Gênero e Imaginário
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Arneide Bandeira Cemin1, Camila Alessandra Scarabel(PIBIC), Maria de Fátima Batista de
Souza (PIBIC) e Silvanio de Matia Gomes (PIBIC)2
Introdução
Esta pesquisa é parte
do projeto “Gênero, Família e Violência (rede social e imaginário em contexto
urbano)”. O projeto foi subdividido em três subprojetos: “Gênero e rede
social”, “Fundamentos da união, da violência e da ruptura” e “Gênero e
Imaginário”. Este último subprojeto parte é o objeto específico deste artigo.
O subprojeto referido
teve como objetivo perceber a estrutura, o conteúdo e a dinâmica de imaginários
específicos a homens e mulheres. Tínhamos por hipótese (estabelecida em dados
de pesquisa anterior) que homens e mulheres apresentariam formas diversas de
resolução de ansiedade. A mulher apresentaria um imaginário marcado por imagens
religiosas e os homens, imagens relativas ao mundo do trabalho.
O estudo de Gênero
O conceito de gênero,
apesar de sua imprecisão teórica, diz respeito à construção cultural e
simbólica das relações entre homens e mulheres. No Ocidente, desde os gregos e
passando pelos iluministas, o valor máximo é a razão clara, objetiva,
considerada atributo masculino, em confronto com a subjetividade obscura,
identificada ao feminino.
Ao mesmo tempo em que
o Ocidente desvaloriza o feminino, nosso modelo cultural mediterrâneo, valoriza
a família, no interior da qual a mulher tem um papel central como mantenedora
da honra familiar.
Dispomos de algumas
teorias que explicam a condição de gênero no Ocidente. O marxismo, o
culturalismo e o pós-estruturalismo, talvez sejam as mais importantes. Para os
marxistas, a opressão de classe tem início com a opressão da mulher no interior
da família, resultante da apropriação do trabalho da mulher pelo homem,
permitindo o início da propriedade privada. De acordo com isso, o marxismo
aborda a questão de gênero a partir da ótica da luta de classes, ou seja,
considerando o lugar que cada gênero ocupa no processo produtivo, como
pressuposto da igualdade ou desigualdade entre os gêneros (Engels,1984).
A corrente
culturalista, cujo marco é a obra de Mead (1988), sustenta a tese de que não
existem atribuições naturais fundadas biologicamente, e sim atribuições
sociais, ou seja, papéis: tarefas e valores considerados pertinentes em cada
sociedade às pessoas do mesmo sexo biológico. Nesse sentido, postula ser possível,
pela via da cultura, alterar a relação de subordinação das mulheres pelos
homens.
Para os
estruturalistas a dualidade formada pelo par macho/fêmea é universal e,
conseqüentemente, estrutural, sem ela não é possível cultura no plano material
e simbólico. A tese de Lévi-strauss (1982), sobre o modo pelo qual se dá a
passagem da natureza à cultura, afirma que o fundamento da cultura é a regra
que obriga os homens a trocar as mulheres para além de um certo limite –
variável – de seu grupo familiar, fato que torna as mulheres o elo de
transmutação da natureza em cultura. Nessa perspectiva, é a troca de mulheres
que permite a circulação de bens e de mensagens. Interessa, portanto, averiguar
o tipo de lógica que sustenta essa dualidade, visando alterá-la, se for este o
caso, a partir de uma intervenção no plano das estruturas lógicas. Nesse ponto,
o estruturalismo encontra correspondência com o culturalismo.
O pós-estruturalismo
questiona o postulado de universalidade da lógica binária do estruturalismo, suspeitando
que ele possa resultar de uma imposição da nossa estrutura lógica dualista à
compreensão da lógica de outros povos. Consideram, que é no plano do discurso
que as relações sociais são construídas, inclusive, as relações sociais de
gênero. Indagando, ao mesmo tempo, se não haveria fenômenos biológicos como
fundamento da diferença entre masculino e feminino. Desse modo, a questão de
gênero é articulada ao corpo como suporte para a noção de identidade.
Os dados da pesquisa
antropológica indicam que todos os grupos sociais mantêm algum tipo de
classificação básica que separa as esferas do masculino e do feminino. Embora
partindo da diferença biológica, as atribuições relativas a cada sexo variam
conforme nos deslocamos no tempo, no espaço e nas situações sociais. As
correntes teóricas delineadas indicam três posições presentes no debate
feminista: igualdade dos gêneros, enquanto igualdade econômica da qual
decorreria a igualdade social, reconhecimento e construção da superioridade
cultural/ideológica das mulheres e igualdade associada à diferença.
Balandier (1976), ao
analisar a dinâmica interna aos sistemas sociais, indica que as divisões em
classes sociais, em classes de idades e em classes sexuais são partes
estruturais dos processos sociais. Desse modo, as dinâmicas sociais devem ser
consideradas nessa tridimensionalidade. A partir disso o autor indaga como a
divisão dos sexos afeta o sistema social e a cultura em seu conjunto, como se
exprime em cada uma delas o dualismo sexualizado e o modo pelo qual a oposição
e a complementaridade são, ao mesmo tempo, geradoras de ordem e de desordem
social.
Ao considerar as
narrativas das mitologias africanas, Balandier constata que a relação
homem/mulher aparece nos momentos de fundação da ordem do mundo, de
constituição da pessoa e nas primeiras obras civilizadoras do homem em
sociedade. Segundo o autor, isso explicita o reconhecimento do caráter
problemático, conflitual e contraditório de toda formação social, evidenciando
ainda, que o dualismo sexualizado torna-se o modelo de todos os dualismos.
O dualismo
sexualizado como fundamento da ordem das coisas e do mundo humano, organiza-se
em três modelos estruturais: andrógino, gêmeos do sexo oposto e casal mítico.
Além das estruturas os modelos fornecem o princípio dinâmico de cada tipo
estrutural, sendo eles, respectivamente: fusão, complementação e aliança das
diferenças.
Segundo Balandier, os
modelos um e dois têm perante a história uma posição de recusa, pois negam a
mudança ou prefiguram uma ordem social na qual estariam ausentes as diferenças
e, portanto, a necessidade de mudanças. Nos modelos, andrógino e gêmeos do sexo
oposto, subsistiria a nostalgia dos modelos ideais ou imaginários. O terceiro
modelo é o que rege efetivamente a sociedade. Entretanto, os três modelos dão
origem a teorias, ideologias e a práticas sociais codificadas.
Quanto às teorias sociais,
o dado mais geral é a afirmação da inferioridade feminina. Em geral, apenas uma
função, entre as muitas que a mulher desenvolve, não é desvalorizada: a função
de mãe. De resto, o que se constata, é a pequena participação social da mulher.
Em geral, para o homem, a mulher é o “outro”. Essa alteridade expressa e
reforça referencias simbólicas que definem a mulher como elemento antagonista e
perigoso, associada em geral com os aspectos dissolutos e, nesse sentido,
anti-social. É o casamento que pode instaurar a positividade da presença
feminina, uma vez que o intercâmbio matrimonial socializa sua sexualidade e
articula as sociedades masculina e feminina. Cabe, portanto, averiguar, no que
diz respeito às relações entre os sexos e as estruturais sociais, as situações
reais nas quais homens e mulheres se inserem.
O fundamento do poder
social do macho, segundo ainda Balandier, é a redução da mulher ao estado
instrumental colocando-a ao serviço da comodidade masculina. Os determinantes
da instrumentalização seriam: o confinamento da mulher ao espaço doméstico; a
falta de um viver feminino que permita às mulheres as trocas de experiências e
a identificação de seus interesses, a equiparação da condição feminina à
condição de minorias, a depreciação do trabalho feminino.
Desse modo, a divisão
sexista se superpõe à divisão de classes e hegemoniza o universo social com os
atributos designados como masculinos. O resultado desse conjunto de
representações e de práticas sociais é a condenação das mulheres a submissão e
ao silêncio. Questionar o poder masculino implicaria, segundo o autor,
equacionar o velho problema da articulação entre as duas metades fundantes do
social: as sociedades masculina e feminina em um processo de conhecimento e de
reconhecimento mútuos.
O estudo do
Imaginário
Os estudos acerca do
imaginário não constituem uma disciplina com objeto e método unificados,
trata-se de variada gama de abordagens disciplinares, acessadas por diferentes
métodos. Entretanto, o que reúne tantos interesses é o estudo das
“representações” ou seja, o sentido e as configurações simbólicas que formatam
as maneiras de pensar, que, expressas por práticas sociais, instituem o homem e
o seu meio.
A relação que se
institui entre o homem e o mundo não é direta, e sim mediada por processos de
pensamento. Entre o universo físico e o homem existe a dimensão simbólica que
institui o homem e o seu mundo. O homem não lida diretamente com as coisas e
sim com os significados atribuídos às coisas pela sua cultura. O ambiente
cultural, portanto, é formador do simbolismo tanto ao nível lógico quanto ao
nível do significado; aliás, ambos os níveis se interpenetram mais do que se
distinguem.
Ao invés de lidar com
as próprias coisas o homem lida com os simbolismos que tecem os seus mundos. O
mundo do homem não é um mundo de fatos é um mundo de percepções: a razão, a
linguagem - lógica e conceitual - a ciência, a arte, a religião e os
sentimentos são, por isso, dimensões imaginárias. Não há contraposição entre o
real e o imaginário porque o real é construído socialmente, o real, portanto, é
a interpretação que os homens atribuem à realidade através das incessantes
trocas entre as objetivações e as subjetivações das quais resultam
configurações específicas, ou seja, sistemas simbólicos particulares:
linguagem, mito, arte, religião, política, ciência, economia; que, expressos
por várias formas com diferentes conteúdos, possibilitam que o estudo do
imaginário possa ser abordado a partir de múltiplas problemáticas e do ângulo
de diferentes disciplinas.
Partindo do
pressuposto de que a característica de dar significado liga-se ao plano
simbólico, se justifica o interesse pelo estudo dos símbolos, das imagens e do
imaginário, cujo início foi dado por Bachelard, o qual afirma que os símbolos
não devem ser julgados do ponto de vista da forma, mas de sua força expressiva.
Gilbert Durand,
referência desta pesquisa, foi um dos alunos de Gaston Bachelard e fundou um
centro de estudo do imaginário, tendo influência também de Jung, que contribuiu
com o conceito de imagens simbólicas coletivas – arquétipos, sendo que o que
diferencia o arquétipo do símbolo é a sua falta de ambivalência, a sua
universalidade constante e a sua adequação ao esquema.
Durand utiliza a
expressão imaginário ao invés de simbolismo, uma vez que para ele o símbolo
seria a maneira de expressar o imaginário. Sua teoria sobre o imaginário se
organiza sob o método da convergência, isto é, os símbolos se (re) agrupam em
torno de núcleos organizadores, as constelações, as quais são estruturadas por
isomorfismos, que dizem respeito à polarização das imagens; indica que há
estreita relação entre os gestos do corpo e as representações simbólicas. Os
símbolos constelam porque são desenvolvidos de um mesmo tema arquetípico,
porque são variações sobre um arquétipo.
O autor utiliza-se
ainda da reflexologia a fim de explicar a sua classificação, baseada na noção
de gestos dominantes: as dominantes reflexas que se referem aos mais primitivos
conjuntos sensório-motores que constituem os sistemas de acomodações mais
originários na ontogênese, os quais, segundo a teoria de Piaget, deveria se
referir toda a representação nos processos de assimilação constitutivos do
simbolismo.
A reflexologia
identifica duas dominantes no recém-nascido: a dominante de posição (dominante
postural), que coordena ou inibe todos os outros reflexos, quando, por exemplo,
se põe o corpo da criança na vertical (a verticalidade e a horizontalidade são
percebidas pela criança de tenra idade de maneira privilegiada); a dominante de
nutrição (dominante digestiva), que nos recém-nascidos se manifesta por
reflexos de sucção labial e de orientação correspondente da cabeça. Esses
reflexos são provocados ou por estímulos externos, ou pela fome. A essas duas
dominantes podem associar-se reações audiovisuais. Há uma terceira dominante
relacionada ao reflexo sexual (dominante copulativa), que seria de origem
interna, desencadeada por secreções hormonais aparecendo em período de cio.
Haveria três ciclos
sobrepostos na atividade sexual: o ciclo vital, que na realidade é uma curva
individual de potência sexual; o ciclo sazonal, que apenas pode interessar à
fêmea ou ao macho de uma espécie dada ou ainda aos dois ao mesmo tempo; e o
ciclo de oestrus, que só é encontrado nas fêmeas dos mamíferos (relacionado à
menstruação); esses processos cíclicos, em particular o oestrus tem profundas
repercussões comportamentais. Assim, o corpo inteiro colabora na constituição
da imagem e as forças constituintes que coloca na raiz da organização das
representações parecem muito próximas das dominantes reflexas.
Verificou-se a
ligação da motricidade dos músculos envolvidos na linguagem verbal com o
pensamento e, mais ainda, que uma motricidade periférica estendida a numerosos
sistemas musculares estava em estreita relação com a representação. Salienta-se
que deva existir um mínimo de adequação entre a dominante reflexa e o ambiente
cultural (adequação essa, diferente de recalcamento).
A partir da reflexologia
(dominantes gesto-pulsional), da tecnologia (meios elementares de ação sobre a
matéria) e da sociologia (contexto social), Durand fundamenta a bipartição das
imagens em dois regimes: o diurno, que tem a ver com a dominante postural, e o
noturno relacionado às dominantes digestiva e cíclica.
Aqui surge o termo
estrutura, definido como uma forma transformável, que desempenha o papel de
protocolo motivador para todo um agrupamento de imagens e susceptível ela
própria de se agrupar numa estrutura mais geral, chamada de regime, que se
refere a opostos:
regime diurno - uma
organização das imagens que divide o universo em opostos, cujas características
são as separações, os cortes, as distinções, a luz;
regime noturno - uma
organização das imagens que une os opostos, tendo como principais
características a conciliação e a decida interior em busca do conhecimento.
Esses regimes
recobrem três estruturas que têm como ponto fundamental a questão da
mortalidade para o homem, cuja angústia existencial se manifesta através das
imagens relativas ao tempo, ressaltando-se a ambigüidade e os inúmeros
significados que um símbolo pode apresentar. A resolução dessa angústia permite
três soluções: (1) pegar as armas e destruir o monstro, (2) criar um universo
harmonioso no qual ela não possa entrar, (3) ter uma visão cíclica do tempo no
qual toda morte é renascimento.
No Regime Diurno está
a Estrutura Heróica, que se caracteriza pela luta, tendo como representação uma
vitória sobre o destino e sobre a morte, cujos principais símbolos são:
- símbolos de
ascensão – leva para a luz e para o alto;
- símbolos
espetaculares – diz respeito à luz, ao luminoso;
- símbolos
diairéticos – refere-se à separação cortante entre o bem e o mal.
No Regime Noturno da
imagem, temos duas estruturas: estrutura Mística, que se refere à construção de
uma harmonia, onde se evita a polêmica e há a procura da quietude e do gozo,
tendo como recurso expressivo os símbolos de inversão e os símbolos de
intimidade.
A estrutura
Sintética, diz respeito aos ritos utilizados para assegurar os ciclos da vida,
harmonizando os contrários, através de um caminhar histórico e progressista,
sendo que seus símbolos são os símbolos cíclicos.
O símbolo tem a
função transcendental de permitir ir além do mundo material objetivo. Devido a
dimensão da ambigüidade, o símbolo está sob constante processo de reequilíbrio,
tais como o equilíbrio vital, o equilíbrio psicossocial e o equilíbrio
antropológico.
Metodologia e
procedimentos
De modo geral, a
perspectiva teórica com a qual trabalhamos, toma por base o programa e os
procedimentos da Escola Sociológica Francesa, focalizando as “categorias do
entendimento”, também conhecidas por “categorias nativas”, através de pesquisa
etnográfica. Uma boa etnografia inclui a história de vida, os usos do espaço, e
os saberes de várias ordens, específicos aos grupos em estudo.
Desenvolvemos também,
estudos sobre as reflexões e o mapeamento do “imaginário” a partir das
propostas de Gilbert Durand. A abordagem do referido autor inclui os métodos
estruturalista e fenomenológico, embasado no princípio de “convergência das
hermenêuticas”, visando o estabelecimento de diálogos com diferentes
perspectivas teóricas e analíticas, necessárias aos estudos das complexidades
culturais.
Assim, do ponto de
vista metodológico, além da etnografia, utilizamos o AT9, Teste Arquétipo de
nove Elementos, criado pelo psicólogo Yves Durand, a partir da obra do
antropólogo Gilbert Durand.
O AT9, é um dos
instrumentos metodológicos de pesquisas sobre o imaginário em experimentação no
Centro de Estudos do Imaginário (CEI/UNIR). Trata-se de um teste do tipo
projetivo, com abordagem e orientação antropológicas, que visa “mapear” o tipo
de estrutura do imaginário com a qual o indivíduo (isolado ou em grupo),
expressa seus estímulos ansiógenos, suas defesas, e o uso que faz dos elementos
auxiliares propostos pelo teste.
Os arquétipos
funcionam como estímulos para que o indivíduo elabore um micro - universo
mítico a partir dos nove elementos que são os seguintes: O personagem -
elemento central; a queda e o monstro (elementos ansiógenos); a espada, o
refúgio e a coisa cíclica (elementos de resolução da ansiedade); a água, o
animal (qualquer um) e o fogo como elementos auxiliares.
O micro universo é
obtido a partir de uma dupla construção: um desenho e uma narrativa. Assim, o
desenho fornece as imagens e a narrativa nos dá o sentido e a articulação da
composição desenhada. Ambos são complementados por um quadro de análise, no
qual se registra o modo como cada arquétipo foi representado, o papel que ele
cumpre no desenho e na história, bem como, aquilo que ele simboliza. A estas
informações são acrescidos dados obtidos através de um questionário que permite
esclarecer outros aspectos que motivaram o desenho e a história do mesmo. O
micro universo é passível de ser classificado nos Regimes Diurno e Noturno de
imagens, e nas estruturas heróica, mística, sintética e inclassificável.
Os procedimentos
analíticos para o estudo do imaginário levam em conta a relação funcional entre
1) sujeito-personagem e objeto; 2) destinatário e destinador; 3) oponentes e
adjuvantes; encaminhadas na seguinte sequência:, história e desenho; quadro de
identificação dos elementos, desfecho da história e a classe social a que o
sujeito julga pertencer. Considera-se, ainda, o modo pelo qual as imagens
formam sínteses e complementaridades, em decorrência das propriedades de
“condensação” e de “deslocamento” dos símbolos.
Os sujeitos da
pesquisa foram mulheres, que fazem denúncias sobre agressões na Delegacia da
Mulher e seus (ex) maridos. Os dados foram construídos a partir de observação
in locco na Delegacia da Mulher, visitas as residências para realização do
teste, gravação das histórias de vida e, pela análise dos resultados do Teste
dos Nove Arquétipos (AT9). Deste modo, abordamos as mulheres e os homens,
explicando-lhes o objetivo de nossa pesquisa e solicitando-lhes a colaboração,
garantindo-lhes, em contrapartida os direitos ao sigilo e a proteção moral
previstos no código de ética do antropólogo.
Os testes foram
realizados por oito pessoas, sendo três casais e duas mulheres, cujos maridos
não quiseram responder ao teste. Os homens apresentaram resistência em realizar
o AT9, seja pelo fato de não se sentirem à vontade para desenhar ou por não
quererem se expor através de um teste.
Resultados
Quanto à estrutura do
micro universo mítico obtido pelos testes, em 87,5% dos mesmos foi impossível
classifica-los, sendo que somente em 12,5% foi verificada estrutura classificável,
no caso, estrutura mística, do regime noturno. A porcentagem de testes
desestruturados talvez seja decorrência do fato de as pessoas estarem em fase
de desestruturação de suas vidas em função do fim de suas uniões matrimoniais.
Os micro-universos
imaginários de homens e mulheres apresentaram diferenças marcantes. Entretanto,
as diferenças não foram estabelecidas pelo imaginário religioso. Homens e
mulheres expressaram imagens religiosas fortemente afetivas, e,
particularmente, ligadas ao evangelismo. Entretanto, os testes das mulheres não
apresentaram imagens de universos tecnológicos, mesmo que simples, ficando
restritas a imagens de elementos da natureza. Além disso, as imagens que dizem
respeito à relação pessoa - mundo social, foram, no caso delas, mais
pertinentes aos valores de morte. Todos os homens, ao contrário, recorreram a
imagens tecnológicas e apresentaram uma relação pessoa - mundo social mais
dirigida aos simbolismos de vida.
O imaginário cumpre
diferentes funções de equilíbrio dos recursos interpretativos das culturas.
Políticas voltadas para viabilizar a ascensão social das mulheres devem levar
em conta seus imaginários. Vimos que estes indicam o distanciamento delas das
práticas que permitem apropriação de tecnologias capazes de inseri-las em
contextos propícios a sua autonomia e ao conseqüente desenvolvimento de seu
potencial de vida. A apropriação de tecnologias não diz respeito apenas ao
técnico; mas, ao social, e neste, o imaginário, formatando padrões de cultura,
dinamiza a consciência e induz à ação.
As relações de Gênero
são fundantes do mundo inter-humano, por isso mesmo, perceber a sua dinâmica
interna possibilita ao poder público e aos movimentos de mulheres e de diretos
humanos, a construção e a exigência quanto à implementação de políticas
públicas que dêem contam das demandas sociais de homens e mulheres. Entre elas,
a Casa Abrigo, a Renda Mínima Familiar, as campanhas pela escolarização e
profissionalização feminina. Consideramos necessário, também, outros elementos
de rede social para além do jurídico-penal, como é o caso da Delegacia da
Mulher; que, mesmo extremamente necessária em seu campo de ação, necessita da
complementação dos suportes já citados, bem como, de outros, a exemplo de
orientação e apoio social e psicológico ao homem à mulher e aos seus filhos.
Todos esses recursos
são vitais nos casos de rupturas de uniões conjugais, ainda mais quando
constatamos que estes processos freqüentemente são acompanhados de
desestruturações econômicas agravadas ainda, pelo desemprego e pela falta de
qualificação profissional das mulheres e do distanciamento delas dos universos
tecnológicos. Estes fatores isolados ou conjugados, dificultam o acesso
feminino aos postos de trabalho de melhor remuneração.
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