Legislativo
Quarta-Feira, 13 de Maio de 2020, 09h:15 | Atualizado: 03h atrás
SESC Pantanal, sojicultores e empresas endividadas são beneficiados por projeto que registra terra sobre áreas indígenas
Mikhail Favalessa e Andhressa Barboza
Reprodução
Mapa divulgado por entidades de defesa dos povos indígenas e do meio ambiente mostra fazendas que se sobrepõem às Terras Indígenas em MT
OSESC Pantanal, fazendas de até 39 mil hectares com plantio de soja, áreas administradas por empresas endividadas e mais de 40 propriedades rurais registradas sobre o território de uma única Terra Indígena (TI). Esta é a situação de alguns dos imóveis que devem ser beneficiados com um projeto da Assembleia que visa autorizar o registro do Cadastro Ambiental Rural (CAR) para áreas que estejam sobrepostas às TI ainda não homologadas. A proposta está em pauta para votação na sessão desta quarta (13).
O Projeto de Lei Complementar nº 17/2020, enviado pelo Governo do Estado, altera os procedimentos de análise do CAR pela Sema, retirando a detecção de fazendas com sobreposição a TI com a situação jurídica “em estudo”, “delimitada” e “declarada”. Caso o projeto seja aprovado, apenas as TI homologadas ou em fase posterior de regularização seriam consideradas para impedir o registro do CAR. Ainda assim, há brecha para as sobreposições em territórios homologados.
O movimento é feito no mesmo sentido que a Instrução Normativa 9/2020 da Funai, publicada em abril, que também ignora as TI que estejam em fase anterior à homologação. Além disso, o projeto na AL cria possibilidade de que o CAR que estiver sobre uma TI homologada pode ser regularizado se for apresentada uma "justificativa". No total, 27 territórios estariam sob risco.
Nota técnica assinada por ICV, Opan, Fepoimt e International Rivers, organizações da sociedade civil que representam direitos dos indígenas e atuam em pautas ambientais, critica o projeto. Para as ONG, a proposta viola diretamente os direitos constitucionais dos povos nativos, traz risco de aumento nos conflitos fundiários e flexibiliza o licenciamento ambiental.
“Em decorrência disso, imóveis rurais sobrepostos às terras indígenas ficarão com caminho livre para a uma regularização fundiária maculada de nulidade, por ferir as garantias constitucionalmente reconhecidas aos povos indígenas dos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, diz o documento.
As entidades dizem que um total de 207 cadastros estão, em sua totalidade ou em parte, sobrepostos às TI. De modo geral, o CAR dessas propriedades que avançam sobre os territórios indígenas estão “em análise” ou aguardando documentação na Sema. Pela legislação atual, não é possível conceder o registro, que é necessário para atividade econômica nessas terras.
Assessoria
Estância SESC Pantanal pode ser beneficiada com projeto que está na Assembleia
SESC Pantanal
A área de 108 mil hectares em que funciona a unidade do SESC Pantanal, em Barão de Melgaço, é uma das que devem ser beneficiadas. Os indígenas da etnia Boróro reivindicam que parte da área deveria integrar a TI Perigara, que está atualmente regularizada junto ao governo e é tradicionalmente ocupada por eles. Os Boróro vivem numa área ao sul da propriedade dos comerciários.
O SESC Mato Grosso, considerando todas as suas unidades, teve crescimento de 15% nas receitas em 2019, de acordo com balanço financeiro disponível no site da instituição. Foram R$ 154,2 milhões arrecadados.
Recentemente, contudo, o chamada "Sistema S", do qual o SESC faz parte, vem sofrendo cortes nos repasses feitos pelo Governo Federal. Durante a pandemia do novo coronavírus, o Executivo cortou em 50%, por três meses, os recursos destinados ao sistema, por exemplo. Há no Congresso outras discussões para redução dos valores de maneira permamente. A mudança no CAR poderia ajudar a atividade do SESC Pantanal ou, até mesmo, viabilizar a venda da área.
Reprodução
Foto mostra a colheita feita por máquina em uma fazenda da Terra Santa Agro S/A
Empresa com dívida
A fazenda Terra Santa, de 18 mil hectares, é uma das propriedades com sobreposição à TI Batelão, no Noroeste do Estado, habitada pelos Kawaiwete. A área indígena está em situação “declarada” juridicamente e aguarda homologação pelo Governo Federal, o que poderia beneficiar a Terra Santa no registro do CAR se o projeto for aprovado na Assembleia.
A propriedade rural é administrada pela TS Brasil S/A, que atua no plantio de soja, milho e algodão. Em abril, o presidente da empresa, José Humberto Prata Teodoro Júnior, deu entrevista à Época revelando a intenção de vender áreas em Mato Grosso para capitalizar a atividade, reduzindo dívidas com bancos e fornecedores. A regularização do CAR poderia aumentar o valor da fazenda.
De acordo com as demonstrações financeiras da TS Brasil, publicadas em 27 de abril no Diário Oficial, a empresa teve lucro líquido de R$ 17,1 milhões em 2019, valor menor que os R$ 22,6 milhões registrados no ano anterior. A Terra Santa Agro S/A, que é controladora da TS Brasil S/A, teve prejuízo de R$ 134,7 milhões no ano passado, segundo relatório publicado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Andre Souza/Opan
Indígenas do povo Manoki faz trabalhos em meio à floresta na TI de mesmo nome
Latifúndio de soja
A maior das fazendas sojicultoras identificadas pela reportagem é a fazenda Siqueira, localizada em Brasnorte. São 39,7 mil hectares de propriedade rural, que tem parte do CAR registrado sobre área indígena vizinha à TI Menku e que está apenas delimitada pela Funai.
A fazenda é administrada pela Siqueira Empreendimentos e Participações Ltda, que tem como sócios os empresários Fernanda Regina Duarte, Luiz Conrado dos Santos Carvalho Sundfeld e Marcos Pepe Bertoni. A CGG Trading S/A e a Cantagalo General Grains S/A também têm participação na empresa, que atua no cultivo de soja, milho e algodão.
Área de conflito
Também em Brasnorte, a TI Manoki está atualmente declarada pelo Governo Federal e já vem sofrendo com conflitos entre indígenas e produtores rurais nos últimos anos. Reconhecida em 2008, a área ainda aguarda homologação. Por lá, cerca de 40 fazendas têm seu CAR registrado sobre a terra indígena.
Nota técnica de entidades de defesa dos indígenas Imóveis rurais sobrepostos às terras indígenas ficarão com caminho livre para a uma regularização fundiária maculada de nulidade, por ferir as garantias reconhecidas aos povos indígenas dos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam
A fazenda Fortuna Chaparral, também registrada sob os nomes de Centro-Oeste e Bela Vista, é a maior a ser beneficiada. São 9,6 mil hectares no total, com parte sobre TI. O CAR está registrado em nome dos empresários João Franco Filho e Delmar Ortiz Pinheiro. Este último é o administrador da Bela Vista Centro Oeste Ltda, empresa com R$ 1,4 milhão de capital e com sede naquele mesmo município.
Já as Fazendas Santa Bárbara II e III estão inteiras dentro da terra Manoki e são registadas no mesmo CAR. Com 7 mil hectares, ela é a segunda maior propriedade em sobreposição à área indígena conflituosa. A administração é feita pela Elo Verde Administradora, sob responsabilidade do empresário José Armando Argenta. O capital social declarado à Receita Federal é de R$ 10 mil.
Há fazendas cadastradas sobre outros territórios ainda como as TI Apiacá do Pontal e Isolados, Baía dos Guató, Pimentel Barbosa, Piripikura, entre outros.
O projeto de lei tramita na Assembleia desde 20 de abril. As mudanças, que são trazidas no substitutivo apresentado por lideranças partidárias, já tiveram a dispensa de pauta aprovada e estão com o Núcleo de Comissões temporárias desde o dia 23.
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