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Força na terra e refinamento na teoria
CATEGORIAS: ALTERNATIVAS, DESTAQUES, MEIO AMBIENTE
– ON 13/12/2013
Congresso Brasileiro de Agroecologia revela: pesquisa científica volta-se para produção alternativa e começa a se livrar das pressões da monocultura
Por Elenita Malta Pereira
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As sementes robustas da agroecologia brasileiraNum país pressionado pelo agronegócio, produtores que respeitam natureza mostram força, conquistam políticas públicas e se dizem preparados para transformar produção de alimentos.
Por Elenita Malta Pereira
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Mais de 4,3 mil pessoas participaram do 8º Congresso Brasileiro de Agroecologia no início de dezembro, em Porto Alegre. Segundo pesquisa recente do IBGE, eles expressam um movimenteo em expansão nacional: 90 mil produtores rurais já optam por processos produtivos de integração com a natureza. Destes, 11 mil estão certificados. Espera-se que sejam 50 mil, até 2015. Mas o encontro revelou outra face promissora do fenômento: sua repercussão sobre a produção teórica, científica e acadêmica.
Apesar da forte pressão do agronegócio sobre as universidades (leia a respeito, em Outras Palavras), um número crescente de pesquisadores tem se dedicado a contribuir, com seu estudo, para o desenvolvimento da agroecologia. O Congresso ofereceu uma mostra desse interesse. Em poucos dias, ele reuniu 1055 apresentações de trabalhos – entre palestras, comunicações, relatos de experiência e pôsteres. A seguir, um relato de algumas das mais relevantes.
Biorregionalismo
Na palestra de abertura do Congresso, o teólogo e filósofo Leonardo Boff falou sobre Ética e Agricultura. “Estamos num momento crítico da história da Terra e da humanidade, em que é necessária uma escolha: ou fazemos um pacto entre nós, para cuidar da terra e uns dos outros, ou então arriscamos a nossa destruição e a destruição da diversidade da vida”. Ele mencionou o “fiasco de Varsóvia” (a COP-19, de novembro de 2013), quando representantes das principais ONGs ambientalistas do mundo retiraram-se de uma plenária, em protesto à falta de compromisso em reduzir as emissões de carbono dos representantes de 192 países que promoviam as discussões. Criticou a inação dos governos, ao não avançarem nas formas de resolver o problema do aquecimento global.
Falou sobre o confronto de duas visões da terra: o modelo atual, fundado no século XVI, cooptou cientistas e técnicos e é alicerçado na fantasiosa crença de que a terra é “um baú imenso, cheio de recursos, que nós podemos tirar continuamente; a terra como uma coisa morta, entregue à nossa liberdade e voracidade”. O outro modelo mencionado por Boff, no desejo de que se torne hegemônico, é o que compreende “a terra como um ente e superorganismo vivo que articula o físico, o químico, o ecológico e o biológico de tal maneira que ela sempre produza e reproduza vida. Os antigos chamavam de magna matter, os indígenas de pacha mama e os modernos chamam de Gaia”. O trabalho realizado na agroecologia, considerando os ritmos da natureza, respeitando o alcance do limite de cada ecossistema, está de acordo com esse modelo.
A alternativa à globalização, para Boff, é a promoção do “biorregionalismo”, capaz de aproveitar o capital social de cada população, suas tradições, sua maneira de realizar cultura, num modo de produção e consumo locais, sustentável social e ambientalmente. O desenvolvimento regional, que engloba diversos saberes, a troca entre o saber científico e camponês, deve ser incentivado, pois promove a participação popular.
Lei de Patentes
Integrante da mesa “É possível pensar numa mudança paradigmática na economia?”, o economista e líder do MST, João Pedro Stédile, se concentrou na crítica aos mecanismos que o sistema capitalista utiliza para estruturar a economia: controle oligopólico do mercado; controle de preços e de estoques; concentração de renda; padronização das mercadorias; controle da mídia, entre outros. Com isso, as corporações têm poder para subjugar governos e conseguir que administrem o Estado de acordo com seus interesses, o que leva à “perda da soberania nacional”, de acordo com Stédile.
O caso da propriedade privada de sementes, conseguida pelas transnacionais com a Lei de Patentes (1996) é um caso típico, segundo o economista: “é muito grave para a humanidade”. Com as sementes – em especial, as geneticamente modificadas – nas mãos das corporações, o agricultor tornou-se subordinado às empresas produtoras e detentoras das patentes. Stédile criticou também o modelo de agronegócio no Brasil. Além de depender de agrotóxicos e maquinário, o agronegócio é totalmente dependente de crédito bancário: “Fizeram festa com o Plano Safra, que deu 140 bilhões para os fazendeiros produzirem 160 bilhões”. Com isso, o capital financeiro se apropria da agricultura brasileira, e os produtores ficam com a menor parte do lucro.
Decrescimento
O biólogo e pesquisador Alan Bocato falou sobre “decrescimento”, um movimento que tem origem nas teorias de Ivan Illich e outros autores, nos anos 1970. O movimento pelo decrescimento parte de ética includente: todos devem ter boas condições de vida. No paradigma de crescimento ilimitado atual não vão caber todas as pessoas. Isso é impossível, porque o sistema é excludente por essência, é a condição fundamental de sua existência e manutenção.
Para o pesquisador, o desenvolvimento da técnica levou ao “desaparecimento da autodeterminação humana e perda de liberdade. A saída para o quadro atual é a “superação”, ou seja, buscar outro significado de bem estar: “devemos ser austeros e sóbrios”. Deveríamos dedicar menos tempo ao trabalho assalariado, à produção de bens, e passar mais horas “cuidando de nossas casas, filhos, do nosso entorno, nos ocuparmos com a participação política do nosso entorno. Não é uma vida miserável, mas uma reação ao hiperconsumismo. Não é uma vida de carências, mas uma opção de viver melhor. Substituir o desejo incessante de consumir por valores mais satisfatórios”.
A agroecologia é, para Bocato, “a base social de implementação de novos padrões de conhecimento construída de baixo para cima, ao contrário do sistema hegemônico atual. Ela é construída com base em forte protagonismo social, estrutura social e redistributiva não concentradora, especialmente familiar e cooperativa, e preconiza o mercado local, auto produção e autoconsumo”. Esses são os elementos fundamentais para a superação do paradigma do crescimento, e desmercantilizar as relações.
A agroecologia é, para Bocato, “a base social de implementação de novos padrões de conhecimento construída de baixo para cima, ao contrário do sistema hegemônico atual. Ela é construída com base em forte protagonismo social, estrutura social e redistributiva não concentradora, especialmente familiar e cooperativa, e preconiza o mercado local, auto produção e autoconsumo”. Esses são os elementos fundamentais para a superação do paradigma do crescimento, e desmercantilizar as relações.
Agrotóxicos e transgênicos
Wanderlei Pignati, professor de Medicina da UFMT e um dos autores do Dossiê Abrascosobre agrotóxicos, apresentou estudos que vêm sendo realizados por seu grupo de pesquisa na universidade em municípios de Mato Grosso, em especial em Lucas do Rio Verde, onde foram encontrados resíduos de agrotóxicos no leite materno (100% das 20 mães acompanhadas), na urina de professores (maior índice na zona rural, onde as escolas, muitas vezes, estão cercadas por propriedades agrícolas e até recebem pulverizações aéreas), na água das chuvas, no sangue de anfíbios, em minhocas (especialmente em solos com o herbicida Glifosato), no ar (onde foram encontrados os pesticidas Atrosina e Endosulfan) e na água consumida pela população. Um dado alarmante mencionado por Pignati: embora a água que estamos bebendo seja considerada potável (ela pode conter 27 tipos de agrotóxicos, segundo a Portaria Nº 2.914/2011 do Ministério da Saúde), suas pesquisas mostraram a ocorrência de pesticidas que ainda não se encontram na listagem do Ministério.
Mas não somente no Brasil o quadro é preocupante. A fala do professor de agronomia da Universidade de Buenos Aires (UBA) e membro da Rede de Ação em Praguicidas e suas Alternativas para a América Latina (Rapal), Javier Souza Casadinho, traçou um interessante perfil do problema na América Latina. Em seu país, a Argentina, nos 17 anos de plantio de sementes transgênicas, pode ser verificado o aumento do uso de agrotóxicos. Segundo Casadinho, a Argentina consome cerca de 400 milhões de litros de agrotóxicos por ano. Com uma população de cerca de 40 milhões de pessoas, o consumo per capita no país fica em torno de 10 litros por ano, superior ao do Brasil (cerca de 5,8 litros/pessoa/ano).
Surto da lagarta
O recente surto da lagarta Helicoverpa armigera também foi abordado pelos palestrantes. A lagarta já existia no Brasil, porém nas últimas safras de milho, soja e algodão vem causando transtornos gigantescos. Para os defensores do agronegócio, a “praga” teria sido trazida do exterior, num caso de “bioterrorismo”. No entanto, os membros da mesa apontaram e representante do Mapa confirmou que a agressividade da Helicoverpa foi causada pelos plantios em larga escala do milho BT (transgênico), pois as modificações genéticas na planta causaram a morte dos predadores naturais da lagarta.
O problema agora é a estratégia proposta para combatê-la: a presidenta Dilma Roussef assinou o Decreto 8.133, publicado em 28 de outubro de 2013, permitindo ao Mapa decretar estado de emergência fitossanitária em casos como esse. Em 6 de novembro, o Mapa publicou a Portaria 1109, autorizando importação da substância Benzoato de Emamectina, proibida no Brasil. Em 2007, a Anvisa não autorizou o registro do produto e emitiu parecer técnico em que relata que o agroquímico causa efeitos neurotóxicos severos aos seres humanos. Segundo Pignati, o inseticida será aplicado por avião, o que pode causar problemas ainda mais graves.
CTN-Bio, pesquisas e multinacionais
O estudo do professor de biologia molecular da Universidade de Caen na França, Gilles-Eric Séralini, que acompanhou por dois anos ratos que desenvolveram câncer ao alimentarem-se com milho transgênico tratado com Glifosato da Monsanto, foi rechaçado pela CTN-Bio. O engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, membro do Grupo de Estudos em Agrobiodiversidade – Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (GEA-NEAD) e representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), relatou que o GEA-NEAD e o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) solicitaram análise da pesquisa, mas a CTN-Bio não aceitou, justificando que o estudo não deveria ter utilizado aquela espécie de ratos, muito propensa a câncer – que no entanto foi a mesma empregada pela Monsanto durante seu estudo de 90 dias – e que os pesquisadores franceses teriam usado métodos não comumente aceitos.
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