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Saturday, 23 August 2014

Construindo uma epistemologia de Mata Cavalo

RELATÓRIO DE PESQUISA
Construindo uma epistemologia de Mata Cavalo

Michèle Sato
19 de agosto de 2014
Quilombo Mata Cavalo, Nossa Senhora de Livramento, MT



Três projetos ajudam o Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA) para pesquisas, processos formativos e intervenções comunitárias envolvendo a justiça climática e a proteção das águas em áreas úmidas: O Fundo Mundial de Conservação à Natureza (WWF-Brasil), a Rede Municipal de Adaptação e Mitigação às Mudanças Climáticas: Resposta a Diferentes Cenários de Mudanças Climáticas (ClimBAP), e o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Áreas Úmidas (INAU). Com a educação ambiental e a justiça climática como substratos da pesquisa, buscamos construir alguns Projetos Ambientais Escolares Comunitários (PAEC) que possam ajudar as escolas e as comunidades, que possam enfrentar os danos das mudanças climáticas com elementos contidos na Pegada Ecológica, clima e proteção da água.

Uma escola favorecida pelo GPEA localiza-se em São Pedro de Joselândia, uma comunidade tipicamente pantaneira em Barão de Melgaço com envolvimento muito bonito em plena construção; e a outra escola que iremos começar o projeto é a do quilombo Mata Cavalo. A escola está totalmente contagiada com o “espírito do pequi”, alegando que a árvore é do cerrado, que não possui devida atenção, que precisa ser valorizada e essencialmente comercializada para que uma economia solidária consiga ajudar na autonomia do território.

Acatando as boas brisas emanadas pelas professoras da escola, fizemos um pacto para transversalizar o pequi nas escolas sustentáveis, iniciando com um curso envolvendo professores, técnicos, alguns membros da comunidade e alguns estudantes do ensino médio que tenham interesse em participar do projeto. Embora ainda em fase de elaboração, temos um panorama do projeto:

CURSO DE FORMAÇÃO
·         Carga horária: 120 horas, sendo 30 teóricas e 90 práticas;
·         Período: Preferência de 4ª, 5ª e 6ª das 17 as 20 horas;
·         Participantes: são 27 pessoas, entre professores e técnicos, somados a alguns comunitários e estudantes do ensino médio (com-vida);
·         Temáticas principais: educação ambiental, pegada ecológica, justiça climática, água, biodiversidade e economia solidária do pequi;
·         Kit pedagógico a ser providenciado pelo GPEA, sem esquecer que precisamos produzir um caderno pedagógico sobre a biografia da dona Teresa (responsável: Rosana Manfrinate).

PAEC
·         Construção de uma ecocasa com a finalidade de armazenar as produções artísticas da escola, além de ser um local permanente das exposições. Material de madeira e palha do local, envolvendo os homens e demais membros da comunidade e com objetivos da bioarquitetura;
·         Cuidados na horta escolar, alimentação orgânica, agrotóxicos, saúde e merenda escolar na permacultura;
·         Viveiros do pequi, com estudos sobre a biologia das espécies e as viabilidades econômicas possíveis pela comunidade. É possível que aqui tenhamos diversos desdobramentos, gerando a necessidade de outros financiamentos para novos projetos.


Estacionamento da UFMT - Ipê "magritteano" (MSato)

quadro no pátio da Escola Teresa C. de Arruda  (MSato)

caules negros na decoração de uma escola quilombola  (MSato)

boneca de palha na produção da arte  (MSato)

representações dos estudantes  (MSato)

dona Estivina, Mimi e Gisa (Foto do João, Ascom-UFMT)

ipê na estrada  (MSato)

Dielcio e a oficina com mídia  (MSato)

a cuidadosa atenção dos jovens  (MSato)

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Friday, 22 August 2014

Gênero e Imaginário



Universidade Federal de Rondônia 
Revista Eletrônica do
Centro de Estudos do Imaginário
Labirinto - Revista Eletrônica do Centro de Estudos do Imaginário

Gênero e Imaginário
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Arneide Bandeira Cemin1, Camila Alessandra Scarabel(PIBIC), Maria de Fátima Batista de Souza (PIBIC) e Silvanio de Matia Gomes (PIBIC)2


Introdução
Esta pesquisa é parte do projeto “Gênero, Família e Violência (rede social e imaginário em contexto urbano)”. O projeto foi subdividido em três subprojetos: “Gênero e rede social”, “Fundamentos da união, da violência e da ruptura” e “Gênero e Imaginário”. Este último subprojeto parte é o objeto específico deste artigo.
O subprojeto referido teve como objetivo perceber a estrutura, o conteúdo e a dinâmica de imaginários específicos a homens e mulheres. Tínhamos por hipótese (estabelecida em dados de pesquisa anterior) que homens e mulheres apresentariam formas diversas de resolução de ansiedade. A mulher apresentaria um imaginário marcado por imagens religiosas e os homens, imagens relativas ao mundo do trabalho.
O estudo de Gênero
O conceito de gênero, apesar de sua imprecisão teórica, diz respeito à construção cultural e simbólica das relações entre homens e mulheres. No Ocidente, desde os gregos e passando pelos iluministas, o valor máximo é a razão clara, objetiva, considerada atributo masculino, em confronto com a subjetividade obscura, identificada ao feminino.
Ao mesmo tempo em que o Ocidente desvaloriza o feminino, nosso modelo cultural mediterrâneo, valoriza a família, no interior da qual a mulher tem um papel central como mantenedora da honra familiar.
Dispomos de algumas teorias que explicam a condição de gênero no Ocidente. O marxismo, o culturalismo e o pós-estruturalismo, talvez sejam as mais importantes. Para os marxistas, a opressão de classe tem início com a opressão da mulher no interior da família, resultante da apropriação do trabalho da mulher pelo homem, permitindo o início da propriedade privada. De acordo com isso, o marxismo aborda a questão de gênero a partir da ótica da luta de classes, ou seja, considerando o lugar que cada gênero ocupa no processo produtivo, como pressuposto da igualdade ou desigualdade entre os gêneros (Engels,1984).
A corrente culturalista, cujo marco é a obra de Mead (1988), sustenta a tese de que não existem atribuições naturais fundadas biologicamente, e sim atribuições sociais, ou seja, papéis: tarefas e valores considerados pertinentes em cada sociedade às pessoas do mesmo sexo biológico. Nesse sentido, postula ser possível, pela via da cultura, alterar a relação de subordinação das mulheres pelos homens.
Para os estruturalistas a dualidade formada pelo par macho/fêmea é universal e, conseqüentemente, estrutural, sem ela não é possível cultura no plano material e simbólico. A tese de Lévi-strauss (1982), sobre o modo pelo qual se dá a passagem da natureza à cultura, afirma que o fundamento da cultura é a regra que obriga os homens a trocar as mulheres para além de um certo limite – variável – de seu grupo familiar, fato que torna as mulheres o elo de transmutação da natureza em cultura. Nessa perspectiva, é a troca de mulheres que permite a circulação de bens e de mensagens. Interessa, portanto, averiguar o tipo de lógica que sustenta essa dualidade, visando alterá-la, se for este o caso, a partir de uma intervenção no plano das estruturas lógicas. Nesse ponto, o estruturalismo encontra correspondência com o culturalismo.
O pós-estruturalismo questiona o postulado de universalidade da lógica binária do estruturalismo, suspeitando que ele possa resultar de uma imposição da nossa estrutura lógica dualista à compreensão da lógica de outros povos. Consideram, que é no plano do discurso que as relações sociais são construídas, inclusive, as relações sociais de gênero. Indagando, ao mesmo tempo, se não haveria fenômenos biológicos como fundamento da diferença entre masculino e feminino. Desse modo, a questão de gênero é articulada ao corpo como suporte para a noção de identidade.
Os dados da pesquisa antropológica indicam que todos os grupos sociais mantêm algum tipo de classificação básica que separa as esferas do masculino e do feminino. Embora partindo da diferença biológica, as atribuições relativas a cada sexo variam conforme nos deslocamos no tempo, no espaço e nas situações sociais. As correntes teóricas delineadas indicam três posições presentes no debate feminista: igualdade dos gêneros, enquanto igualdade econômica da qual decorreria a igualdade social, reconhecimento e construção da superioridade cultural/ideológica das mulheres e igualdade associada à diferença.
Balandier (1976), ao analisar a dinâmica interna aos sistemas sociais, indica que as divisões em classes sociais, em classes de idades e em classes sexuais são partes estruturais dos processos sociais. Desse modo, as dinâmicas sociais devem ser consideradas nessa tridimensionalidade. A partir disso o autor indaga como a divisão dos sexos afeta o sistema social e a cultura em seu conjunto, como se exprime em cada uma delas o dualismo sexualizado e o modo pelo qual a oposição e a complementaridade são, ao mesmo tempo, geradoras de ordem e de desordem social.
Ao considerar as narrativas das mitologias africanas, Balandier constata que a relação homem/mulher aparece nos momentos de fundação da ordem do mundo, de constituição da pessoa e nas primeiras obras civilizadoras do homem em sociedade. Segundo o autor, isso explicita o reconhecimento do caráter problemático, conflitual e contraditório de toda formação social, evidenciando ainda, que o dualismo sexualizado torna-se o modelo de todos os dualismos.
O dualismo sexualizado como fundamento da ordem das coisas e do mundo humano, organiza-se em três modelos estruturais: andrógino, gêmeos do sexo oposto e casal mítico. Além das estruturas os modelos fornecem o princípio dinâmico de cada tipo estrutural, sendo eles, respectivamente: fusão, complementação e aliança das diferenças.
Segundo Balandier, os modelos um e dois têm perante a história uma posição de recusa, pois negam a mudança ou prefiguram uma ordem social na qual estariam ausentes as diferenças e, portanto, a necessidade de mudanças. Nos modelos, andrógino e gêmeos do sexo oposto, subsistiria a nostalgia dos modelos ideais ou imaginários. O terceiro modelo é o que rege efetivamente a sociedade. Entretanto, os três modelos dão origem a teorias, ideologias e a práticas sociais codificadas.
Quanto às teorias sociais, o dado mais geral é a afirmação da inferioridade feminina. Em geral, apenas uma função, entre as muitas que a mulher desenvolve, não é desvalorizada: a função de mãe. De resto, o que se constata, é a pequena participação social da mulher. Em geral, para o homem, a mulher é o “outro”. Essa alteridade expressa e reforça referencias simbólicas que definem a mulher como elemento antagonista e perigoso, associada em geral com os aspectos dissolutos e, nesse sentido, anti-social. É o casamento que pode instaurar a positividade da presença feminina, uma vez que o intercâmbio matrimonial socializa sua sexualidade e articula as sociedades masculina e feminina. Cabe, portanto, averiguar, no que diz respeito às relações entre os sexos e as estruturais sociais, as situações reais nas quais homens e mulheres se inserem.
O fundamento do poder social do macho, segundo ainda Balandier, é a redução da mulher ao estado instrumental colocando-a ao serviço da comodidade masculina. Os determinantes da instrumentalização seriam: o confinamento da mulher ao espaço doméstico; a falta de um viver feminino que permita às mulheres as trocas de experiências e a identificação de seus interesses, a equiparação da condição feminina à condição de minorias, a depreciação do trabalho feminino.
Desse modo, a divisão sexista se superpõe à divisão de classes e hegemoniza o universo social com os atributos designados como masculinos. O resultado desse conjunto de representações e de práticas sociais é a condenação das mulheres a submissão e ao silêncio. Questionar o poder masculino implicaria, segundo o autor, equacionar o velho problema da articulação entre as duas metades fundantes do social: as sociedades masculina e feminina em um processo de conhecimento e de reconhecimento mútuos.

O estudo do Imaginário
Os estudos acerca do imaginário não constituem uma disciplina com objeto e método unificados, trata-se de variada gama de abordagens disciplinares, acessadas por diferentes métodos. Entretanto, o que reúne tantos interesses é o estudo das “representações” ou seja, o sentido e as configurações simbólicas que formatam as maneiras de pensar, que, expressas por práticas sociais, instituem o homem e o seu meio.
A relação que se institui entre o homem e o mundo não é direta, e sim mediada por processos de pensamento. Entre o universo físico e o homem existe a dimensão simbólica que institui o homem e o seu mundo. O homem não lida diretamente com as coisas e sim com os significados atribuídos às coisas pela sua cultura. O ambiente cultural, portanto, é formador do simbolismo tanto ao nível lógico quanto ao nível do significado; aliás, ambos os níveis se interpenetram mais do que se distinguem.
Ao invés de lidar com as próprias coisas o homem lida com os simbolismos que tecem os seus mundos. O mundo do homem não é um mundo de fatos é um mundo de percepções: a razão, a linguagem - lógica e conceitual - a ciência, a arte, a religião e os sentimentos são, por isso, dimensões imaginárias. Não há contraposição entre o real e o imaginário porque o real é construído socialmente, o real, portanto, é a interpretação que os homens atribuem à realidade através das incessantes trocas entre as objetivações e as subjetivações das quais resultam configurações específicas, ou seja, sistemas simbólicos particulares: linguagem, mito, arte, religião, política, ciência, economia; que, expressos por várias formas com diferentes conteúdos, possibilitam que o estudo do imaginário possa ser abordado a partir de múltiplas problemáticas e do ângulo de diferentes disciplinas.
Partindo do pressuposto de que a característica de dar significado liga-se ao plano simbólico, se justifica o interesse pelo estudo dos símbolos, das imagens e do imaginário, cujo início foi dado por Bachelard, o qual afirma que os símbolos não devem ser julgados do ponto de vista da forma, mas de sua força expressiva.
Gilbert Durand, referência desta pesquisa, foi um dos alunos de Gaston Bachelard e fundou um centro de estudo do imaginário, tendo influência também de Jung, que contribuiu com o conceito de imagens simbólicas coletivas – arquétipos, sendo que o que diferencia o arquétipo do símbolo é a sua falta de ambivalência, a sua universalidade constante e a sua adequação ao esquema.
Durand utiliza a expressão imaginário ao invés de simbolismo, uma vez que para ele o símbolo seria a maneira de expressar o imaginário. Sua teoria sobre o imaginário se organiza sob o método da convergência, isto é, os símbolos se (re) agrupam em torno de núcleos organizadores, as constelações, as quais são estruturadas por isomorfismos, que dizem respeito à polarização das imagens; indica que há estreita relação entre os gestos do corpo e as representações simbólicas. Os símbolos constelam porque são desenvolvidos de um mesmo tema arquetípico, porque são variações sobre um arquétipo.
O autor utiliza-se ainda da reflexologia a fim de explicar a sua classificação, baseada na noção de gestos dominantes: as dominantes reflexas que se referem aos mais primitivos conjuntos sensório-motores que constituem os sistemas de acomodações mais originários na ontogênese, os quais, segundo a teoria de Piaget, deveria se referir toda a representação nos processos de assimilação constitutivos do simbolismo.
A reflexologia identifica duas dominantes no recém-nascido: a dominante de posição (dominante postural), que coordena ou inibe todos os outros reflexos, quando, por exemplo, se põe o corpo da criança na vertical (a verticalidade e a horizontalidade são percebidas pela criança de tenra idade de maneira privilegiada); a dominante de nutrição (dominante digestiva), que nos recém-nascidos se manifesta por reflexos de sucção labial e de orientação correspondente da cabeça. Esses reflexos são provocados ou por estímulos externos, ou pela fome. A essas duas dominantes podem associar-se reações audiovisuais. Há uma terceira dominante relacionada ao reflexo sexual (dominante copulativa), que seria de origem interna, desencadeada por secreções hormonais aparecendo em período de cio.
Haveria três ciclos sobrepostos na atividade sexual: o ciclo vital, que na realidade é uma curva individual de potência sexual; o ciclo sazonal, que apenas pode interessar à fêmea ou ao macho de uma espécie dada ou ainda aos dois ao mesmo tempo; e o ciclo de oestrus, que só é encontrado nas fêmeas dos mamíferos (relacionado à menstruação); esses processos cíclicos, em particular o oestrus tem profundas repercussões comportamentais. Assim, o corpo inteiro colabora na constituição da imagem e as forças constituintes que coloca na raiz da organização das representações parecem muito próximas das dominantes reflexas.
Verificou-se a ligação da motricidade dos músculos envolvidos na linguagem verbal com o pensamento e, mais ainda, que uma motricidade periférica estendida a numerosos sistemas musculares estava em estreita relação com a representação. Salienta-se que deva existir um mínimo de adequação entre a dominante reflexa e o ambiente cultural (adequação essa, diferente de recalcamento).
A partir da reflexologia (dominantes gesto-pulsional), da tecnologia (meios elementares de ação sobre a matéria) e da sociologia (contexto social), Durand fundamenta a bipartição das imagens em dois regimes: o diurno, que tem a ver com a dominante postural, e o noturno relacionado às dominantes digestiva e cíclica.
Aqui surge o termo estrutura, definido como uma forma transformável, que desempenha o papel de protocolo motivador para todo um agrupamento de imagens e susceptível ela própria de se agrupar numa estrutura mais geral, chamada de regime, que se refere a opostos:
regime diurno - uma organização das imagens que divide o universo em opostos, cujas características são as separações, os cortes, as distinções, a luz;
regime noturno - uma organização das imagens que une os opostos, tendo como principais características a conciliação e a decida interior em busca do conhecimento.
Esses regimes recobrem três estruturas que têm como ponto fundamental a questão da mortalidade para o homem, cuja angústia existencial se manifesta através das imagens relativas ao tempo, ressaltando-se a ambigüidade e os inúmeros significados que um símbolo pode apresentar. A resolução dessa angústia permite três soluções: (1) pegar as armas e destruir o monstro, (2) criar um universo harmonioso no qual ela não possa entrar, (3) ter uma visão cíclica do tempo no qual toda morte é renascimento.
No Regime Diurno está a Estrutura Heróica, que se caracteriza pela luta, tendo como representação uma vitória sobre o destino e sobre a morte, cujos principais símbolos são:
- símbolos de ascensão – leva para a luz e para o alto;
- símbolos espetaculares – diz respeito à luz, ao luminoso;
- símbolos diairéticos – refere-se à separação cortante entre o bem e o mal.
No Regime Noturno da imagem, temos duas estruturas: estrutura Mística, que se refere à construção de uma harmonia, onde se evita a polêmica e há a procura da quietude e do gozo, tendo como recurso expressivo os símbolos de inversão e os símbolos de intimidade.
A estrutura Sintética, diz respeito aos ritos utilizados para assegurar os ciclos da vida, harmonizando os contrários, através de um caminhar histórico e progressista, sendo que seus símbolos são os símbolos cíclicos.
O símbolo tem a função transcendental de permitir ir além do mundo material objetivo. Devido a dimensão da ambigüidade, o símbolo está sob constante processo de reequilíbrio, tais como o equilíbrio vital, o equilíbrio psicossocial e o equilíbrio antropológico.

Metodologia e procedimentos
De modo geral, a perspectiva teórica com a qual trabalhamos, toma por base o programa e os procedimentos da Escola Sociológica Francesa, focalizando as “categorias do entendimento”, também conhecidas por “categorias nativas”, através de pesquisa etnográfica. Uma boa etnografia inclui a história de vida, os usos do espaço, e os saberes de várias ordens, específicos aos grupos em estudo.
Desenvolvemos também, estudos sobre as reflexões e o mapeamento do “imaginário” a partir das propostas de Gilbert Durand. A abordagem do referido autor inclui os métodos estruturalista e fenomenológico, embasado no princípio de “convergência das hermenêuticas”, visando o estabelecimento de diálogos com diferentes perspectivas teóricas e analíticas, necessárias aos estudos das complexidades culturais.
Assim, do ponto de vista metodológico, além da etnografia, utilizamos o AT9, Teste Arquétipo de nove Elementos, criado pelo psicólogo Yves Durand, a partir da obra do antropólogo Gilbert Durand.
O AT9, é um dos instrumentos metodológicos de pesquisas sobre o imaginário em experimentação no Centro de Estudos do Imaginário (CEI/UNIR). Trata-se de um teste do tipo projetivo, com abordagem e orientação antropológicas, que visa “mapear” o tipo de estrutura do imaginário com a qual o indivíduo (isolado ou em grupo), expressa seus estímulos ansiógenos, suas defesas, e o uso que faz dos elementos auxiliares propostos pelo teste.
Os arquétipos funcionam como estímulos para que o indivíduo elabore um micro - universo mítico a partir dos nove elementos que são os seguintes: O personagem - elemento central; a queda e o monstro (elementos ansiógenos); a espada, o refúgio e a coisa cíclica (elementos de resolução da ansiedade); a água, o animal (qualquer um) e o fogo como elementos auxiliares.
O micro universo é obtido a partir de uma dupla construção: um desenho e uma narrativa. Assim, o desenho fornece as imagens e a narrativa nos dá o sentido e a articulação da composição desenhada. Ambos são complementados por um quadro de análise, no qual se registra o modo como cada arquétipo foi representado, o papel que ele cumpre no desenho e na história, bem como, aquilo que ele simboliza. A estas informações são acrescidos dados obtidos através de um questionário que permite esclarecer outros aspectos que motivaram o desenho e a história do mesmo. O micro universo é passível de ser classificado nos Regimes Diurno e Noturno de imagens, e nas estruturas heróica, mística, sintética e inclassificável.
Os procedimentos analíticos para o estudo do imaginário levam em conta a relação funcional entre 1) sujeito-personagem e objeto; 2) destinatário e destinador; 3) oponentes e adjuvantes; encaminhadas na seguinte sequência:, história e desenho; quadro de identificação dos elementos, desfecho da história e a classe social a que o sujeito julga pertencer. Considera-se, ainda, o modo pelo qual as imagens formam sínteses e complementaridades, em decorrência das propriedades de “condensação” e de “deslocamento” dos símbolos.
Os sujeitos da pesquisa foram mulheres, que fazem denúncias sobre agressões na Delegacia da Mulher e seus (ex) maridos. Os dados foram construídos a partir de observação in locco na Delegacia da Mulher, visitas as residências para realização do teste, gravação das histórias de vida e, pela análise dos resultados do Teste dos Nove Arquétipos (AT9). Deste modo, abordamos as mulheres e os homens, explicando-lhes o objetivo de nossa pesquisa e solicitando-lhes a colaboração, garantindo-lhes, em contrapartida os direitos ao sigilo e a proteção moral previstos no código de ética do antropólogo.
Os testes foram realizados por oito pessoas, sendo três casais e duas mulheres, cujos maridos não quiseram responder ao teste. Os homens apresentaram resistência em realizar o AT9, seja pelo fato de não se sentirem à vontade para desenhar ou por não quererem se expor através de um teste.

Resultados
Quanto à estrutura do micro universo mítico obtido pelos testes, em 87,5% dos mesmos foi impossível classifica-los, sendo que somente em 12,5% foi verificada estrutura classificável, no caso, estrutura mística, do regime noturno. A porcentagem de testes desestruturados talvez seja decorrência do fato de as pessoas estarem em fase de desestruturação de suas vidas em função do fim de suas uniões matrimoniais.
Os micro-universos imaginários de homens e mulheres apresentaram diferenças marcantes. Entretanto, as diferenças não foram estabelecidas pelo imaginário religioso. Homens e mulheres expressaram imagens religiosas fortemente afetivas, e, particularmente, ligadas ao evangelismo. Entretanto, os testes das mulheres não apresentaram imagens de universos tecnológicos, mesmo que simples, ficando restritas a imagens de elementos da natureza. Além disso, as imagens que dizem respeito à relação pessoa - mundo social, foram, no caso delas, mais pertinentes aos valores de morte. Todos os homens, ao contrário, recorreram a imagens tecnológicas e apresentaram uma relação pessoa - mundo social mais dirigida aos simbolismos de vida.
O imaginário cumpre diferentes funções de equilíbrio dos recursos interpretativos das culturas. Políticas voltadas para viabilizar a ascensão social das mulheres devem levar em conta seus imaginários. Vimos que estes indicam o distanciamento delas das práticas que permitem apropriação de tecnologias capazes de inseri-las em contextos propícios a sua autonomia e ao conseqüente desenvolvimento de seu potencial de vida. A apropriação de tecnologias não diz respeito apenas ao técnico; mas, ao social, e neste, o imaginário, formatando padrões de cultura, dinamiza a consciência e induz à ação.
As relações de Gênero são fundantes do mundo inter-humano, por isso mesmo, perceber a sua dinâmica interna possibilita ao poder público e aos movimentos de mulheres e de diretos humanos, a construção e a exigência quanto à implementação de políticas públicas que dêem contam das demandas sociais de homens e mulheres. Entre elas, a Casa Abrigo, a Renda Mínima Familiar, as campanhas pela escolarização e profissionalização feminina. Consideramos necessário, também, outros elementos de rede social para além do jurídico-penal, como é o caso da Delegacia da Mulher; que, mesmo extremamente necessária em seu campo de ação, necessita da complementação dos suportes já citados, bem como, de outros, a exemplo de orientação e apoio social e psicológico ao homem à mulher e aos seus filhos.
Todos esses recursos são vitais nos casos de rupturas de uniões conjugais, ainda mais quando constatamos que estes processos freqüentemente são acompanhados de desestruturações econômicas agravadas ainda, pelo desemprego e pela falta de qualificação profissional das mulheres e do distanciamento delas dos universos tecnológicos. Estes fatores isolados ou conjugados, dificultam o acesso feminino aos postos de trabalho de melhor remuneração.

Bibliografia
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SLUZKI, Carlos E. A rede social na prática sistêmica. São Paulo, Casa do Psicólogo, 1997
Notas
Professora DEpartamento de Filosofia e Sociologia da UNIR
Bolsistas do PIBIC/CNPq


Por uma Geografia do Imaginário: percorrendo o labiríntico mundo do imaginário em uma perspectiva geográfica cultural


CEI

Universidade Federal de Rondônia
Revista Eletrônica do
Centro de Estudos do Imaginário











Por uma Geografia do Imaginário: percorrendo o labiríntico mundo do imaginário em uma perspectiva geográfica cultural



1 - Introdução

A instigante tarefa que alguns estudiosos da Geografia científica tem se lançado nos últimos tempos tem sido a discussão acerca das influências que o imaginário social tem revertido no seu correspondente geográfico. Portanto, reflexões sobre a temática do imaginário tem se constituído em um desfio ao geógrafo sobretudo aquele que se dedica aos estudos culturais. Em outro plano os estudos sobre o imaginário têm ganhado grande conotação no cenário científico atual, haja vista que os paradigmas científicos com base na racionalidade imperativa, não conseguem explicar toda complexidade do homem, das suas relações sociais e dos espaços por estes produzidos. A este respeito observa-se, que progressivamente, o imaginário, que a modernidade poderia considerar como sendo da ordem do supérfluo ou da frivolidade, tende a encontrar um lugar de escolha na vida social” (MAFFESOLI 1995; 41)

A discussão dos conceitos de imagem, imaginação e imaginário tem sido largamente difundida e apreciada pelos geógrafos em suas pesquisas acadêmicas, sobretudo nos estudos fenomenológicos da Geografia Cultural. Este fato assinala que os propósitos de uma ciência comprometida com o estudo da natureza e do homem transcendem a linha de pesquisa que se baseia no ser objetivo e racional, compreendendo agora a valorização subjetiva do ambiente e do indivíduo.

Os estudos de cunho subjetivo na Geografia foram duramente criticados por não se aportarem em métodos que resultassem em uma comprovação lógica, fato esse intransponível, pois ao se analisar algo que é da ordem do invisível não haveria objetivamente constatações concretas e quantificáveis a serem obtidas. Assim sendo diante do mundo em que nos encontramos, cabe a nós geógrafo destinar uma considerável parcela de atenção a força dos símbolos, das imagens, dos mitos e dos imaginários construídos pela sociedade.

Apesar da ciência nos últimos séculos ter adquirido através da racionalidade uma visão mais objetiva e linear, as representações simbólicas e o sentimento expressado pela terra deram valiosas contribuições aos estudos científicos. Aportando-se na análise da relação homem/meio a Geografia tem na terra a base das representações simbólicas socialmente, sendo ela portanto desde os tempos longínquos, fonte de símbolo e significado. A terra em essência representa mais do que o espaço de morada, é na verdade um registro simbólico. Nesse sentido os estudos geográficos direcionam o “olhar” científico sobre uma dimensão subjetiva da terra, onde estão entrelaçadas as vivências e experiências humanas com o espaço.

A Geografia em seu trajeto como disciplina acadêmica assim como as demais ciências sociais esteve encarcerada na “sombria” razão iluminista. Entretanto por privilegiar a razão como única fonte de conhecimento, desprezava-se toda tentativa de romantismo ou pensamento irracional que aflorasse. Baseando-se em verdades absolutas o pensamento racional pretendia abarcar toda forma de conhecimento produzida na époque iluminist, refutando evidentemente aqueles preceitos que não se enquadrassem nos seus postulados. A ruptura com os parâmetros da razão pura fez surgir a possibilidade de contemplar os estudos sobre a imaginação, a poética espacial, bem como os sentidos que os lugares adquirem para uma determinada sociedade.

A Geografia Humanística com os estudos na área da Geografia Cultural esquadrinhou com propriedade as novas propostas de abordagem, sobretudo no que concerne ao espaço geográfico enquanto espaço de vivencia dotado evidentemente de sua carga subjetiva. Aportada nos pressupostos fenomenológicos, a Geografia Humanística traçou um novo percurso metodológico, onde se privilegiou a coisa em sí, ou seja, parte-se da análise de como as coisas se apresentam, como elas estão dispostas no mundo e como fazemos a representação das mesmas.

Diante deste cenário que se forma nas ciências sociais e mais especificamente na Geografia, observa-se que são levantadas questões instigantes que de certa forma ampliam o quadro de conhecimento da disciplina e ainda propõem novos desafios a investigação científica, pois abordam temas da ordem do “invisível”, da dimensão do vivido na sociedade, as quais foram fortemente refutadas pelo pensamento científico do século XVIII até os tempos atuais. Entretanto, apesar das críticas destinadas a essas abordagens, de cunho irracional, constata-se a retomada vigorosa dos temas do imaginário e da imaginação por grandes pensadores como Bachelard e Sartre no século XX onde reforçaram o caráter revitalizador e substancial de tais temas em relação a realidade social.

Os pressupostos que regem uma geografia do imaginário perpassam indubitavelmente pela discussão dos conceitos de imagem, imaginação e imaginário. É sabido que tais conceitos são emprestados das ciências sociais, como a Antropologia, Psicologia, que notadamente diligenciaram calorosos debates no âmbito das suas teorizações. Desse modo o geógrafo que se propõe a analisar as estruturas do imaginário em uma dada sociedade, bem como sua expressão e influência no espaço geográfico, deve debruçar-se sobre tais conceitos de forma que articule as reflexões produzidas por outras áreas do conhecimento, com os propósitos que encerram os estudos geográficos do imaginário. 

2 - Por uma Geografia do Imaginário: notas iniciais

A instigante tarefa que muitos geógrafos culturais tem se detido no meio científico atualmente, tem sido a analise do imaginário no espaço geográfico. Contudo é sabido que tal tarefa se torna um desafio, pois as reflexões que se tem processado no âmbito das discussões sobre o imaginário são em suas maioria proveniente de áreas como a Antropologia, Psicologia, História entre outras. Assim sendo, diante disto cabe ao geógrafo que pretende navegar pelo mundo imaginário articular os conhecimentos específicos de sua área com as demais ciências, como forma de desvelar o incrustado campo imagético de uma sociedade. 

Ao investigar como ocorre o processo de construção imagética de uma sociedade o pesquisador estará interpretando os símbolos que são evocados para compor o imaginário social, os quais estão intrinsecamente relacionado com o lugar, ou seja com o seu componente geográfico. Como mesmo afirma CASTRO (1997, p.178) “reafirmamos, como desdobramento das discussões acima, que todo imaginário social é também um imaginário geográfico, porque, embora fruto de um atributo humano – a imaginação – é alimentado pelos atributos espaciais não havendo como dissociá– los”. Desse modo pretende-se neste ensaio esquadrinhar uma leitura onde o componente do imaginário geográfico torna-se conteúdo e continente para delinear uma reflexão a cerca da dimensão geográfica do imaginário. Diante deste quadro de referência, buscar-se-á delinear reflexões para compor o que se chamaria de uma Geografia do Imaginário, assim caberia indagar que pressupostos e/ou teorias seriam evocadas para diligenciar uma leitura do imaginário social.

As evidências não palpáveis que se fixam no inconsciente coletivo representam os símbolos produzidos e construídos socialmente os quais por sua vez denotam a idéia representativa de uma realidade. “As imagens mentais podem se tornar símbolo, quando se tornam familiar dentro de uma sociedade a ponto de ultrapassar seu sentido geral e imediato” (ELIADE;1996,157). Assim sendo, isso nos leva a pensar que ao representar uma sociedade estaremos nos referindo aos símbolos, não a própria realidade em si. Por exemplo, quando nos referimos ao Rio de Janeiro como “a cidade maravilhosa” do Pão de Açucar, Corcovado, Copacabana, Carnaval, são imagens e representações mentais evocadas que não são o Rio de Janeiro, más que falam por ele. Assim uma dada realidade é reconstruída pelo imaginário através de seus recursos simbólicos. Para JUNG, (1964: p.20) “o símbolo é um termo, um nome ou mesmo uma imagem que nos pode ser familiar na vida diária embora possua conotações especiais além do seu significado evidente e condicional”. Os símbolos podem evocar diferentes olhares e entendimentos diversos, pois estão relacionados com a subjetividade, podendo tanto ser causadores de contentamento, como de desprezo ou repulsa. Portanto os símbolos têm essa característica de aflorar sentimentalidade que na verdade são reflexos de nossas experiências com os objetos simbólicos. Por exemplo, a cruz de madeira para um cristão católico tem um significado, uma áurea mística que para um budista ou um protestante não teria. Entretanto, apesar do fato de atribuirmos uma valoração simbólica a um objeto ele não deixa de ser na verdade o que de fato é, dois pedaços de madeira sobrepostos se tomarmos o exemplo acima de forma simplificada. É relevante destacar que os símbolos religiosos não são representações individuais, mas coletivas e mesmo com a interferência do homem não se tornaram símbolos de uma hora para outra, para serem de fato aceitos passaram por inúmeras transformações. 

O maior objetivo dos símbolos religiosos é dar sentido a existência do homem, transcendo os limites da vida e dando-lhe a oportunidade de alcançar a plenitude. Eis então o sentido do símbolo não só religioso, que possibilita ao homem representar o seu mundo e que ao fazer isso ele estará ultrapassando a dimensão do real, dando então uma significação a existência humana. Dentro deste quadro de referência pode-se inferir que um nome ou uma imagem torna-se simbólico quando ultrapassa o limite do seu significado imediato e adquiri um caráter inconsciente. Uma vez entendidos como representações do inconsciente pela mente do indivíduo, não se torna particularizados, ou seja eles não são representações individuais, mas coletivas. Para Jung “as origens do inconsciente estão além da história em si e dentro da evolução do homem (... ) o inconsciente mantêm-se com o passar dos tempos, sendo reserva dos elementos que caracterizam o homem não como ele é no momento em que vive” (JUNG,1993:p. 14)

O citado autor revalorizou o imaginário em seus tratados psicológicos ao resgatar as capacidades imaginativas do inconsciente e ao discutir em seu método terapêutico os arquétipos, em outras palavras seriam aquelas imagens psíquicas do inconsciente coletivo que seriam herdados pelo indivíduo. O discípulo de Freud propôs um novo percurso teórico estabelecendo novos elementos para compreensão e análise do imaginário social. Em linhas gerais Jung em seus tratados teóricos sobre o imaginário evidencia que o inconsciente coletivo estaria como o elemento caracterizador do homem histórico e complementar ao conteúdo consciente, sendo constituído por uma linguagem rica em imagens e símbolos.

Diante da construção simbólica produzida pela sociedade cabe interpelar então qual seria o lugar do imaginário, ou seja, que relações teriam o imaginário com os simbolismos gerados coletivamente. Ao evocar imagens e símbolos para representar um determinado fato social um grupo estará por sua vez alimentando o imaginário, o que implica dizer que este se expressa por meio de símbolos para reconstruir o mundo real. O imaginário mantém uma flexibilidade na manipulação das imagens, de tal forma que distorce, (re)cria , metamorfoseia ao representar a realidade. “O pensamento imaginário nada mais é do que construir uma imagem do ambiente fazendo ele correr mais depressa que o ambiente” (GEERTZ; 1978: p.185). 

A constituição do imaginário ainda perpassa pela formação e influência das instituições sociais, religião, uma organização econômica, um sistema de direito ou um poder instituído. Elas por si já constituem um todo simbólico, não se reduzem a isso, mas notadamente se nutrem de tal condição imaginária onde possuem uma grande rede de significados. É notório o fato de que estamos cada vez mais articulados a um sistema de significações que constitui o imaginário social. Entretanto, tem-se que ressaltar que tais simbologias estão não somente atreladas à dimensão humana, mas que a dimensão geográfica também influencia na formação desse imaginário, já que é sobre uma base física que se dão as relações sociais e onde a história da humanidade se desenvolve.

Os objetos geográficos têm uma significativa contribuição para a afirmação do imaginário, haja visto que se incorpora na vida cotidiana e coletiva de forma tal que as práticas sociais lhe conferem um valor simbólico. As paisagens naturais com todos os seus elementos físicos assim como as paisagens artificiais, aqueles frutos da construção humana, consubstanciam em imagens e representações da alma coletiva. Os lugares estão carregados de afetividades e simbologias para um determinado indivíduo, que também fazem parte do imaginário coletivo. A cidade de Meca para os mulçumanos representa de fato a ligação do homem a sua terra, a genitora da vida humana, mas também uma imagem que foi socialmente construída pela religião islâmica de uma terra abençoada pois foi naquele local onde Alá revelou o livro sagrado o Alcorão ao profeta Maomé. Há portanto no imaginário umageograficidade pela relação concreta que se estabelece entre o homem e a terra. 

A terra em essência representa mais que um espaço de morada , é na verdade um registro simbólico. Como base para as representações imagéticas a terra se constitui também em um componente do imaginário social, pois embora fruto de atributos humanos a capacidade imaginativa se alimenta também de atributos espaciais, estando ambos portanto indissociáveis. Portanto, “O imaginário reporta-se a espaços, produz uma topografia que lhe é própria e reflete, embora transformando as relações que o homem estabeleceu com o espaço onde o passado trouxe suas inscrições, dando assim uma materialidade a memória coletiva” (BALANDIER apud CASTRO;1997 p. 177). 

O espaço dessa forma seria tanto conteúdo quanto continente do imaginário social, em outras palavras poder-se-ia afirmar que tanto a própria morfologia da paisagem se inscreveria como atributo para leitura do imaginário geográfico quanto às relações que se estabelecem nesses espaços seriam significativas na construção do imagético. A constituição do imaginário social se dá tanto no campo doemaranhado humano quanto no da racionalidade geométrica , sendo a simbiose entre o visível e o invisível , o cristal e a chama, o valor e o não valor, o sonho e a realidade. Para Castoriadis o termo imaginário refere-se :“a quando queremos falar de alguma coisa, “inventada” quer se trate de uma invenção “absoluta” uma história imaginada em todas as suas partes ou do deslizamento, de um deslocamento de sentido, onde os símbolos são investidos de outras significações, normais ou canônicas”(CASTORIADIS;1982,154)

O imaginário reporta-se aos simbolismos para exprimir-se, isso quer dizer que as representações sociais ou as imagens mentais dos indivíduos se expressam por meio de símbolos que chegam até o consciente como imagens, formando-se no inconsciente coletivo o que permite a comunicação com o imaginário. Obviamente que tais aparatos imagéticos dizem alguma coisa sobre um determinado fato ou objeto, tendo, portanto uma função simbólica. Mas o simbolismo também incita uma capacidade imaginária permitindo ver em uma coisa o que ela não é, ou seja os atributos simbólicos têm o poder de modificar a apreensão da realidade pois realizam uma outra leitura do mundo. Ainda discorrendo sobre as fontes de criação do imaginário Castoriadis coloca então um imaginário radical, origem de um imaginário efetivo, o qual teria a capacidade elementar de evocar imagens.

Assim sendo faz-se necessário incursar pelos labirínticos campos de discussão sobre o que venha a ser imagem, imaginação e imaginário. Segundo FERREIRA (2001; 373) imagem refere-se “aquilo que evoca uma determinada coisa, por ter com ela semelhança ou relação simbólica; símbolo (...) produto da imaginação consciente ou inconsciente; manifestação do sensível”. Dessa forma a imagem estaria associada a representação do mundo real, expressando-se através da capacidade que o homem tem de construir figurações a partir de objetos da realidade. Sartre preconiza quanto a discussão da imagem que não se deve coisificá-la, criticando por sua vez a teoria clássica da imagem miniatura e contra a doutrina bergsoniana da imagem recordação. Na tentativa de evitar a “coisificação” da imagem Sartre apregoa o método fenomenológico que não deixa aparecer do fenômeno imaginário mas do que intenções purificadas de qualquer ilusão de imanência.

Segundo SANTAELLA & NÓTH (1985;15) o campo de imagens se divide em duas dimensões, uma em que exerce o domínio das imagens como representações visuais, desenhos, gravuras, pinturas entre outros. Tais imagens são por sua vez, objetos materiais, signos que representam o nosso ambiente visual. A outra dimensão estaria relacionada ao domínio imaterial das imagens de nossa mente. Neste domínio imagens aparecem como visões, fantasias, imaginações, esquemas modelos. Ambos os tipos de imagens não são excludentes, mantendo uma forte ligação desde sua origem, pois “não há imagens como representações visuais que não tenham surgido de imagens na mente daqueles que as produziram do mesmo modo que não há imagens mentais que não tenham alguma origem no mundo concreto dos objetos visuais” (SANTAELLA & NÖTH:1985;15). Deteremos mais nossa atenção nas imagens fantasiosas, aquelas que habitam as mentes humanas e que são fruto do devaneio, ilusão da imaginação.

O conceito de imagem desemboca em outros conceitos como de signos e representações, que são expressão do lado perceptível e o lado mental das imagens. Infere-se, pois que signos e representações são sinônimos referindo-se a uma mesma base imagética consubstanciada pelo mundo real, assim como também pelo mundo irreal. Mas até que ponto poder-se-ia afirmar que algo é da ordem do real ou do imaginário, se a própria realidade pode não ser tão real como se pensa, não passar de uma ilusão. Portanto como mesmo afirma MERLEAU-PONTY (1971; 8) “o real é tecido sólido, não espera nossos juízos para anexar os fenômenos mais surpreendentes nem para rejeitar nossas imaginações mais verdadeiras”, o que implica refletir que independente de nossas aspirações ou concepções o mundo está aí para formularmos nossas representações.

Por muito tempo a imagem foi relegada a arte de persuadir dos pregadores, dos poetas, dos pintores como resultado do devaneio e da ilusão. Apesar dos inúmeros estudos produzidos na área das ciências humanas, acerca da imaginação e da imagem, muito se tem a discutir e ainda a apresentar sobre tais conceituações, sobretudo quando interpretadas como fabulosas invenções sem significância para o mundo moderno. Eis então o desafio a ser vencido pelo cientista que se propõe a deleitar-se nos caminhos por vezes insondáveis do imaginário.

Os sentidos humanos são inundados por imagens que se articulam na mente formando a engenharia da imaginação representando “a máquina” de forma imagens que transcende o mundo real. “A imaginação não fornece apenas imagem da realidade, ao contrário é a faculdade de formar imagens que ultrapassem a realidade”(BACHELARD apud CORRÊA; 1999;219). Ao capturar as imagens por meio dos dados sensoriais a imaginação desempenha o papel de metamorfosear sem reproduzir mimeticamente, produzindo novos significados, haja visto que esta possui uma capacidade metafórica de gerar tais resultados. 

A imaginação não é somente fruto dos estímulos do ambiente que nos chegam pelos sentidos, nem só o intelecto que nos separa dela. A imaginação ou o conhecimento da imagem é proveniente do entendimento. “É o entendimento, aplicado a impressão material produzida no cérebro, que nos dá uma consciência da imagem (...) que possui a propriedade estranha de poder motivar as ações da alma” (SARTRE apud CORRÊA; 1999: 219)

O pensamento humano se centra muito em termos de uma vontade que controla, más não o suficiente em termos de uma imaginação que libera. Seguindo a filosofia liberalista da imaginação poderemos compreender a centralidade dessa filosofia em gerar novos significados para o mundo e assim entenderemos as relações entre imaginação individual e coletiva e suas implicações geográficas; os modos de a imaginação aproximar do mundo natural, os conflitantes temporais da ação humana, o passado e o futuro no âmbito da imaginação cultural, a natureza crítica da imaginação.

O mundo dos significados está repleto de símbolos que se alojam no imaginário coletivo, afirmando a identidade de uma dada comunidade. Suplantado pelos apetrechos teóricos da imagem e da imaginação, o imaginário estaria no plano irreal. Sendo fonte de (re) construção do real a partir das imagens, símbolos e signos estariam por sua vez (re) construindo as bases constituintes da vida social.

Na medida em que o homem passa a utilizar sua capacidade imaginativa metaforicamente, a partir de suas interações com o mundo real, ele passa também a criar seu imaginário - na verdade trata-se de uma visão ou visões de mundo. Vivemos em um mundo dotado de imagens não somente visuais, mas também mentais. As representações do mundo feitas pelos homens refletem os seus valores e escolhas em um dado momento da existência, o que incide sobre o caráter subjetivo da imaginação, bem como do imaginário. “A cada instante sonho em torno das coisas, imagino objetos ou pessoas cuja presença não se misturam ao mundo, estão diante do mundo, no teatro do imaginário” (MERLEAU-PONTY; 1971: p. 8)

O imaginário estabelece uma conexão obrigatória com o mundo real onde se constitui toda a representação humana; esta conexão se realiza necessariamente no espaço, lugar por excelência e fonte inesgotável de signos e símbolos do imaginário social. Ao expressar o mundo, ao fazer uma representação do mundo estarei expressando o meu eu, pois o homem mantém uma ligação profunda com a terra, não se expressando somente com o telurismo, mas referindo-se a uma relação de consubstanciação onde ambos se fundem em um mesmo ser. 

Trazemos em nossas mentes tanto experiências do real quanto do imaginário que se incorporam em nossas estruturas cerebrais alocando essa fonte energética que é o imaginário, o qual se formaliza individual e coletivamente, materializando-se em ações mediadas por imagens e símbolos. Como fonte vital para existência de uma sociedade o imaginário se alimenta de um espaço, que obviamente contém símbolos, signos e imagens, quando não muito é ele a própria representação. É incumbência dos cientistas que estudam os labirínticos caminhos teóricos do imaginário desvelar por meio de métodos que contemplem a intersubjetividade, a busca das essências, da interpretação das representações mentais, das imagens, o substrato das ações concretas dos atores sociais tanto no tempo quanto no espaço. 

Tecida uma sucinta discussão sobre os desdobramentos do imaginário social cabe ressaltar a afirmação de BALANDIER apud CASTRO (1997; 169) onde o “imaginário permanece mais do que necessário, sendo de algum modo o oxigênio sem o qual toda a vida pessoal e coletiva se arruinariam”. Talvez seja exagero do autor supracitado em colocar o imaginário como “pedra angular” de onde provém todas as fontes que regem e dinamizam a vida, mas é provável que esta dimensão imaginária seja o fluído vital para nossas ações no cotidiano.

3 - Do território ao lugar: percorrendo os meandros do imaginário geográfico

Ao se apropriar de um determinado espaço a sociedade transforma-o em território, onde passa a estabelecer relações de poder sobre a base física. Esse processo de territorialização é mediado pelas práticas sociais que controlam, gerenciam e atuam ativamente sobre o território. Entretanto percebe-se que o território envolve não só uma relação de poder e posse sobre um espaço, mas há nessa unidade físicas dimensões subjetivas, onde o indivíduo expressa um elo muito forte com o ambiente onde vive, conferindo-lhe outros significados.

O território envolve não somente um “ter” mediador de relações de poder (político-econômico) sobre parcelas do espaço, ele compõe também o “ser”. Ao mesmo tempo prisão e liberdade, lugar e rede, fronteira e coração, o território de identidade pode ser uma prisão que esconde e que oprime ou uma rede que se abre e se conecta e um coração que emana poesia e novos significados” (HAESBART apud CORRÊA; 1999:p. 186) 

Assim constata-se que o território produz uma forte carga subjetiva de onde emanam todas as relações de apego com uma determinada terra. Esse telurismo exacerbado que se desenvolve na população é fruto do contato cotidiano que o homem mantem com o solo. . A esse respeito o termo topofilia formulado por TUAN evoca bem os laços afetivos dos seres humanos com o ambiente natural, por sua vez é fonte geradora das imagens. O autor citado nos alerta que “o meio ambiente pode não ser a causa direta da topofilia, mas fornece o estímulo sensorial que, ao agir como imagem percebida, dá forma às nossas alegrias e ideais” (TUAN; 1980; 129).

Quanto ao contato físico com a terra, atenta-se para o fato de que o agricultor ou homem do campo mantém um intrínseco envolvimento com a natureza e a paisagem se apresenta não só como um instante cênico, mas como uma parte de seu ser. 

O apego à terra do pequeno agricultor ou camponês é profundo. Conhecem a natureza porque ganham a vida com ela (...) para o trabalhador rural a natureza forma parte deles – e a beleza, como substância e processo da natureza pode-se dizer que a personifica. Este sentimento de fusão com a natureza não é simples metáfora. Os músculos e as sicratizes testemunham a identidade física do contato. A topofilia do agricultor esta formada desta intimidade física, da dependência material e do fato de que a terra é um repositório de lembrança e mantém a esperança. A apreciação estética está presente mas raramente é expressada(TUAN; 1980:p 111) 

As construções simbólicas que se processam no território são em essência imagens que projetadas nas mentes dos homens tomam significados diferentes, pois estão intrinsecamente relacionadas a dimensão subjetiva do indivíduo, que notadamente recebe influências do meio e da sociedade a qual encontra-se inserido. Isso nos leva a pensar que “os nossos territórios existenciais são imagéticos. Eles nos chegam e são subjetivados por meio da educação dos contatos sociais, dos hábitos, ou seja da cultura
2 que nos faz pensar o real como totalização das abstrações”(ALBUQUERQUE;1996:27) 

A sociedade produz um imaginário como condição fundamental para seu funcionamento. Para tanto tal produção se dá em uma base cultural que obviamente mantêm seus rituais, cerimônias, objetos culturais. “A cultura é meio pelo qual os indivíduos transformam o fenômeno cotidiano do mundo material num mundo de símbolos e significados, ao que dão sentido e atrelam valores” (STUART HALL apud CORRÊA;1999:25). A cultura muitas vezes é interpretada como uma realidade “superorgânica” ou seja, que está contida nos espaços antes mesmo da existência humana, o que é na verdade uma forma de reificá-la. A cultura para GEERTZ (1978; 20) “é este documento de atuação pública que tanto pode passar de uma piscadela burlesca a uma incursão fracassada de carneiros. Embora uma ideação não existe na cabeça de alguém, embora não física é uma identidade oculta”. Isso nos leva a pensar que a cultura enquanto invólucro das simbologias produzidas pelo homem não é, pois a raiz do imaginário, mas pode ser compreendida como um elemento mediatizador no processo de construção das imagens.

Ao incursar-se pelos meandros da dimensão imaginária da sociedade estamos de certa feita penetrando também nos incrustados veios do mundo real. Não se interprete aqui o real e o imaginário como dimensões excludentes onde a mente humana funcionaria como uma ponte destinada a ligar estas duas superfícies da vida social. Deve-se, portanto partir do pressuposto de que o imaginário e o real integram um mundo só, são uníssonos. Isto resulta afirmar que ambos devem ser analisados como interdependentes, onde um serve de sustentação para explicar o outro. 

A experiência com o mundo nos permite formular as primeiras imagens que armazenamos em nossas mentes ainda quando crianças, ela conota uma posição de passividade, pois nos achamos sempre sujeitos a sofrimentos ou a situações inovadoras, que resultaram em um aprendizado ou não. “Assim a experiência implica a capacidade de aprender a partir da própria vivência. Experienciar é aprender, significa atuar sobre o dado e criar a partir dele” (TUAN; 1983;10). A experiência envolve as várias formas em que uma pessoa conhece e constrói a realidade, quer seja através dos sentidos mais passivos e diretos como tato, olfato, paladar e visão, quer pela simbolização indireta. Os órgãos sensoriais se constituem na verdade na primeira apreensão do lugar, que nos permite posteriormente formularmos uma imagem ideal que se associa ao sentimento que determinado lugar proporciona. A respeito da experiência com os lugares TUAN exemplifica com muita propriedade o seguinte:

Quando residimos por muito tempo em um determinado lugar, podemos conhecê-lo intimamente, porém a sua imagem pode não ser nítida, a menos que possamos vê-lo de fora e pensemos em nossa experiência. A outro lugar pode faltar o peso da realidade porque conhecemos apenas de fora – através dos olhos de turista e da leitura de um guia turístico. É uma característica da espécie humana, produtora de símbolos que seus membros possam apegar-se apaixonadamente a lugares de grande tamanho, como uma Nação-Estado dos quais eles só podem ter uma experiência direta limitada”(TUAN:1983:96) 

Entretanto se faz necessário ressaltar que a espacialização que o homem faz do mundo a nível experiencial parece estar exclusivamente limitada a ação pragmática e a dimensão perceptual. Em se tratando de um exemplo poderíamos pensar que um determinado número de pessoas que moram em um bairro reconhecem profundamente sua área, porém é possível que desconheçam uma área ocupada em outro bairro. Entretanto é fato notável que ambas reconhecem uma dimensão maior como a cidade, o estado, a região

À medida que adquire definição e significado o território transforma-se em lugar, onde jazem as experiências íntimas e onde encontramos condições para realizarmos nossas necessidades fundamentais de existência. O lugar é em ultima análise “uma pausa em movimento” (op. cit. 1983: 153), o que significa dizer que a pausa permite pensar a localidade como uma centralidade, onde tudo converge para um mesmo ponto, é o encontro de todos os lugares em um só. O sentimento com o lugar se afirma quando são resgatados instantes do passado atraentes e que evocam imagens representativas, como mesmo afirma o autor supracitado “a história é responsável pelo amor à terra natal” (op. cit. 1980: 115). Essas imagens podem não só dar conta da totalidade concreta mas referir-se a coisas efêmeras e familiares, com as experiências ou acontecimentos mais simples que se transformam em um sentimento profundo em relação ao lugar.

A memória por sua vez se torna imprescindível para entendermos também a constituição de um lugar, pois ela aqui não é entendida como um instrumento para explorar o passado, mas um meio para entender como se deram as vivências em um determinado lugar. “A memória tece as alegrias mais intensas e nos mantém a sua mercê através das ninharias, algum som, o tom de uma voz, o odor do piche e das algas marinhas do cais (...) este certamente é o significado de um lugar onde cada dia é multiplicado por todos os dias anteriores” (op.cit. 1983: 160)

O sentido do lugar muitas vezes pode estar relacionado com o uso que as pessoas fazem dele ou então da permanência de uma persona que por caracterizar o ambiente com suas práticas e afazeres diários, da-lhes características inerentes a personalidade do indivíduo. O lugar torna-se mítico no sentido de que imaginamos que está associada a algo imaterial como a personificação. Temos sempre um personagem que se destaca no imaginário social, seja aquele sujeito que é tido como pouco tolerante, ou então aquele que vive infurnado em uma igreja e fora mantém uma vida pecadora, ou então aquela senhora que dizem se alimentar de fígado de doces crianças, quando na verdade ela apenas é uma misantropa; um elemento de grande carisma por fazer caridade curando os males dos enfermos de espírito, enfim figuras que se destacam no cenário cotidiano. Essas pessoas tornando-se mitos e mitificando os lugares. “O espaço mítico é uma área imprecisa do conhecimento deficiente envolvendo o empiricamente conhecido (...) é um componente espacial de uma visão de mundo” (TUAN;1983: 97)

O território e o lugar se configuram como categorias conceituais que apregoam o caráter subjetivo do espaço, onde o território existencial se apresenta como imagético e por sua vez serve de base para afirmar uma identidade coletiva. A territorialidade foi construída notadamente pelas práticas sociais que se efetivaram no espaço as quais inseriu-se em um determinado espaço/tempo simbólico. O lugar por sua vez como uma pausa em movimento representa o encontro de todos os momentos em um só local, refere-se também ao sentimento que desenvolvemos ao se relacionar cotidianamente com as pessoas e com os objetos. A interconexão dessas espacialidades denota as dimensões físicas e abstratas que se eternizam na vida social.

4 - Considerações finais

Navegar pelo mundo do imaginário é antes de tudo revelar o substrato da vida cotidiana social, diante disto se faz necessário investigar como se forma o processo da construção imagética de uma sociedade.

Ao viver em coletividade o homem passa a estabelecer relações com o seu meio e seus semelhantes e para manter tal relação ele necessita incorporar a sua vida elementos simbólicos e signícos que notadamente funcionarão como códigos identificadores do grupo. Tais códigos evidenciam experiência que cada povo manteve com o mundo. Desenvolvendo esses símbolos codificadores a sociedade apregoa um dos sustentáculos da vida social: a linguagem, sendo um sistema de códigos simbólicos que é uma das fontes motrizes do imaginário social

A capacidade que o homem tem de criar e dar significado aos símbolos está entre um de seus atributos desde suas evidências mais remotas na terra, basta lembrar os registros iconográficos deixados nas cavernas ou ainda os imponentes templos destinados aos Deuses da natureza que são na verdade resquícios de um estágio da evolução do homem. Entretanto esses fatos se centram mais em evidências materiais, mas o que nos interessa são justamente as não materiais que se fizeram presentes no imaginário coletivo com o passar dos tempos e para os quais a ciência moderna custou a abrir os olhos.

Entender as linhas imaginárias que a sociedade imprime sobre sua existência é resgatar um pouco da produção simbólica, evidenciando que o imaginário se exprimi por ela e que ao se tornar simbólico uma imagem ou um nome ultrapassa seu significado adquirindo um caráter inconsciente. O inconsciente coletivo estaria impregnado na história do homem não tendo portando uma referência para o seu surgimento, assim explica-se o seu caráter eterno, pois perpetua suas estruturas que dão significado a existência humana. O simbolismo, mas do que nunca se edifica como a fonte basilar para produção imagética de um dado grupo. A cultura por sua vez seria o invólucro que não só conteria toda produção imagética como também estaria contida dentro deste, delineando a rede de valores e significados que a sociedade institui ao longo de sua existência. Assim em linhas gerais esboça-se o cenário no qual se engendra um caminho para construção de uma Geografia do Imaginário, sem a pretensão de estar criando uma nova categoria dentre tantas geografias que existem, pois na medida em que o homem começou a construir sua existência neste mesmo momento criava-se as bases para uma geografia imagética.

5 - Referências Bibliográficas

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TUAN, Yi-Fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. Trad. Lívia de Oliveira. São Paulo: DIFEL, 1983.

____. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. Trad, Lívia Oliveira. São Paulo: DIFEL, 1980.

NOTAS

1) Mestrando em Geografia - UFRN .  Volta

2) Cultura no seu sentido amplo, etnográfico, é o conjunto complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte a moral, o direito, o costume e qualquer outra capacidade e hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade (E. B. TAYLOR apud CANEVACCI, 1997: 7)Volta