Escritórios criados para livrar pesquisadores da burocracia oferecem novos serviços
© ILUSTRAÇÕES MAURÍCIO PIERRO
Começa a render frutos uma iniciativa da FAPESP que busca reduzir o tempo gasto pelos pesquisadores na administração burocrática de seus projetos, permitindo que se concentrem em sua atividade principal, que é a produção do conhecimento. No final de 2010, a Fundação criou um programa que oferece treinamento para equipes de funcionários de universidades e instituições de pesquisa dedicados a reduzir a carga de trabalho imposta aos cientistas na gestão e administração de seus projetos. O treinamento tem duração de quatro dias, em turmas de no máximo seis participantes. Desde o advento do programa, mais de 110 equipes já receberam capacitação na sede da Fundação – e pelo menos 24 delas organizaram Escritórios de Apoio Institucional ao Pesquisador, que estão em plena operação.
A novidade é que esses escritórios, além de ajudarem na compra de insumos e na prestação de contas, começam a oferecer novos serviços. Alguns se dedicam a prospectar oportunidades de financiamento em editais e chamadas de propostas, ajudando os pesquisadores também a levantar recursos. Outros dão suporte não só para os projetos, mas também para os bolsistas. “Esses escritórios estão se disseminando e alguns já fornecem um apoio bastante sofisticado”, diz Marcia Regina Napoli, responsável pela Gerência de Apoio, Informação e Comunicação (Gaic) da Diretoria Administrativa da FAPESP, que coordena o programa desde 2010.
Um exemplo é o Escritório de Apoio Institucional ao Pesquisador do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, que mantém dois funcionários trabalhando tanto no suporte a quem pretende submeter um projeto de pesquisa a agências quanto na fase posterior à obtenção dos recursos, auxiliando na compra dos insumos, prestação de contas e até mesmo ajudando a publicar os resultados em revistas científicas. Vinculado ao Hospital Israelita Albert Einstein, o instituto dispõe de laboratórios organizados em core facilities, um biotério acreditado pela Association for Assessment and Acreditation of Laboratory Animal Care Internacional (AAALAC) e um centro de pesquisa clínica onde são realizados estudos científicos por 23 pesquisadores contratados, 42 docentes do programa de pós-graduação acadêmica e mais de 200 médicos de seu corpo clínico envolvidos em pesquisa. Desde sua criação, em meados de 2012, o escritório já ajudou a submeter 67 projetos de pesquisa. A taxa de aprovação de projetos submetidos chega a 61% do total – e a captação de recursos oriundos de agências de fomento cresceu 323% entre 2012 e 2013.
Na chamada fase pre-award, o trabalho tem várias frentes. Diariamente, a equipe rastreia chamadas de projetos e editais lançados no Brasil (por meio da visita a sites de agências) e no exterior (através de um serviço pago) e informa por e-mails os pesquisadores da instituição que podem ter algum interesse. “Esse mapeamento de oportunidades é a primeira coisa que fazemos no dia”, diz Aline Pacífico Rodrigues, coordenadora de projetos de pesquisa do escritório. Quando surge um interessado, Aline e sua equipe marcam uma reunião para orientá-lo. “Às vezes, precisamos alinhar com o pesquisador as suas expectativas sobre o financiamento. Alguns querem, por exemplo, que as agências financiem serviços ou exames. Explicamos que é mais fácil obter recursos para pagar insumos, comprar equipamentos e contratar serviços pontuais de terceiros”, diz. “Mas sempre buscamos oferecer alguma saída para ele e nunca fechamos portas.”
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O escritório não ajuda o pesquisador a escrever seu projeto, pois considera que tal tarefa não pode ser delegada. “O mérito científico do projeto é do pesquisador. Nosso papel é desonerá-lo do trabalho burocrático, que não é sua atividade-fim”, afirma Aline. Ainda assim, é oferecido um serviço de aconselhamento. Uma professora aposentada da Universidade de São Paulo (USP) tornou-se consultora do escritório e faz uma avaliação preliminar do projeto de pesquisa. “Ela analisa o projeto e sugere mudanças, que o tornam mais competitivo, com um olhar semelhante ao que o avaliador do projeto terá”, explica Aline. Com isso, evita-se que o pesquisador menos experiente cometa erros previsíveis. Se o projeto for rejeitado, o escritório avalia se é possível pedir reconsideração. “Analisamos o parecer do revisor e às vezes fica claro que pequenas alterações no projeto podem habilitá-lo a ser aceito.” Aline cita o caso de um pesquisador que não escondeu a decepção quando seu primeiro projeto foi rejeitado. “Ele mandou um
e-mail pedindo desculpas por ter ocupado o nosso tempo. Eu mostrei para ele que não era o fim da linha e que podíamos pedir reconsideração. E na segunda tentativa o projeto foi aprovado”, afirma. Em algumas situações, contudo, o “não” é mesmo o fim do caminho. “Se o problema, por exemplo, for curricular, ou se o avaliador considera que o proponente não tem experiência para executar aquele projeto, não há muito o que fazer”, diz. Aline e sua equipe também atuam no chamado
post-award, que é a administração dos projetos aprovados. Compram os insumos necessários ao projeto, organizam a prestação de contas e orientam os pesquisadores a não cometer erros. No final, ainda os estimulam a publicar os resultados. O instituto contrata os serviços de uma empresa de comunicação científica que faz
workshops com autores de artigos, ajudando-os a escrever os manuscritos.
A equipe da Gaic, da FAPESP, que oferece treinamento a funcionários e faz visitas periódicas aos escritórios em implantação, observou que o tipo de serviço oferecido por eles é desigual – e há casos de instituições que não conseguiram tirar a ideia do papel. “Notamos que os escritórios mais bem estruturados são aqueles vinculados a unidades cujos diretores apostam no sucesso da iniciativa e se envolvem diretamente nela”, diz Marcia Regina Napoli, da Gaic.
O Centro de Apoio a Projetos (CAP), vinculado à Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da USP, foi criado em maio deste ano e já se dedica à administração de 12 projetos de pesquisa, contemplados com cerca de R$ 10 milhões. A criação do escritório fez parte da plataforma de campanha da diretora da faculdade, Maria Vitória Bentley, que assumiu o cargo em janeiro. “Realoquei dois funcionários, um com formação em contabilidade e outro graduado em ciências da informação, para estruturar o escritório”, conta ela, que se inspirou numa experiência bem-sucedida, a do Centro de Gerenciamento de Projetos (CGP) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP (
ver Pesquisa FAPESP nº 203). Para ajudar no trabalho, foi adquirido um
software de gerenciamento financeiro, customizado conforme as necessidades e perspectiva de atuação do CAP. A equipe atua articulada com o setor de compras e a tesouraria da faculdade, auxiliando nos processos de importação pela USP, FAPESP e Importa Fácil do CNPq. Também auxilia docentes e secretárias a realizarem a prestação de contas de projetos e propostas de orçamentos segundo normas das agências e da universidade, atuando como um setor de informação. “Nosso próximo passo é aperfeiçoar a estrutura e começar também a prospectar oportunidades”, diz a professora. Por enquanto, o escritório cuida apenas dos projetos cujos termos de outorga foram assinados após sua criação, entre os quais dois temáticos, reserva técnica institucional da FAPESP e projetos de cooperação internacional, além de alguns financiados pelo CNPq, Finep e USP. Esse número, espera Maria Vitória, vai aumentar. A unidade submeteu duas propostas ao programa dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia e está em vias de assinar um acordo com o BNDES.
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Alguns dos melhores exemplos de escritórios de apoio ao pesquisador foram selecionados para apresentar suas experiências num
workshop programado para o dia 4 de novembro na sede da FAPESP. O caso do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein é um deles. Outro exemplo destacado foi o da Embrapa Instrumentação, instalada em São Carlos, cujo corpo de suporte à pesquisa passou a auxiliar também os bolsistas. Uma terceira experiência de destaque é a da Secretaria de Pesquisa e Projetos do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Trata-se de uma das mais longevas iniciativas de apoio a pesquisadores. Existe desde 1993 e atende 65 docentes e 17 pesquisadores-colaboradores dos três departamentos do instituto. “O trabalho não se resume à prestação de contas. O escritório faz levantamento de custos e cotações necessários na preparação do projeto, ajuda a inserir dados nos
sites das agências e monitora a divulgação de editais nacionais e internacionais”, diz a professora Matilde Virginia Ricardi Scaramucci, diretora do IEL desde 2011. A equipe tem três funcionários: uma secretária e dois técnicos que fazem o atendimento aos pesquisadores. “Como o quadro é enxuto, não é possível fazer tudo o que gostaríamos. Mas eles conseguem controlar as datas em que pesquisadores e bolsistas têm de submeter as suas renovações”, diz. A adesão dos pesquisadores do IEL não é uniforme. Alguns delegam todas as tarefas burocráticas para a equipe, outros apenas parte delas. “Queremos ampliar o atendimento. Gostaríamos de ter um funcionário que falasse bem inglês”, afirma. Em 2013, o IEL submeteu 128 projetos a agências de fomento. No ano passado, só da FAPESP os pesquisadores do instituto obtiveram R$ 3,9 milhões em recursos – em 2011, o total foi de R$ 2 milhões.
Há cerca de três anos, a Universidade Estadual Paulista (Unesp) determinou a criação de seções de apoio a pesquisadores em cada um de seus 22 campi espalhados pelo estado. O Escritório Regional de Apoio à Pesquisa e à Internacionalização (Erapi) da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (Faac), em Bauru, é um dos mais articulados. Lançado em 2012, viu um crescimento de 72% nas solicitações de auxílio à pesquisa e 66% em pedidos de bolsas. “Chegamos a responder a 200 solicitações de informação por semana”, diz Angélica Parreira Lemos Ruiz, diretora técnica acadêmica da Faac. Ela comanda a equipe de dois funcionários, responsável por apoiar aproximadamente 105 docentes, 400 alunos de pós-graduação e 1.580 de graduação. “Tudo passa por nós, como pedidos e prestações de conta de bolsas, auxílios à pesquisa, uso de reserva técnica, busca de orçamentos. Orientamos propostas, colhemos as assinaturas dos pesquisadores e acompanhamos os processos”, diz Angélica. Um banco de dados com informações sobre pesquisadores e projetos foi criado para monitorar o desempenho do escritório, cuja criação inspirou-se em exemplos como o do Erapi do Instituto de Química de Araraquara, que existe desde os anos 1980. “Acreditamos que, nos próximos cinco anos, nossas estatísticas vão melhorar bastante, estimulando a pesquisa e a produção do conhecimento de qualidade na nossa instituição”, afirma.