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Expedição inédita sai de Manaus e sobe o Rio Negro para mapear lugares sagrados
Um grupo de índios do Alto Rio Negro chega à cidade, onde se encontra com parceiros de organizações governamentais, não governamentais e universidades para dar início a uma experiência inédita: percorrer o curso do Rio Negro entre Manaus e São Gabriel da Cachoeira, cidade localizada próxima à fronteira Brasil-Colômbia, com o intuito de refazer parte da rota mítica pela qual seus ancestrais alcançaram os territórios onde até hoje vivem. Essa história faz parte de um extenso acervo de narrativas orais compartilhadas pelos grupos indígenas da família linguística tukano, falantes de mais de dez línguas, com cerca de 30 mil pessoas, que vivem nas bacias transfronteiriças dos rios Uaupés e Apapóris.
As notícias sobre a Expedição serão atualizadas no decorrer do percurso, sempre que for possível a comunicação. Acompanhem!
Em Manaus, o embarque do grupo na manhã desta terça, 19/2. Da esq. para a dir. em pé: Aline,Ernesto, Marcelino, Nivaldo, Laureano, João, Geraldo, Arlindo, Marivaldo, Ana Gita, Christine, Guillerno, stephen, Norma, Severiano, Vincent, Jorge; da esq. para a dir. agachados: João Arimar, Erculino, Raoni, Nildo, Higino, Antônio, Miguel, Adelson
A iniciativa é parte de um conjunto de ações que vêm sendo apoiadas por diversas instituições, com destaque para o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e a Foirn (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro), numa parceria de vários anos da qual participa também o ISA (Instituto Socioambiental), e, mais recentemente, o Ministério de Cultura da Colômbia.
A idéia começou de fato a ser gestada em ambos os lados da fronteira, graças aos projetos desenvolvidos há mais de duas décadas pelo ISA no Brasil e pela Fundación Gaia na Colômbia junto aos povos do noroeste amazônico. Mais recentemente, essas experiências levaram à idealização de um programa binacional de Cartografia e Documentação Cultural dos lugares considerados sagrados pelos povos das famílias linguísticas tukano oriental, arawak e maku (saiba mais).
Participam da expedição 18 indígenas das etnias Tukano, Tuyuca, Pira-Tapuia, Bará, Desana, Tariano e Makuna, provenientes dos rios Uaupés, Tiquié e Pirá-Paraná. (veja no final do texto quadro com os nomes de todos os participantes, indígenas e não indígenas). Dentre estes há conhecedores tradicionais, jovens interessados nesses saberes e documentaristas. Também integram a equipe lideranças da Foirn, pesquisadores e técnicos das instituições envolvidas e uma equipe do Vídeo nas Aldeias. A expectativa inicial é produzir um vídeo-documentário sobre esta parte específica do trajeto mais amplo percorrido pela Anaconda ancestral, que, juntamente com outros materiais gerados, servirá de subsídio à consolidação e desenvolvimento desse programa binacional de cartografia e documentação dos lugares sagrados.
Narrativas de origem
Referidos em suas narrativas de origem e em encantações que os xamãs proferem em cerimônias de cura e proteção, estes locais a serem visitados possuem um alto valor cultural e espiritual, na medida em que guardam a memória e os poderes criativos dos tempos da origem do mundo e da humanidade. Os povos tukano em particular, aos quais pertencem os velhos conhecedores que serão os protagonistas da expedição, contam que seus primeiros ancestrais surgiram no extremo leste da terra, num local chamado Lago de Leite – hoje alguns dizem que este local fica na foz do Rio Amazonas; outros o identificam com a Baía da Guanabara.
Criados pelo Avô do Universo e vivendo inicialmente em forma de peixe (wai mahsã, “gente-peixe”), estes primeiros ancestrais chegaram aos rios da Bacia do Uaupés e Apapóris depois de uma longa viagem subaquática a bordo de uma Cobra-Canoa, a Anaconda ancestral (chamada pelos Pira-Tapuia, por exemplo, Pamulin Yuhkusoa, “Canoa de Transformação”).
Segundo os conhecedores, esta viagem propiciou um longo processo de transformação e desenvolvimento, a partir do qual estes primeiros ancestrais puderam lentamente alcançar a forma humana. Por isso, este longo percurso mítico desde o Lago de Leite, no extremo leste, passando pelos rios Amazonas, Negro e Uaupés até alcançar os locais onde hoje vivem, vem sendo chamado de “rota de transformação”.
Estas rotas estão repletas de pontos identificados pelos conhecedores como locais ou malocas onde estes primeiros ancestrais encostaram para descansar, benzer, fazer festa, cerimônia e vivenciar uma série de eventos cruciais para a sua transformação em humanos verdadeiros e para a futura vida de seus descendentes. Conhecidos como malocas ou “casas de transformação”, hoje estes são locais de muito valor, na medida que constituem fontes de potências espirituais e vitalidades mobilizadas pelos xamãs em seus procedimentos de cura e proteção.
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