Monday 29 June 2020

Sars-CoV-2, suinocultura intensiva e a agricultura industrializada

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TECENDO UMA HIPÓTESE

Sars-CoV-2, suinocultura intensiva e a agricultura industrializada

Acervo Online | Brasil

por Immo Fiebrig, Larissa Bombardi e Pablo Nepomuceno

26 de Maio de 2020

 

De <https://diplomatique.org.br/sars-cov-2-suinocultura-intensiva-e-a-agricultura-industrializada/


O surgimento da Sars-CoV-2 está possivelmente relacionado a morcegos. Entretanto, parece controverso como o vírus evoluiu de morcegos para se tornar infeccioso para humanos. A discussão atual é baseada em alguns fatos em torno da agricultura industrializada, tais como a criação intensiva de porcos na cidade de Wuhan e seus arredores

O aumento da produção de alimentos após a Segunda Guerra Mundial esteve atrelado à intensificação da agricultura, e, em sua esteira, à criação de animais em escala industrial, principalmente carnes bovina, suína e de frango, como, supostamente, um meio de produção de carne a preços acessíveis. À época, as tecnologias a ela relacionadas foram amplamente desenvolvidas nos Estados Unidos e posteriormente transferidas para muitas outras partes do mundo, incluindo Europa, Brasil e China. Se esse tipo de produção em massa de carne é realmente chamado de “criação intensiva de animais” ou de “criação em massa de animais”, isso não é realmente relevante. A essência desse tipo de produção de carne é a falta de ética e a ausência de compaixão pelas necessidades específicas dessas espécies de animais, que são criados em espaços confinados e contaminados em enormes galpões. Assim, os animais se tornam alta e cronicamente estressados e, portanto, imunodeprimidos, mais suscetíveis à propagação epidêmica de doenças infecciosas. Além disso, seus excrementos apresentam riscos prejudiciais ao meio ambiente. 

Por causa de uma variedade de restrições, incluindo viagens e oportunidades de pesquisa, os autores meramente especulam sobre a evolução da Covid-19 em Wuhan (China) ou nos arredores e, portanto, não estão propondo que tenha havido uma conexão direta com qualquer suposta “engenharia artificial” de quaisquer laboratórios de pesquisa com protocolos também supostamente “contestáveis”.

A primeira evidência espacial, por nós apresentada, aponta para uma possível correlação entre os surtos da Covid-19 em humanos em locais de criação intensiva de porcos no estado de Santa Catarina, no sul do Brasil. Um ciclo infeccioso via Sars-CoV-2 pode estar sendo criado por meio da entrada de excremento não tratado em corpos de água e, portanto, possivelmente, infectando a água potável consumida por seres humanos. Um outro meio de infecção de porcos a humanos também pode estar ocorrendo por meio dos funcionários que trabalham nos estabelecimentos rurais e/ou nos frigoríficos. Antes de passarmos aos fatos, apresentamos uma breve ficção a respeito da evolução do vírus.

O surgimento da Sars-CoV-2 está relacionado com os morcegos. Entretanto, parece controverso como o vírus evoluiu de morcegos para se tornar infeccioso para humanos. (Gerd Altmann/Pixabay)

O surgimento da Sars-CoV-2 está relacionado com os morcegos. Entretanto, parece controverso como o vírus evoluiu de morcegos para se tornar infeccioso para humanos. (Gerd Altmann/Pixabay)

Pingue-Pongue-Pangue! Sars-CoV-2, uma bola espetada como link para um trio enjoado

Donald Trump está apontando seu dedo para a China. Em sua busca narcisista pela reeleição, ele acusa a República Popular de ser culpada pelo lançamento de uma pandemia mortal. As pessoas que acreditam em seu tiro certeiro, entretanto, devem não estar entendendo o panorama geral. Em apenas alguns meses, o coronavírus provocou uma avalanche na saúde e economia globais.

Serviços de inteligência norte-americanos supostamente se engajaram em provar que o frenético vírus havia sido desenvolvido de morcegos infectados em um laboratório de pesquisa em Wuhan. E, conforme argumentado, o material viral escapou do laboratório por causa de ignorância e negligência. Outros ainda acreditam que a origem deve ser rastreada até os exóticos mercados úmidos de Wuhan que vendem pangolins enjaulados ou morcegos fritos em espetos, entre outras específicas carnes da vida selvagem. A propaganda tanto nos Estados Unidos como na China é provavelmente muito boa em identificar bodes-expiatórios e em detonar granadas de fumaça. Entretanto, evidências devem surgir no tempo devido – assim que a fumaça baixar.

Para definir a cena: ao apontar seu dedo indicador para Xi Jinping e burocratas de Pequim, Trump deve, inconscientemente – com outros três dedos  – estar apontando de volta para si mesmo e seus Estados Unidos. Um: agroquímicos; ou seja, agrotóxicos e fertilizantes sintéticos, mas também antibióticos e outros supostos aditivos alimentares para animais. Dois: Organismos Geneticamente Modificados, como soja. Três: criação intensiva de animais em massa, por exemplo: porco.

Esta é uma tentativa de jogar um pouco de luz na escuridão ao ligar os pontos. A verdade deve, de fato, conter uma parte de Wuhan, um pouco de laboratório e uma essência de morcego, mas organizadas de um modo diferente. De uma visão humilde como cientista natural, não devemos olhar para um único ou pouco relevante evento. Devemos pensar em sistemas, em dinâmica populacional e em processos evolutivos. O que isso pode significar? Atenção! Vamos mudar para um enredo distópico, semelhante ao famoso romance Admirável mundo novo, de Aldous Huxley.

Ao juntar os pontos de um enredo macabro, a estória se desdobra da seguinte forma: Hubei, como província na China central, e Wuhan, como sua capital, são conhecidas por sua imensa produção em massa de carne de porco industrial. Por exemplo, o site Globalmeatnews.com lista catorze grandes empresas de criação que têm produção anual conjunta de 1,5 milhão de porcos apenas em Hubei. Supondo que Wuhan é o local onde milhões de porcos são criados em enormes galpões, isso significa que pelo menos milhares de animais estão sendo mantidos como prisioneiros em espaços confinados por unidade de produção o tempo inteiro.

Essas criaturas, literalmente reduzidas a máquinas de produção de carne de porco, sofrem como nós sofreríamos em tais condições. Elas ficam ansiosas, entediadas, imensamente estressadas e, como tal, são alimentadas para crescer até serem mortas. Durante seu tempo de aprisionamento, seus sistemas imunológicos se enfraquecem significativamente. Para sobreviver, elas precisam receber antibióticos, analgésicos e outras drogas, além de hormônios, que sequer sabemos quais. Então, elas são forçosamente levadas ao matadouro, gordas e praticamente mortas. Mas até isso acontecer, o próximo participante entra em cena: morcegos ou “microquirópteros”, em termos científicos.

Expulsos de seus habitats em declínio em volta da crescente metrópole de Wuhan, os morcegos ficam desesperados para encontrar alimento e abrigo. Não vai demorar muito para que encontrem ambos… nas prósperas fábricas de carne suína em Wuhan. Sob um teto, a salvo de seus predadores usuais e em condições climáticas adequadas, os morcegos estão livres para compartilhar a dieta rica em proteínas dos porcos enclausurados. E, assim, os morcegos se proliferam. Eles agem à noite, de modo que suas atividades de alimentação possam não parecer tão perturbadoras enquanto eles dormem durante o dia, silenciosamente pendurados nos tetos dos novos habitats.

Morcegos são portadores naturais do coronavírus – entre muitos outros vírus. Na narrativa atual, isto é tido como um fato provado. E os morcegos se ecolocalizam, ou seja, eles “veem” pelo som. Alguns o fazem ao contrair sua caixa de voz (laringe), outros estalam suas línguas, propagando som – e provavelmente vírus – através da boca e das narinas ao voarem. Imaginem o seguinte: eles estão no ar, flutuando livremente por volta dos galpões de suínos. Eles estão constantemente se ecolocalizando em um ambiente quente, úmido e abafado para evitar a colisão com outros morcegos no espaço aéreo comum enquanto se localizam no ambiente confinado. Ao fazê-lo, eles podem estar assiduamente pulverizando o coronavírus sobre mamíferos imunodeprimidos e indefesos, repetidamente. 

Apenas um ano atrás, em abril de 2019, a China relatou um vírus intratável dizimando a produção de carne de porco, supostamente causada por infecção viral da febre suína africana. Mas e se, ao invés disso, possa ter surgido uma estirpe emergente de coronavírus, que tenha mutado e se tornado cada vez mais infeccioso para animais confinados imunodeprimidos?

Para resumir uma hipótese: as fábricas de suínos de Wuhan eram os verdadeiros laboratórios de um enorme experimento epidemiológico – descontrolado, é claro. Um pingue-pongue que prosseguiu por meses ou até anos, despercebido e involuntariamente, em uma relação amigável entre morcegos e porcos a constituir o enredo. Um jogo de pingue-pongue que ocorrendo infinitas vezes até que um coronavírus similar ao SARS-CoV-2 evoluísse até se tornar adaptado com sucesso, ou seja, altamente virulento dentro de uma nova espécie.

A partir desta hipótese do pingue-pongue entre morcegos e porcos, a narrativa entre suínos e seres humanos pode ser desenvolvida em várias direções. Porcos e humanos têm sistemas digestivos semelhantes. A bioquímica das mucosas dos porcos, os revestimentos protetores de, por exemplo, garganta, nariz, brônquios, pulmões ou intestinos, são muito parecidos com os dos humanos. Com o tecido da mucosa sendo o portão de entrada habitual para “sequestrar” o próximo corpo, o corona pode ter encontrado as condições semelhantes necessárias no homem.

Combinados estes elementos, porcos doentes podem ter passado o Sars-CoV-2, ou sua estirpe precursora, para trabalhadores de granjas que, por sua vez, o transmitiram para sua comunidade local familiar. Entretanto, é muito mais provável que a carne de animais doentes tenha entrado na cadeia alimentar e infectado muito mais pessoas. Talvez aqueles porcos que morreram antes de chegar ao matadouro tenham sido vendidos ilegalmente no mercado negro, onde qualquer coisa seria possível. Em outro cenário, as populações de morcegos se alimentando da comida dos porcos podem, como uma peste, ficar fora de controle. Os funcionários da fazenda organizariam caçadas a morcegos regularmente para manter algum controle sobre as populações. A recompensa é recebida. E, os morcegos portadores da estirpe do coronavírus – perigosa para os porcos – acabam indo parar fritos no espeto do mercado úmido de Wuhan, infectando humanos antes de chegar ao óleo quente.

E para não esquecer, também há um fluxo massivo de fezes dos porcos, provavelmente encharcando o ambiente de modo mais ou menos descontrolado. Isso pode estar contaminando a água potável de humanos e porcos da mesma forma. Seja como for, pingue-pongue-pangue, nasce uma epidemia!

Vamos agora passar da narrativa acima, que é bem mais parecida com ficção científica, para os princípios da agricultura industrializada e algumas possíveis evidências para mapear a disseminação da Covid-19 em Santa Catarina entre humanos, por um lado, e a localização da suinocultura, por outro lado. A descrição fictícia, entretanto, pode de fato ser mais real do que gostaríamos de imaginar.

Os triunfos da Revolução Verde

A agricultura industrial moderna tem mais a ver com a produção em massa e comércio de commodities e menos a ver com o fornecimento de alimentos não tóxicos, saudáveis e nutritivos para a população mundial.

Numa tentativa de entender a lógica da criação intensiva de porcos e outros animais, é necessário explicar o sistema da Revolução Verde, um termo dado ao processo de “tecnificação” da agricultura e que inclui a criação de animais. Em seu processo de tecnificação, ela emprega insumos sintéticos, ou seja, matérias-primas químicas como fertilizantes, agrotóxicos, antibióticos e hormônios, além de ração industrializada, sementes modificadas e máquinas agrícolas de alta tecnologia, entre outras coisas. A Revolução Verde estabeleceu-se no período após a Segunda Guerra Mundial e, de um ponto de vista econômico, industrializou atividades agrícolas e pastoris que antes eram predominantemente conduzidas por camponeses e/ou em pequena escala. O objetivo era tornar este setor economicamente viável em larga escala, mais produtivo, com produção de alimentos padronizada e em massa e, também, sob este argumento, baratear o preço de alimentos, dentre eles, o da carne.

Este modelo de industrialização da agricultura pressupõe: a padronização de sementes, a padronização e o controle do ciclo vegetativo das plantas, a padronização das colheitas, o “melhoramento genético” de plantas e animais, o controle remoto de ph, da umidade e dos nutrientes do solo, o controle químico de “pragas”, o plantio e a colheita mecânicos, a padronização e controle do crescimento dos animais comestíveis, bem como, sempre que possível, a diminuição da duração desse ciclo produtivo seja para plantas, seja para animais.

Essa industrialização da agricultura é um fenômeno global. Tem uma dimensão mundial, assim como a própria economia. As empresas multinacionais que produzem agrotóxicos necessários para essas formas artificiais de agricultura e criatório de animais estão cada vez mais se organizando de uma maneira oligopolista. A concentração de capital é alcançada por meio de fusões e aquisições nas quais, por exemplo, as cinco maiores empresas do setor controlam, atualmente, cerca de 70% das vendas mundiais de agrotóxicos.

Tais empresas estão sediadas nos países de economia central: Estados Unidos e União Europeia. Entretanto, parte significativa de suas vendas tem como destino os países periféricos, particularmente os da América Latina, com extensas monoculturas de soja e milho, por exemplo, que servirão de base para a produção de ração para os animais confinados.

Atualmente não existe apenas um comércio mundial de cereais e carnes, mas ambos os grupos de produtos também são negociados nas bolsas de valores, mudando seu caráter de alimento humano para um item de especulação. Como tal, temos um movimento combinado e orquestrado: por um lado, a indústria química “sustenta” a agricultura em escala industrial; e por outro, as bolsas de valores permitem o comércio internacional de culturas alimentares, convertendo-as em commodities.

Bovinos, frangos e porcos, como commodities, devem cumprir os seguintes requisitos: suas carnes têm de ser armazenadas para não perderem suas características nutricionais e devem ser internacionalmente padronizadas para, sendo assim, poderem ser comercializadas no mercado de ações.

A transformação de animais em mera mercadoria, sem qualquer compaixão por seu destino, foi alcançada por esse processo industrial de criação. Como dito anteriormente, tais animais são criados de maneira confinada, inadequada para qualquer espécie, sem acesso ao solo, à luz solar ou a um local onde possam circular livremente. Eles são amontoados em pequenos cubículos que os impedem de exercer seus hábitos mais básicos: pastar, ciscar e chafurdar.

A captura da globalização da China ao Brasil

Do suposto triângulo mortal de Wuhan e da criação global de commodities para o mercado de ações, passaremos para a realidade diária do Brasil, onde imensas quantidades de florestas são destruídas para cultivar monoculturas de soja e milho.

A China é líder mundial na produção de suínos, com cerca de 310 milhões de porcos, mais do que o dobro do estoque da União Europeia, que ocupa o segundo lugar no ranking, com cerca de 148 milhões de porcos. Os Estados Unidos vêm no terceiro lugar, com cerca de 78 milhões de porcos, seguidos do Brasil, em quarto lugar, com 37 milhões. Hoje, o Brasil é o maior exportador mundial de carne bovina e de frango, além de ser o quatro maior exportador de carne suína.

No Brasil, a produção de porcos se concentra na região Sul, que abriga cerca de 66% da produção nacional. Santa Catarina é o estado que mais produz carne suína e é responsável por mais de 25% do total de produção de suínos no Brasil. Mais da metade da carne de porco exportada pelo Brasil vem de Santa Catarina, que produziu mais de 1 milhão de toneladas desta carne em 2018.

A criação de porcos no Brasil é majoritariamente intensiva: mais de 70% dos animais são criados de forma confinada. Estes alimentam-se basicamente de ração produzida com cereais: milho e soja. Calcula-se que, para produzir um porco com cerca de 100 kg, são necessários 345 kg de ração (somando o consumo de seus progenitores).

Este modelo de produção tem ao menos dois impactos ambientais bastante evidentes e severos: um à montante da produção e outro à jusante.

À montante da produção de porcos – para que eles possam ser alimentados – têm-se vastas áreas monocultoras de soja e milho que avançam sobre a Amazônia e são responsáveis não só pelo desmatamento e queimada, como também, pela contaminação dessa área com agrotóxicos. O Brasil tem hoje o equivalente ao território da Alemanha cultivado com soja (mais de 90% dela transgênica), mais de 30 milhões de hectares.

Não é mera coincidência que a China, que é responsável por mais de 50% da produção mundial de porcos, é o principal mercado consumidor da soja produzida no Brasil.

Evidências da indústria suína catarinense

À jusante da criação de porcos há uma contaminação ambiental muito grave. Já na década de 1980 estimava-se que cerca de 85% da água consumida na zona rural do Oeste de Santa Catarina, hotspot da criação de porcos no Brasil, apresentava qualidade inaceitável. 

Atualmente, nessa região, apenas 15% dos dejetos dos porcos seguem protocolos adequados de armazenamento e tratamento.

Além desses graves impactos socioambientais, decorrentes da criação de porcos confinados, possivelmente estejamos diante de um novo problema relacionado a esse modelo.

A crueldade com a qual esses animais objetificados são criados, juntamente com ração geneticamente modificada, o uso concomitante de antibióticos e suas condições gerais ambientais insalubres, os tornam imunodeprimidos, conforme já descrito. Eles são receptáculos perfeitos para o desenvolvimento de vírus como o Sars-Cov-2.

Nos últimos dias, a imprensa informou que há um número imenso de trabalhadores de matadouros e frigoríficos infectados com Sars-Cov-2. Tais relatos foram descritos para a Alemanha, Estados Unidos e, mais recentemente, o Brasil – mas, provavelmente, esses não são os únicos países afetados.

Mapeando surtos de Covid-19 versus Criação intensiva de suínos

Analisando espacialmente a distribuição de pessoas infectadas pela Covid-19 no Brasil, particularmente no estado de Santa Catarina (Mapa 1) – o estado que mais produz carne suína no país – surpreendentemente encontramos suporte para a hipótese desenvolvida acima.

Mapa 1 – Covid-19 – Pessoas infectadas em Santa Catarina – Brasil

 

Há essencialmente duas áreas principais ou hotspots de infecções por coronavírus nesse estado. Um é ao longo da costa, o que já seria esperado, pois é na porção litorânea onde estão localizadas as grandes cidades, o setor industrial está concentrado e a densidade demográfica é maior. Entretanto, há uma outra área afetada no Oeste do estado, justamente aquela que visamos focar neste artigo.

Comparando os municípios de Santa Catarina com as maiores taxas de infecção por Covid-19 (Mapa 1) com aqueles municípios onde há alta densidade de criação de suínos (mapas 2 e 3), verificamos que há uma correlação espacial entre eles.

O Mapa 1 foi gerado a partir do processamento dos dados de quantidades de pessoas infectadas por Sars-CoV-2 (Covid-19), disponibilizados pela Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina (SESSC, 2020). No caso dos mapas 2 e 3 foram utilizados os dados de produção agropecuária por município, provenientes do último censo agropecuário brasileiro realizado em 2017 e disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2017).

Esses dados foram importados, processados, classificados e representados na forma de mapas temáticos com o uso de recursos disponíveis no software do Sistema de Informações Geográficas (SIG) QGIS (Quantun GIS 2.18.7), de acordo com os princípios da cartografia temática sistematizados por Bertin (1967), Salitchev (1979) e Simielli (2007).

A correlação espacial nessa região é surpreendente: existe uma sobreposição e/ou proximidade entre os municípios onde existe um grande número de porcos por estabelecimento rural (Mapa 2) e, também, grande número de porcos por município (Mapa 3) em relação àqueles municípios onde há um maior número de indivíduos infectados com Covid-19 (Mapa 1).

 

Mapa 2 – Quantidade de porcos por estabelecimento rural – Santa Catarina – Brasil

 

Mapa 3 – Quantidade de porcos por município – Santa Catarina – Brasil

 

Questões apresentadas para discussão

Poderia a cepa de Sars-CoV-2 ter encontrado um reservatório global nos porcos que abatemos, processamos e comemos através do triângulo morcego-porco-humano em Wuhan? As fezes dos porcos podem estar contaminando a água que os humanos bebem, dado que o vírus sobrevive nas fezes? 

Neste trabalho de discussão, propusemos a hipótese de três espécies cujos habitats não naturais chegaram perto o suficiente e sob determinadas condições para promover a evolução de um vírus que pode ser infeccioso para várias espécies – possivelmente incluindo animais de estimação como gatos e cães ou outras espécies de animais, como gado e frango. Essa hipótese triangular é apenas uma ficção científica ou se trata de uma realidade macabra e fatídica resultante da implacável industrialização da agricultura?

 

Conclusões

Propomos novas pesquisas, por exemplo, de virologistas, epidemiologistas, veterinários, biólogos e agroecólogos, num esforço conjunto para controlar essa pandemia e para evitar o surgimento de novos vírus com potencial semelhante, colocando em prática princípios mais amigáveis aos animais, com criação baseada em princípios agroecológicos, agricultura ambientalmente regenerativa e socialmente justa.

Immo Fiebrig é professor associado honorário da Escola de Biociências da Universidade de Nottingham, Sutton Bonington Campus. E-mail: immo.fiebrig@nottingham.ac.uk. Larissa Bombardi é professora do Departamento de Geografia da USP. E-mail: larissab@usp.br. Pablo Luiz Maia Nepomuceno é do Departamento de Geografia da USP. E-mail: pablo.nepomuceno@usp.br.

 

 

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