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Wednesday, 28 November 2018

Brasil em mudança, para pior

https://jornalistaslivres.org/brasil-em-mudanca-para-pior/

Brasil em mudança, para pior

Estudo da Oxfam Brasil aponta crescimento nas desigualdades brasileiras

por André Teixeira - Oxfam Brasil
“País estagnado”, título do novo estudo da Oxfam Brasil, pode dar ideia da ausência de crescimento econômico, mas tem, sobretudo, o sentido de uma sociedade com dificílima mobilidade social. O Brasil, retratado nos dados apresentados, é um país com estruturas que mantêm e aprofundam as desigualdades no plural: desigualdade na representação política, desigualdade de renda, desigualdade tributária, desigualdade regional, desigualdades entre mulheres e homens, entre negros e brancos, entre ricos e pobres.
“O sistema [brasileiro] não só mantém, como aumenta as desigualdades”, assinala Oded Grajew, presidente do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil. Não há país que dê certo com esse grau de desigualdade, não há como sermos um país decente com as desigualdades que historicamente oprimem nossa população, complementa.
O primeiro slide da apresentação de Rafael Georges, responsável pela redação do relatório País Estagnado: um retrato das desigualdades brasileiras 2018, enumera as mudanças para pior nos indicadores das desigualdades:

Brasil é o 9o. país mais desigual do mundo
Apenas África do Sul, Botsuana, Zâmbia, República Centro-Africana, Lesoto. Moçambique e Reino de Eswatini (ex-Suazilândia) são mais desiguais que o Brasil.
A desigualdade na distribuição de renda de uma sociedade ou de um país é medida pelo Índice de Gini. O índice é construído de modo a ficar entre zero e um. Quanto mais alto o valor do índice, maior a concentração da renda nas mãos de poucas pessoas, ou seja, mais desigual a distribuição de renda.
Atualmente, o país mais desigual do mundo é a África do Sul, que tem Índice de Gini igual a 0,63. O Brasil, o 9o. país com maior concentração de renda, tem 0,513. Para se ter uma ideia os países mais justos, como Noruega, Islândia, Suécia, Finlândia, Holanda e Dinamarca, têm Índices de Gini inferiores a 0,30.
No comparativo global, entre mais de 150 países, caímos, em 2017, da 10a. para a 9a. posição entre países mais desiguais do planeta.
População pobre cresce 1 milhão e 700 mil pessoas (11%) de 2016 para 2017
“Sob o critério-base do Banco Mundial, de US$ 1,90 por pessoa/dia, havia cerca de 15 milhões de pobres no país em 2017, 7,2% da população, um crescimento de 11% em relação a 2016 quando havia 13,3 milhões de pobres (6,5% da população)”, afirma o relatório.
Renda das mulheres cai, em relação à dos homens, pela primeira vez em 23 anos.
“Segundo dados das PNAD contínuas, mulheres ganhavam cerca de 72% do que ganhavam homens em 2016, proporção que caiu para 70% em 2017. Trata-se do primeiro recuo em 23 anos”, revelam.
Mais alarmante ainda é a constatação de que o Brasil tem um Índice de Desigualdade de Gênero (IDG) de 0,407. Ao verificarmos países como Noruega, Holanda, Suíça e Dinamarca encontramos índices abaixo de 0,05. A República do Niger, país com um dos piores IDG do mundo (0,649) tem 17% das cadeiras do Parlamento ocupadas por mulheres, enquanto que o Brasil tem apenas 11,3%. A média da América Latina e Caribe é mais do que o dobro do percentual brasileiro: 28,8% dos mandatos são das mulheres.
O IDG, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), é construído com dados de mortalidade materna, maternidade na adolescência, participação no Parlamento, participação na educação secundária e participação no mercado de trabalho. O valor zero indicaria uma perfeita igualdade entre homens e mulheres.
A média dos salários dos negros é quase a metade da média dos brancos
Para ser exato, os negros ganharam em média, em 2017 no Brasil, o valor de R$ 1.545,30 por mês. Os brancos, por outro lado, ganharam R$ 2.924,31. A relação é de 53%, ou quase a metade. Em 2016, os negros ganhavam 57% do rendimento médio dos brancos.
A mortalidade infantil, em queda há 26 anos, subiu quase 5% em 2016
O estudo aponta mais uma regressão preocupante: “Em 2016, pela primeira vez desde 1990, o Brasil registrou alta na mortalidade infantil, que subiu de 13,3, em 2015, para 14 mortes por mil habitantes (4,9% a mais que o ano anterior). Além disso, houve uma escalada da pobreza no país, retrato de injustiças que há pouco tempo estavam em trajetória de superação.”
A renda média da metade mais pobre da população foi de R$ 787,69 por mês
A renda média da metade mais pobre foi de R$ 787,69, menor, portanto, que o salário-mínimo de R$ 937, vigente em 2017. Além disso, o conjunto dos 10% de trabalhadores mais pobres do país tiveram uma perda em seus rendimentos superior a 11%, de 2016 para 2017. Esse grupo tem uma renda média mensal de R$ 198,03, abaixo da linha de pobreza definida pelo Banco Mundial.
Os mais pobres pagam, percentualmente, menos imposto diretos, mas sua carga se equipara à dos ricos quando se agregam os impostos indiretos
O Brasil é um dos pouco países que baseiam sua arrecadação fortemente em impostos indiretos e regressivos. A tributação indireta é aquela embutida nos preços que os consumidores pagam pelos produtos e serviços que consomem. O termo regressivo indica a tributação pesa percentualmente o mesmo ou mais nos bolsos dos mais ricos e dos mais pobres.
O gráfico abaixo mostra os impostos diretos, em verde-escuro, e os impostos indiretos, em verde-claro, por diferentes classes de renda, cor do chefe da família e arranjo familiar. A soma dos dois dará o percentual total da renda do indivíduo que será pago em forma de tributos. Reparemos que o percentual total para os 20% mais ricos da população veriam entre 19% e 24% da renda. Por outro lado, entre os 40% mais pobres o percentual total situa-se entre 17% e 25% da renda.

A tributação indireta, ao contrário de corrigir, promove a desigualdade. Diz o relatório: “A característica que mais chama atenção é o papel regressivo da tributação indireta nos grupos de baixa renda. Ela aumenta a carga tributária de famílias e indivíduos que estão entre os 40% mais pobres para os mesmos patamares daqueles que estão entre os 20% mais ricos, revelando a incapacidade do sistema tributário brasileiro de tratar de maneira desigual os desiguais, corrigindo assim desníveis de renda.”
O teto de gastos, imposto pela Emenda 95, fará crescer o sofrimento dos mais pobres
O estudo aponta os riscos da medida aprovada pelo governo Temer: “a solução do Teto de Gastos é puramente fiscal, e a EC95 está disposta a perder uma geração pela incapacidade de debater mais profundamente direitos e privilégios no orçamento público de maneira mais ampla. O risco maior desta medida – que foi pensada para o longo prazo, restringindo prioridades a diferentes governos e em desconhecidos contextos – recai sobre a base da pirâmide social, pela dependência da saúde, assistência e educação pública entre outros. Mais que isso, essa medida põe em risco os direitos presentes em nossa Constituição, que garantem o acesso universal à saúde e educação. Neste sentido, o Teto de Gastos trará consequências desastrosas para o país em termos de pobreza e desigualdade”.
A agenda para redução das desigualdades passa pela reversão de privilégios
Em suas propostas para os próximos tempos, o estudo aponta a necessidade da reversão de privilégio: “há um grande espaço e uma inegável urgência para a reversão de privilégios no Brasil. Há décadas, os mais ricos detêm uma enorme fatia da renda nacional, seja em contexto de crise ou de bonança. Isenções fiscais, benevolentes benefícios e relações de compadrio com o Estado marcam a composição da renda do topo da pirâmide social, enquanto o país tem um dos piores níveis de mobilidade social do planeta. Portanto, é imperativo que soluções para as contas públicas perpassem pelo cerne da questão, ou seja, a real discussão redistributiva no país, inserindo os direitos da base da pirâmide social na equação fiscal.”
Bastaria cumprir a Constituição
Oded Grajew espera que o futuro presidente da República, “como fiel seguidor da Constituição”, cumpra seu artigo 3o, que dispõe:
“Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
Nota: Para ter acesso ao relatório “País Estagnado: um retrato das desigualdades brasileiras 2018”: https://www.oxfam.org.br/pais-estagnado

Monday, 2 March 2015

Escolas Sustentáveis na Comunidade Quilombola de Mata Cavalo - Parceria: GPEA/UFMT e WWF Brasil

A comunidade quilombola de Mata Cavalo sempre nos recebe com muito carinho. Assim fomos recebidos pela comunidade escolar da Escola Estadual Tereza Conceição de Arruda no dia 26/02/2015. A equipe do GPEA esteve na escola para apresentar a proposta do Processo Formativo em Escolas Sustentáveis e Comvidas que tem, também, como proposta a implantação dos Projetos Ambientais Escolares Comunitários (PAEC).



A comunidade escolar nos recebeu com apresentações culturais do grupo “Hop Quilombola” (descrito abaixo), com rodas de capoeira, almoço delicioso e muito entusiasmo.



Estiveram presentes membros da equipe da gerência de educação ambiental da Secretaria Estadual de Educação do Mato Grosso (Seduc/MT). Também a Profa. Gonçalina Eva de Almeida, uma grande liderança dessa comunidade, foi diretora da escola e hoje está à frente da Superintendência de Diversidades Educacionais da Seduc/MT.


Seguimos em uma roda de conversa sobre as escolas sustentáveis e os PAEC.


Pela tarde compartilhamos com a equipe da escola do quilombo as nossas experiências vivenciadas na escola estadual Maria Silvino Peixoto de Moura.

Os professores(as), servidores, alunos(as) e membros da comunidade que estavam presentes aceitaram o desafio para participar do projeto com o GPEA. Firmamos o compromisso de trabalharmos de março a novembro – com o lançamento dos PAEC na festiva feira de conhecimentos e cultura da escola a ser realizada no dia 20 de novembro, dia da consciência negra.



Construímos coletivamente uma proposta para o calendário do curso e da implantação dos PAEC. E acordamos que nossos encontros formativos serão às quintas-feiras. Em uma próxima reunião de planejamento do GPEA apresentaremos esse calendário. 

As etapas do projeto (ainda uma SUGESTÃO!!!)

1ª. etapa: FORMAÇÃO
Processo formativo em Escolas Sustentáveis e Comvidas
MARÇO
ABRIL
MAIO
JUNHO
JULHO
26/03 | Abertura
EU
02, 09, 16, 23 e 30
OUTRO
7, 14, 20 e 28
MUNDO
11, 18 e 25
Recesso escolar:
13 a 27/07


2ª. etapa: GESTAÇÃO dos PAEC
AGOSTO
SETEMBRO

3ª. etapa: IMPLANTAÇÃO dos PAEC
OUTUBRO
NOVEMBRO
20 | lançamento dos PAEC

O projeto Escolas Sustentáveis na Comunidade Quilombola de Mata Cavalo  é uma parceria do GPEA/UFMT e o WWF Brasil.


Nossa equipe Gpea/Ufmt
Edilaine Mendes, Giselly Gomes, Julio Resende Duarte, Priscilla Amorim, Michelle Jaber e Regina Silva

Em 26/02/2015
Na Escola Estadual Tereza Conceição de Arruda  | Comunidade Quilombola de Mata Cavalo


Esperança do Quilombo



Durante a visita a Escola Estadual Quilombola Tereza Conceição de Arruda, houve um ritual de acolhimento realizado por professores e alunos da instituição escolar. Tratava-se de uma apresentação de danças Afro do grupo “Hop Quilombola” (que em Orubá significa Esperança do Quilombo”).

O grupo de dança surgiu há quatro anos através do projeto “Relativização: Um Processo istórico da Comunidade Mata Cavalo”, com o intuito de resgatar a identidade e cultura quilombola na escola e na região. É formado por vinte alunos da escola e dirigido pelas professoras Lucilene e Júlia.

Desde seu surgimento o grupo realiza diversas apresentações, não só na própria escola, mas também nas comunidades e municípios vizinhos, estas apresentações se intensificam no mês de novembro devido à proximidade das comemorações da Consciência Negra (20 de novembro).

As roupas utilizadas nas apresentações são confeccionadas pelos funcionários da própria escola e recentemente conseguiu-se patrocínio para a confecção de uniformes para o grupo. É ressaltado pelas professoras que a dança além de contribuir com o resgate da cultura e identidade quilombola, também agrega valores como disciplina, interatividade e organização não só na vida escolar, mas também na formação dos alunos enquanto cidadãos(ãs).

26/02/2015
Escola Tereza Conceição de Arruda  | Comunidade Quilombola de Mata Cavalo

Priscilla Amorim

Orientadora: Regina Silva
Projeto Escola Sustentáveis na Comunidade Quilombola de Mata Cavalo

Thursday, 10 July 2014

Relatos de viagem como forma de comunicação científica

comciencia
labjor - sbpc
http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=101&id=1242


Relatos de viagem como forma de comunicação científica
Por Valdir Lamim-Guedes
10/07/2014
Explorar lugares novos não é uma atividade humana recente, mas foi intensificada, ao longo do tempo, com as facilidades de transporte. Sobretudo com a construção de embarcações mais resistentes, que suportaram as viagens através do Mar Ocidental, puderam-se realizar as travessias intercontinentais para os descobrimentos do fim do século XV. Dali até o século XIX, o relato escrito e oral, descrevendo os locais visitados, foi a principal forma de transmissão das experiências vividas. Tais relatos viabilizaram a constituição de um rico acervo de registros de descobertas e das relações dos viajantes com as populações, fauna e flora dos locais onde chegavam.
Os viajantes dos séculos XV a XIX, segundo o professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Franca, Jean Marcel Carvalho França, eram, na maioria, europeus, alfabetizados, a serviço de um Estado – que poderia ser um império colonial, como Portugal, Espanha ou Inglaterra – e envolvidos em negócios estratégicos, como a descoberta de novos produtos ou negociações comerciais e expedições científicas. A busca por status era uma motivação adicional.
Ainda segundo França, os viajantes tinham a obrigação de escrever o que viam, uma vez que havia muito dinheiro envolvido nessas viagens, e pouca gente voltava das expedições. É nesse contexto que surgem os relatos de viagem.
A autora Ana Paula P. Dias, no artigo “ Diário de navegação de Pero Lopes de Sousa: a representação do real e os filtros da representação ”, afirma que o conceito de literatura de viagem é complexo e divide opiniões, pois “trata-se de uma expressão moderna, surgida nas últimas décadas deste século XX, identificada como literatura autônoma, como subgênero, um espólio literário (e também cartográfico e iconográfico) constituído por um corpus de textos, cujas balizas cronológicas se situam entre o século XV e o XIX e cuja natureza é em si compósita e interdisciplinar”.
Segundo o professor da Unesp de Assis, Paulo Henrique Martinez, “os relatos de viajantes como os conhecemos não foram feitos para serem lidos, eles foram feitos na forma de diários de viagem, eles eram um suporte para o trabalho científico desses naturalistas”. Martinez completa que, em seus diários, os viajantes naturalistas “contextualizavam os momentos das coletas botânicas e zoológicas que faziam”. Ou seja, eram instrumentos de trabalho para uso pessoal.
Em termos de estilo da escrita, França afirma que este não é muito variado. O que se espera dele, tanto o público, quanto os outros viajantes, é um relato de viagem muito restrito e determinado. Apesar das restrições, para Martinez esse estilo é muito influenciado por aspectos pessoais, tais como formação e religião, e sociais, além do objetivo da viagem, por exemplo, se o viajante está a serviço de um Estado ou integrando uma comissão científica.
No entanto, nem sempre o público era tão restrito e poderia abranger também os “sábios” e gente de cultura em geral, sendo que no século XVIII esse panorama de público se amplia. Segundo França, é interessante notar o interesse pela temática da viagem, que se justifica pela ausência de literatura que fosse além dos temas de religião.
Segundo a docente do Programa de Estudos Pós-Graduados em História da Ciência da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Márcia Helena Mendes Ferraz, há diferenças entre os relatos anteriores ao século XIX e os desse período: “Tais diferenças estariam ligadas aos também diferentes propósitos dos relatos de viagens que ganham forma durante o século XVII e se tornam bem claros no XVIII”. Ferraz afirma que “na segunda metade do século XVII, as academias científicas recém-criadas, buscam obter informações de pessoas que estivessem em regiões longínquas da Europa ou que se preparavam para as viagens”. Entre os interesses nas viagens estava a busca por metais nobres e produtos que poderiam servir de medicamento, tinturas e fabricação de tecidos etc.
Ferraz comenta ainda que no “século XVIII, verificam-se intensos debates sobre a forma de se descrever a natureza: o que deve ser descrito e como devem ser tais descrições”. Neste contexto, há a criação de cursos acadêmicos, como o Curso Filosófico, criado em 1772, na Universidade de Coimbra, em Portugal. No entanto, como destaca a docente, “isso não quer dizer, entretanto, que muitos dos relatos anteriores não fossem encomendados (ou ordenados) pelos governos da época, com a intenção de conhecer em detalhes o que poderia ser explorado em terras distantes da metrópole”.
Um exemplo desses interesses é retratado na carta de 1º de maio de 1500 , na qual o escrivão Pero Vaz de Caminha (1450-1500) comunica ao rei de Portugal, Dom Manuel I (1469-1521), a chegada à costa brasileira: “Nela, até agora, não pudemos saber que haja ouro nem prata, nem nenhuma coisa de metal, nem de ferro; nem as vimos. Mas, a terra em si é muito boa de ares, tão frios e temperados, como os de lá. Águas são muitas e infindas. De tal maneira é graciosa que, querendo aproveitá-la dar-se-á nela tudo por bem das águas que tem”.
A partir do século XIX, segundo França, esses viajantes passam a se autodeclarar “viajantes naturalistas” e aumenta a frequência de expedições científicas para conhecer os novos mundos – América, Ásia e Oceania. Ainda de acordo com o professor da Unesp, na América espanhola tais expedições já ocorriam desde o século XVIII. Importantes estudiosos/pesquisadores/viajantes do período, como Alexander von Humboldt (1769-1859), Charles Marie de La Condamine (1701-1774) e Louis Antoine de Bounganville (1729-1811) não puderam fazer suas incursões pelo território brasileiro devido aos impedimentos criados pela Coroa portuguesa, anteriores a 1808, ano da abertura dos portos às nações amigas.
A publicação das obras produzidas pelos viajantes era focada num público constituído, basicamente, por outros viajantes, financiadores e autoridades. Segundo França, havia uma diferença fundamental em termos profissionais e de status se o viajante fosse pago para realizar a tarefa e se a sua obra tivesse uma utilidade entre os pares. Ferraz destaca que “os relatos se destinavam a informar governos ou academias científicas que nem sempre tinham interesse em divulgar as descobertas. No caso específico de Portugal, os viajantes naturalistas, empregados pelo governo e instruídos pela Academia Real de Ciências, as informações não deveriam, de nenhuma forma, ser divulgadas. Conforme instruções recebidas, todos os relatos feitos por esses naturalistas sobre o Brasil deveriam ser encaminhados diretamente ao Ministério do Reino, nem mesmo o vice-rei no Brasil poderia ter acesso a eles”.
A docente acrescenta que os propósitos para elaboração dos relatos de viagem foram de diferentes ordens: “podem ter sido, primeiramente, por questões pessoais, mas traziam informações que interessavam a outras pessoas, talvez pela simples curiosidade sobre o novo e, assim, ultrapassavam a demarcação pessoal; foram também considerados importantes fontes de informações para os governos ansiosos em ampliar seu poder e fortuna; por fim, criaram-se critérios para sua elaboração, ao mesmo tempo em que se dava forma a um novo especialista, o viajante naturalista”.
A partir desses relatos, segundo França, surgiram novelas, romances de aventura, romances edificantes, viagens extraordinárias, ou seja, todo um repertório literário. Martinez explica que, em termos de comunicação da ciência, os relatos de viagem indiretamente tiveram um papel muito importante, existindo uma relação entre a intencionalidade de comunicar a ciência e o relato em si. “Estes relatos tornam-se conhecidos, porque eles têm muitas informações extra científicas”, constituindo uma fonte de interesse para a história do Brasil.
Desta forma, os relatos de viagem passam a ser traduzidos e editados no Brasil no fim do século XIX e durante o século XX, “formando o que conhecemos na nossa bibliografia como relatos de viajantes”, diz Martinez. Muitos desses relatos editados no Brasil são parciais, porque esses naturalistas faziam grandes percursos. “Estes relatos são recortes de relatos maiores, que envolvem, muitas vezes, outros países da América Latina. Você tem viajantes percorrendo Brasil, Argentina, Uruguai, Venezuela, mas nós conhecemos apenas parte dos relatos referentes ao Brasil”, ressalta. Este é o caso da obra do naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853), que esteve no Brasil entre 1816 e 1822 e viajou pelo Espírito Santo, Rio de Janeiro, Goiás, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A sua obra foi publicada por trechos, como o livro Segunda viagem do Rio de Janeiro a Minas Gerais e a São Paulo (1822) .
O volume das obras de viajantes não é conhecido, segundo conta a historiadora Miriam Lifchitz Moreira Leite (1926-2013), na obra Livros de viagem: 1803/1900 (Editora UFRJ, 1997). Segundo a autora “arquivos, bibliotecas e periódicos, em diferentes línguas, guardam uma documentação ainda inexplorada”. Martinez lembra que esse é o caso do material produzido pelo naturalista dinamarquês Peter Wilhelm Lund (1801-1880), que viveu e morreu na região de Lagoa Santa, em Minas Gerais. Lund não foi um “viajante” propriamente dito, mas escreveu relatos na forma de diários e outros produtos que ainda não foram publicados. Por exemplo, há um diário de campo no Museu de História Natural da Dinamarca que não foi publicado ou traduzido, o que dificulta o acesso ao conteúdo da obra, que foi escrita em dinamarquês gótico.
Além de várias obras ainda não terem tradução para o português, faltam, segundo Martinez, estudos sobre cada um desses viajantes, que nos permitam conhecer o destino de seu trabalho científico no conjunto.
Muitos naturalistas deixaram um conjunto de obras bastante extenso, como é o caso do botânico Karl Friedrick Philipp von Martius (1794-1868) e do zoólogo Johann Baptiste von Spix (1781-1826). Spix e Martius, por exemplo, permaneceram no Brasil de 1817 a 1820 e viajaram por cerca de dez mil quilômetros. Partiram do Rio de Janeiro, seguindo para o norte pela Mata Atlântica, com a intenção de explorar o interior, ao invés do litoral, melhor conhecido. Exploraram diversas localidades do território brasileiro nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Piauí, Maranhão, Pará e Amazonas. De suas andanças, foi publicado, entre outras obras, Viagem pelo Brasil. O material por eles recolhido permitiu que fossem elaboradas diversas obras de cunho naturalista sobre o Brasil, entre elas a monumental Flora Brasiliensis, editada por Martius e colaboradores, com identificação de mais de 20 mil espécies de plantas de nossas florestas, até hoje utilizada como obra de referência científica no ensino e pesquisa em botânica. Recentemente, essa obra foi digitalizada e está disponível no site do Centro de Referência em Informação Ambiental (Cria).
Uma característica desses relatos é repetir temas, comentários ou descrever regiões já descritas por outros viajantes. A Serra de Ouro Branco, situada entre os municípios de Ouro Branco e Ouro Preto, em Minas Gerais, foi caminho de alguns viajantes do Brasil colonial. Saint-Hilaire, em sua viagem de 1817, publicada no livro “ Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e MinasGerais ”, descreve a até então desconhecida planta canelas-de-ema, pertencente à família Velloziaceae. Spix e Martius, no livro Viagem pelo Brasil, descrevem a mesma planta de forma muito semelhante a Saint-Hilaire.
Segundo França, os relatos dos viajantes são repetitivos, no modo de dizer e nos temas abordados. A intensificação das expedições científicas no século XIX acaba por aumentar a repetição. Há muita gente escrevendo e também um público mais amplo de leitores. O diplomata britânico Richard Burton (1821-1890), por exemplo, era um leitor voraz da literatura de viagem. Burton passou pelo Brasil na década de 1860 e publicou a obra The highlands of the Brazil, do qual uma parte foi publicada em português sob o nome de Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho .
Os usos atuais desses relatos de viagem são amplos, como afirma Martinez. Se forem utilizados como fontes históricas, seja para atividade didática, exposição ou documentário, há um grande potencial para divulgação científica: “aqui há um testemunho do mundo natural dos territórios do Brasil do século XVIII e XIX. Eles são bastante atraentes do ponto de vista da narrativa e também do conteúdo”. Portanto, o uso da literatura de viagem como narrativa científica, além de ser fonte documental para conhecer melhor o Brasil nos períodos colonial e imperial, tem um grande potencialeducativo em muitas áreas do conhecimento, como história, geografia, antropologia e outras.
(Leia mais sobre cronistas e viajantes na edição nº 77 da ComCiência)

Thursday, 10 April 2014

Herman - Relato ClimBAP-INAU

Este é nosso relato da experiência de pesquisa de campo em São Pedro de Joselândia, pertencente ao município de Barão de Melgaço/MT no pantanal mato-grossense, se insere numa pesquisa de caráter qualitativo sobre as "Manifestações artísticas e os processos de etnoaprendizagem nas comunidades de áreas úmidas" que, por sua vez, pertence ao escopo do projeto "Ciência na Reinvenção Educomunicativa". Tem como objetivo investigar o estado da arte dos saberes e fazeres intrínsecos ao universo da viola-de-cocho no pantanal mato-grossense supondo-se que:
  • Há condições e contextos muito específicos no recorte temporal e territorial que referem e são referidos desde a confecção deste instrumental musical (unicidade, univocidade, unidade...) até os momentos em que ele é requerido como suporte às manifestações artísticas de caráter religioso em que pese a indissociabilidade entre sacro e profano;
  • Estas condições e contextos têm sido modificados ao longo do tempo, mas principalmente nos últimos 60 anos por conta de profundas modificações ecossistêmicas face às pressões do capitalismo que, por sua vez, se manifesta na perda do direito à cidade conforme preconiza Lefebvre (1969).
A metodologia utilizada nesta investigação é de cunho fenomenológico (MERLEAU-PONTY, 1971) e implica em mergulhos e diálogos junto às pessoas ligadas ao universo da viola-de-cocho, sobretudo em relação à percepção de, ao menos, dois processos em trânsito neste saber-fazer. O primeiro de caráter estritamente educativo que implica numa pedagogia musical da qual já temos algumas notícias tanto na literatura (CONDE; NEVES, 198[4]; PRASS, 1996; ARROYO, 1998; OLIVEIRA, 2009) quanto em relação a nosso informante Galasso. O segundo, relativo à percepção sobre Trabalhos Ecossistêmicos de Cultura e Provisão na medida em que seus elementos constituintes estejam em franca e rápida modificação em virtude das Mudanças Climáticas.

Cabe ressaltar que a separação entre o ambiente educativo e o ambiente ecossistêmico (chamemos assim) foram separados neste primeiro momento apenas para efeito de entendimento do que está em jogo, não havendo separação real entre a pedagogia musical do saber-fazer (confecção e execução) da viola-de-cocho e os trabalhos ecossistêmicos que ela implica.
Em relato de campo anterior, aventamos a hipótese (que vai se confirmando) acerca da pressão dos sistemas urbanos sobre a ruralidade e que, em virtude da hegemonia de uma lógica capitalista, vem aos poucos perdendo espaços simbólicos e naturais. Entre outros motivos, mas evidentemente em virtude do isolamento territorial, São Pedro de Joselândia é provavelmente um dos refúgios de formas de saber, conhecer e fazer que remontam à pré-modernidade e onde se revelam relações sustentáveis numa perspectiva comunitária e das relações que se constroem no enredamento da comunidade: comunicação, compartilhamento de códigos que implicam numa observância mais estrita da linguagem para a estabilidade da comunidade (BAUMAN, 2003). Ora, se atentarmos para alguns pontos dos Trabalhos Ecossistêmicos veremos que os elementos constituintes do bem-estar humano (MILLENNIUM ECOSYSTEM ASSESSMENT, 2005) apontam para:

  • Segurança;
  • Materiais básicos para uma boa vida;
  • Saúde; e
  • Boas Relações Sociais.
Ainda que os sistemas urbanos pressionem fortemente a comunidade é possível perceber índices que resistem na perspectiva da re-existência de Porto-Gonçalves (2004) e que se traduzem na manutenção da temporalidade e de um sentido de identidade em relação com o lugar, portanto também em manutenção de continuidade de uma territorialidade (HAESBAERT, 2005). Neste caso, territorialidade subjacente ao valor de troca enquanto relação simbólica e de significados entre sujeito e lugar, lembrando que essas relações não são exatamente estáveis nem homogêneas, mas variam em função da forma como cada indivíduo percebe e recepciona os sistemas urbanos aventados acima.
Esses sistemas urbanos podem ser observados em pequenas modificações de comportamento, por exemplo, na medida em que Cururu e Cururueiros perdem a primazia e centralidade da festa (pra não dizer a univocidade) para dar lugar ao "baile". Ora, num passado não muito distante (20 a 30 anos), a festa era realizada apenas com viola de cocho, ganzá e adufe[1], com cururu e siriri. Esta relação estaria intimamente associada ao catolicismo popular e ao domínio de beatos, padres leigos, tiradores de reza enquanto herdeiros de tradições medievais pré-modernas (LE GOFF, 1996). A perda deste status ocorre concomitante à dessacralização da natureza onde os trabalhos ecossistêmicos nas comunidades biorregionais (SATO, 2005) são mais sentidos e mais intrínsecos. Até onde esta pesquisa alcança, em termos metodológicos e epistemológicos, não há nenhuma possibilidade de ferir um trabalho ecossistêmico e seus elementos constituintes isoladamente, ou seja, sem que uma cadeia de modificações se opere entre si, ainda que a perda possa ser maior ou menor em cada grupo, elemento ou situação específica.
Se a viola-de-cocho apenas estivesse inserida em determinado espaço e tempo como mero objeto ela não participaria ativamente das dinâmicas que a cercam, mas seria apenas e tão somente um estar ali sem possibilidades de alcançar e, portanto, constituir-se como e no ali-agora de Benjamin (2012)Oras, há um elemento vivo no objeto, que é tomado de empréstimo pelos sujeitos que o empunham, do e no próprio contexto espaço-temporal e que o aproxima de um aqui-agora aurático na perspectiva de Benjamin (2012). Se pudermos criar uma analogia entre o "aqui-agora" de Benjamin e a educação ambiental no viés antropofágico oswaldiano será possível observar de maneira bastante crítica e eficaz a maneira como se constituíram ou mesmo ainda se constituem os processos de dessacralização da natureza, enquanto ruptura das condições relacionais humano-natureza dentro do sistema de troca-dádiva (MAUSS, 2001).


[1] Instrumentos musicais da ordem dos: cordofones, idiofones e membranofones, respectivamente. Geralmente fabricados por pessoas das comunidades ligadas às manifestações artísticas citadas aqui e que são, por óbvio, sujeitos desta pesquisa. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARROYO, Margarete. Representações sociais sobre práticas de ensino e aprendizagem musical: um estudo etnográfico entre congadeiros, professores e estudantes de música. Tese submetida como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Música. Porto Alegre: UFRGS, 1999.

BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Trad.: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. 1 reimpr. Porto Alegre: Zouk, 2012.

CONDE, Cecília; NEVES, José Maria. Música e educação não-formal. Pesquisa e Música: Revista do Centro de Pós-Graduação do CBM. Rio de Janeiro, v.1, n.1, pp.41-52, 1984/85.

HAESBAERT, Rogério. Da Desterritorialização à Multiterritorialidade. In: X Encontro de Geógrafos da América Latina, 2005, São Paulo. Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina, 2005. p. 6774-6792.

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LE GOFF, Jacques. História e memória. 4ª ed. Tradução de Bernardo Leitão et. al. Campinas: UNICAMP, 1996. Título original: Storia e memória.

MAUSS, Marcel. O ensaio sobre a dádiva. Rio de Janeiro: Edições 70, 2001.

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SATO, Michèle. Biorregionalismo. In: FERRARO, L. (Org.) Encontros e caminhos - Formação de educadores(as) ambientais e coletivos educadores. Brasília: Diretoria de Educação Ambiental, MMA, 2005.

WISNIK, José Miguel. O som e o sentido. Uma outra história das músicas. 2º Ed. 5ª reimp. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

Friday, 28 March 2014

Relato de Pesquisa - Ecotécnicas em Joselândia

2o Relatório de Campo em São Pedro de Joselândia
26 a 27 de março de 2014
Júlio Corrêa de Resende Dias Duarte



A 2o viagem à São Pedro de Joselândia, distrito de Barão do Melgaço, na região do Pantanal Mato-grossensse, foi realizada por três pesquisadores do Grupo GPEA/UFMT, nos dias 26 e 27 de março de 2014. O principal objetivo do grupo foi dar prosseguimento ao projeto Áreas Úmidas do INAU e Escolas Sustentáveis, em parceria com a WWF. Do ponto de vista individual, os principais objetivos foram:

A) Coordenar projeto de ecotécnicas na Escola Estadual Maria Peixoto de Moura;

B) Realizar entrevistas com residentes e pesquisadores sobre a percepção ambiental do pantanal e suas relações com diferentes formas de mobilidade;

Os dois objetivos foram alcançados de foram satisfatória. A reunião do Projeto iniciou às 13 horas do dia 26 de março, na Escola Estadual, tendo como participantes de cerca de 20 professores, incluindo o atual Diretor. Eu iniciei os trabalhos relatando o cronograma de trabalho daquela tarde. Também discorri sobre os próximos passos do Projeto, que está planejado para ocorrer em um prazo de 4 meses, nas quatros etapas a seguir;

1a Visita (fev/14) Orientar sobre a importância das Ecotécnicas, mostrar diversas possibilidades de intervenção, organizar quatro grupos de trabalho e iniciar o planejamento de cada grupo;

2a Visita (mar/14) Apresentar o planejamento finalizado por parte dos grupos; Auxiliar na finalização deste planejamento; Avaliar as propostas de trabalho, o cronograma e principalmente os Orçamentos;

3a Visita (abr/14) Entrega dos materiais necessários; Planejamento da Execução; Planejamento da Confraternização;

4a Visita (maio/14) Execução das Ecotécnicas; Avaliação dos trabalhos e Produção de um Relatório;

Em seguida, os grupos apresentaram suas propostas que foram amadurecidas por todos os presentes, sob a minha orientação, da Regina Silva e da Michelle Jaber. As propostas finais foram:

  • Cortina Verde, visando proporcionar maior conforto térmico às salas de aula;
  • Ecofiltro,  para um melhor tratamento da água;
  • Garagem com Telhado de Grama, para estacionar o ônibus escolar e também servir como uma Sala de Aula ao ar livre;
  • Sala Cultural, construída a partir da técnicas tradicionais locais de paredes de barro, telhado de palha trançada, entre outras.

Por último, os orçamentos foram avaliados. A combinação feita foi de que todos os materiais que devem ser comprados em Cuiabá são de responsabilidade dos integrantes do GPEA e aqueles que podem vir da própria região serão providenciados pelos professores da Escola. O prazo final para o envio da lista de materiais e orçamento finalizado ficou estabelecido no dia 02 de abril. Depois desta data, os materiais serão comprados e enviados à Escola. A próxima visita ficou agendada para os dias 23 e 24 de abril.

Com relação ao segundo objetivo individual estabelecido, a viagem também foi bem sucedida. Foi a segunda imersão no local de campo a ser estudado. Foram realizadas 3 entrevistas durante o final de semana, além de inúmeras observações anotadas no caderno de campo. A primeira entrevista foi realizada com o dono da Pousada em São Pedro, que também foi o piloteiro do barco no trajeto do Porto Cercado à São Pedro. As outras duas foram feitas com as duas pesquisadoras do GPEA Regina Silva e Michelle Jaber.

Monday, 10 March 2014

Elizete Gonçalves - Relato de Pesquisa- Climbap


Começo de conversas

A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.
Eduardo Galeano

As travessias que fizemos para chegar a Comunidade de São Pedro de Joselândia, distrito de Barão de Melgaço, despertou deslumbramentos pela águas pantaneiras, pela paisagem, pelos pássaros e pelas pessoas. A comunidade pantaneira com seus olhares, falas, sonhos e dificuldades desperta a curiosidade pela sutileza das cheias e vazantes do Pantanal, de gente simples e trabalhadora que vive sua temporalidade de acordo com o caminhar das águas, a terra que se mistura com a água e forma o barro, as bacias.
Nossa ida a comunidade de São Pedro de Joselândia se deu no dia 21 de fevereiro de 2014, logo depois de passarmos um dia (20/02) na Base Avançada de Pesquisa da UFMT em Porto Cercado na Reserva  Particular do Patrimonio Natural RPPN/Sesc Pantanal. Onde realizamos uma expedição de barco pelo rio, para reconhecimento e contemplação das águas pantaneiras e animais, acabamos por visualizar algumas aves, macacos.
A pesquisa realizada pelo GPEA/UFMT, com as pessoas da comunidade possibilitam a expressão da sua cultura, olhares, saberes, pedir ajuda  e esperanças de dias melhores para seus filhos através da pesquisa, das entrevistas, das conversas que interagem entre pesquisadores e sujeitos.
E a Educação Ambiental traz a oportunidade do caminhar pesquisador frente a interação humano-ambiente, da sensibilidade, do empoderamento politico e dos saberes populares com a ciência. De saberes que conectam-se com o saber cientifico quando estes reconhecem similaridades, diferenças e valores.

 Relatos e Vivências na Comunidade de São Pedro de Joselândia

Para saber um pouco mais da comunidade e da Escola, fizemos uma roda de conversas com os alunos do Ensino Médio, por volta de 21 jovens, a dizerem o que entendiam de ser Jovem e Ambiente, e  a relatar suas vivências. No inicio um pouco timidos, realizei dinâmicas de interação com o grupo, primeiro cada um dizia o seu nome e o nome dos colegas que falaram antes dele/dela e os apresentavam. E depois uma dinâmica para deixar o grupo a vontade, e mesmo assim mostravam-se relutantes de expressar suas ideias e sentimentos pela oralidade. Então fomos para a escrita, e conseguiram desenvolver suas ideias e relatar suas vivências.
            Começamos com a chuva de ideias (brainstorming) para conceituar Jovem e Ambiente e vieram ideias, frases, palavras como esta: “ser jovem é ter um corpo bonito”, “ter disposição para fazer as coisas”, “viver bem”, “ter beleza”, “casa”, “natureza”, “verde” e a intenção era que tod@s falassem das suas ideias. A partir da chuva de ideias, começamos com a “Oficina de Futuro” (Brasil, 2012), método utilizado por grupos de jovens que trabalham com a temática “Juventude e Meio Ambiente”, que consiste nas etapas diagnóstica de “árvores dos sonhos”, “pedras no caminho” e o Jornal Mural: viagem ao passado e ao presente; e a construção de um projeto coletivo para a Escola. Como a Escola já tem a Comissão de Qualidade de Vida e Meio Ambiente (Com-vida), não me atei a chegar na construção de um projeto coletivo pelos estudantes presentes, foi mais na intenção de conversar, relatar, conhecer, compreender os sonhos, os dilemas, a história da comunidade pela voz dos jovens.  Geralmente os jovens, não conseguem ter espaços de voz e protagonismo, e os jovens de Joselândia me revelaram que na propria Escola, pouco são ouvidos e pró-ativos nas pendências escolares. A oficina foi um momento aos jovens presentes do Ensino Médio de relatarem sonhos e dificuldades do cotidiano da escola e comunidade. E colocaram caminhos para os sonhos e alavancas para moverem as pedras.
Escritas dos jovens[1] a partir da  pergunta “Quais são os seus sonhos para a Escola e a Comunidade?
*      Meu sonho para a Escola é fazer uma quadra poliesportiva. E para a Comunidade uma praça e um posto de saúde;
*      O meu sonho para a minha Escola é que os alunos ajudem no cuidado da escola e não risquem a parede. E para a comunidade, eu queria um salão de festas, para fazer formaturas, aniversários, etc;
*      Um sonho para a Escola é ter uma quadra de futebol e uma sala de música. O sonho para a Comunidade é ter uma delegacia de Policia, ter um posto de gasolina;
*      O sonho é melhorar os quadros e as salas de aula. Para a Comunidade ficar melhor, precisamos de caminhão de lixo e outros;
*      Meu sonho é ter uma quadra de basquete. Para todos que quiserem jogar e aprender. Seria perfeito para a Comunidade saber que nesta Escola tem uma quadra de basquete para seus filhos jogarem;
*      O meu sonho para a Escola é que reforme e façam uma quadra na Escola. Para a comunidade é que faça um Campo de Aviação melhor, façam uma praça, e antenas de celulares, etc;
*      Na Escola mais estrutura, mais Educação. Queria que tivesse internet total. Torres da vivo, claro e tim etc. Na comunidade precisam de telefone, aqui não tem linha de telefone;
*      Uma quadra de futebol;
*      Bom para a Escola no momento a Reforma. Já para a Comunidade no momento a melhora das estradas;
*      Meu sonho para a minha Escola é que tivesse uma quadra etc. E meu sonho para a Comunidade é ter uma estrada melhor e também uma delegacia etc.;
*      Meu sonho é que na Escola tenha sala de informática para nós aprendermos melhor sobre computadores, e também melhores professores para dar aulas com capacidade de aprendermos melhor. Na Comunidade praças, ruas melhores, antenas de celular, posto de saúde;
*      Meu sonho para a Escola é fazer uma quadra. Na nossa comunidade é ter uma praça e  um Posto de Saúde melhor;
*      Meu sonho é que a Escola tivesse uma piscina, para podermos divertir, tomar banho e fazer um monte de coisas;
*      O meu sonho para a Escola é ter uma quadra para a gente se divertir; E para a Comunidade é ter asfalto para a estrada ficar melhor;
*      Desejo uma quadra para nós os alunos iria ser muito bom, se tivesse uma quadra na escola;
*      O meu sonho para a Escola é uma quadra de futebol. E para a Comunidade precisa de uma estrada segura e asfaltada, para a comunidade chegar na cidade;
*      Uma quadra de futebol para nossa Escola, para ter alguma diversão na Escola;
*      Meus sonhos: uma quadra iria ajudar bastante, por que a gente tem que fazer Educação Fisica no sol, e uma quadra iria ajudar bastante. Para a Comunidade uma praça;
*      Para a Escola eu achava que devia ter uma quadra ajudaria os alunos a ter mais diversão e tranquilidade e eu acho que todos ficariam felizes. E um Hospital decente;
*      Para minha escola eu queria uma quadra, uma sala de informática. Por que aqui na nossa Comunidade não tem nada disso, tem a sala de informática, mas não é suficiente para todos e também falta muita merenda na escola.

E depois perguntei “Quais as pedras no caminho para os nossos sonhos”?

*     O problema que atrapalha é a falta de dinheiro e falta de união;
*     É dinheiro;
*     As pedras no caminho que ficam nos sonhos é a prefeitura e outras pessoas etc.;
*     Bom as pedras no caminho são a falta de mais recursos para a nossa Comunidade e para a Escola. Recursos como: mais profissões na comunidade;
*     O que atrapalha esse sonho é a falta de dinheiro, a falta de união e a falta de um prefeito melhor;
*     As pedras no caminho é que não temos telefone aqui;
*     O que atrapalha é quase tudo, a estrada, os recursos etc.;
*     Na minha opinião a educação tem que melhorar um pouco para que não nos prejudique no futuro. Mas não estou dizendo que está ruim o nosso aprendizado;
*     Eu acho que tem de melhorar muitas coisas como a Educação e muitas outras coisas. Como ter uma faculdade para que os alunos quando terminar os estudos, não precisem ir para Cuiabá fazer faculdade;
*     O problema que atrapalha nós conseguirmos o que queremos é a falta de dinheiro, humanidade, prefeito que preste, estrada. Na escola falta comida, materiais;
*     O que atrapalha é que as condições financeiras são muito poucas;
*     Aqui tem muito pouco de dinheiro, por isso;
*     O problema é que os diretores nunca tem verbas;
*     A economia da Escola que é baixa;
*     Para a quadra na Escola dinheiro e um prefeito que nos ajude, e para a praça dinheiro e prefeito não ajuda;
*     O que atrapalha é a falta de dinheiro da Escola e falta de pessoas qualificadas dirigindo o governo;
*     O que atrapalha é a falta de união, há muita desunião, brigas, ninguém confia em ninguém.

            Em relação a etapa do Jornal Mural- viagem ao passado e presente, os jovens sentiram muitas dificuldades para escrever e falar sobre a História da Comunidade e da Escola, e da própria cultura. Conseguiram esboçar fragmentos como festa de São Pedro, que os primeiros habitantes do  lugar eram os índios, que comiam carne de gado, revirado, que há cheias e seca no pantanal. E terminamos por avaliar a oficina com três perguntas:
*      Que bom!! J
*      Que tal!!!! K
*      Que pena!!!! L
Não sei se por recato, e timidez com a pesquisadora, conseguiram expressar que gostaram da oficina, de poderem falar o que pensam, de mudarem a formação das cadeiras na aula, e das dinâmicas. E quando indaguei do que poderia melhorar na oficina, do que não foi bom, houve apenas silêncios.




Fig. 1 Oficina “Juventude e Ambiente” com alun@s do Ensino Médio da E.E. Maria S. Peixoto Moura.


Considerações Finais

Se os sonhos podem ser traduzidos como vida real, é possível, pois, inverter a ordem e compreender que a vida é também tradução do sonho. (SATO E PASSOS, 2006, p. 20).

A caminhada passageira pela comunidade de São Pedro de Joselândia imprimiu-me olhares pantaneiros, o deslumbramento com as águas pantaneiras e seus seres vivos a incluir os humanos.  A pesquisa do GPEA na comunidade encanta na construção coletiva, na interação e respeito com a comunidade, e promove caminhos sustentavéis que impulsinam os sonhos da comunidade e dos próprios pesquisadores.




[1] Correções ortográficas foram feitas para melhor compreensão dos textos dos jovens. 


Referência Bibliográfica

Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Formando Com-vida, Comissão de Meio Ambiente e Qualidade de Vida na Escola : construindo Agenda 21 na escola / Ministério da Educação, Ministério do Meio Ambiente. - 3. ed., rev. e ampl. – Brasília : MEC, Coordenação-Geral de Educação Ambiental, 2012.


SATO, M.; PASSOS, L. A. Pelo prazer fenomenológico de um não-texto. GUIMARÃES, M. (Org.) Caminhos da educação ambiental – da forma à ação. São Paulo: Papirus, 2006.