Pesquisadora
Rosana Manfrinate.
Relatório
de viagem de pesquisa de campo do projeto Identidades
e emancipação das mulheres do campo:
políticas, saberes e educação, dia 22/04/2014 – Lugares visitados
Quilombo Mata Cavalo- entrevista D. Estivina e Poconé – entrevista D. Cleide.
Em nossa
ida a Mata Cavalo, entrevistamos Dona Estivina, muita acolhedora, ela está
sempre pronta a nos contar um pouquinho mais sobre seu cotidiano e seu mundo.
Nossas perguntas nessa entrevista giraram em torno de seu trabalho na roça da
família e sobre as mudanças ambientais que vem ocorrendo no quilombo, mais
precisamente em relação a água.
Dona
Estivina nos contou, que desde criança trabalha na roça, aprendeu tudo com a
avó materna, desde plantar o alimento até o cuidado com o seu preparo na
cozinha. Ela narra que a avó mostrava o jeito certo de colocar os tocos de
mandioca na terra na hora de plantar “tem que ser deitado” dizia a avó, “assim saem
muitas raízes e a terra fica fofa e mais úmida, a mandioca gosta e cresce
bastante”. Com movimentos carinhosos no ar ela encena como cobrir de terra os
brotos da mandioca.
O
cuidado do ensinamento da avó não terminava no plantio, mas ia além, tratava-se
do preparo desses alimentos cultivados. Dona Estivina aprendeu que a comida tem
que ser preparada com amor e atenção por aqueles que dela se alimentarão, nas
palavras de sua avó, “quem trata os outros bem, quem sabe trabalhar e conviver
com as pessoas, sempre vive bem”.
Nesses
ensinamentos a avó transmitiu a Dona Estivina, o conhecimento se sua observação
do mundo em que vivia e a sabedoria do cuidar com afeto e amor assim como nos
sugere BRANDÃO:
Fomos feitos para construir este
lugar feliz, pouco a pouco, na vida de cada dia e de maneira irreversível, por
nossa conta e em nome do afeto do amor que nos une e da felicidade de todos e
sempre, que é o nosso destino humano." (p.24)
Uma gota de água poderosa basta para criar um
mundo e para dissolver a noite. Para sonhar o poder, necessita-se apenas de uma
gota imaginada em profundidade. Á água assim dinamizada é um embrião; dá à vida
um impulso inesgotável (BACHELARD, 2002.p.10).
Da sua roça doméstica, Dona Estivina
tira ainda o excedente para vender. Ela mesmo faz farinha, melado, vende
banana, abacaxi e milho verde. E diz sempre tomar o cuidado, para que não seja
usado agrotóxico em suas plantas, aqui narra ela, “não deixo usar nada de
fertilizante ou veneno, nós usamos os restos das folhas e esterco dos animais,
Fertilizante faz a planta crescer rápido, mas eu penso que cada um tem seu
tempo certo para crescer”.
Mostrando
assim que no mundo atual, com o tempo corrido, e de coisas instantâneas, é uma
ligação com a tradição e a memória, conforme nos aponta Bachelard:
o tempo, limitado ao instante, nos isola não
apenas dos outros, mas de nós mesmos, posto que rompe com nosso passado mais
querido. o
tempo tem várias dimensões; o tempo tem uma espessura. Só aparece como contínuo
graças à superposição de muitos tempos independentes. Reciprocamente, qualquer
psicologia temporal unificada é necessariamente lacunar, necessariamente
dialética (BACHELARD, 1994:87).
Como um de seus desafios, para melhorar
a situação de suas roças, Dona Estivina aponta a burocracia para se vender seu
produtos, em primeiro lugar está a situação ainda não resolvida da falta de
documentação da terra, a falta de assistência técnica rural e projetos.
A
segunda entrevista foi realizada em Poconé, com Dona Cleide, bordadeira de uma
cooperativa de artesanato. Essa cooperativa é especializada em bordados com o
método chamado Arpilharia, que consiste em confeccionar peças sobreponde
tecidos, criando imagens como se fosse um quebra-cabeças. Essas peças recriam o
ambiente pantaneiro e suas belezas.
Dona
Cleide nos conta, que ela aprendeu esse bordado num curso que foi oferecido
como alternativa de renda para as mulheres do município. “Eu comecei a fazer o
curso e logo aprendi, tive paciência de fazer”.
A
paciência também está na inspiração das peças, Dona Cleide Narra que nasceu e
se criou no espaço pantaneiro, e que adora estar de barco por entre os rios,
esse momento, ela observa os animais, seu comportamento, as flores, a terra e a
água, e assim pode retratá-los em seus bordados. Do mundo vivo que pulsa no
pantanal Dona Cleide assume o desafio de reproduzi-lo como um poema em suas
peças que conta a história da natureza, “O instante
poético é, pois, necessariamente complexo: emociona, prova—convida, consola --,
é espantoso e familiar. O instante poético é essencialmente uma relação
harmônica entre dois contrários. (p.184).
Das mudanças no pantanal, Dona Cleide demonstra preocupação
com o excesso de chuva e as água que dessem quando são abertas as comportas do
Usina de Manso, segundo ela, os tempos da seca e cheia estão misturados, “seca
é chuva, e chuva e seca”.
Do trabalho na Associação
Dona Cleide nos mostra que apesar de representar sim uma boa fonte de renda,
sua forma de administração como associação ainda precisa ser melhorado, pois
ainda na relação dos associados, os papeis são confundidos com o de chefe e
funcionários, aos moldes capitalistas. Faltam
então políticas para que se possibilitem novas visões de trabalho, conforme consideramos as afirmações de
ADAMS (2010) que sugere que essas transposições não serão
espontâneas, ao contrário, são construídas historicamente, e é uma tarefa
coletiva na conquista e no reconhecimento de direitos e da cidadania. E é nessa
busca de alternativas e possibilidades de trabalho considerando o território, a
cultura e a interação com a natureza que essas mulheres constroem “outra
economia” (ADAMS, 2010), que difere da economia exploradora da mão de obra e
que não é depredadora da natureza.
Figura 2: Dona Cleide apresenta seus bordados. Poconé 22/04/2014. Foto: Giseli Nora
Dona Cleide acredita também que seu trabalho ajuda a cuidar
do pantanal, pois quando algum turista adquire uma de suas peças, está levando
também a imagem de um momento e de e de vida, contado pelos olhos de quem
enxerga a beleza e a vida desse território. Para ela quem “consegue ver essa
beleza, nunca mais vai destruir nada”, aproximando assim de Brandão quando
aponta que Brandão “Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola,
de um modo ou de muitos todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para
aprender, para ensinar, para aprender e ensinar” (1985, p. 7).
Referências:
ADAMS, Telmo. Educação e Economia Popular Solidária:
Mediações Pedagógicas do trabalho Associado. SP. Idéias & Letras, 2010.
BACHELARD,Gaston.
A água e os sonhos: ensaios sobre a imaginação da matéria. Trad.Antônio de
Pádua Danesi. SP. Martins Fontes. 2002.T
BRANDÃO.
Carlos Rodrigues. A Educação como Cultura. SP. Brasiliense. 1985.
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