Tuesday 11 December 2018

Desastres naturais no Brasil?

justificando

Sexta-feira, 7 de dezembro de 2018


Desastres naturais no Brasil?

Desastres naturais no Brasil?

Quando se pensa em desastres naturais, logo vem à mente as terríveis cenas dos tsunamis, terremotos e furacões que ocorrem quase todos os anos ao redor do mundo e faz, com que, nós brasileiros, nos sintamos privilegiados por não termos que lidar com essas questões em nosso país.
Mas será mesmo que não ocorrem desastres naturais no Brasil? De fato, nosso país está situado numa zona geograficamente desfavorável à ocorrência de grande parte desses desastres, entretanto, não se pode ignorar o número cada vez mais crescente de eventos desastrosos ano após ano. Enchentes, inundações, deslizamentos de encostas e morros são exemplos de desastres tidos como naturais e que geram, muitas vezes, consequências tão ou mais gravosas do que os desastres de maior magnitude.
Para se ter como exemplo, em 2011 ocorreu, o que até hoje é considerado pela Defesa Civil como o maior e mais devastador desastre pluviométrico dos últimos anos que atingiu vários estados do país, mas, principalmente, a região serrana do Rio de Janeiro. As chuvas provocaram deslizamentos de encostas, deixando um rastro de 300 mil pessoas afetadas e mais de 900 mortes direta e indiretamente relacionadas[1].
Por sua vez, no ano de 2015, em Joso, no Japão,chuvas torrenciais trazidas pelo tufão nº 18 fizeram o nível do rio Kinugawa subir, transbordando e rompendo a barreira de contenção em dois pontos, ocasionando uma enchente que inundou quase a totalidade da cidade. De suas consequências mais graves, houveram duas mortes relacionadas e 15 pessoas feridas[2].
Por que desastres de menor magnitude no Brasil conseguem ter consequências mais graves do que os de média a grande magnitude em outros países? Por que a responsabilização dos desastres ocorridos aqui são na maior parte das vezes atribuídas à natureza, não havendo qualquer tipo de indenização aos afetados?
No Brasil, a concepção dominante de desastre, como fenômeno naturalístico, tende a vinculá-los a eventos naturais desencadeadores de danos humanos, patrimoniais e extra patrimoniais e reforçando a distinção cartesiana entre homem e natureza, concebendo desastres como eventos naturais, não habituais e de previsibilidade e intensidade irresistíveis[3].
Atualmente, não há mais sentido nessa divisão, uma vez que o ser humano modifica continuamente o meio ambiente, já não se podendo falar em desastres puramente naturais. Convergindo-se essas racionalidades se chega numa noção distinta e separada de risco e desastre, tendo esse não apenas como fonte de medo e resultado inexorável do progresso, mas, principalmente, como forma de prevenção e de tomada de decisão envolvendo a sociedade como um todo, setores públicos e privados. Começa-se uma noção de integração que antes não era vista.
Além disso, é importante pontuar que as providências, em quase totalidade dos casos na história, costumam ser tomadas somente após a ocorrência e a concretização do desastre e a contabilização dos danos. Os exemplos são muitos em todo o mundo, e, apesar de variarem de acordo com elementos como a vulnerabilidade, a resiliência e a gestão de riscos, todos têm em comum a destruição, a perda e, em se tratando de desastres ambientais, a irreversibilidade.
Nesse sentido, o Escritório das Nações Unidas para a Redução do Risco de Desastres (United Nations Office for DisasterRiskReduction – UNISDR) conceitua desastre como o resultado de eventos adversos, naturais e/ou provocados pelo homem, sobre um cenário vulnerável, causando grave perturbação ao funcionamento de uma comunidade ou sociedade. O desastre envolve extensivas perdas e danos humanos, materiais, econômicos ou ambientais, que excedem a capacidade da sociedade de lidar com o problema usando meios próprios[4].
A Defesa Civil[5] também define desastre como sendo “resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem, sobre um ecossistema (vulnerável), causando danos humanos, materiais e/ou ambientais e consequentes prejuízos econômicos e sociais”.
A noção de desastres foi mudando com o passar do tempo, entretanto de uma forma ou de outra são considerados como eventos gerados por fatores naturais, antropogênicos (humanos) ou ambos (desastres mistos), que causam, em maior ou em menor grau a destruição da fauna, da flora, da paisagem e dos bens materiais e imateriais.
É certo que desastres sempre ocorreram em todas as épocas da experiência humana, entretanto, o senso comum dá uma ideia de que nos dias atuais, esses eventos têm se intensificado, tanto na sua recorrência quanto na sua forma, cada vez mais devastadores.
Não é só o senso comum que percebe esse crescimento, no Brasil, os desastres, principalmente os climatológicos, tendem a crescer, como demonstra o Relatório The Human Cost of Weather Related Disasters pelo Escritório das Nações Unidas para a Redução de Desastres (UNISDR) e o Centro de Pesquisas de Epidemiologia em Desastres (Cred), tornando os modelos de gestão de risco ainda mais complexos. Apenas, exemplificativamente, em média, 335 desastres naturais foram registrados anualmente entre 2005 e 2014, um aumento de 14% entre o período de 1995 a 2004 e quase o dobro da média de 1985 a 1995[6].
No mesmo sentido, em um estudo de estatísticas realizado sobre os desastres no Brasil, tem-se que, entres os anos de 1980 até 2010 contabilizou-se 146 desastres, com 4.948 mortes (estimativa de 160 mortes por ano), 47.984.677 pessoas afetadas diretamente e um prejuízo econômico de 9.226.170 dólares. Esses dados colocam o país numa posição negativa no ranking internacional de países com maior exposição humana e ecossistêmica a riscos. O Brasil está 8º lugar (entre 184 países) no que tange à exposição a secas; em 13º (entre 162 países) quanto aos riscos de inundações; 14º (de 162 países) quanto a deslizamentos e 36º (de 89 países) quando o risco é de ciclones[7].
Assim, a ideia difundida por décadas de ser o Brasil um país imune aos desastres, e sua regulação e estudo, consequentemente, considerados desnecessários, já começou a ser revista[8]. Para que se possa prevenir e mitigar, esses eventos precisam ser compreendidos numa ótica macro, levando em consideração as diversas áreas do conhecimento, que devem atuar em conjunto, bem como buscar-se, em outros ordenamentos jurídicos, modelos que poderiam ser adotados no Brasil no gerenciamento de riscos de desastres.
Nesse sentido, o ordenamento jurídico tem um papel central na prevenção, na resposta e na gestão dos riscos e perigos de desastres, tendo em vista que muitas dessas lesões advêm da falta de observância das normas de direito ambiental. O sentido do Direito nesse contexto é de regular as relações existentes e apresentar respostas em se tratando de desastres, que são, pois, fatos jurídicos já que acarretam lesões de órbita patrimonial e extra patrimonial.
Dessa forma é que esse estudo além de importante devido a escassa doutrina sobre o tema, é essencial para que os desastres vivenciados possam ser prevenidos e minimizados. Fatores como resiliência, vulnerabilidade, gestão de risco e mudanças climáticas são determinantes para que se consiga mitigar os danos causados por esses eventos e controlar seus efeitos.
A obra “Desastres e Direito Ambiental: governança, normatividade e responsabilidade estatal”  tem a pretensão de iniciar um debate mais profundo na questão dos desastres pela ótica do Direito e apresentar a ideia de que esses fenômenos revelam a insuficiência e o colapso de estruturas governamentais e não governamentais que, por alguma razão – como ausência de investimento, fiscalização, planejamento urbano adequado – presenciam e se veem obrigadas a responder a esses eventos, na maioria das vezes, pagando um alto preço pela reconstrução do caos gerado por um desastre.
A obr ase mostra ainda mais atual nos dias de hoje, pois num país que, contrariando a tendência mundial de maior preocupação com as questões ambientais, novos líderes parecem não se atentar para as consequências, inclusive econômicas, que a relativização da proteção ambiental causa.
Me sinto honrada em convidar os leitores dessa importante revista eletrônica para o lançamento do livro supracitado. Será no dia 11 de dezembro de 2018 a partir das 18:30 na Livraria da Vila do Shopping Higienópolis. 
Ana Clara Barcessat é advogada e mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC-SP 
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Referências
Banco Mundial. Avaliação de Perdas e Danos – Inundações e Deslizamentos na Região Serrana do Rio de Janeiro – Janeiro de 2011. Relatório elaborado pelo Banco Mundial com apoio do Governo do Estado do Rio de Janeiro. Novembro de 2012.
Banco Mundial. Avaliação de Perdas e Danos – Inundações e Deslizamentos na Região Serrana do Rio de Janeiro – Janeiro de 2011. Relatório elaborado pelo Banco Mundial com apoio do Governo do Estado do Rio de Janeiro. Novembro de 2012.
CARVALHO, DéltonWinter de. DAMASCENA, Fernanda Dalla Libera. Direito dos Desastres. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013.
Glossário de Defesa Civil, Estudos de Riscos e Medicina de Desastres. 5ª Edição.
Kanasiro.AlvaroKatsuaki, Quando a inundação vira o campo: notas etnográficas sobre o pós-desastre (parte I).
Nações Unidas no Brasil. Desenvolvimento Sustentável. FAO: desastres ‘menores’ matam mais do que grandes catástrofes na América Latina.
Nações Unidas para a Redução de Desastres (UNISDR); Centro de Pesquisas de Epidemiologia em Desastres (Cred). The HumanCostofWeatherRelatedDisasters.
Prevention Web – Serving the information needs of the disaster reduction community. Brazil Disaster statistcs.
United Nations Office for Disaster Risk Reduction – UNISDR. Terminology on Disaster Risk Reduction, 2009.


[1] Banco Mundial. Avaliação de Perdas e Danos – Inundações e Deslizamentos na Região Serrana do Rio de Janeiro – Janeiro de 2011. Relatório elaborado pelo Banco Mundial com apoio do Governo do Estado do Rio de Janeiro. Novembro de 2012, p. 13. Disponível em: http://mi.gov.br/pt/c/document_library/get_file?uuid=74dde46c-544a-4bc4-a6e1-852d4c09be06&groupId=10157. Acesso em 20 de outubro de 2017.
[2]Kanasiro.AlvaroKatsuaki,Quando a inundação vira o campo: notas etnográficas sobre o pós-desastre (parte I). Disponível em: https://journals.openedition.org/pontourbe/2870. Acesso em 05 de dezembro de 2018.
[3] CARVALHO, DéltonWinter de. DAMASCENA, Fernanda Dalla Libera. Direito dos Desastres. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013, p. 25.
[4] United Nations Office for Disaster Risk Reduction – UNISDR. Terminology on Disaster Risk Reduction, 2009, p. 09. Disponível em: http://www.unisdr.org/files/7817_UNISDRTerminologyEnglish.pdf. Acesso em 20 de outubro de 2017.
[5]Glossário de Defesa Civil, Estudos de Riscos e Medicina de Desastres. 5ª Edição.Disponível em:<http://www.mi.gov.br/c/document_library/get_file?uuid=71458606-5f48-462e-8f03-4f61de3cd55f&groupId=10157>. Acesso em 08 jun. 2017.
[6]Nações Unidas para a Redução de Desastres (UNISDR); Centro de Pesquisas de Epidemiologia em Desastres (Cred). The HumanCostofWeatherRelatedDisasters. Disponível em: https://reliefweb.int/sites/reliefweb.int/files/resources/COP21_WeatherDisastersReport_2015_FINAL.pdf. Acesso em 25 de outubro de 2017.
[7] Prevention Web – Serving the information needs of the disaster reduction community. BrazilDisasterstatistcs. Disponível em: http://www.preventionweb.net/countries/bra/data/. Acesso em 25 de agosto de 2017.
[8]Inclusive, a Organização das Nações Unidas, em novo relatório para a Alimentação e Agricultura (FAO) alerta para os desastres com fatores naturais tidos como ‘de pequena escala’. Eles causam menos mortes e destruição individualmente, mas sua frequência os torna, muitas vezes, mais destrutivos que as grandes catástrofes. Na América Latina, de 1990 a 2014, 22,4 mil pessoas foram mortas por esse tipo de tragédia e 115 milhões de indivíduos foram afetados. Segundo as agências da ONU, por causa do impacto reduzido, esses eventos naturais acabam não recebendo a devida atenção do poder público. In Nações Unidas no Brasil. Desenvolvimento Sustentável. FAO: desastres ‘menores’ matam mais do que grandes catástrofes na América Latina. Disponível em: https://nacoesunidas.org/fao-desastres-menores-matam-mais-do-que-grandes-catastrofes-na-america-latina/. Acesso em 25 de outubro de 2017.

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