Thursday, 31 July 2014

Mudança climática: o que o Brasil pode fazer já

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Mudança climática: o que o Brasil pode fazer já

Mar de coletores solares em cidade chinesa -- onde há esforço notável para produzir energia limpa. Em em 2010, graças a subsídios públicos, 120  milhões de famílias já usavam tais painéis, produzidos por cinco mil empresas, por cerca de R$ 450
Mar de coletores solares na China. Em 2010, graças a subsídios públicos, 120 milhões de famílias já usavam tais painéis, produzidos por cinco mil empresas, por cerca de R$ 450
Promover energias solar e eólica. Construir ferrovias e metrôs. Veja como multiplicam-se alternativas viáveis — desde que questionemos mito interesseiro da impotência social
Pela Abong, em seu site
Desde o início da hegemonia neoliberal, tornou-se um hábito justificar a continuidade da situação existente ou das políticas em curso pela ideia de que “não há alternativa”. É uma ideia que não precisa de provas: é afirmada como um dogma de fé. No entanto, em nenhum período da história este fenômeno – a falta de alternativas – aconteceu. O Império Romano caiu, a Idade Média acabou, o III Reich – “de mil anos” – foi derrotado, as próprias teses neoliberais ruíram com a crise mundial de 2008.
Todos se lembram da famosa afirmação, repetida por todos os governos e ideólogos até a eclosão da crise, de que o Estado não tinha mais recursos para os gastos com saúde, educação, aposentadoria, etc. No entanto, quando os grandes bancos e multinacionais quebraram, foi o Estado que os salvou, com os recursos que, supostamente, não existiam. Descobrimos, na ocasião, que estes recursos eram muito maiores do que qualquer um de nós, leigo, poderia imaginar: trilhões de dólares públicos foram usados para salvar instituições privadas, as mesmas que haviam causado a crise.
Traduzindo: há sempre alternativas. Os que negam sua possibilidade são aqueles que ganham com a continuidade do que já existe.
O mesmo se pode dizer da atual crise ecológica. As pessoas comuns sabem que estamos vivendo uma situação extremamente grave, que não tínhamos antes: sabem-no através dos jornais – falados, escritos, televisados – e também por experiência própria, em razão dos eventos extremos que têm nos atingido. Desde chuvas e inundações extraordinárias, capazes de destruir cidades inteiras, até secas prolongadas, inclusive na Amazônia, assim como longos períodos de temperaturas fora do comum.
O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC – sigla em inglês), constituído por 2.500 cientistas de todo o mundo, tem nos advertido repetidamente, com dados cada vez mais precisos, de que a humanidade está caminhando para o desastre – se não tomarmos logo providências, se não mudarmos o modelo de desenvolvimento que temos hoje. No entanto, os governos parecem viver em outro mundo: não sabem ou não querem saber de crise ecológica, de mudanças climáticas, de aquecimento global. A cada reunião internacional, as decisões tomadas são mais distantes daquelas que são necessárias.
Mas há alternativas, são viáveis e todo governo é capaz de implementá-las. Melhor: elas são mais viáveis que as políticas atualmente em curso, elas são mais baratas do que o que se está fazendo e são mais saudáveis do que o que vivemos hoje. Elas são a solução para muitos problemas atuais. Vamos ver alguns exemplos.
Estamos vivendo uma crise de energia elétrica, causada por insuficiência de chuvas. Para fazer face às dificuldades, o governo apela para as termelétricas, que são mais caras e mais poluentes. No entanto, haveria uma solução muito mais barata e eficaz para enfrentar a instabilidade das chuvas. Seria a utilização de uma fonte que o Brasil tem de sobra, muito mais que qualquer país do Norte: o sol. O Brasil poderia continuar usando a energia hidrelétrica que tem, mas poderia complementá-la com a energia solar, porque nós temos sol o ano inteiro, numa proporção que poucos países no mundo têm. Dados do Atlas Solarimétrico do Brasil indicam que, dada a média anual de radiação, se apenas 5% dessa energia fosse aproveitada, toda a demanda brasileira por eletricidade poderia ser atendida1.
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O sol é uma fonte gratuita e durável. Só precisa de alguns equipamentos para gerar energia. Estes equipamentos, se produzidos em quantidade, se tornam baratos e perfeitamente acessíveis. Lester Brown, especialista na temática, revela que, na China, em 2010, cento e vinte milhões de famílias já usavam aquecedores solares, que eram produzidos por cinco mil empresas e cujo custo correspondia a 150 euros (algo como 450 reais)2. Se o país quisesse, poderia propor às empresas que fabricam chuveiros elétricos que produzissem aquecedores solares, facilitando empréstimos e abrindo uma linha de crédito para os consumidores. Isto traria uma enorme economia de energia elétrica. Com uma vantagem: depois de instalado o equipamento, o consumidor não gasta nada, a não ser sua manutenção. A fonte, como lembramos, é gratuita.
Poderíamos estabelecer como norma que toda construção (e toda reforma de um prédio) exigisse a instalação de equipamentos captadores de energia solar. Assim como, em algumas estradas do país, a iluminação noturna é garantida por painéis solares, os painéis poderiam cobrir as casas e edifícios e garantir a energia de que necessitam.
Para aqueles que moram no campo, em casas distantes da cidade, a energia solar tem a vantagem de não precisar de longas linhas de transmissão para poder funcionar: cada casa pode ter seu próprio “gerador” de energia.
Mais: o Brasil poderia abrir uma linha de financiamento de pesquisa nas universidades federais para desenvolver a tecnologia da energia solar.
Um segundo exemplo, bem concreto, nestes tempos de Copa do Mundo e de preocupação com a mobilidade urbana. Há grandes cidades no mundo onde, durante a semana, as pessoas não precisam usar carro: elas dispõem de um meio de transporte rápido e seguro, que é o metrô. Além do mais, dispõem de uma ampla frota de ônibus. E o sistema de transporte público é completado por bondes (tramways) na cidade e ferrovias interurbanas. Com isso, é possível deixar o transporte individual para utilização secundária ou para lazer e reduzir radicalmente os engarrafamentos e a perda de tempo nos trajetos diários para o trabalho. Não adianta construir novas vias e viadutos enquanto o número de carros nas ruas não diminuir. Temos de investir em transporte público de qualidade: prioritariamente em trilhos (linhas de metrô cobrindo toda a cidade, bondes, trens interurbanos). E, secundariamente, em ônibus.
Para o transporte entre as cidades e regiões – tanto de pessoas como de mercadorias -, temos de começar a mudar a nossa matriz, priorizando as ferrovias – mais seguras, mais duráveis, capazes de um volume de carga muito maior.
E, nas cidades, facilitar o uso da bicicleta, com ciclovias e normas de trânsito para garantir a segurança dos ciclistas. Há países onde a bicicleta é o meio normal de transporte da maioria das pessoas. E contribui para a sua saúde.
Em suma, se insistirmos no modelo de desenvolvimento que temos hoje, se continuarmos produzindo e consumindo do modo como fazemos hoje, caminharemos para cenários ambientais dramáticos e mudanças climáticas desastrosas. Já estamos assistindo ao princípio destas mudanças, mas tudo se passa como se isso fosse natural e inevitável. Os “mercadores da dúvida” têm tido sucesso: eles têm conseguido manter a incerteza sobre o aquecimento global e sobre nossa responsabilidade quanto a ele3.

1Greenpeace Brasil (www.greenpeace.org.br). [R]evolução energética – a serviço de um desenvolvimento limpo, dezembro de 2010.
2Lester Brown, Basculement: comment éviter l’éffondrement économique et environnemental. Bernin, Souffle Court Éditions; Paris, Rue de l’Échiquier, 2011 (cf.www.earthpolicyinstitute.org).
3Oreskes, Naomi e Conway, Erik M. Les marchands de doute. Ou : Comment une poignée de scientifiques ont masqué la vérité sur des enjeux de société tels que le tabagisme et le réchauffement climatiqueParis, Éd. Le Pommier, 2012 (Os mercadores da dúvida. Ou: Como um punhado de cientistas mascararam a verdade sobre problemas sociais tais como o tabagismo e o aquecimento global).

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