Monday, 4 February 2019

O que “dever cantar o nosso hino” diz sobre a diversidade cultural no contexto migratório


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O que “dever cantar o nosso hino” diz sobre a diversidade cultural no contexto migratório

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Registro de migrações do passado em muro na frente do Museu da Imigração, em São Paulo. Ao contrário do que o senso comum dá a entender, Brasil é país de origem, trânsito e destino de migrantes. Crédito: Rodrigo Borges Delfim/MigraMundo
Atual posição do governo sobre as migrações ignora a diversidade presente na própria constituição histórica e cultural do país
Por Mariana Kuhlmann e Jael Sânera
Do ProMigra, em São Paulo (SP)
Na ocasião da revogação do Pacto Global, ocorrida no começo do mês de janeiro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro declarou que os migrantes, para serem aceitos, deverão “respeitar a nossa cultura” e “cantar o nosso hino”. Tal medida, preocupante em termos de políticas de acolhimento, nos conduz a refletir sobre os direitos dos migrantes. Afinal, haveria uma única cultura no Brasil que subordina todos que aqui vivem e que pra cá vêm ao “nosso hino”?
Ao contrário do que se pode concluir a princípio, essa declaração do Presidente não deve ser compreendida como algo trivial – ela deve ser problematizada, principalmente sob a ótica dos Direitos Humanos.
Nesse sentido, destaca-se, por exemplo, a relação entre migração, cultura e língua. De acordo com o Artigo 2 da Declaração Universal dos Direitos Linguísticos, “nos casos em que diferentes comuni­dades e grupos linguísticos coabitam num mesmo território, o exercício dos direitos deve reger-se pelo respeito entre todos e dentro das máximas garantias democráticas”. Em outros termos, se há um posicionamento cultural altamente impositivo do Estado em relação aos migrantes, então torna-se dificultoso estabelecer um diálogo respeitoso e democrático capaz de promover a efetiva inclusão social. Assim, fazer o migrante se sentir menor ou não aceito porque ele não compartilha de uma cultura que é colocada como a “certa” é um ato de violência que promove marginalização.
Quando colocamos a adesão forçosa do migrante aos costumes de um país como pré-requisito para a sua suposta aceitação, impedimos que ele expresse a sua visão de mundo e os seus valores culturais. É necessário que haja a conscientização da sociedade de que língua e cultura constituem a identidade de grupos humanos. Além disso, o ato de cruzar a fronteira não faz, por exemplo, com que o migrante se identifique de imediato com os costumes do país de destino ou esteja apto a lidar com todas as burocracias escritas em língua portuguesa. Trata-se, então, de um parâmetro de aceitação que não condiz com a realidade.
Historicamente, o Brasil recebeu e ainda recebe ondas migratórias que contribuem para a diversidade cultural do país. Cabe citar que, no ano de 2005, realizou-se em Brasília o I Seminário Nacional de Políticas Públicas para as Culturas Populares. Vale ressaltar: culturas, no plural. Nessa ocasião, a diversidade cultural não apenas foi celebrada no âmbito musical, artístico e linguístico, como também foi reconhecida e discutida institucionalmente a pluralidade que se estende ao longo do território brasileiro a despeito de uma suposta cultura homogênea e hegemônica.
Por fim, a rejeição ao Pacto Global nos mostra, ainda, que os argumentos que sustentam essa medida governamental estão fundamentados não apenas numa concepção antidemocrática das migrações, como também numa concepção equivocada da própria configuração histórica e cultural da sociedade brasileira. É necessário, portanto, que todos os agentes e entidades que atuam em prol de políticas públicas migratórias ampliem e aprofundem cada vez mais a compreensão desse discurso, de modo a defender e promover os direitos dos migrantes de forma efetiva.

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