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Revista Eletrônica do Centro de Estudos do Imaginário | ||
A sociologia francesa, inclusa a antropologia, esteve a partir de Durkheim e Mauss, envolvida com a formulação de teorias que dessem conta dos fundamentos da vida social, compreendendo-a como essencialmente simbólica. Da noção de "consciência coletiva", Durkheim chegou a noção de "representações sociais" – definidas como "elementos reais e atuantes" que, entretanto, "não são fatos puramente físicos (1994:38). As representações são consideradas por ele como a "trama" que tece o social e que se origina da associação entre os homens, sem dela ser uma decorrência direta, instantânea ou mecânica. Esse processo de surgimento das representações pela associação humana fica tão mais invisível quanto maior for a complexidade social que, para Durkheim, liga-se aos elementos morfológicos, tais como, as relações entre território, densidade populacional e comunicação.
A primeira matéria da representação diz respeito aos dados da morfologia e da dinâmica social, mas, uma vez formadas, assumem a característica de "depender do todo sem depender imediatamente de nenhuma de suas partes". Podendo assim, estar em todos os lugares sem necessariamente fixar-se em nenhum ponto do espaço, ganhando mobilidade e liberdade para variações que, se recusadas por umas partes, podem ser adotadas por outras. Deste modo, embora as representações tenham seu fundamento na sociedade, as representações coletivas, mesmo vinculadas ao social, não se confundem com ele, pois, "as representações novas [...] têm por causas próximas outras representações coletivas e não esta ou aquela característica da estrutura social" (1994:50).
As representações coletivas são "imagens", segundo Durkheim, que, embora resultem das "sensações" não podem ser explicadas apenas pelo estado do cérebro nem pela morfologia social. Deste modo, se a vida representativa no indivíduo pode ser chamada de "espiritualidade", a vida social se define por uma "hiperespiritualidade". Ou seja, trata-se dos "mesmos atributos da vida psíquica, elevados a uma potência muita alta, de modo que chegam a constituir algo inteiramente novo" (1994:54).
O desenvolvimento desta teoria sobre os fundamentos da vida social levou Durkheim a postular que os "objetos não têm valor algum por si mesmos e independente de nossas representações" (1994:87). As representações, para ele, são sempre "imaginárias" porque o modo de instituição do social é o imaginário: a forma como a sociedade imagina, projeta e objetiva denominando e classificando (1994:89). "Pois a sociedade é, antes de tudo, um conjunto de idéias, de crenças, de sentimentos de toda a espécie, num amálgama realizado pelo próprio indivíduo" (1994:90). Ou seja, virtualidades que se intercruzam, se juntam e se repelem em constante movimento de construção de mundos de sentidos capazes de instituir realidades antes inimagináveis, visto que: "das ações e reações que ocorrem entre os indivíduos decorre uma vida mental inteiramente nova, que transporta nossas consciências para um mundo do qual não teríamos a menor idéia caso vivêssemos isolados" (1994:90).
A participação em um grupo, portanto, é mais do que potencialização das técnicas e dos utensílios, é criação que se origina da "efervescência social", ou seja, participação, troca e confronto com as idéias partilhadas por homens de um mesmo grupo social. Mas, indaga o autor, de onde provêm as representações? E ele mesmo responde que elas provêm da idéia do sagrado e que o sagrado é o incomensurável, o não utilitário, o ideal, o simbólico, o imaginário. O sagrado é "autoridade moral" argumenta Durkheim, acrescentando que a moral é uma "realidade psíquica" e, portanto, "fato social".
Os "fatos sociais" para Durkheim não são coisas no sentido material, técnico e utilitário, são "coisas psíquicas", representações, atribuição de valor, sendo que o valor não está nas coisas em si mesmas, por isso ele pergunta "... de onde provém o fato de que nós tenhamos necessidade e meios de ultrapassar o real, de sobrepor ao mundo sensível outro mundo diferente [ideacional, imaginário] no qual os melhores dentre nós teriam sua verdadeira pátria?" (1994:132-3). Em resposta o autor considera que a hipótese teológica – que vê o mundo espiritual como realidade una e perene - não se sustenta porque não explica a variedade do ideal religioso, o supra-experimental, visto que este varia de acordo com os grupos sociais.
A resposta de Dukheim surpreende porque aponta para o homem como ser de desejo, quando afirma: "para que o ideal seja algo mais que uma simples possibilidade concebida pelos espíritos, é indispensável que seja desejado". A intensidade do desejo coletivo é a força que cria e "... metamorfoseia tudo quanto toca ... ": "substitui o mundo que o sentido nos apresenta por um mundo completamente diferente" (1994:142).
Esse mundo completamente diferente do mundo físico é para Durkheim o mundo social, que é, principalmente "idealidade". Essa idealidade é constituída por duas ordens que, em linguagem atual, poderíamos chamar de "realidade de signos" e "realidade de símbolos", pois, segundo o autor, há aqueles tipos de idéias ou ideais de realidade "cujo papel é unicamente expressar as realidades às quais se aplicam, de expressá-las como são: trata-se dos conceitos propriamente ditos. Há outros, pelo contrário, cuja função é transfigurar as realidades a que se relacionam: estes são os ideais de valor"(1994:143).
No primeiro tipo é o ideal, ou seja, o conceito que serve de símbolo à coisa, ao ser ou relação, pretendendo esgotá-la, contê-la de maneira a "torná-la assimilável ao pensamento. No segundo, é a coisa a que serve de símbolo ao ideal e o torna representável aos diferentes espíritos" (1994:143).
Ora, no ato mesmo de falar aos diferentes espíritos, o símbolo é necessariamente polifônico, polimagético, por isso, a realidade conceitual, a realidade de signos institui, fixa, fecha em torno de um sentido; e a realidade de símbolos "... expressa o aspecto novo da realidade mediante o qual ela se enriquece sob a ação do ideal" (1994:143).
Para Durkheim o ideal é também real mas de uma outra realidade, porque o ideal está sempre em vias de institucionalizar-se, sempre suscetível de estabilização e, ao mesmo tempo, aberto à criação que resulta da contraposição entre o real e o ideal, isto é, entre o instituído e o imaginário.
Sabemos do respeito de Durkheim pelo instituído e não nos interessa discutir aqui essa sua inclinação, apenas assinalar a existência de um amplo arco de recalcamento no campo do imaginário que se configura em um jogo de coordenadas binárias onde a escolha é a imagem ou o conceito. O que está dito em Durkheim pode ser reencontrado em Bachelard (1986; 1990) como fundamento de sua epistemologia bipartida entre o regime diurno – os conceitos, a ciência; e o regime noturno – o sonho, a poética, o imaginário.
Freud também percebeu, tanto quanto Bachelard, que a racionalidade social e também científica, se faz pelo recalcamento das pulsões, e que estas configuram representações de desejos (Também para Durkheim o desejo é a força capaz de mover as vontades). Sabemos que para a psicanálise, o que constitui o desejo é a falta, ou melhor, o conjunto de significantes fantasmáticos que substituem aquilo que falta. Sendo assim, o desejo é energia afetiva que investe representações simbólicas e, inobservável em si mesmo, nem por isso carece de materialidade, visto que o desejo produz relações humanas entre seres e objetos, resultando na criação de seres, objetos, espaços e situações concretas.
Ocorre que para indagarmos com um mínimo de pertinência acerca do desejo e, portanto, do imaginário, é necessário que nos situemos no campo de visibilidade constituído por nossos conhecimentos sobre o homem. Na verdade, não mais sobre o homem, Foucault (1992), inclusive, anunciou o seu fim. De fato, é sobre o processo de hominização que se configura o debate que hoje assoma no campo das ciências, interrelacionando-as. A nosso ver, seguindo diferentes pensadores como Lévi-Strauss (1985), Atlan (1992), Morin (1996) e Maturana (1997), já não parece tão esclarecedora quanto há um século atrás, a divisão clássica entre ciências sociais e ciências da vida. Em sentido amplo, nos parece pertinente, conforme o programa de Foucault (1992), nos situarmos na "região epistemológica" que conecta as diferentes ciências: da vida, da produção e da linguagem. Sem pretender esgotar o assunto, evocamos um contexto multidisciplinar que articula diferentes pensadores, cujo foco de reflexão é antropológico.
Segundo a antropologia paleontológica (Leroi-Gourhan, 1984; 1987; 1990), a evolução humana caracteriza-se por dois aspectos principais: tecnicidade manual e tecnicidade verbal desdobradas em dois outros planos, o da evolução filética, dizendo respeito as propriedades físicas que diferem pouco das de trinta mil anos atrás; e o da evolução étnica, que se refere ao corpo exteriorizado, corpo social, em transformação acelerada. Para além desses dois planos e de seus desdobramentos, há o "tecido de relações" entre o indivíduo e o grupo, feito de comportamento estético, no sentido que lhe atribui o autor, de interrelacionamento entre a natureza e a arte como demarcando os dois polos do zoológico e do social. Nesse sentido, Leroi-Gourhan não circunscreve a noção de belo à emotividade, que no homem é preponderantemente auditiva e visual, amplia-a em busca de um "código das emoções estéticas" naquilo que elas têm de biológico e, portanto, de comum aos seres vivos, tais como, os sentidos, pois eles permitem a percepção dos valores e dos ritmos.
Estudando as técnicas de um ponto de vista etnológico, o autor analisou os meios elementares de ação sobre a matéria, começando pelos gestos de preensão, que dizem respeito a relação direta entre a mão e a matéria, e os de percussão que demarcam o ponto de encontro do utensílio com a matéria; estudou também os elementos que prolongam e completam os efeitos técnicos da mão humana: o fogo, a água e o ar. Considerando que os utensílios são inseparáveis da força que os animam, e que são os gestos que constituem a força motriz, ele analisa os tipos de forças e seus modos de transmissão. Assim, localiza sete tipos de forças: muscular humana, muscular animal, o peso, a mola, os movimentos de fluidos, a expansão de gás e o eletromagnetismo.
A essas sete forças, achamos que deveria ser acrescentada uma oitava: a "força psíquica", ou seja, a compreensão multifacetada do caráter dinâmico e fundador da imagem. Para nós, o ponto de partida para a análise dessa força é a "imaginação simbólica" e sua condição de possibilidade: o "ritual" - intenção, gesto e palavra.
Os biólogos, como Atlan, consideram que o ser humano se inscreve em uma circularidade ambígua que diz respeito aos processos de cerebralização onde a "sociogênese dos homínidas de cerébro cada vez maior, foi o suporte do desenvolvimento da cultura que criou o nível favorável para o crescimento do cerébro volumoso e da linguagem articulada e combinatória; esta, por sua vez, permitiu a divergência e, mais tarde, a explosão da cultura"(1992:165). A cerebralização e a cultura são simultaneamente meio e resultado das complexificações sociais e culturais em permanente troca adaptativa entre biologia e cultura.
Comentando a obra antropológica de Morin, "O paradigma perdido", Atlan indica que para aquele autor a circularidade cerébro-cultura resulta apenas aparente, uma vez que é subsumida na complexificação e na auto-organização caracterísitcas do ser vivo e de seu meio (1992:165). Embora Atlan concorde com a proposição da complexidade e da auto-organização, acrescenta que o ganho do processo de hominização não é tanto relativo a órgãos ou funções, mas sim de organização estrutural, traduzida em aptidão para adquirir. Segundo ele, Morin não considera o papel do aumento da capacidade de memória que acompanhou o desenvolvimento do cérebro. Para Atlan, isso é decorrente de Morin "favorecer os mecanismos da ordem a partir do ruído na lógica da complexificação, excluindo os mecanismos de estabilização por replicação – recarga da redundância" (1992:167).
Atlan argumenta que a linguagem tem dupla relação com a memória. De um lado, a linguagem para desenvolver-se precisou de cérebros com maior capacidade de memória, ao mesmo tempo em que a linguagem é o principal suporte para o aumento das capacidades de memória da espécie. Além do quê, prossegue o autor, a linguagem é o campo das derivações, das metáforas que são mecanismos que se constituem pela lógica de reorganização/desorganização e de integração da ambigüidade. Sendo que, todos esses aspectos são estruturadores da cognição. O que o autor quer salientar é a importância da memória na organização, operando como estabilizadora de configurações de ordem que pode ser criada a partir de ruídos. Sem memória, os padrões surgidos se desvaneceriam no turbilhão de ruídos do ambiente.
Relacionando bipedismo, linguagem articulada combinatória e comportamento social, Atlan lembra que hoje já se sabe que estas não são características exclusivas do Homo sapiens, pois que já existiam antes do cerébro volumoso, por isso indaga: para que serve o cerébro volumoso? E responde: serve para o imaginário, a desrazão, o delírio. Todos uma espécie de conseqüência inelutável de uma lógica da hipercomplexidade já atuante na evolução biológica e, depois, na evolução bio-sócio-cultural que conduziu ao Homo sapiens. Entretanto, acrecenta: "as manifestações externas de sonho e de um possível imaginário nos animais forçam-nos a reconhecer que não é tanto a simples existência dos sonhos e das associações imaginárias que caracterizam as aptidões ainda não realizadas do homem, mas a irrupção do imaginário em sua cultura e a maneira como ele é vivido nos contextos bio-sócio-culturais onde o homem se define" (1996:173).
Nesse sentido, Atlan concorda com Morin de que a demência do sapiens, o delírio e o exagero das não realidades que são a morte e a imagem, longe de serem defeitos de racionalidade são a condição mesmo de emergência de racionalidade (1996:173). Contudo, discorda de Morin, por este conceber que a natureza imaginária e imaginante do Homo sapiens sejam decorrentes de relação ambígua e conturbada que se constitui entre o cerébro humano e o ambiente como resultado das emergências mágicas, míticas, rituais e estéticas. Na verdade, diz o autor, é a consciência, também entendida enquanto ampliação das capacidades de memória, que permite ao imaginário irromper na visão do mundo. Conclui que não é possível, como faz Morin, identificar o estado de alta complexidade que caracteriza o sapiens, com a irrupção do erro" (1996:173).
Para Atlan, seria no confronto entre a consciência-mémória e o seu conteúdo que o imaginário e a ilusão podem aparecer como erros e ambiguidades. Mas o imaginário não é menos real, nem tampouco mais erro, do que é a consciência do real. A consciência-memória permite a superposição de eventos separados no tempo e, portanto, uma combinação mais rica dessas superposições. Sendo que é a experiência da adequação ou inadequação dessas superposições que se exprimem no diagnóstico de real ou de imaginário dos acontecimentos (1996:174), provocando discrepância entre o homem adaptado e o homem imaginador. Da união entre ambos, surge e prossegue o movimento de adaptação.
O êxtase, diz Atlan, ilustra bem o exposto, pois seja ele de caráter místico, estético, erótico ou psicodélico, a discrepância entre real (leia-se adaptação) e o imaginário se resolvem. Pois, dada a forte predominância do imaginário no contexto do êxtase, seu caráter de ilusão e de erro se esvanecem. Ao contrário, fora desses estados extraordinários, o homem, ao mesmo tempo, atribui ao imaginário uma consistência de erro e de ilusão e os projeta no ambiente, aumentando sua realidade ilusória ou atribuindo-lhe o caráter de forças sobrenaturais. Por isso, prossegue o autor, a irrupção da morte surge ao mesmo tempo como verdade e ilusão, fruto de uma consciência dupla, pois a novidade é sempre confrontada com a consciência, ou seja, a memória possibilitada pelo aumento do cérebro (1996:175).
Duplos imaginários seriam também, além dos estados ordinário e extraordinário de consciência, as imagens e os símbolos. Ao mesmo tempo, seres representados e expressos na linguagem e no desenho, recursos pelos quais adquirem existência mental fora de sua presença material. Portanto, Atlan conclui: "o surgimento do homem imaginário não está ligado ao do erro. O erro e seu papel organizador sempre existiram, desde o começo da evolução. O homem imaginário surgiu ao mesmo tempo que o homem de memória volumosa"(1996:175). Portanto, não se trata fundamentalmente de confronto entre verdade e ilusão, pois ambas são projeções imaginárias que, em função de adequações e regularidades são chamados de realidade ou ilusão. Os produtos da mente, tanto quanto a consciência temporal, são a expressão do aumento de complexidade, sem o acicate da necessidade, pois os novos padrões se formam "por formarem-se", no mesmo sentido, lembra Atlan, que para Piaget o bebê "suga por sugar" (1996:176).
Volta a concordar com Morin sobre o fato de que a linguagem permitiu a magia, onde a palavra nomeia e invoca a imagem mental, sendo que esse processo, diz Atlan, não é circunscrito a magia, mas a "todas as projeções do imaginário no real. Isto é, em todas as apreensões do real pelo pensamento" (1996:176). Para ele, o processo de pensamento em qualquer modalidade – mágica ou científica – é delirante e se constitui pelo movimento entre memória (estoque de imagens), processamento ( transformação das imagens) e projeção de imagens. Argumenta que, se de um lado, as derivações mitológicas são fontes de avanço para o sapiens, não sendo apenas desordem, mas ordem, não só liberdade mas também restrições, é porque o imaginário é principalmente memória e associações que, mesmo livres, são, "no sentido probabilístico e informacional, restringidas na medida mesmo em que associam" (1996:176).
Para Gilbert Durand (1997), o imaginário é o conjunto das imagens e das relações entre imagens que constituem o capital pensado do Homo sapiens. Para nós, imaginário é dinâmica: imaginar é processo cognitivo de selecionar, agrupar e pôr imagens em movimento (não necessariamente nessa ordem). É cinemática, dinamismo de potência, condição de possibilidade, pois cria, inspira, realiza. Entretanto, fios muito tênues de definição sustentam a noção de imaginário que dança no mar do espírito feito água-viva que flutua. De tão escorregadia e inapreensível, a partir dela, a moderna ciência ocidental construiu o primeiro fosso, que Durand (1988) chamou de "vitória dos iconoclastas". Foi a psicanálise, o estruturalismo, a arte e, atualmente, a física quântica, a bio-química, a paleo-antropologia e a cibernética, que romperam trilhas e avançam no resgate da "louca da casa" de seu exílio esotérico. Como previa Lévi-Strauss (1985), o "divórcio" entre a ciência e os problemas que ela pôs de lado, a exemplo das imagens e dos símbolos, está prestes a superação pela incorporação das problemáticas que suscitam.
Contudo, respostas totais ou definitivas quem haveria de tê-las? Mas, parece que não são elas apenas que impulsionam o desejo. Entre o "cristal e a fumaça" o brilho do vidro e a imagem da chama fascinam e aquecem. Transformam, adornam, elucidam e transtornam. Iluminando e obscurecendo o "trajeto antropológico" que se faz pela incessante troca - entre as subjetivações e as objetivações - que instituem o homem e o seu meio (Durand, 1997). No entanto, quais são as possibilidades metodológicas de apreensão do imaginário? Elas são tão diversas quanto as perspectivas teóricas que pretendem elucidá-lo, vão da mitocrítica às análises psicanalítica, linguística, histórica, antropológica, entre outras, que possamos imaginar e objetificar no ato prometéico de "roubar o fogo dos Deuses". Concordamos que esta é uma saída retórica que, entretanto, cumpre aqui a função de evidenciar pelo ocultamento, a necessidade de outros textos que explicitem de múltiplas formas a amplitude de domínios que a temática abarca e extravasa. Aliás, é sobre os limites e os transbordamentos de sentido que o imaginário investe e multiplica as astúcias.
BIBLIOGRAFIA:
ATLAN, Henri. Entre o cristal e a fumaça: ensaio sobre a organização do ser vivo. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1992.
BACHELARD, Gaston. O novo espírito científico. Lisboa, Edições 70.
_________________ . O ar e os sonhos: ensaio sobre a imaginação do movimento. São Paulo, Martins Fontes, 1990.
DURAND, Gilbert. A imaginação simbólica. São Paulo, Cultrix, 1988.
_____________ . As estruturas antropológicas do imaginário, São Paulo, Martins Fontes, 1997.
DURKHEIM, Émile. Sociologia e filosofia. São Paulo, Ícone, 1994.
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. São Paulo, Martins Fontes, 1995.
LEROI_GOURHAN, André. Evolução e técnicas: I – o homem e a matéria, Lisboa, Edições 70, 1984.
_________________ . O gesto e a palavra: I – técnica e linguagem, Lisboa, Edições 70, 1984.
________________ . O gesto e a palavra: II - memória e ritmos. Lisboa, Edições 70, 1987.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Mito e significado. Lisboa, Edições 70, 1985.
MATURANA, Humberto. A ontologia da realidade. Belo Horizonte, Editora da UFMG, 1997.
MORIN, Edgar. O método (III): o conhecimento do conhecimento, Lisboa, Publicações Europa-América, 1996.
__________ . O paradigma perdido: a natureza humana. Lisboa, Publicações Europa-América, 1993.
A primeira matéria da representação diz respeito aos dados da morfologia e da dinâmica social, mas, uma vez formadas, assumem a característica de "depender do todo sem depender imediatamente de nenhuma de suas partes". Podendo assim, estar em todos os lugares sem necessariamente fixar-se em nenhum ponto do espaço, ganhando mobilidade e liberdade para variações que, se recusadas por umas partes, podem ser adotadas por outras. Deste modo, embora as representações tenham seu fundamento na sociedade, as representações coletivas, mesmo vinculadas ao social, não se confundem com ele, pois, "as representações novas [...] têm por causas próximas outras representações coletivas e não esta ou aquela característica da estrutura social" (1994:50).
As representações coletivas são "imagens", segundo Durkheim, que, embora resultem das "sensações" não podem ser explicadas apenas pelo estado do cérebro nem pela morfologia social. Deste modo, se a vida representativa no indivíduo pode ser chamada de "espiritualidade", a vida social se define por uma "hiperespiritualidade". Ou seja, trata-se dos "mesmos atributos da vida psíquica, elevados a uma potência muita alta, de modo que chegam a constituir algo inteiramente novo" (1994:54).
O desenvolvimento desta teoria sobre os fundamentos da vida social levou Durkheim a postular que os "objetos não têm valor algum por si mesmos e independente de nossas representações" (1994:87). As representações, para ele, são sempre "imaginárias" porque o modo de instituição do social é o imaginário: a forma como a sociedade imagina, projeta e objetiva denominando e classificando (1994:89). "Pois a sociedade é, antes de tudo, um conjunto de idéias, de crenças, de sentimentos de toda a espécie, num amálgama realizado pelo próprio indivíduo" (1994:90). Ou seja, virtualidades que se intercruzam, se juntam e se repelem em constante movimento de construção de mundos de sentidos capazes de instituir realidades antes inimagináveis, visto que: "das ações e reações que ocorrem entre os indivíduos decorre uma vida mental inteiramente nova, que transporta nossas consciências para um mundo do qual não teríamos a menor idéia caso vivêssemos isolados" (1994:90).
A participação em um grupo, portanto, é mais do que potencialização das técnicas e dos utensílios, é criação que se origina da "efervescência social", ou seja, participação, troca e confronto com as idéias partilhadas por homens de um mesmo grupo social. Mas, indaga o autor, de onde provêm as representações? E ele mesmo responde que elas provêm da idéia do sagrado e que o sagrado é o incomensurável, o não utilitário, o ideal, o simbólico, o imaginário. O sagrado é "autoridade moral" argumenta Durkheim, acrescentando que a moral é uma "realidade psíquica" e, portanto, "fato social".
Os "fatos sociais" para Durkheim não são coisas no sentido material, técnico e utilitário, são "coisas psíquicas", representações, atribuição de valor, sendo que o valor não está nas coisas em si mesmas, por isso ele pergunta "... de onde provém o fato de que nós tenhamos necessidade e meios de ultrapassar o real, de sobrepor ao mundo sensível outro mundo diferente [ideacional, imaginário] no qual os melhores dentre nós teriam sua verdadeira pátria?" (1994:132-3). Em resposta o autor considera que a hipótese teológica – que vê o mundo espiritual como realidade una e perene - não se sustenta porque não explica a variedade do ideal religioso, o supra-experimental, visto que este varia de acordo com os grupos sociais.
A resposta de Dukheim surpreende porque aponta para o homem como ser de desejo, quando afirma: "para que o ideal seja algo mais que uma simples possibilidade concebida pelos espíritos, é indispensável que seja desejado". A intensidade do desejo coletivo é a força que cria e "... metamorfoseia tudo quanto toca ... ": "substitui o mundo que o sentido nos apresenta por um mundo completamente diferente" (1994:142).
Esse mundo completamente diferente do mundo físico é para Durkheim o mundo social, que é, principalmente "idealidade". Essa idealidade é constituída por duas ordens que, em linguagem atual, poderíamos chamar de "realidade de signos" e "realidade de símbolos", pois, segundo o autor, há aqueles tipos de idéias ou ideais de realidade "cujo papel é unicamente expressar as realidades às quais se aplicam, de expressá-las como são: trata-se dos conceitos propriamente ditos. Há outros, pelo contrário, cuja função é transfigurar as realidades a que se relacionam: estes são os ideais de valor"(1994:143).
No primeiro tipo é o ideal, ou seja, o conceito que serve de símbolo à coisa, ao ser ou relação, pretendendo esgotá-la, contê-la de maneira a "torná-la assimilável ao pensamento. No segundo, é a coisa a que serve de símbolo ao ideal e o torna representável aos diferentes espíritos" (1994:143).
Ora, no ato mesmo de falar aos diferentes espíritos, o símbolo é necessariamente polifônico, polimagético, por isso, a realidade conceitual, a realidade de signos institui, fixa, fecha em torno de um sentido; e a realidade de símbolos "... expressa o aspecto novo da realidade mediante o qual ela se enriquece sob a ação do ideal" (1994:143).
Para Durkheim o ideal é também real mas de uma outra realidade, porque o ideal está sempre em vias de institucionalizar-se, sempre suscetível de estabilização e, ao mesmo tempo, aberto à criação que resulta da contraposição entre o real e o ideal, isto é, entre o instituído e o imaginário.
Sabemos do respeito de Durkheim pelo instituído e não nos interessa discutir aqui essa sua inclinação, apenas assinalar a existência de um amplo arco de recalcamento no campo do imaginário que se configura em um jogo de coordenadas binárias onde a escolha é a imagem ou o conceito. O que está dito em Durkheim pode ser reencontrado em Bachelard (1986; 1990) como fundamento de sua epistemologia bipartida entre o regime diurno – os conceitos, a ciência; e o regime noturno – o sonho, a poética, o imaginário.
Freud também percebeu, tanto quanto Bachelard, que a racionalidade social e também científica, se faz pelo recalcamento das pulsões, e que estas configuram representações de desejos (Também para Durkheim o desejo é a força capaz de mover as vontades). Sabemos que para a psicanálise, o que constitui o desejo é a falta, ou melhor, o conjunto de significantes fantasmáticos que substituem aquilo que falta. Sendo assim, o desejo é energia afetiva que investe representações simbólicas e, inobservável em si mesmo, nem por isso carece de materialidade, visto que o desejo produz relações humanas entre seres e objetos, resultando na criação de seres, objetos, espaços e situações concretas.
Ocorre que para indagarmos com um mínimo de pertinência acerca do desejo e, portanto, do imaginário, é necessário que nos situemos no campo de visibilidade constituído por nossos conhecimentos sobre o homem. Na verdade, não mais sobre o homem, Foucault (1992), inclusive, anunciou o seu fim. De fato, é sobre o processo de hominização que se configura o debate que hoje assoma no campo das ciências, interrelacionando-as. A nosso ver, seguindo diferentes pensadores como Lévi-Strauss (1985), Atlan (1992), Morin (1996) e Maturana (1997), já não parece tão esclarecedora quanto há um século atrás, a divisão clássica entre ciências sociais e ciências da vida. Em sentido amplo, nos parece pertinente, conforme o programa de Foucault (1992), nos situarmos na "região epistemológica" que conecta as diferentes ciências: da vida, da produção e da linguagem. Sem pretender esgotar o assunto, evocamos um contexto multidisciplinar que articula diferentes pensadores, cujo foco de reflexão é antropológico.
Segundo a antropologia paleontológica (Leroi-Gourhan, 1984; 1987; 1990), a evolução humana caracteriza-se por dois aspectos principais: tecnicidade manual e tecnicidade verbal desdobradas em dois outros planos, o da evolução filética, dizendo respeito as propriedades físicas que diferem pouco das de trinta mil anos atrás; e o da evolução étnica, que se refere ao corpo exteriorizado, corpo social, em transformação acelerada. Para além desses dois planos e de seus desdobramentos, há o "tecido de relações" entre o indivíduo e o grupo, feito de comportamento estético, no sentido que lhe atribui o autor, de interrelacionamento entre a natureza e a arte como demarcando os dois polos do zoológico e do social. Nesse sentido, Leroi-Gourhan não circunscreve a noção de belo à emotividade, que no homem é preponderantemente auditiva e visual, amplia-a em busca de um "código das emoções estéticas" naquilo que elas têm de biológico e, portanto, de comum aos seres vivos, tais como, os sentidos, pois eles permitem a percepção dos valores e dos ritmos.
Estudando as técnicas de um ponto de vista etnológico, o autor analisou os meios elementares de ação sobre a matéria, começando pelos gestos de preensão, que dizem respeito a relação direta entre a mão e a matéria, e os de percussão que demarcam o ponto de encontro do utensílio com a matéria; estudou também os elementos que prolongam e completam os efeitos técnicos da mão humana: o fogo, a água e o ar. Considerando que os utensílios são inseparáveis da força que os animam, e que são os gestos que constituem a força motriz, ele analisa os tipos de forças e seus modos de transmissão. Assim, localiza sete tipos de forças: muscular humana, muscular animal, o peso, a mola, os movimentos de fluidos, a expansão de gás e o eletromagnetismo.
A essas sete forças, achamos que deveria ser acrescentada uma oitava: a "força psíquica", ou seja, a compreensão multifacetada do caráter dinâmico e fundador da imagem. Para nós, o ponto de partida para a análise dessa força é a "imaginação simbólica" e sua condição de possibilidade: o "ritual" - intenção, gesto e palavra.
Os biólogos, como Atlan, consideram que o ser humano se inscreve em uma circularidade ambígua que diz respeito aos processos de cerebralização onde a "sociogênese dos homínidas de cerébro cada vez maior, foi o suporte do desenvolvimento da cultura que criou o nível favorável para o crescimento do cerébro volumoso e da linguagem articulada e combinatória; esta, por sua vez, permitiu a divergência e, mais tarde, a explosão da cultura"(1992:165). A cerebralização e a cultura são simultaneamente meio e resultado das complexificações sociais e culturais em permanente troca adaptativa entre biologia e cultura.
Comentando a obra antropológica de Morin, "O paradigma perdido", Atlan indica que para aquele autor a circularidade cerébro-cultura resulta apenas aparente, uma vez que é subsumida na complexificação e na auto-organização caracterísitcas do ser vivo e de seu meio (1992:165). Embora Atlan concorde com a proposição da complexidade e da auto-organização, acrescenta que o ganho do processo de hominização não é tanto relativo a órgãos ou funções, mas sim de organização estrutural, traduzida em aptidão para adquirir. Segundo ele, Morin não considera o papel do aumento da capacidade de memória que acompanhou o desenvolvimento do cérebro. Para Atlan, isso é decorrente de Morin "favorecer os mecanismos da ordem a partir do ruído na lógica da complexificação, excluindo os mecanismos de estabilização por replicação – recarga da redundância" (1992:167).
Atlan argumenta que a linguagem tem dupla relação com a memória. De um lado, a linguagem para desenvolver-se precisou de cérebros com maior capacidade de memória, ao mesmo tempo em que a linguagem é o principal suporte para o aumento das capacidades de memória da espécie. Além do quê, prossegue o autor, a linguagem é o campo das derivações, das metáforas que são mecanismos que se constituem pela lógica de reorganização/desorganização e de integração da ambigüidade. Sendo que, todos esses aspectos são estruturadores da cognição. O que o autor quer salientar é a importância da memória na organização, operando como estabilizadora de configurações de ordem que pode ser criada a partir de ruídos. Sem memória, os padrões surgidos se desvaneceriam no turbilhão de ruídos do ambiente.
Relacionando bipedismo, linguagem articulada combinatória e comportamento social, Atlan lembra que hoje já se sabe que estas não são características exclusivas do Homo sapiens, pois que já existiam antes do cerébro volumoso, por isso indaga: para que serve o cerébro volumoso? E responde: serve para o imaginário, a desrazão, o delírio. Todos uma espécie de conseqüência inelutável de uma lógica da hipercomplexidade já atuante na evolução biológica e, depois, na evolução bio-sócio-cultural que conduziu ao Homo sapiens. Entretanto, acrecenta: "as manifestações externas de sonho e de um possível imaginário nos animais forçam-nos a reconhecer que não é tanto a simples existência dos sonhos e das associações imaginárias que caracterizam as aptidões ainda não realizadas do homem, mas a irrupção do imaginário em sua cultura e a maneira como ele é vivido nos contextos bio-sócio-culturais onde o homem se define" (1996:173).
Nesse sentido, Atlan concorda com Morin de que a demência do sapiens, o delírio e o exagero das não realidades que são a morte e a imagem, longe de serem defeitos de racionalidade são a condição mesmo de emergência de racionalidade (1996:173). Contudo, discorda de Morin, por este conceber que a natureza imaginária e imaginante do Homo sapiens sejam decorrentes de relação ambígua e conturbada que se constitui entre o cerébro humano e o ambiente como resultado das emergências mágicas, míticas, rituais e estéticas. Na verdade, diz o autor, é a consciência, também entendida enquanto ampliação das capacidades de memória, que permite ao imaginário irromper na visão do mundo. Conclui que não é possível, como faz Morin, identificar o estado de alta complexidade que caracteriza o sapiens, com a irrupção do erro" (1996:173).
Para Atlan, seria no confronto entre a consciência-mémória e o seu conteúdo que o imaginário e a ilusão podem aparecer como erros e ambiguidades. Mas o imaginário não é menos real, nem tampouco mais erro, do que é a consciência do real. A consciência-memória permite a superposição de eventos separados no tempo e, portanto, uma combinação mais rica dessas superposições. Sendo que é a experiência da adequação ou inadequação dessas superposições que se exprimem no diagnóstico de real ou de imaginário dos acontecimentos (1996:174), provocando discrepância entre o homem adaptado e o homem imaginador. Da união entre ambos, surge e prossegue o movimento de adaptação.
O êxtase, diz Atlan, ilustra bem o exposto, pois seja ele de caráter místico, estético, erótico ou psicodélico, a discrepância entre real (leia-se adaptação) e o imaginário se resolvem. Pois, dada a forte predominância do imaginário no contexto do êxtase, seu caráter de ilusão e de erro se esvanecem. Ao contrário, fora desses estados extraordinários, o homem, ao mesmo tempo, atribui ao imaginário uma consistência de erro e de ilusão e os projeta no ambiente, aumentando sua realidade ilusória ou atribuindo-lhe o caráter de forças sobrenaturais. Por isso, prossegue o autor, a irrupção da morte surge ao mesmo tempo como verdade e ilusão, fruto de uma consciência dupla, pois a novidade é sempre confrontada com a consciência, ou seja, a memória possibilitada pelo aumento do cérebro (1996:175).
Duplos imaginários seriam também, além dos estados ordinário e extraordinário de consciência, as imagens e os símbolos. Ao mesmo tempo, seres representados e expressos na linguagem e no desenho, recursos pelos quais adquirem existência mental fora de sua presença material. Portanto, Atlan conclui: "o surgimento do homem imaginário não está ligado ao do erro. O erro e seu papel organizador sempre existiram, desde o começo da evolução. O homem imaginário surgiu ao mesmo tempo que o homem de memória volumosa"(1996:175). Portanto, não se trata fundamentalmente de confronto entre verdade e ilusão, pois ambas são projeções imaginárias que, em função de adequações e regularidades são chamados de realidade ou ilusão. Os produtos da mente, tanto quanto a consciência temporal, são a expressão do aumento de complexidade, sem o acicate da necessidade, pois os novos padrões se formam "por formarem-se", no mesmo sentido, lembra Atlan, que para Piaget o bebê "suga por sugar" (1996:176).
Volta a concordar com Morin sobre o fato de que a linguagem permitiu a magia, onde a palavra nomeia e invoca a imagem mental, sendo que esse processo, diz Atlan, não é circunscrito a magia, mas a "todas as projeções do imaginário no real. Isto é, em todas as apreensões do real pelo pensamento" (1996:176). Para ele, o processo de pensamento em qualquer modalidade – mágica ou científica – é delirante e se constitui pelo movimento entre memória (estoque de imagens), processamento ( transformação das imagens) e projeção de imagens. Argumenta que, se de um lado, as derivações mitológicas são fontes de avanço para o sapiens, não sendo apenas desordem, mas ordem, não só liberdade mas também restrições, é porque o imaginário é principalmente memória e associações que, mesmo livres, são, "no sentido probabilístico e informacional, restringidas na medida mesmo em que associam" (1996:176).
Para Gilbert Durand (1997), o imaginário é o conjunto das imagens e das relações entre imagens que constituem o capital pensado do Homo sapiens. Para nós, imaginário é dinâmica: imaginar é processo cognitivo de selecionar, agrupar e pôr imagens em movimento (não necessariamente nessa ordem). É cinemática, dinamismo de potência, condição de possibilidade, pois cria, inspira, realiza. Entretanto, fios muito tênues de definição sustentam a noção de imaginário que dança no mar do espírito feito água-viva que flutua. De tão escorregadia e inapreensível, a partir dela, a moderna ciência ocidental construiu o primeiro fosso, que Durand (1988) chamou de "vitória dos iconoclastas". Foi a psicanálise, o estruturalismo, a arte e, atualmente, a física quântica, a bio-química, a paleo-antropologia e a cibernética, que romperam trilhas e avançam no resgate da "louca da casa" de seu exílio esotérico. Como previa Lévi-Strauss (1985), o "divórcio" entre a ciência e os problemas que ela pôs de lado, a exemplo das imagens e dos símbolos, está prestes a superação pela incorporação das problemáticas que suscitam.
Contudo, respostas totais ou definitivas quem haveria de tê-las? Mas, parece que não são elas apenas que impulsionam o desejo. Entre o "cristal e a fumaça" o brilho do vidro e a imagem da chama fascinam e aquecem. Transformam, adornam, elucidam e transtornam. Iluminando e obscurecendo o "trajeto antropológico" que se faz pela incessante troca - entre as subjetivações e as objetivações - que instituem o homem e o seu meio (Durand, 1997). No entanto, quais são as possibilidades metodológicas de apreensão do imaginário? Elas são tão diversas quanto as perspectivas teóricas que pretendem elucidá-lo, vão da mitocrítica às análises psicanalítica, linguística, histórica, antropológica, entre outras, que possamos imaginar e objetificar no ato prometéico de "roubar o fogo dos Deuses". Concordamos que esta é uma saída retórica que, entretanto, cumpre aqui a função de evidenciar pelo ocultamento, a necessidade de outros textos que explicitem de múltiplas formas a amplitude de domínios que a temática abarca e extravasa. Aliás, é sobre os limites e os transbordamentos de sentido que o imaginário investe e multiplica as astúcias.
BIBLIOGRAFIA:
ATLAN, Henri. Entre o cristal e a fumaça: ensaio sobre a organização do ser vivo. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1992.
BACHELARD, Gaston. O novo espírito científico. Lisboa, Edições 70.
_________________ . O ar e os sonhos: ensaio sobre a imaginação do movimento. São Paulo, Martins Fontes, 1990.
DURAND, Gilbert. A imaginação simbólica. São Paulo, Cultrix, 1988.
_____________ . As estruturas antropológicas do imaginário, São Paulo, Martins Fontes, 1997.
DURKHEIM, Émile. Sociologia e filosofia. São Paulo, Ícone, 1994.
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. São Paulo, Martins Fontes, 1995.
LEROI_GOURHAN, André. Evolução e técnicas: I – o homem e a matéria, Lisboa, Edições 70, 1984.
_________________ . O gesto e a palavra: I – técnica e linguagem, Lisboa, Edições 70, 1984.
________________ . O gesto e a palavra: II - memória e ritmos. Lisboa, Edições 70, 1987.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Mito e significado. Lisboa, Edições 70, 1985.
MATURANA, Humberto. A ontologia da realidade. Belo Horizonte, Editora da UFMG, 1997.
MORIN, Edgar. O método (III): o conhecimento do conhecimento, Lisboa, Publicações Europa-América, 1996.
__________ . O paradigma perdido: a natureza humana. Lisboa, Publicações Europa-América, 1993.
NOTAS
1) Artigo publicado na Presença, revista de Educação, Cultura e Meio Ambiente. Porto Velho, Fundação Universidade Federal de Rondônia. Ano VI, nº 14, dez, 1998. Volta
2) Doutora em Antropologia Social (USP), Professora do Departamento de de Sociologia e Filosofia da Fundação Universidade Federal de Rondônia. Volta
1) Artigo publicado na Presença, revista de Educação, Cultura e Meio Ambiente. Porto Velho, Fundação Universidade Federal de Rondônia. Ano VI, nº 14, dez, 1998. Volta
2) Doutora em Antropologia Social (USP), Professora do Departamento de de Sociologia e Filosofia da Fundação Universidade Federal de Rondônia. Volta
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