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Erro grosseiro?
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Erro grosseiro?
ESCRITO POR OTAVIANO HELENE E LIGHIA B. HORODYNSKI-MATSUSHIGUE | ||||||||||||||||||||||||
TERÇA, 06 DE AGOSTO DE 2013 | ||||||||||||||||||||||||
A duras penas, a sociedade civil conseguiu duas vitórias significativas na redação do Plano Nacional de Educação (PNE) aprovado pela Câmara Federal, em meados de 2012. Incialmente, a proposta apresentada pelo poder executivo previa ampliar “progressivamente o investimento público em educação até atingir, no mínimo, o patamar de 7% do produto interno bruto (PIB) do país”. Depois dos duros embates, a Câmara acabou por aprovar uma versão na qual previa um aumento do “investimento público em educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% do produto Interno Bruto do país no quinto ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a dez por cento do PIBao final do decênio”. Os dois destaques em itálico referem-se aos pontos importantes: 10% do PIB e, igualmente importante, a expressão investimento público em educação pública, não apenas investimento público em educação, redação que permite incluir entre os gastos públicos as subvenções e financiamentos dados a instituições privadas, isenções de impostos, contratos de prestação de serviços etc.
Entretanto, e infelizmente, o PNE, ora em tramitação no Senado, pode receber uma alteração nada desprezível: excluir a palavra “pública” após “educação”. Essa exclusão, assim como outras com teor semelhante no mesmo documento, foi proposta pelo senador José Pimentel (PT-CE) na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Em seu relatório, aprovado em junho deste ano, defende que “a parcela de 10% do PIB compreenda o conceito de investimento público em educação, sem a referência ou condição adicional de que seja no ensino público”.
Essa alteração é gravíssima e terá enormes consequências para o futuro do país. Como grande parte da população, vitimada pelos discursos neoliberais quase onipresentes na mídia brasileira, acredita que o setor público é menos eficiente do que o privado, são necessários alguns esclarecimentos baseados em fatos da realidade. Vamos a eles.
1) A educação pública básica é mais eficiente do que a privada, inclusive do ponto de vista estritamente financeiro. Dadas as mesmas condições financeiras e considerando estudantes e familiares com características equivalentes (sociais, culturais, econômicas, geográficas etc.), as escolas privadas de educação básica só conseguem o mesmo desempenho das escolas públicas quando seus orçamentos, por aluno, são cerca de duas vezes maiores. Há muitos trabalhos acadêmicos e livros que embasam essa afirmação. Em particular, estudos feitos nos EUA mostram que o setor público, considerada situação equivalente do alunado, é mais eficiente do que o privado (1). Também comparações entre a realidade educacional de vários países latino-americanos confirmam que um sistema público é muito mais eficiente do que um sistema privado (2). Situação similar ocorre em comparações entre vários outros países industrialmente avançados, além dos EUA (3).
2) Também no ensino superior a mesma situação ocorre: dadas as mesmas condições orçamentárias por estudante e as mesmas características do alunado, as instituições públicas oferecem cursos melhores do que as privadas e são mais eficientes. Os artigos da referência (4) mostram vários dados que confirmam essa informação.
3) As escolas públicas proporcionam um tratamento igualitário a seu alunado, facilitando assim a integração social. Por não dependerem da existência de clientela com capacidade de pagamento, podem ser instaladas nas regiões onde são mais necessárias e podem, também, oferecer cursos cujos retornos culturais, sociais e econômicos são maiores do que os oferecidos pelas instituições privadas.
4) De modo análogo e com consequências ainda mais importantes, independendo do poder aquisitivo de seus potenciais estudantes, as instituições públicas de ensino superior podem ser instaladas nas regiões onde há maiores necessidades e, assim, oferecer os cursos que mais retorno social e econômico propiciarão. Sobre esse aspecto e considerando a discussão que hoje ocorre quanto à disponibilidade de médicos no país, vale a pena lembrar que a distribuição geográfica de profissionais pelas diferentes regiões do país é exatamente igual à distribuição de formados. Ou seja, só conseguiremos uma boa distribuição de profissionais pelo país quando a distribuição de formados pelas várias regiões o permitir. A referência (5) ilustra essa situação no caso de médicos, cujos dados são reproduzidos na tabela abaixo.
5) Há vários estudos internacionais que mostram que há três fatores que costumam evoluir paralelamente: o desenvolvimento do setor produtivo (vale dizer, o aumento do PIB), a redução da desigualdade na distribuição de renda e a redução da desigualdade na escolarização da população. Assim, um sistema educacional público e igualitário é fundamental para que o país supere suas piores características. Não seria um bom caminho para o Brasil seguir?
6) Dadas as mesmas condições orçamentárias, as instituições públicas tratam melhor seus trabalhadores e seus estudantes do que as privadas. Com isso, as instituições públicas fazem com que a contribuição de seus trabalhadores para o desenvolvimento social do país e para o aumento da produção econômica seja maior. Novamente, aí está um bom caminho a seguir.
7) As instituições públicas de ensino superior realizam pesquisas e estas podem ser direcionadas às áreas mais importantes para o país. Pesquisas científicas e tecnológicas são fundamentais para o desenvolvimento de um país, para a melhoria da qualidade de vida das pessoas e para o aumento da produção de bens e serviços. Essas pesquisas não encarecem de forma significativa – e em muitos casos não encarecem em nada, como mostram os artigos citados na referência (4) – o custo do ensino. O retorno que propiciam compensa, de longe, os investimentos feitos, como ilustram muitos exemplos, nacionais e internacionais, nas áreas da agricultura, indústria, saúde pública e cultura, incluídas nesta última a ciência e a educação.
Conclusão
O ensino privado coloca uma barreira a mais na vida dos estudantes e de seus familiares: as mensalidades. Na década de 1980, essas barreiras foram responsáveis por uma parte significativa da estagnação da educação no país, tanto na educação básica como na superior. No entanto, destinar recursos públicos para a educação privada, por meio de programas governamentais como o Pronatec ou o Prouni e seu equivalente paulista, o Escola da Família, é uma péssima ideia, pelos fatos e pela argumentação acima apresentados. Pior ainda é cair na armadilha do financiamento estudantil, o FIES, pois, mesmo sob condições subsidiadas, os recursos terão que ser devolvidos, onerando o estudante e/ou sua família bem na hora difícil em que esse tenta se estabelecer como profissional. Além disso, muitas vezes, depois de formado, o estudante da instituição privada pode se encontrar desprovido do ferramental metodológico para o acompanhamento da evolução na sua área, sendo preterido frente aos egressos das instituições públicas, com formação mais sólida.
Portanto, o ensino privado, principalmente o mercantil, é algo que devemos combater, não incentivar ou subsidiar, pois ou retardará a superação de nossos problemas educacionais ou, pior ainda, simplesmente manterá o país em seu atual patamar de atraso escolar mesmo quando comparado com países de mesmo perfil econômico e cultural. Se vamos destinar 10% do PIB para a educação, teremos uma chance única em nossa história de superar nossos atrasos históricos, ampliando a educação técnica e superior públicas, formando melhor os professores de nossa educação básica e remunerando-os num patamar compatível com sua importância social. Não podemos perder essa chance; as gerações futuras não nos perdoarão.
É necessário que a sociedade acompanhe a tramitação do PNE no Congresso Nacional, exigindo que sejam retiradas de seu texto todas as estratégias que, na contramão das necessidades sociais, beneficiam a educação privada mercantil.
Referências:
Seguem, abaixo algumas referências que embasam as afirmações deste texto. Além delas, muitas outras são facilmente encontráveis nos sites de publicações científicas ou na rede de computadores.
(1) Veja, por exemplo, Charter, Private, Public Schools and Academic Achievement: New Evidence from NAEP Mathematics Data, Christopher Lubienski e Sarah Theule Lubienski University of Illinois (January 2006) National Center for the Study of Privatization in Education Teachers College, Columbia University, disponível emhttp://epsl.asu.edu/epru/articles/EPRU-0601-137-OWI.pdf
(2) As razões das diferenças de desempenho acadêmico na América Latina: dados qualitativos do Brasil, Chile e Cuba, Martin Carnoy, Amber K. Gove, Jeffery H. Marshall, Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Vol. 84, No 206/207/208 (2003)
(3) Schools We Can Envy, Diane Ravitch, The new York Review of Books, disponível emhttp://www.nybooks.com/articles/archives/2012/mar/08/schools-we-can-envy/?pagination=false
(4) Veja os artigos Quanto custa uma boa universidade pública, O. Helene e Lighia B. Horodynski-Matsushigue, Jornal da USP, 19 a 25 de agosto de 2002, acessível emhttp://blogolitica.blogspot.com.br/search/label/Quanto%20custa%20uma%20boa%20universidade%20p%C3%BAblica%3F
O custo do aluno na Universidade, O. Helene, Jornal da USP n. 909, de 22 a 28 de novembro de 2010, disponível emhttp://blogolitica.blogspot.com.br/search/label/O%20custo%20do%20aluno%20na%20Universidade
(5) A formação médica: capacidade regulatória de estados nacionais e demanda dos sistemas de saúde, Celia Regina Pierantoni, Thereza Christina Varella e Tania França, 3ª Conf. Nac. de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, disponível em
Otaviano Helene, professor do Instituto de Física da USP, é ex-presidente da Associação dos Docentes da USP – Seção Sindical (Adusp – S. Sind.) e do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais).
Lighia B. Horodynski-Matsushigue é professora do Instituto de Física da USP e diretora da Adusp – S. Sind., e Andes – Sindicato Nacional.
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