Thursday, 6 December 2012

Brincando de mercado e nos fazendo de palhaços

((eco))
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Manifestantes reclamam dos trilhões dados para salvar os bancos da crise financeira e dos centavos que chegam para mitigar as mudanças climáticas. Foto: Nathália Clark

Depois de uma semana e meia de conferência, não tenho mais dúvidas que a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC, na seigla em inglês) é um sistema falido. Alguns negociadores falam abertamente sobre a diferença entre o mundo real e o “mundo das regras”, que é o que acontece dentro das salas do centro de conferência, e de onde não sai muita coisa. Aqui, tudo parece apenas jogo de cena. 

Os atores desse jogo sabem exatamente o que se passa em cada país no que concerne ao cumprimento de suas metas. Quando a Rússia e a Ucrânia demonstram interesse em se comprometer com um segundo período do Protocolo de Kyoto, os negociadores sabem que é mais uma manobra especulativa. Mesmo apresentando metas, eles não pretendem efetivamente reduzir suas emissões, mas utilizar seu “bônus” coquistado durante o primeiro perído de compromisso – conhecido como hot air – como crédito de carbono. 

Mas o hot air desses países é imenso, pois representam uma fase em que suas economias decaíram, entre 1990 e 2005, e consequentemente também as suas emissões. A economia ruiu, pois era extremamente ineficiente e poluente, com indústrias operando em condições ultrapassadas. Não significa, portanto, um mérito por mudança de modelo econômico, mas um resultado da queda do bloco soviético e do Muro de Berlim. A Rússia, por exemplo, tem hot air equivalente às emissões dos Estados Unidos em um ano; ou seja, 17 toneladas de gás carbônico por habitante.

O problema, sobre o qual os países do G77, que inclui o Brasil, são contra, é que não só eles querem usar isso como um tipo de cumprimento das metas obrigatórias para a segunda fase, mas também lucrar com o que sobrará desse “crédito”. A questão é que até 1990 eles emitiram exageradamente e isso não pode ser desconsiderado. Além disso, hoje as emissões desses países tendem a voltar crescer.

Outro ponto importante em discussão é a transferência de emissões, que é o caso dos Estados Unidos e União Europeia, que passaram a produzir manufaturas em países em desenvolvimento como China e Indonésia. Isso só mostra como os países divididos entre os eixos norte-sul estão claramente em conflito pela falta de igualdade, mas a diplomacia não deixa isso transparecer nos corredores ou nas mesas de negociação. 

Caso a Rússia, Ucrânica ou Polônia consigam levar seus hot air para a segunda fase e num futuro utilizem isso no mercado de crédito, seria esperado que países contrários a essa atitude se manifestassem para mostrar que isso não pode valer como cumprimento de meta. Mas não, a prática funciona diferente. Como todos os países têm “rabo preso” em algum sentido, não vale a pena criticar, eles apenas sorriem uns para os outros, condescendentemente.

Escuta-se pelos corresdores que no mercado negro do carbono, a tonelada do gás custa 60 centavos de euro. Japão e Austrália já se mostraram interessados em comprar. Enquanto isso, não vemos nenhum dinheiro na mesa para financiar ações de adaptação e mitigação dos efeitos do aquecimento global em países pobres. 

A propósito dos números, sabemos que há 17 mil pessoas atendendo à COP esse ano, liberando toneladas de gás carbono par a atmosfera com suas viagens aéreas. Sabemos que o governo do Qatar gastou 150 milhões de dólares para realizar esse evento. Sabemos que os Estados Unidos gastam o exagerado montante de 300 bilhões de dólares por ano para bancar... bandas militares! 

Sabemos também que só a Árvore de Natal da Lagoa, no Rio de Janeiro, custou 10 milhões de Reais ao Brasil, para iluminar as noites cariocas por cerca de três meses. Enquanto isso, estamos cientes de que pelo menos 1,5 bilhão de pessoas em todo o mundo são afetadas pela degradação do solo causada pelas mudanças climáticas. E aqui, até agora, apenas o Reino Unido ofereceu algum ínfimo recurso para o Fundo Verde do Clima. 

A COP, portanto, não passa de uma negociação econômica, que não tem quase nada de ambiental. Acompanhar as reuniões e ver as maracutais acontecerem nos faz perceber que, enquanto no falso “mundo das regras” as assim chamadas autoridades brincam de Banco Imobiliário com notas virtuais de CO2 e fingem uns para os outros que não sabem o que se passa nos bastidores, no mundo real pessoas de carne e osso morrem por extrema pobreza, falta de infraestrutura e acesso a tecnologias. Mas podemos dizer sinceramente que elas morrem porque seus governos simplesmente não se importam. 

Então nos perguntamos nós o que fazemos aqui? Estamos sendo feitos de palhaço.

*Nathália Clark foi editora de política de ((o))eco e está  acompanhando, de Doha, a COP18 pelo Programa Adopt a Negotiator, da Global Campaign for Climate Action.
 

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