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Belém recebeu no mês de outubro cientistas da Ásia, África e Américas discutindo impactos das mudanças climáticas nas zonas costeiras do mundo. Foi durante o Workshop Internacional sobre Mudanças Climáticas, evento foi promovido peloNúcleo de Altos Estudos Amazônicos (Naea), da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Um dos temas mais discutidos foi como as populações estão enfrentando impactos ambientais que já podem ser percebidos. Na região do estuário do Amazonas, em Abaetetuba, a situação é preocupante, afirma Oriana Almeida, doutora em Ciências Socioambientais pela University of London, que tem realizado pesquisas com os ribeirinhos da região.
Nesta entrevista aos repórteres Ismael Machado e Iaci Gomes, e publicada pelo jornal Diário do Pará, 05-11-2013, a professora adjunta do Naea, que soma experiência na área de economia de recursos naturais e pesqueiros, fala ainda das soluções que os ribeirinhos encontram para enfrentar essas mudanças – e como isso pode ser visto a longo prazo. Confira:
Eis a entrevista.
Sobre mudanças climáticas, é comum ver um conflito de opinião entre pesquisadores: alguns dizem que não é tão absurdo assim e outros falam o contrário, que estamos vivendo um período quase catastrófico. Como você avalia isso?
O último relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), que saiu recentemente, mostra que em menos de um século o nível do mar já subiu vinte centímetros. A estimativa é de que até o fim de 2100 aumente mais um metro, ao todo. Você imagina o impacto que é. No relatório do IPCC eles não fazem pesquisa básica, e sim, uma sistematização de todas as pesquisas que estão sendo feitas sobre o tema. Então, as pesquisas indicam que vamos ter sim um aumento de temperatura e do nível do mar. Olhando os dados desse último relatório já podemos afirmar que houve o aumento de 20%. A quantidade de carbono na atmosfera tem aumentado e já temos uma redução das calotas polares.
Um dos principais assuntos discutidos durante esse workshop foi a questão das comunidades ribeirinhas e como elas já são afetadas por essas mudanças climáticas. Como isso acontece?
O nosso projeto começou há pouco tempo. Ele tem apenas um ano. O workshop envolveu a apresentação de seis projetos que trabalham com mudanças climáticas e adaptações. Como é que a população vai se adaptar? Esse é um trabalho em longo prazo, olhando para o futuro.
Tivemos a apresentação de um trabalho muito interessante da África do Sul em que eles calcularam uma estimativa de quanto o nível do mar deve subir por lá. Com base nesse trabalho o governo já fez uma estrutura proibindo construções a partir de agora naquela área. Também teve o trabalho de um professor do Egito sobre o delta do Nilo, mostrando que lá também vai ter uma grande inundação com o aumento de temperatura. O nosso trabalho ainda está bem no início e temos posições um pouco diferentes. Dentro do estuário amazônico, na região de Abaetetuba, onde trabalhamos, ainda não conseguimos ter uma resposta consistente de que está havendo mudanças. Mas, quando você entra mais para o Marajó e chega ao Amapá, que são dois outros sítios de trabalho, em termos de percepção, os ribeirinhos têm sentido.
No projeto vocês falam sobre estratégias que os ribeirinhos usam para “escapar” ou mesmo se adaptar a essas mudanças que já vêm acontecendo. Quais?
Por exemplo, se você tem uma economia diversificada, então eles estão acostumados a mudar de atividade. Se há uma mudança no sentido de ampliar a pesca do camarão e reduzir um pouco o açaí, várias famílias têm começado a plantar as espécies frutíferas nas suas áreas, nos seus quintais, como o cupuaçu. Então, se você tem isso dentro da estrutura produtiva deles, de estar sempre se adaptando, então tem potencialmente uma população com mais capacidade de fazer essa adaptação.
Você mencionou o exemplo do Nilo e da África do Sul. Neste último houve uma parceria dos pesquisadores com o governo. Historicamente, não temos essa parceria funcionando de forma integrada no Brasil e ainda mais na Amazônia. Um trabalho desse tipo de aplicabilidade seria muito produtivo e prático para o planejamento municipal e estadual, mas nós não temos a tradição de que os governos olhem para o que os pesquisadores estão fazendo. Como você acha que isso pode ser melhorado?
Há um trabalho que a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) faz sobre esse impacto de emergência extrema que tem uma estrutura bem interessante. Eles fazem uma estimativa de onde é mais provável ter inundações e, portanto, se exija suporte da Defesa Civil. Nesse projeto a gente tem intenção de que a nossa climatóloga faça um modelo de previsão de grandes marés. No futuro, pensamos em integrar isso com esse sistema de controle de emergências e prevenção que há na Sudam.
Mas vocês estão confiantes de que serão aceitos e ouvidos?
Eu acho que quando realmente forem notados impactos grandes, sim. Nesse sentido, eles têm uma parceria interessante. A Secretaria Executiva de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente (Sectam), a UFPA e a Sudam, para esse aspecto, que afeta a população diretamente. Se você está pensando em mudanças climáticas, aí realmente precisa de dados de qualidade para mostrar que as cidades ribeirinhas realmente estão no nível do mar, por exemplo, e que se tiver uma inundação vai ter um custo alto. Eu acho que isso é um fator de preocupação.
Vamos pensar nos dois cenários: um mais negativista e outro mais positivo. No pessimista, o que poderia ocorrer com a Amazônia por causa dessas mudanças?
O nosso projeto fala sobre adaptação da população ribeirinha a ambientes extremos. O que temos achado interessante nesses estudos iniciais é que essa população vive sob o efeito de mudanças anuais e muito grandes. Ela tem mudanças de preços de produtos, de estoque pesqueiro, mudanças por causa de hidrelétricas construídas. Então o que temos observado é que essa população tem uma capacidade grande de se adaptar. Também notamos que ao longo do tempo a estrutura de renda dessas famílias mudou bastante. Por exemplo, temos simulações que mostram que há vinte anos, 90% dessa renda era proveniente de atividades produtivas.
Agora, cerca de 45% da renda vem de transferências do governo,. Aposentadoria, bolsa família, seguro defeso e salário. Isso é interessante por que de um lado reduz a dependência dos recursos naturais. Você vai ter uma população grande e densa como a do Estuário afetada por mudanças climáticas que, pelo relatório do IPCC, têm efeitos que só vão aumentando. De um lado é bom por que como eles têm essa economia diversificada que permite que se tenha uma estratégia de maior adaptação. Não significa que eles não vão sofrer com isso. Mas eles têm estratégias históricas que permitem que se adaptem melhor.
Sabemos que há toda uma pressão externa sobre o desmatamento nessas comunidades ribeirinhas. Como está a situação nesse sentido?
Nesta comunidade ribeirinha na região do estuário o que acontece é um sistema de substituição de floresta nativa por açaí. Um processo que o Hiraoka chamava de “açaízação” da região do estuário. Dessa forma, eles vão reduzindo as espécies da mata de várzea mesmo, cortando principalmente as que têm valor econômico e expandindo a mata de açaí. Você chega a regiões em que só se tem praticamente um açaizal, o empobrecimento da floresta. Por outro lado, há uma fonte de renda para a população. Para a diversidade e a estrutura florestal primária é negativo, para população que utiliza o recurso e o vende é melhor.
Corremos o risco dessas populações ribeirinhas serem expulsas de onde estão com essas mudanças e irem para as periferias das cidades?
A situação de quem mora na região do estuário é bem crítica, por que eles não têm muitas alternativas. Praticamente o que vemos é que são dependentes do açaí e um pouco da pesca, mas essa já nem é tão forte quanto era no passado. Alguns grupos dependem do artesanato na região de Abaetetuba, mas não é maior parte da população. Acho que eles estão, em longo prazo, numa situação crítica, já que as alternativas de renda deles serão limitadas. Acho que é bem preocupante, por que é uma população muito densa. Se você pensar no estado do Amazonas, tem 0.3 pescadores por quilômetro quadrado, em Santarém você já tem três pescadores por quilômetro quadrado. A população tem que se preparar pra isso. Numa linha de tempo de 20, 30 anos, já se começa a sentir como eles têm pouca possibilidade por causa das inundações de áreas, poucas alternativas econômicas. Eles não têm áreas para agricultura e as poucas que existem podem ser inundadas. Aí, quem vivia da agricultura muda pra produção do açaí, quem tem um terreno mais alto e plantava mudou para produzir açaí. Se essas áreas são inundadas, há uma perda grande para a população do Estuário em partes mais baixas.
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