ela começou a seguir organizadores como Margolin nas mídias sociais. Em pouco tempo, garotas e garotos de distintos continentes comunicavam-se sobre ativismo climático pela internet. Em 20 de agosto, Thunberg realizou sua primeira “greve climática”, faltando à escola pra exigir ação, nas escadarias do Parlamento sueco. No mês seguinte, ela lançou as “Sextas-feiras pelo Futuro” (“Fridays for Future”), convidando outros estudantes para somar-se a ela em seus protestos semanais.
“As ações de Greta Thunberg deflagraram o movimento”, diz Woodier. “Num mundo em que somos levados quase sempre a nos individualizar e atomizar, e a crer que somos pequenos e não podemos fazer diferença, ela foi uma enorme inspiração para muitas pessoas jovens”.
Bangalore, Índia, 27/9
No final de 2018, Greta passou a assistir encontros intergovernamentais sobre o clima na Europa – entre eles, um evento da ONU na Polônia. Ela não foi a primeira pessoa muito jovem a aparecer nas Nações Unidos e exortar governantes a agir, mas havia algo único em sua abordagem.
Greta era decisivamente mais focada que seus antecessores em denunciar a inação dos governantes. “Vocês só pensam em continuar com as mesmas ideias más que nos colocaram nesta crise. Vocês não são suficientemente maduros para dar às coisas seus nomes”, disse ela na Polônia. Para milhares de pessoas em todo o mundo que estavam saturadas de décadas de inércia governamental, seu tom marcou uma mudança indispensável.
Madrid, 27/9
Diversos fatores convergentes contribuíram para que o ativismo de Greta chegasse no momento perfeito. Ao longo da última década, movimento pelo clima foi aos poucos tornando-se mais capaz de organizar ações coordenadas entre os continentes, o que tornou possível a rápida difusão de novas táticas. Ao mesmo tempo, nos EUA, a Marcha por Nossas Vidas, contra a violência por armas de fogo, mostrou como poderia um movimento de massas formado por muito jovens. Finalmente, com a multiplicação de fenômenos climáticos extremos em quase todas as partes do mundo, mais pessoas estão despertando para a urgência da crise, o que as torna receptivas à mensagem de Greta. Como integrante articulada de uma geração que terá de suportar os custos da mudança climática mais do que as anteriores, ela tornou-se a porta-voz perfeita para aproveitar a oportunidade criada por estes eventos. Rapidamente suas falas aos governantes do mundo tornaram-se virais no YouTube.
Enquanto isso, o movimento das Sextas pelo Futuro crescia – especialmente na Europa, onde até então era mais influente. Em julho, a chanceler alemã Angela Merkel apontou a pressão dos jovens ativistas como uma das razões pelas quais seu governo planeja reduzir mais agressivamente as emissões de carbono. Em boa parte da Europa o movimento pela greve ajudou a colocar a mudança climática num patamar mais alto da agenda política dos governantes e dos eleitores. Um forte avanço dos Partidos Verdes nas eleições para o Parlamento Europeu, em maio, é possivelmente o sinal mais concreto até agora do impacto do movimento. Mas as greves rapidamente se espalharam além da Europa.
Milão, 27/9
No início de 2019, houve manifestações estudantis em países como os EUA, Brasil, Índia e Austrália. Nos meses seguintes, surgiram apelos para um novo avanço do movimento – agora, liderado por jovens, mas com participação de gente de todas as idades. A ideia era de uma greve mundial em que as pessoas deixassem a escola, o trabalho ou outras atividades diárias para somar-se aos protestos por ação climática.
A data escolhida para iniciar a greve global coincidia com a convocação de uma cúpula climática de emergência, feita pelo secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, e que começaria em Nova York em 23/9. Muitos veem este encontro – concebido como uma oportunidade para que os países reforcem seus objetivos sob o Acordo de Paris pelo clima – como sendo reação direta às pressões de base que os governos estão sentindo.
Wellington, Nova Zelândia, 27/9
“Este encontro de ação climática foi convocado em resposta ao agravamento da crise e à pressão do movimento da greve, diz Woodier. “É o contrário do passado, quando os organizadores da sociedade civil organizavam manifestações em resposta aos encontros oficiais marcados muito tempo antes”.
Greta foi convidada a falar no encontro da ONU, e uma cúpula especial da juventude reuniu jovens de todo o mundo, entre eles Margolin. Em 28/8, Greta chegou a Nova York depois de cruzar o Atlântico em um barco que não emite carbono. Mal havia posto os pés em solo norte-americano, já se somava a um protesto climático liderado por jovens, do lado de fora da sede da ONU. Enquanto isso, a Greve Climática Global era apoiada por centenas ou milhares de organizações no mundo.
Lisboa, 27/9
Embora as maiores manifestações tenham ocorrido em grandes cidades, a greve também provocou ondas em localidades menores, menos nos países produtores de combustíveis fósseis. Segundo o grupo internacional sobre o clima 350.org, houve milhares de ações em 117 países do mundo.
350.org tem vasta experiência com este tipo de mobilização climática internacional. A organização começou com a primeira jornada de ação em larga escala especificamente voltada conta a mudança climática, em outubro de 2009. Ocorreu nos preparativos para as negociações climáticas da ONU, realizadas naquele ano em Copenhague. Visava pressionar os delegados a adotar um tratado climático internacional forte e de cumprimento obrigatório. A ideia de que tal objetivo poderia ser alcançado naquele momento pode soar ingênua em perspectiva, mas naquele momento não parecia irrealizável. Os EUA havia elegido fazia pouco Barack Obama para a presidência, e mesmo muitos ativistas climáticos não compreendiam quão profundamente o dinheiro dos combustíveis fósseis está incrustado nos salões de governo.
Barcelona, 27/9
O Dia de Ação Global de 2009 foi em grande medida um evento festivo, celebratório. Grupos de pessoas posaram para fotos com cartazes diante de glaciares alpinos em derretimento e outras paisagens afetadas pela mudança climáticas. Havia muitas obras artísticas e relativamente poucas marchas realmente grandes. Fazia sentido para um movimento global que acabava de se colocar em pé – num momento em que de fato parecia que os governantes do mundo poderiam ser gentilmente empurrados a fazer a coisa certa. Mas com a medidas internacionais contra a mudança climática praticamente bloqueadas, atividade legislativa quase nula na maior parte dos países e o ascenso de políticos de extrema direita como Donald Trump, o ânimo do movimento pelo clima mudou dramaticamente.
“As pessoas que acompanham a Ciência sabem que estamos agora na fase de fuga da catástrofe climática”, diz Nadine Bloch, organizadora do #ShutDownDC, que organizou ações em Washington. “A urgência de estar em chamas foi finalmente compreendida por gente de fora das comunidades de ativistas”. A Greve Climática Global ocorreu apenas dez anos depois da mobilização de 2009 e teve manifestações muito maiores e mais importantes. Sua mensagem – a de que a mudança climática tem precedência, diante da escola e do trabalho – reflete esta urgência ampliada.
Palestina, 27/9
Porém, embora a palavra “Greve” conote um tipo de ação mais militante do que sessões fotográficas, nem todo mundo compartilha a mesma visão sobre o que ela significa. “Nos EUA, muita gente nem sabe o que é uma greve”, diz Nadine. “Ainda se fala em obter permissões para protestos, o que não é uma greve de fato”. O #ShutDownDC quer algo mais disruptivo, ainda que não violento. “Devemos interromper os negócios na sede do poder governamental cujos integrantes recusam-se a reconhecer a crise climática ou a assumir responsabilidade”.
Os ativistas também pensam em como levar o impulso da greve a outros movimentos de jovens. “A frustração diante da inação dos governos levou as pessoas a se envolver nas greves climáticas”, diz Gracie Brett, do Divest Ed, que promove campanhas de desinvestimento em combustíveis fósseis em mais de 70 universidades norte-americanas. “A mesma urgência permitiu que o movimento tivesse um novo impulso, há pouco. Oferecemos uma oportunidade de agir além dos dias de greve”.
Helsinki, 27/9
Jamie Margolin também vê a greve como maneira de atrair um número maior de pessoas jovens para o movimento pelo clima. “Muita gente não parece, no início, interessada pelas tarefas de organização, que tomam a maior parte do tempo de ativismo”, diz ela. “Mas se você propõe a estas pessoas: ‘Ei, quer aderir a esta ação?’ – a fala atrai quase todo mundo. Ações como a greve são uma porta de entrada para o movimento mais amplo”.
Jamie, que originalmente ajudou a inspirar o ativismo de Greta Thunberg, agora segue seu chamado, deixando regularmente de comparecer à escola. Ela tem parentes na Colômbia e é motivada pela consciência de como a mudança climática pode afetar tanto sua casa atual quanto o lugar de origem de sua família. Nesse sentido, ela tem muito em comum com outras pessoas jovens, num movimento climático cada vez mais diverso e internacional – em que jovens adultos e adolescentes usam a internet para coordenar ações através de continentes e oceanos.
Montrea, 27/9. Greta é mais uma, em meio à marcha
“Duas coisas me motivam: aquilo que desejo e aquilo que rejeito”, diz Jamie. “Estou lutando para proteger o belo Noroeste do Oceano Pacífico onde vivo agora e a pujança da Floresta Amazônica, de onde vem minha família. Mas também estou lutando contra o punhado de executivos, num punhado de corporações que estão literalmente destruindo a vida na Terra, contra sete bilhões de pessoas”.
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