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Encontro de Educação deve abrir novo horizonte para as lutas antimercantis e a escola unitária
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Encontro de Educação deve abrir novo horizonte para as lutas antimercantis e a escola unitária
ESCRITO POR ROBERTO LEHER |
SEGUNDA, 28 DE JULHO DE 2014 |
O Encontro Nacional de Educação (ENE) está planejado para acontecer no Rio de Janeiro, nos dias 8, 9 e 10 de agosto de 2014. É empolgante constatar que diversos encontros preparatórios estão motivando debates (e a organização de caravanas) em todo o país, literalmente de norte a sul e de leste a oeste, convocados por sindicatos, movimentos sociais, setores universitários e coletivos estudantis. Tive a oportunidade de acompanhar alguns desses encontros e constatar o quanto o recente ciclo de lutas pela educação pública elevou a consciência da juventude e dos trabalhadores da educação. A formação da consciência na prática das lutas e em virtude do adensamento teórico do significado da luta pela educação pública no capitalismo dependente, no contexto de inédita ofensiva do capital sobre todas as esferas da educação, sugere que está em curso um processo ainda subterrâneo que poderá irromper no espaço público lutas de novo tipo para retirar a educação da esfera mercantil.
As ásperas greves dos trabalhadores da educação básica, sobretudo a partir de 2011, superando 15 estados e centenas de importantes municípios, a original e vigorosa greve da educação federal em 2012, as Jornadas de Junho de 2013, com incontáveis consignas de que educação não é mercadoria, as novas greves massivas da educação em 2013 e o espraiamento de lutas diversas pela educação pública em 2014 confirmam que algo novo está em curso nessas lutas.
Embora convocadas a partir de pautas econômico-corporativas, uma necessidade objetiva diante dos salários famélicos e da inclemente precarização do trabalho, tais lutas estão indissoluvelmente conjugadas a agendas antimercantis e em prol de um novo horizonte para o porvir da educação pública. De fato, no curso das greves, sobressaiu o enfrentamento parcial e localizado dos pilares sobre os quais estão assentadas as ações dos governos e das corporações contra o público, como a dita meritocracia, a avaliação centralizada, a conversão da educação em serviço, a expropriação do trabalho docente e a ressignificação do conhecimento como competências operacionais à formação de capital humano, medidas que, em resumo, negam o acesso ao conhecimento das crianças e jovens da classe trabalhadora.
Nessas lutas, ecoaram a busca do sentido do trabalho e a insatisfação com a ordem neoliberal imposta à educação que frustra gerações de educadores que lutaram contra a ditadura empresarial-militar e em favor de um novo capítulo na história da educação brasileira, no qual o país poderia experimentar a educação como prática da liberdade, forjando a escola unitária autônoma frente aos credos religiosos, aos interesses particularistas do capital e aos governos a seu serviço. Educação que recusa a disjunção entre pensar e fazer e mandar e obedecer.
Um aspecto a destacar é que todas foram protagonizadas pelas entidades de base, sem a mediação concreta do topo burocratizado da pirâmide da estrutura sindical (Confederações e Centrais). O afastamento das entidades gerais, contraditoriamente, garantiu a ampla participação da base, pois a cúpula sindical não conseguiu frear a disposição de luta dos trabalhadores.
Outra expressão política da maior importância foi a luta do MST e da Via Campesina contra o fechamento das escolas do campo, perto de 40 mil no último decênio, comprovando que o agronegócio requer mais e mais expropriações, provocando o esvaziamento da vida social e política no campo, objetivando suprimir as resistências dos setores que lutam pela soberania alimentar, situação evidente na interrupção da reforma agrária.
Entretanto, o fato de as greves estarem circunscritas às entidades de base e, ainda, de que as ações dos sindicatos pouco interagiram com os movimentos sociais (e vice-versa) dificultou a visibilidade nacional dessas lutas. E, mais grave, impossibilitaram o enfrentamento da política encaminhada pelos setores dominantes, organizados no Todos pela Educação (TPE), na Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), no Sistema S e nos fundos de investimentos. Também obstaculizaram o combate aos fundamentos das políticas dos governos que incorporaram a agenda do capital, como o governo Lula da Silva no Plano de Desenvolvimento da Educação, em 2007, no Plano Nacional de Educação (agenda presente na maioria dos estados e municípios brasileiros) e nas políticas de financiamento estatal ao setor privado-mercantil.
De fato, a debilidade da luta contra o teor do Projeto de Lei do Plano Nacional de Educação elaborado com o propósito de diluir o público em prol do privado-mercantil e de implementar, agora na forma de Lei, a agenda do TPE, dos sindicatos patronais (Sistema S) e dos fundos de investimentos, expressou, de modo grave, os limites organizativos e políticos dessas importantes lutas.
Essas constatações críticas não reduzem o enorme alcance do recente ascenso de lutas. Concepções intensamente discutidas nos anos 1980, como a politecnia, buscando assegurar a todos os que possuem um rosto humano uma formação omnilateral originada nas experiências da Comuna de Paris (1871) e teorizada por Marx na Mensagem à AIT e na Crítica ao Programa de Gotha e que, de modo polissêmico, estiveram presentes nas principais lutas dos trabalhadores dos séculos XIX e XX, estão sendo recriadas nos tempos atuais. É possível encontrar lampejos dessas lutas pretéritas, orientando e motivando as lutas que transtornam as instituições educacionais não apenas no Brasil, como visto recentemente nas lutas dos estudantes chilenos e dos trabalhadores da educação portugueses, espanhóis, gregos e estadunidenses.
Essas concepções ecoaram também nas jornadas de lutas das universidades e da educação profissional, encaminhadas na Associação Nacional dos Docentes (ANDES-SN), na Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-Administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas (FASUBRA), no Sindicato Nacional dos Servidores Federais (SINASEFE) e nos coletivos dos estudantes. Nestas lutas, ganhou centralidade o enfretamento ao controle do que é dado a pensar na universidade pelas corporações e pelo Estado a serviço destas, como na Lei de Inovação Tecnológica; à tentativa de abreviar os cursos de graduação (nos moldes do processo de Bolonha); à intensificação alienante do trabalho; ao caráter precário e incipiente da assistência estudantil; e aos mecanismos forjados pelo Estado para submeter o trabalho aos seus mecanismos de regulação e controle, negando o pluralismo e a liberdade de pensamento.
Esses foram precisamente os eixos das lutas em defesa da carreira docente em 2012.
Sobressaiu, nesse contexto, a pergunta que motivou a convocação do ENE: como articular os sindicatos de base, os movimentos sociais, os setores acadêmicos comprometidos com a educação pública e os coletivos estudantis, objetivando elaborar uma agenda própria para a educação da classe trabalhadora e construir a unidade de ação sem ficar preso à burocracia sindical há muito convertida em aparatos de suporte das políticas a serem combatidas?
A construção de um espaço democrático, horizontal, aferido por consensos, a partir dos movimentos de base, como está sendo pensado o ENE, é um imperativo da realidade. Com o novo PNE (Lei 13.005/2014) foi aberta a porteira para novos e maiores repasses de recursos públicos para as corporações. A nova Lei permitirá parcerias público-privadas ainda maiores do que as subjacentes ao processo de monopolização da educação superior privada, agora sob controle do setor financeiro, por meio do ProUni e do FIES, este último abrangendo atualmente a pós-graduação. As vias para a introdução dos vouchers e das escolas charter estão abertas. Com o PNE as principais reivindicações das corporações na OMC foram atendidas e a educação brasileira, de fato, abriu os “portos às nações amigas”.
Nas universidades, a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial ampliará a influência das corporações nas universidades. Assim, a tendência atual de transferências do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico para o controle privado-mercantil igualmente será ampliada progressivamente, ao mesmo tempo em que o processo de conversão das universidades em organizações de serviços e de formação massiva do exército industrial de reserva, nos moldes do processo de Bolonha, será aprofundado em proporções ainda não conhecidas.
A exitosa experiência do Fórum Nacional em Defesa da Educação Pública (FNDEP) que, entre 1986 e 2005, foi protagonista destacado das lutas pela educação pública, em especial na constituinte, nas lutas pela Lei de Diretrizes e Bases e no Congresso Nacional de Educação, encontrou seus limites nos anos 2000. O esgotamento do FNDEP não se deve apenas ao afastamento das entidades sindicais da base do governo Lula da Silva, como explicitado em 2005 quando estas afirmaram não ter mais consenso com os princípios do Fórum, como a defesa das verbas públicas exclusivamente para a educação pública, visto que defenderam a relativização deste princípio em prol do ProUni, do FIES e das OSCIPS.
A conjuntura atual não é a mesma dos anos 1990. As ações das corporações e dos setores dominantes não possuíam a mesma centralidade de hoje, inclusive pelo fato de que atualmente seus interesses estão aninhados nos bastiões de poder do Estado. Diante da nova realidade, novas formas de luta são necessárias. Por tudo isso, a tarefa imediata de todos os que lutam pela educação pública unitária, universal, gratuita e laica é envidar os melhores esforços de cada entidade e coletivo na construção do ENE.
Os desafios são muitos: agregar as lutas dispersas, definir uma agenda nacional, elaborar uma agenda para a educação pública que expresse os anseios dos trabalhadores, construir meios de difusão das propostas para a educação pública popular por meio de jornais, linhas editoriais, meios eletrônicos, simultaneamente com a organização de jornadas nacionais de luta. Desafios de enorme monta, imprescindíveis e apaixonantes!
Para informações sobre o ENE, ver:
Nota:
Leia também:
Roberto Leher é Professor Titular de Políticas Públicas em educação da Faculdade de Educação da UFRJ e de seu Programa de Pós-Graduação, colaborador da ENFF e pesquisador do CNPq.
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