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http://www.oecoamazonia.com/br/artigos/9-artigos/291-amazonia-a-saida-e-a-floresta-de-alimentos-parte-1
Amazônia: a saída é a floresta de alimentos! – parte 1: vamos aos cardápios
João Meirelles Filho25 de Agosto de 2011
A floresta de alimentos é a grande oportunidade para a Amazônia. Valorizar a floresta em pé, seu valor cultural, ambiental e econômico, em respeito aos povos que nela vivem. O que é a floresta? O índio a vê como shopping-center, tem tudo, oca-oikos; o caboclo, como provedora que complementa suas necessidades a todo momento; o madeireiro e o garimpeiro, como pilhagem, riqueza imediata; o pecuarista e o plantador de soja, como empecilho, dá boa fogueira, e depois, pasto-pra-sempre ou agricultura mecanizada, com mais fogo. O problema é que a visão destes últimos é a que prevalece, pois sucede que este modelo transformou 1/5 da Amazônia em cinzas[1], com pouca serventia para o Brasil.
Na lógica do progresso a qualquer custo, a floresta é inútil e, na maioria dos casos, nem a área de proteção permanente -- APP se respeita. Pesquisas preliminares com minhocas e outros seres microscópicos em florestas de refúgio de gado no Nordeste Paraense mostram que esta floresta é tão pobre quanto o próprio pasto.
E o consumidor, o que acha? Será que ao consumir o bifinho-nosso-de-cada dia o brasileiro considera que um em cada três bifes tem gosto de floresta amazônica queimada? Que cada bifinho, básico, de 250 gramas, significa 3 kg de CO², 3.500 litros de água, mudanças climáticas, caminhões de erosão, perda de biodiversidade e rios de lágrimas a povos tradicionais?
Não, o consumidor não pensa, engole a Amazônia do jeito que o supermercado a embala - mas, esta lógica é suicida! Resmungaria algum arguto observador, admirando-se desta história do achurrascamento da Amazônia. Sim, e qual é a saída? Se não se come carne (de boi), o que se come? Como os quatrocentos mil pecuaristas da Amazônia (pequenos, médios, grandes) viverão? Perguntam outros.
A proposta é simples: comer a Amazônia, devorar a Amazônia, a Amazônia-do-bem, com critério! E que critérios são estes? Primeiro, tem que ser bom pra saúde, alimentos com propriedades funcionais! Segundo, há que ser prazeroso, gostoso, só coisa boa! Terceiro, tem que encher a burra dos povos tradicionais que cuidam da floresta, e dos pequenos agricultores: floresta-bufunfa, ou seja, tem que ter valor, preço, respeito, prazo. Se o BNDES e Banco da Amazônia deram (do jeito que foi, doaram) R$ 2 bilhões aos pecuaristas, por que não dar o dobro às famílias que cuidam das florestas e rios? Quarto, tem que ser incorporado no bandejão do governo, no restaurante industrial das uber-empresas ( que atendem 300 mil refeições por dia, só na região), empresas que apregoam a sustentabilidade em seus relatórios, mas que não praticam na hora de levar o garfo à boca (preferem trazer frango de Santa Catarina, por exemplo).
E a sustentabilidade começa na merenda escolar: meu filho merece açaí com farinha e doce de cupuaçu e suco do camu-camu, e não esta bolacha cheia de gordura trans e salsicha em lata, com suco artificial, escolhida por mentecaptos carunchados em alguma esperta barafunda.
Quinto: tem que ser ético, moral. Não basta ser legal. Sexto, e penúltimo, quase: a Amazônia tá na moda. Como propõe o Senador Cristovam Buarque, vamos Amazonizar o Mundo, adaptemos o mundo à Amazônia e não o reverso, como foi nos últimos 400 anos. Façamos chique a moda de devorar a Amazônia! Chega de sushi de catupiri, kiwi com salmão!
Sétimo critério, prometo, último, tem que resolver o problema da fome. Não dá pra conservar a floresta se não for para quem nela e dela vive. E também melhorar a situação de quem entope as periferias de Manaus e Belém, atraídos pelas armadilhas das zonas francas e perspectivas de boa vida. Periferias de gordos e desnutridos, em tão precária, senão pior situação de quem ficou no interior.
O levantamento do IBGE sobre alimentação, o PNAD, realizado em 2004 e, cinco anos depois, em 2009, mostra que apesar de melhoras na insegurança alimentar, 40,3% dos domicílios da região Norte apresentam insegurança alimentar (nome moderno pra fome, o dobro das regiões Sul e Sudeste). E destes, ¼, ou seja, 9,2% do total, tem insegurança alimentar grave (cerca de três vezes a do Sudeste e quatro vezes a do Sul). Em 2004, era 10,9%. Ou seja, a situação não mudou. O boom econômico não chega na mesa do pobre da Amazônia. Além da piora na alimentação, há outros desafios, como o da monotonia alimentar: o consumo excessivo de farinha de mandioca, algum peixe e eventuais frutas e hortaliças resultam em distorções graves na saúde.
Perdão, esqueci-me, prometo, este é o ú-l-t-i-m-o: valorizar o que é seu! Se a gente da própria Amazônia não se valoriza ao que é seu, como o consumidor das outras plagas vai se interessar? Se o Brasil não valorizar o Brasil, o que será de nós? Cópia da cópia da cópia? Pesquisa científica já existe o suficiente, estão aí o INPA, a EMBRAPA, o Goeldi, a UFPA, a UFAM e outros centros mostrando o caminho e, isto, há décadas. A questão é que, quem define as políticas públicas acredita que o boi é a redenção, que comida regional é coisa sem futuro, que farinha e açaí é comida de pobre. Erraram redondamente, açaí é o ultra-chic!
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[1] São 70 milhões de hectares de florestas e outros ambientes que viraram pasto em menos de quatro décadas. Aliás, esta visão prevalece no Brasil, 2/5 do território são de pastos pra boi. No mundo se passa algo similar, quarenta por cento das terras aráveis são utilizadas para animais, principalmente bois.
Na lógica do progresso a qualquer custo, a floresta é inútil e, na maioria dos casos, nem a área de proteção permanente -- APP se respeita. Pesquisas preliminares com minhocas e outros seres microscópicos em florestas de refúgio de gado no Nordeste Paraense mostram que esta floresta é tão pobre quanto o próprio pasto.
E o consumidor, o que acha? Será que ao consumir o bifinho-nosso-de-cada dia o brasileiro considera que um em cada três bifes tem gosto de floresta amazônica queimada? Que cada bifinho, básico, de 250 gramas, significa 3 kg de CO², 3.500 litros de água, mudanças climáticas, caminhões de erosão, perda de biodiversidade e rios de lágrimas a povos tradicionais?
Não, o consumidor não pensa, engole a Amazônia do jeito que o supermercado a embala - mas, esta lógica é suicida! Resmungaria algum arguto observador, admirando-se desta história do achurrascamento da Amazônia. Sim, e qual é a saída? Se não se come carne (de boi), o que se come? Como os quatrocentos mil pecuaristas da Amazônia (pequenos, médios, grandes) viverão? Perguntam outros.
A proposta é simples: comer a Amazônia, devorar a Amazônia, a Amazônia-do-bem, com critério! E que critérios são estes? Primeiro, tem que ser bom pra saúde, alimentos com propriedades funcionais! Segundo, há que ser prazeroso, gostoso, só coisa boa! Terceiro, tem que encher a burra dos povos tradicionais que cuidam da floresta, e dos pequenos agricultores: floresta-bufunfa, ou seja, tem que ter valor, preço, respeito, prazo. Se o BNDES e Banco da Amazônia deram (do jeito que foi, doaram) R$ 2 bilhões aos pecuaristas, por que não dar o dobro às famílias que cuidam das florestas e rios? Quarto, tem que ser incorporado no bandejão do governo, no restaurante industrial das uber-empresas ( que atendem 300 mil refeições por dia, só na região), empresas que apregoam a sustentabilidade em seus relatórios, mas que não praticam na hora de levar o garfo à boca (preferem trazer frango de Santa Catarina, por exemplo).
E a sustentabilidade começa na merenda escolar: meu filho merece açaí com farinha e doce de cupuaçu e suco do camu-camu, e não esta bolacha cheia de gordura trans e salsicha em lata, com suco artificial, escolhida por mentecaptos carunchados em alguma esperta barafunda.
Quinto: tem que ser ético, moral. Não basta ser legal. Sexto, e penúltimo, quase: a Amazônia tá na moda. Como propõe o Senador Cristovam Buarque, vamos Amazonizar o Mundo, adaptemos o mundo à Amazônia e não o reverso, como foi nos últimos 400 anos. Façamos chique a moda de devorar a Amazônia! Chega de sushi de catupiri, kiwi com salmão!
Sétimo critério, prometo, último, tem que resolver o problema da fome. Não dá pra conservar a floresta se não for para quem nela e dela vive. E também melhorar a situação de quem entope as periferias de Manaus e Belém, atraídos pelas armadilhas das zonas francas e perspectivas de boa vida. Periferias de gordos e desnutridos, em tão precária, senão pior situação de quem ficou no interior.
O levantamento do IBGE sobre alimentação, o PNAD, realizado em 2004 e, cinco anos depois, em 2009, mostra que apesar de melhoras na insegurança alimentar, 40,3% dos domicílios da região Norte apresentam insegurança alimentar (nome moderno pra fome, o dobro das regiões Sul e Sudeste). E destes, ¼, ou seja, 9,2% do total, tem insegurança alimentar grave (cerca de três vezes a do Sudeste e quatro vezes a do Sul). Em 2004, era 10,9%. Ou seja, a situação não mudou. O boom econômico não chega na mesa do pobre da Amazônia. Além da piora na alimentação, há outros desafios, como o da monotonia alimentar: o consumo excessivo de farinha de mandioca, algum peixe e eventuais frutas e hortaliças resultam em distorções graves na saúde.
Perdão, esqueci-me, prometo, este é o ú-l-t-i-m-o: valorizar o que é seu! Se a gente da própria Amazônia não se valoriza ao que é seu, como o consumidor das outras plagas vai se interessar? Se o Brasil não valorizar o Brasil, o que será de nós? Cópia da cópia da cópia? Pesquisa científica já existe o suficiente, estão aí o INPA, a EMBRAPA, o Goeldi, a UFPA, a UFAM e outros centros mostrando o caminho e, isto, há décadas. A questão é que, quem define as políticas públicas acredita que o boi é a redenção, que comida regional é coisa sem futuro, que farinha e açaí é comida de pobre. Erraram redondamente, açaí é o ultra-chic!
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[1] São 70 milhões de hectares de florestas e outros ambientes que viraram pasto em menos de quatro décadas. Aliás, esta visão prevalece no Brasil, 2/5 do território são de pastos pra boi. No mundo se passa algo similar, quarenta por cento das terras aráveis são utilizadas para animais, principalmente bois.
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João Meirelles Filho, mora em Belém, Pará, dirige o Instituto Peabiru e é autor de livros sobre a região - Livro de Ouro da Amazônia (Ediouro, 2003) e Grandes Expedições à Amazônia Brasileira (Metalivros, 2009), e está aprendendo a devorar a Amazônia.
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