Wednesday 8 January 2014

Uma coleção viva

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http://revistapesquisa.fapesp.br/2013/12/18/uma-colecao-viva/


Uma coleção viva

Diretor do Museu de História Natural de Londres vem ao Brasil em busca de parcerias
MARIA GUIMARÃES | Edição 214 - Dezembro de 2013

© THE TRUSTEES OF THE NATURAL HISTORY MUSEUM, LONDON
A galeria central, com o esqueleto de dinossauro iluminado para atividade noturna
A galeria central, com o esqueleto de dinossauro iluminado para atividade noturna
O diretor do Museu de História Natural de Londres, Michael Dixon, chegou ao Brasil no início do mês passado para cumprir um roteiro de 10 dias que incluía São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Brasília. O plano: conversar com pesquisadores, representantes de museus e de agências de fomento. A primeira parada foi na FAPESP, que já tem uma tradição em colaborações com o Reino Unido por meio de vários acordos assinados com universidades e com os conselhos de pesquisa do país. “A FAPESP tem um modelo específico para trabalhar de forma colaborativa com outras organizações internacionais, podemos olhar para isso e pensar em como desenvolvê-lo por parte do museu”, afirma Dixon. Para ele, o principal é que há semelhanças importantes entre os objetivos de sua instituição e os da FAPESP, tendo como cerne a relevância social.
Os resultados desse primeiro dia de conversas ainda não são palpáveis, mas o interesse é recíproco. “Em 15 dias tivemos a visita do Kew Garden e dos museus de História Natural do Reino Unido e da França”, conta a bióloga Marie-Anne Van Sluys, da Universidade de São Paulo, que se reuniu com Dixon em nome da FAPESP. “Em todos os casos temos laços estreitos e a FAPESP reconhece o valor das coleções como fonte de conhecimento da diversidade biológica, de investigação de processos evolutivos e o valor da disseminação do conhecimento através dos museus.”
A motivação de Dixon não deixa a desejar. “Estamos interessados em assuntos que vão desde a formação de nosso sistema solar, o que criou o nosso planeta, como a vida evoluiu no nosso planeta e como ela continua a evoluir ao longo do tempo, então estamos envolvidos em pesquisa sobre esses processos”, detalha. Com foco em biodiversidade e como ela vem sendo alterada, e na busca por maneiras de viver de modo mais sustentável, o escopo de atividades do museu certamente tem amplo apelo público. Da mesma forma, o objetivo do diretor do museu londrino em sua visita brasileira também não era nada modesto: descobrir como as coisas funcionam neste país e como podem surgir colaborações criativas e efetivas em aspectos que envolvem desde pesquisa até exposições públicas. “E tudo o que houver no caminho”, completa.
© EDUARDO CESAR
Dixon durante visita à FAPESP
Dixon durante visita à FAPESP
“As pessoas nos conhecem como o maravilhoso edifício vitoriano com os dinossauros, mas isso é apenas uma fração do que fazemos”, explica. Os visitantes não veem que menos de metade da área do edifício está aberta ao público. Mas pesquisa e exposição não são atividades isoladas, o diretor completa. “Tudo o que apresentamos ao público só pode ser feito com a autoridade da ciência que fazemos.”
Partindo do princípio de que no mundo moderno a pesquisa é muito mais produtiva se for colaborativa, Dixon busca pontos de contato com o Brasil a partir de conexões que já existem. Segundo ele, atualmente há cerca de 70 projetos envolvendo cientistas do Museu de História Natural de Londres (NHM) e do Brasil.
Além disso, a invejável coleção de pesquisa alojada no edifício inaugurado em 1881 reúne 80 milhões de itens entre rochas, fósseis, espécimes animais e vegetais, que estão disponíveis para pesquisadores do mundo todo por meio de consultas no local ou de empréstimos. No ano passado, 80 mil pesquisadores de outros países visitaram o NHM para examinar alguma parte da coleção. Nos últimos dois anos, só o departamento de entomologia recebeu 32 visitas de 28 pesquisadores brasileiros, num total de 223 dias de trabalho. O mesmo departamento tem atualmente 66 empréstimos enviados ao Brasil, num total de 8.223 espécimes cedidos a 37 indivíduos em 17 instituições. Por isso, mais do que uma coleção, ele prefere chamar o acervo do museu de infraestrutura de pesquisa.
Infraestrutura
A denominação se justifica pela riqueza do acervo acoplada a equipamentos que permitem fazer as mais diversas análises. Um exemplo marcante é o fóssil a partir do qual foi descrito o Archaeopteryx, tido como o elo perdido entre répteis e aves. Mas a glória de abrigar esse importante exemplar certamente não basta para um museu que preza a excelência de sua coleção e pesquisa. Recentemente uma tomografia da caixa craniana do fóssil, em comparação com o cérebro de espécies vivas de aves e répteis, permitiu inferir que o animal extinto não tinha apenas a morfologia adequada para voar: o cérebro do Archaeopteryx tinha bem desenvolvidas as estruturas sensoriais e motoras necessárias ao voo. “Isso não poderia ter sido feito há 10 anos”, ressalta.
Além de material com relevância histórica, que inclui espécimes coletados há quatro séculos e parte do material recolhido durante as viagens de Charles Darwin e Alfred Russel Wallace, entre outros exploradores do Império Britânico, a coleção é constantemente enriquecida pelo trabalho dos 350 pesquisadores que integram o corpo do museu. Hoje a maior parte dos países controla a exportação de representantes da biodiversidade, mas o NHM faz acordos para compartilhar o material coletado e, sempre que possível, manter coleções intactas para permitir estudos comparativos.
Com um planejamento mais cuidadoso, esses laços que já existem entre estudiosos dos dois países podem dar origem a colaborações mais frutíferas. Foi esse o foco das conversas que aconteceram na FAPESP, e que viriam a acontecer nos outros locais visitados. Esse planejamento pode identificar questões que já estejam sendo tratadas em São Paulo e em Londres, e para as quais a coleção do NHM possa contribuir. “Os pesquisadores sempre gravitam na direção de pessoas interessadas nas mesmas perguntas, mas procuramos saber se há valor em institucionalizar essa relação”, afirma Dixon. Ele explica que, em vez de deixar essas conexões se formarem de maneira fortuita, para a instituição pode valer a pena direcionar a pesquisa colaborativa. “A ciência tende a ir onde o dinheiro está.” Essa condução pode ser feita por meio de chamadas para projetos e de workshops que reúnam especialistas tanto no Brasil como no Reino Unido.
Em sua avaliação, o resultado mais provável de sua visita ao Brasil será identificar uma lista de propostas que poderiam ser realizadas e duas ou três que realmente funcionem tanto para o lado britânico do acordo como para o brasileiro. Uma vez identificadas as oportunidades, ele mesmo ou outros podem voltar para desenvolvê-las. Se levadas adiante, essas ideias podem servir como brotos para novas iniciativas no futuro.
Ciência pública
No que diz respeito a exposições voltadas para o público, Dixon conta que o NHM abrigou o lançamento mundial da exposição Gênesis, de Sebastião Salgado. Depois disso a mostra, com fotos de lugares explorados no mundo todo, esteve em cartaz no Rio de Janeiro e em São Paulo este ano. Seguindo essa inspiração, a ideia é trazer para o Brasil exposições montadas no museu londrino. “Para fazer exposições itinerantes, o ideal pode ser ter um único parceiro aqui, ou a melhor solução pode ser outra”, conta.
O diretor do NHM justifica o interesse em articular colaborações por aqui: o Brasil é um país interessante por ter uma economia que cresce depressa, ligações científicas fortes, e uma população enorme. Além disso há paralelos culturais, como os Jogos Olímpicos, que tiveram sua edição mais recente em Londres e serão em seguida sediados no Rio de Janeiro. “Há uma janela de oportunidade privilegiada para conversas agora.”
Os museus brasileiros certamente têm a aprender com um estreitamento das relações com o de Londres, que agora recebe por volta de 5,4 milhões de visitantes por ano – um volume para o qual o edifício não está preparado. E Dixon ainda busca possibilidades além das fronteiras, como se não bastassem os desafios de atrair público, gerir os 80 milhões de espécimes dos quais cerca de 20 mil estão expostos a cada momento e encontrar alternativas para abrigar a coleção de pesquisa de forma a ampliar o espaço de visitação, que pode envolver a digitalização da coleção. “Nunca é um trabalho tedioso”, conclui.

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