Tuesday, 27 August 2013

A importância da imaginação pós-capitalista

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A importância da imaginação pós-capitalista

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David Harvey mergulha no estudo das contradições do sistema e busca alternativas: desmercantilização, propriedade comum, renda básica permanente, gratuidades…
Entrevista a Ronan Burtenshaw e Aubrey Robinson* | Tradução Vila Vudu
Mês que vem completam-se cinco anos que Lehman Brothers foram protagonistas do maior caso de falência de banco na história dos EUA. O colapso sinalizou o início da Grande Depressão – a crise mais substancial do capitalismo mundial desde a 2ª Guerra Mundial. Como entender os fundamentos desse sistema agora em crise? E, com o sistema em guerra contra a classe trabalhadora, sob o disfarce da “austeridade”, como imaginar um mundo depois disso?
Poucos pensadores geraram respostas mais influentes para essas perguntas que o geógrafo marxista David Harvey. Aqui, em entrevista recente, ele fala a Ronan Burtenshaw e Aubrey Robinson sobre esses problemas.
Você está trabalhando agora num novo livro, The Seventeen Contradictions of Capitalism [As 17 contradições do capitalismo]. Por que focar essas contradições? 
A análise do capitalismo sugere que são contradições significativas e fundamentais. Periodicamente essas contradições saem de controle e geram uma crise. Acabamos de passar por uma crise e acho importante perguntar que contradições nos levaram à crise? Como podemos analisar a crise em termos de contradições? Uma das grandes ditos de Marx foi que uma crise é sempre resultado das contradições subjacentes. Portanto, temos de lidar com elas próprias, não com os resultados delas.
Uma das contradições a que você se dedica é a que há entre o valor de uso e o valor de troca de uma mercadoria. Por que essa contradição é tão fundamental para o capitalismo e por que você usa a moradia para ilustrá-la?
Temos de começar por entender que todas as mercadorias têm um valor de uso e um valor de troca. Se tenho um bife, o valor de uso é que posso comê-lo, e o valor de troca é quanto tenho de pagar para comê-lo.
A moradia é muito interessante, nesse sentido, porque se pode entender como valor de uso que ela garante abrigo, privacidade, um mundo de relações afetivas entre pessoas, uma lista enorme de coisas para as quais usamos a casa. Houve tempo em que cada um construía a própria casa e a casa não tinha valor de troca. Depois, do século 18 em diante, aparece a construção de casas para especulação – construíam-se sobrados georgianos [reinado do rei George, na Inglaterra] para serem vendidos. E as casas passaram a ser valores de troca para consumidores, como poupança. Se compro uma casa e pago a hipoteca, acabo proprietário da casa. Tenho pois um bem, um patrimônio. Assim se gera uma política curiosa – “não no meu quintal”, “não quero ter gente na porta ao lado que não se pareça comigo”. E começa a segregação nos mercados imobiliários, porque as pessoas querem proteger o valor de troca dos seus bens.
Então, há cerca de 30 anos, as pessoas começaram a usar a moradia como forma de obter ganhos de especulação. Você podia comprar uma casa e “passar adiante” – compra uma casa por £200 mil, depois de um ano consegue £250 mil por ela. Você ganha £50 mil, por que não? O valor de troca passou a ser dominante. E assim se chega ao boom especulativo. Em 2000, depois do colapso dos mercados globais de ações, o excesso de capital passou a fluir para a moradia. É um tipo interessante de mercado. Você compra uma casa, o preço da moradia sobe você diz “os preços das casas estão subindo, tenho de comprar uma casa”, mas outro compra antes de você. Gera-se uma bolha imobiliária. As pessoas ficam presas na bolha e a bolha explode. Então, de repente, muitas pessoas descobrem que já não podem usufruir do valor de uso da moradia, porque o sistema do valor de troca destruiu o valor de uso.
E surge a pergunta: é boa ideia permitir que o valor de uso da moradia, que é crucial para o povo, seja comandado por um sistema louco de valor de troca? O problema não surge só na moradia, mas em coisas como educação e atenção à saúde. Em vários desses campos, liberamos a dinâmica do valor de troca, sob a teoria de que ele garantirá o valor de uso, mas o que se vê frequentemente, é que ele faz explodir o valor de uso e as pessoas acabam sem receber boa atenção à saúde, boa educação e boa moradia. Por isso me parece tão importante prestar atenção à diferença entre valor de uso e valor de troca.
Outra contradição que você comenta envolve um processo de alternar, ao longo do tempo, entre a ênfase na oferta, na produção, e ênfase na demanda, pelo consumo, que se vê no capitalismo. Pode falar sobre como esse processo apareceu no século 20 e por que é tão importante?
Uma grande questão é manter uma demanda adequada de mercado, de modo que seja possível absorver seja o que for que o capital esteja produzindo. Outra, é criar as condições sob as quais o capital possa produzir com lucros.
Essas condições de produção lucrativa quase sempre significam suprimir a força de trabalho. Na medida em que se reduzem salários – pagando salários cada vez menores –, as taxas de lucro sobem. Portanto, do lado da produção, quanto mais arrochados os salários, melhor. Os lucros aumentam. Mas surge o problema: quem comprará o que é produzido? Com o trabalho arrochado, onde fica o mercado? Se o arrocho é excessivo, sobrevém uma crise, porque deixa de haver demanda suficiente que absorva o produto.
A certa altura, a interpretação generalizada dizia que o problema, na crise dos anos 1930s foi falta de demanda. Houve então uma mudança na direção de investimentos conduzidos pelo Estado, para construir novas estradas, o WPA [serviços públicos, sob o New Deal] e tudo aquilo. Diziam que “revitalizaremos a economia” com demanda financiada por dívidas e, ao fazer isso, viraram-se para a teoria Keynesiana. Saiu-se dos anos 1930s com uma nova e forte capacidade para gerenciar a demanda, com o Estado muito envolvido na economia. Resultado disso, houve fortes taxas de crescimento, mas as fortes taxas de crescimento vieram acompanhadas de maior poder para os trabalhadores, com salários crescentes e sindicatos fortes.
Sindicatos fortes e altos salários significam que as taxas de lucro começam a cair. O capital entra em crise, porque não está reprimindo suficientemente os trabalhadores. E o “automático” do sistema dá o alarme. Nos anos 1970s, voltaram-se na direção de Milton Friedman e da Escola de Chicago. Passou a ser dominante na teoria econômica, e as pessoas começaram a observar a ponta da oferta – sobretudo os salários. E veio o arrocho dos salários, que começou nos anos 1970s. Ronald Reagan ataca os controladores de tráfego aéreo; Margaret Thatcher caça os mineiros; Pinochet assassina militantes da esquerda. O trabalho é atacado por todos os lados – e a taxa de lucros sobe. Quando se chega aos anos 1980s, a taxa de lucro dá um salto, porque os salários estão sendo arrochados e o capital está se dando muito bem. Mas surge o problema: a quem vender aquela coisa toda que está sendo produzida.
Nos anos 1990s tudo isso foi recoberto pela economia do endividamento. Começaram a encorajar as pessoas a tomarem empréstimos – começou uma economia de cartão de crédito e uma economia de moradia pesadamente financiada por hipotecas. Assim se mascarou o fato de que, na realidade, não havia demanda alguma. Em 2007-8, esse arranjo também desmoronou.
O capital enfrenta essa pergunta, “trabalha-se pelo lado da oferta ou pelo lado da demanda”? Minha ideia, para um mundo anticapitalista, é que é preciso unificar tudo isso. Temos de voltar ao valor de uso. De que valores de uso as pessoas precisam e como organizar a produção de tal modo que satisfaça à demanda por aqueles valores de uso?
Hoje, tudo indica que estamos em crise pelo lado da oferta. Mas a austeridade é tentativa de encontrar solução pelo lado da demanda. Como resolver isso? 
É preciso diferenciar entre os interesses do capitalismo como um todo e o que é interesse especificamente da classe capitalista, ou de uma parte dela. Durante essa crise, a classe capitalista deu-se muitíssimo bem. Alguns saíram queimados, mas a maior parte saiu-se extremamente bem. Segundo estudo recente, nos países da OECD a desigualdade econômica cresceu significativamente desde o início da crise, o que significa que os benefícios da crise concentraram-se nas classes mais ricas. Em outras palavras, os ricos não querem sair da crise, porque a crise lhes traz muitos lucros.
A população como um todo está sofrendo, o capitalismo como um todo não está saudável, mas a classe capitalista – sobretudo uma oligarquia que há ali – está muito bem. Há várias situações nas quais capitalistas individuais operando conforme os interesses de sua classe, podem de fato fazer coisas que agridem muito gravemente todo o sistema capitalista. Minha opinião é que, hoje, estamos vivendo uma dessas situações.
Você tem repetido várias vezes, recentemente, que uma das coisas que a esquerda deveria estar fazendo é usar nossa imaginação pós-capitalista, e começar por perguntar como, afinal, será um mundo pós-capitalista. Por que isso lhe parece tão importante? E, na sua opinião, como, afinal, será um mundo pós-capitalista? 
É importante, porque há muito tempo trombeteia-se nos nossos ouvidos que não há alternativa. Uma das primeiras coisas que temos de fazer é pensar a alternativa, para começar a andar na direção de criá-la.
A esquerda tornou-se tão cúmplice com o neoliberalismo, que já não se vê diferença entre os partidos políticos da esquerda e os da direita, se não em questões nacionais ou sociais. Na economia política não há grande diferença. Temos de encontrar uma economia política alternativa ao modo como funciona o capitalismo. E temos alguns princípios. Por isso as contradições são interessantes. Examina-se cada uma delas, por exemplo, a contradição entre valor de uso e valor de troca e se diz – “o mundo alternativo é mundo no qual se fornecem valores de uso”. Assim podemos nos concentrar nos valores de uso e tentar reduzir o papel dos valores de troca.
Ou, na questão monetária – claro que precisamos de dinheiro para que as mercadorias circulem. Mas o problema do dinheiro é que pessoas privadas podem apropriar-se dele. O dinheiro torna-se uma modalidade de poder pessoal e, em seguida, um desejo-fetiche. As pessoas mobilizam a vida na procura por esse dinheiro, até quem não sabe que o faz. Então, temos de mudar o sistema monetário – ou se taxam todas as mais-valias que as pessoas comecem a obter ou criamos um sistema monetário no qual a moeda se dissolve e não pode ser entesourada, como o sistema de milhagem aérea.
Mas para fazer isso, é preciso superar a dicotomia estado/propriedade privada, e propor um regime de propriedade comum. E, num dado momento, é preciso gerar uma renda básica para o povo, porque se você tem uma forma de dinheiro antipoupança é preciso dar garantia às pessoas. Você tem de dizer “você não precisa poupar para os dias de chuva, porque você sempre receberá essa renda básica, não importa o que aconteça”. É preciso dar segurança às pessoas desse modo, não por economias privadas, pessoais.
Mudando cada uma dessas coisas contraditórias chega-se a um tipo diferente de sociedade, que é muito mais racional que a que temos hoje. Hoje, o que acontece é produzimos e, em seguida, tentamos persuadir os consumidores a consumir o que foi produzido, queiram ou não e precisem ou não do que é produzido. Em vez disso, temos de descobrir quais os desejos e vontades básicas das pessoas e mobilizar o sistema de produção para produzir aquilo. Se se elimina a dinâmica do valor de troca, é possível reorganizar todo o sistema de outro modo. Pode-se imaginar a direção na qual se moverá uma alternativa socialista, se nos afastamos da forma dominante da acumulação de capital que hoje comanda tudo.

* Esse é um trecho da entrevista, publicado hoje. A íntegra da entrevista será publicada na edição de outono de The Irish Left Review (http://www.irishleftreview.org/ )
Confira em nossa livraria algumas obras do autor em promoção.

Monday, 26 August 2013

programa 30 Consumismo, desigualdade e stress do planeta

A biomassa tropical vista do espaço

o eco
http://www.oeco.org.br/geonoticias/27508-a-biomassa-tropical-vista-do-espaco?utm_source=newsletter_23&utm_medium=email&utm_campaign=leia-em-o-eco


A biomassa tropical vista do espaço
Paulo André Vieira - 25/08/13

Enormes quantidades de carbono são armazenadas naturalmente nas florestas, seja pelas árvores e outras plantas, ou no próprio solo da floresta. A biomassa das florestas tropicais desempenham um importante papel no ciclo global do carbono, servindo como um reservatório dinâmico de carbono. O tempo necessário para recapturar o carbono armazenado na biomassa quando do desmatamento ou da degredação das florestas é geralmente mais longo do que em outros tipos de vegetação.
O desmatamento e a degradação da floresta nos trópicos são responsáveis por cerca de 20% das emissões antrópicas de dióxido de carbono, antrópicas significando aquelas produzidas como resultado da ação humana, contribuindo significativamente para a quantidade de gases do efeito estufa liberados na atmosfera. Apesar da importância das florestas tropicais ainda são poucos os estudos a respeito das condições da cobertura de vegetação nos tropicos, o que leva a uma carência de dados para acompanhar o crescimento da degradação e o monitoramento de mudanças no futuro.
Woods Hole Research Center monitorou durante três anos a cobertura florestal pan-tropical e o estoque de carbono armazenado nas florestas tropicais. Durante o estudo foram utilizando dados do sensor MODIS a bordo dos satélites Terra e Acqua e do perfilamento a laser feito pelo sensor GLAS a bordo do satélite ICESat. Foi o primeiro mapa pan-tropical de carbono florestal que utilizou esta abordagem.
Os mapas abaixo foram feitos com dados recolhidos entre 2007 e 2008, e mostram a quantidade de biomassa em toneladas por hectare. Quanto mais verde, mais biomassa e mais carbono armazenado. O desmatamento e a degradação dessas áreas representam uma maior quantidade de gases do efeito estufa liberados na atmosfera. Você pode comparar esses mapas com os dados de desmatamento disponíveis em nosso projeto InfoAmazonia.





Saturday, 24 August 2013

A apocalíptica Fukushima

outras palavras
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A apocalíptica Fukushima

130818-Fukushima
Indícios apontam que, diaramente, cerca de 300 toneladas de água contaminada com estrôncio-90, trinta vezes mais perigoso do que o césio 137, estejam vazando no Oceano Pacífico
Por Taís González
O governo japonês assumiu, na última semana, que mais de 300 toneladas de água altamente contaminada estão escorrendo para o Ocenano Pacífico todos os dias e há quase dois anos e meio, quando um terremoto causou o tsunami que devastou parte do litoral do Japão. Os níveis de contaminação nas águas subterrâneas aumentaram desde maio, embora as autoridades não sejam capazes de identificar a causa ou o local exato do vazamento. Especialistas confirmam que a radiação atingiu o lençol freático.
Tokyo Electric Power Company (Tepco), responsável pela restauração do complexo de usinas atômicas Fukushima Daiichi e pela reparação dos danos causados pelo acidente nuclear, iniciou esforços para lidar com a crise. Apesar de ter divulgado que conseguiu controlar a radioatividade no local, recentemente trabalhadores depositaram produtos químicos no solo perto dos edifícios do reator, em uma tentativa de evitar que as águas escoassem em direção ao mar. E ao fim da última semana, a companhia começou a bombear água subterrânea contaminada para um poço recém-construído.
O governo japonês afirma tomar medidas firmes para conter o vazamento. A proposta é construir uma parede de resfriamento (ou congelada) subterrânea para evitar o acumulo de água nos porões dos reatores. Para resfriar a parede, canos refrigeradores serão instalados perpendicularmente ao solo. O novo sistema estará em torno de quatro dos seis reatores da usina, com uma extensão de 1,4 quilômetros e até 30 metros de profundidade. A técnica é aplicada na construção de túneis, mas nunca foi testada antes. Devido ao grande consumo de energia e aos custos de manutenção, o muro de proteção é uma alternativa cara e de longo prazo.
O primeiro-ministro, Shinzo Abe, pediu que o ministro da Indústria apoie a empresa na luta contra os vazamentos. Pela primeira vez, o dinheiro de impostos será utilizado para conter as consequências do acidente nuclear. O valor inicial em discussão é de 40 bilhões de ienes, o equivalente a mais de 900 milhões de reais.
Emergência sem fim
Para o presidente do Institute for Energy and Environmental Research (IEER), Arjun Makhijani em entrevista ao PBS Newshour, ainda não está claro como governo japonês e Tepco irão resolver a situação. “É muito, muito incerto para mim como eles poderão alcançar este combustível fundido, extraí-lo do fundo destes edifícios altamente danificados e armazená-lo ou eliminá-lo de maneira segura ou menos perigosa”.
Quão perigosa é a água do subsolo de Fukushima? Makahijani diz que, se uma pessoa beber dela por um ano, ela terá cancêr. Quando perguntado sobre o que ocorre quando o estrôncio radioativo atinge o mar, o presidente do IEER responde: “Bem, quando ele vai para no mar, é claro, parte irá se dispersar e diluir no oceano. Outra parte vai parar no sedimento marinho e outra será absorvida pela vida no mar. Se grávidas comerem os peixes contaminados, ou beberem da água contaminada, os resultados poderiam ser piores do que o câncer, porque a criança terá um sistema imunológico comprometido e irá tornár-se mais vulnerável a todos os tipos de doenças”.

Monday, 19 August 2013

Sobre gatos, fótons e mundos estranhos

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Sobre gatos, fótons e mundos estranhos

Para entender transição do mundo quântico para o clássico, físicos brasileiros medem troca de informação entre partículas de luz e o ambiente
RICARDO ZORZETTO | Edição 202 - Dezembro de 2012

Pergunte a um físico de que é feito o Universo e provavelmente ouvirá que tudo, das estrelas aos seres vivos, é formado por partículas atômicas que apresentam um comportamento bastante exótico, descrito à perfeição pelas leis da mecânica quântica. No dia a dia não se notam propriedades estranhas das partículas, como a capacidade de se estar em mais de um lugar do espaço ao mesmo tempo, porque elas interagem com o ambiente ao redor. O meio no qual as partículas se encontram imersas, exatamente por ser muito complexo, absorve essas características quânticas e as dissipa de modo que não podem mais ser recuperadas. Perdidas essas propriedades, os componentes mais elementares da matéria passam a se comportar como qualquer objeto visível a olho nu. Mas em um experimento com partículas de luz realizado meses atrás na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) um grupo de físicos brasileiros demonstrou que nem sempre a informação quântica que chega ao ambiente é perdida para sempre. Ou, ao menos, não imediatamente. Sob condições especiais, parte da informação é retida e talvez possa até ser recuperada. “É como se a interação da partícula com o entorno deixasse uma impressão digital no ambiente”, explica o físico Luiz Davidovich, que, ao lado de Paulo Henrique Souto Ribeiro e Stephen Walborn, coordenou a equipe que conduziu os testes.
Apresentada na edição de 12 de outubro da revista Physical Review Letters, a constatação de que a perda de informação não é completa pode despertar o interesse de físicos e especialistas em teoria da informação por dois motivos. O primeiro é de ordem prática. Como a informação não se esvai completamente, nem de uma só vez, pode se tornar um pouco mais simples construir sistemas mais estáveis, que permitam usá-la para realizar cálculos, caso dos computadores quânticos, ou para transmiti-la com segurança, por meio da criptografia quântica. É que o funcionamento desses sistemas depende diretamente das propriedades quânticas das partículas, razão por que os protótipos já produzidos – até mesmo o que parece ser o primeiro computador quântico comercial, construído pela empresa canadense D-Wave Systems (ver Pesquisa FAPESP nº 193) – precisam ser mantidos a temperaturas baixíssimas e isolados o máximo possível da influência do ambiente que os cerca.
Já o segundo motivo é de ordem teórica – e até filosófica. Conhecer melhor como as partículas atômicas interagem com o meio pode contribuir para estabelecer os limites (de tamanho, massa ou energia) que separam o mundo clássico do quântico. Em outras palavras, saber até que ponto valem as leis da mecânica quântica. Essa, a propósito, é uma questão tão perturbadora quanto antiga. Segundo os físicos, nada nessa teoria que começou a ser formulada há pouco mais de um século indica haver esse limite. Desse modo, se as partículas individualmente apresentam características quânticas, provadas e comprovadas pelos experimentos já realizados, tudo o que é feito de partículas (plantas, animais, planetas e estrelas) também deveria ter um comportamento quântico, como o do gato simultaneamente vivo e morto do experimento mental de Erwin Schroedinger.
Em 1926 esse físico austríaco formulou uma equação em que as partículas eram tratadas como ondas. Segundo seu colega alemão Max Born, as ondas indicavam a probabilidade de uma partícula ser encontrada em uma região do espaço-tempo. Incomodado com certas interpretações muitas vezes associadas a essa distribuição de possibilidades – que atribuíam, por exemplo, a incerteza sobre a posição de uma partícula à ignorância do observador, mas não a uma propriedade objetiva da partícula –, Schroedinger tentou demonstrar as consequências absurdas que poderiam decorrer. Para exemplificar a estranheza dos resultados, Schroedinger sugeriu em 1935 que se imaginasse o que aconteceria com um gato colocado em uma caixa hermeticamente fechada contendo um punhado de material radioativo, um detector de radiação, um martelo e um recipiente de vidro com um gás letal. Quando decai, a partícula libera radiação e aciona o detector, que, por sua vez, ativa o mecanismo que faz o martelo quebrar o frasco de veneno. Como consequência, o gato morre.
A complicação viria a seguir. Supondo que houvesse uma probabilidade de 50% de uma partícula decair a cada hora, haveria uma probabilidade igual (também de 50%) de o gato estar vivo ou estar morto passados 60 minutos do início do experimento. Segundo Schroedinger, o caráter probabilístico da física quântica daria margem a uma interpretação de que, ao fim do teste, o gato não estaria nem vivo nem morto, mas em uma combinação das duas condições (morto e vivo) ao mesmo tempo – os físicos chamam essa situação contraintuitiva de superposição de estados, possível apenas no mundo quântico. Com essa situação absurda, Schroedinger pretendia mostrar que era necessário interpretar com cuidado a mecânica quântica que ele havia ajudado a formular.
Nesses quase 80 anos não se encontraram furos na teoria que permitissem desfazer esse aparente paradoxo. A mecânica quântica é considerada uma das teorias mais testadas e bem-sucedidas da física, capaz de predizer os fenômenos com uma precisão jamais vista antes. Juntas, ela e a teoria da relatividade geral, formulada por Einstein, são os pilares da física moderna. “Há consenso entre os físicos de que o mundo é quântico”, comenta George Matsas, físico teórico da Universidade Estadual Paulista (Unesp). “Mas não se sabe como recuperar o mundo clássico a partir de uma descrição puramente quântica.” Ao menos, não de modo que a solução não pareça mágica aos olhos de um leigo.
À medida que a sofisticação da mecânica quântica fazia esvanecer a conexão entre o mundo das partículas e a realidade acessível às pessoas, diversas tentativas de reconciliação foram propostas. Logo que surgiu o paradoxo, o próprio Born teria afirmado que o impasse desapareceria ao abrir a caixa: o mero ato de observar eliminaria a superposição de estados e o gato se revelaria simplesmente morto ou vivo. Outras ideias se seguiriam. A explicação mais aceita de por que não se observam propriedades quânticas em objetos macroscópicos foi apresentada pelo físico alemão Heiz-Dieter Zeh no início dos anos 1970. Ele teria observado que os sistemas macroscópicos que compõem o mundo clássico, regido pelas leis da física de Newton, jamais estão isolados do ambiente, com o qual interagem continuamente. Assim, esses sistemas não poderiam ser descritos pelas equações de Schroedinger, aplicáveis somente a sistemas fechados. A consequência dessa conclusão foi verificada tempos mais tarde por Wojciech Zurek, físico polonês do Los Alamos National Laboratory (LANL), nos Estados Unidos. Nessa interação, a informação do sistema quântico escapa para o ambiente por meio de um fenômeno que Zurek chamou de decoerência.
018-025_Fotons_202-4Para entender o que é a perda de coerência, primeiro é preciso saber o que é coerência, uma propriedade das ondas, como as que se propagam quando uma pedra é atirada na água ou uma corda é agitada. Um teste clássico da física, o experimento da fenda dupla, que o inglês Thomas Young usou há mais de 200 anos para investigar se a luz é composta de ondas ou partículas – a mecânica quântica mostraria que é simultaneamente ambas –, pode ajudar na compreensão. Uma forma de fazer o experimento é acender uma luz monocromática diante de duas placas. Na primeira, mais próxima da lâmpada, são feitas duas fendas paralelas que permitem parte da luz passar e iluminar a segunda placa, um pouco mais distante. Por ter natureza ondulatória, assim como as ondas da superfície de um lago, a luz ao atravessar o primeiro anteparo se recombina como se em cada fenda houvesse uma fonte de luz. Quando a crista de uma onda encontra a de outra, elas se somam gerando uma crista mais alta – o mesmo acontece quando dois vales se encontram. Já quando uma crista coincide com um vale, há um efeito destrutivo e eles se anulam. A combinação de cristas e vales produz faixas iluminadas e escuras que se intercalam no segundo anteparo – é o que os físicos chamam de padrão ou franja de interferência. “Coerência é a propriedade que os sistemas têm de produzir esse padrão de interferência”, explica Davidovich.
No século passado, porém, os físicos descobriram que o que acontece com as ondas também ocorre com átomos ou partículas atômicas, como os elétrons. Lançados um a um aleatoriamente contra o primeiro anteparo, os átomos produzem um padrão de interferência semelhante ao da luz. Para a mecânica quântica, isso só se explica se cada átomo passar simultaneamente pelas duas fendas. Quando o que se deseja observar é o padrão de interferência que se forma na segunda placa, o experimento funciona como a caixa lacrada com o gato de Schroedinger. Diversos experimentos já demonstraram que, quando se usa qualquer tipo de detector para tentar saber por qual das duas fendas a partícula de fato passou, a resposta é sempre única: a partícula passa pela fenda da direita ou da esquerda. Quando esse tipo de medição é feita, porém, a franja de interferência desaparece do segundo anteparo e, portanto, perde-se a coerência. Na analogia com o experimento do gato, o uso do detector nas fendas corresponde a abrir a caixa.
Os físicos entendem essa segunda medição – ou a abertura da caixa para espiar o gato – como sendo a interação do sistema com o ambiente. Antes isolado, o sistema mantinha um comportamento quântico. Nesse estado, o fóton ou o elétron, por exemplo, podia passar pelas duas fendas ao mesmo tempo. Quando a coerência se desfaz, essa capacidade some e as partículas passam a exibir comportamento clássico (atravessam uma das duas). Nessa transição para o mundo clássico, perde-se informação quântica, como a que permitia a partícula estar em dois lugares ao mesmo tempo – ou o gato de Schroedinger morto e vivo. “Não há como reproduzir o mundo clássico sem perder informação do mundo quântico”, comenta Matsas.
Para Zurek, a decoerência ocorre porque o ambiente faz medições sobre os sistemas quânticos o tempo todo. Assim como a tentativa de descobrir por qual fenda passou o elétron, essas medições eliminam informações ou estados quânticos mais frágeis e deixam apenas os mais estáveis, que são os que se percebem no mundo clássico. Zurek deu o nome de darwinismo quântico a essa destruição seletiva de informação.
Em um artigo publicado em 2002 naLos Alamos Science, revista de divulgação do LANL dedicada a abordar temas da fronteira da ciência, Zurek escreveu: “Uma forma de compreender a existência objetiva induzida pelo ambiente é reconhecer que os observadores – em especial, os humanos – não medem nada diretamente. Em vez disso, a maior parte dos dados que obtemos sobre o Universo é adquirida quando as informações sobre os sistemas que nos interessam são interceptadas pelo ambiente”.
Complicado? Muitos físicos também acham. O próprio Einstein não se sentia confortável com muitas das interpretações que a mecânica quântica oferecia sobre o mundo. Certa vez caminhando pelos jardins da Universidade Princeton com seu biógrafo, o físico e historiador da ciência Abraham Pais, Einstein teria comentado algo como: “Você acredita mesmo que a Lua só está lá quando olhamos para ela?”. No livro Introducing quantum theory – A graphic guide, o escritor Joseph P. McEvoy relata que em dezembro de 2000 o físico norte-americano John Wheeler, estudioso da mecânica quântica que trabalhou com um dos expoentes na área, o dinamarquês Niels Bohr, e ajudou a desenvolver as bombas atômica e de hidrogênio, lhe escreveu por ocasião do 100o aniversário da descoberta do quantum. Em 1900, o físico alemão Max Planck chegou a uma conclusão que levaria ao desenvolvimento de toda a mecânica quântica. Planck verificou que na natureza a energia era trocada entre átomos e a radiação em quantidades discretas (pacotes) que ele chamou dequanta, plural de quantum. No texto a McEvoy, Wheeler dizia: “Para celebrar, eu proporia o título: ‘O Quantum: a Glória e a Vergonha’. Por que glória? Porque não há área da física que o quantum não tenha iluminado. A vergonha porque ainda não sabemos ‘por que razão o quantum?’”.
No mundo macroscópico, fótons como os vindos das estrelas – e são muitos os fótons que, por exemplo, chegam à Terra – estão colidindo o tempo todo com os objetos. “É como se fizessem medições que destroem a informação quântica e nos permitem ver o mundo como clássico”, diz Davidovich, que há quase três décadas investiga os fenômenos complexos da mecânica quântica. Entre eles, a perda de coerência, que determina a passagem do mundo quântico para o clássico.
Até hoje não se observou um limite de tamanho, massa ou energia que estabeleça uma espécie de fronteira entre um mundo e outro. Em um encontro que reuniu os grandes físicos do mundo em 1927, Niels Bohr propôs que essa fronteira variaria de um sistema para outro. Na Áustria anos atrás a equipe do físico Anton Zeillinger demonstrou que moléculas de fulereno, formadas por 60 átomos de carbono e com estrutura semelhante à de uma bola de futebol, mantêm um comportamento quântico (como onda e partícula) no teste da fenda dupla. O grupo já anunciou que planeja repetir o teste com vírus, bem maiores.
018-025_Fotons_202-6Embora não se conheçam esses limites, os físicos hoje têm uma ideia mais precisa dos fatores que influenciam essa transição. Quando foi para o laboratório do físico francês Serge Haroche na École Normale Supériere, em Paris, em 1986, Luiz Davidovich começou a investigar essa questão. Com a equipe da França, ele e o colega brasileiro Nicim Zagury, também da UFRJ, começaram a planejar um sistema que permitisse simular a medição que o ambiente faz sobre os sistemas quânticos. Dez anos mais tarde, Davidovich publicou com seus colegas franceses um artigo na Physical Review A detalhando como o sistema poderia ser construído de modo a medir a informação do sistema quântico e acompanhar sua transformação em clássico devido ao efeito do ambiente. A ideia era aprisionar fótons de uma luz muito pouco energética (na frequência das micro-ondas) que se encontram em superposição de estados no interior de uma cavidade feita com espelhos especiais – essa superposição é análoga a ter uma cavidade “acesa”, com fótons, e “apagada”, sem fótons, ao mesmo tempo – e em seguida fazer um átomo atravessá-la. Quando passa pela cavidade, o átomo altera a energia dos fótons, que, por sua vez, alteram o nível de energia do átomo. Ao avaliar o átomo que saiu da cavidade, os pesquisadores conseguiriam conhecer as características dos fótons aprisionados – se estavam ou não em uma superposição de estados. Segundo Davidovich, nesse experimento, realizado no mesmo ano em que foi publicado o artigo na Physical Review A, o átomo, que é transparente à luz aprisionada, funciona como uma espécie de “ratinho quântico” que os pesquisadores enviam para a caixa do gato de Schroedinger. “É uma forma de espiar o gato sem abrir a caixa”, diz Davidovich. “Dependendo de como sai o rato quântico, podemos saber se o gato estava ou não em uma superposição de dois estados – morto e vivo”, explica.
Esse experimento demonstrou que o tempo em que ocorre a perda de informação quântica – ou tempo de decoerência – é inversamente proporcional ao número de fótons aprisionados na cavidade e integrou uma série de trabalhos que conferiu a Haroche o Prêmio Nobel de Física de 2012 (honraria dividida com o americano David Wineland, da Universidade do Colorado, também pesquisador dessa área). Essa relação que encontraram explica por que não se observam objetos macroscópicos em mais de um lugar ao mesmo tempo. Como são feitos por um número muito elevado de partículas, esses objetos perdem suas características quânticas num tempo absurdamente curto.
Anos atrás Wojciech Zurek demonstrou que à medida que o sistema quântico interage com o meio que o envolve e perde informação – ou seja, sofre decoerência –, registros dessa informação ficam no ambiente. Agora, no estudo da Physical Review Letters, Davidovich e os físicos Souto Ribeiro, Walborn, Osvaldo Jimenez Farias, Gabriel Aguillar e Andrea Valdéz-Hernández mostraram em um experimento com fótons que o mesmo ocorre com uma propriedade fundamental para a computação e a criptografia quânticos chamada emaranhamento. O emaranhamento ou entrelaçamento é um elo quântico que partículas (ou conjunto de partículas) mantêm entre si, mesmo quando distantes umas das outras. Essa conexão, tão intensa quanto frágil, é tal que as modificações sofridas por algumas das partículas refletem nas outras (ver Pesquisa FAPESP nos 102, 123 e 136).
Usando um feixe de laser que incide sobre uma série de cristais e filtros, o grupo da UFRJ conseguiu observar o que ocorre com o entrelaçamento num ambiente bem simples – extremamente mais simples do que o ambiente em que vivemos – sobre o qual tinham completo controle e podiam realizar medições e saber quanto de informação foi perdida por decoerência. “Talvez esse seja o único sistema físico em que se consegue medir completamente o estado do ambiente”, conta Souto Ribeiro.
Ao atravessar o primeiro cristal, o feixe de laser contendo trilhões e trilhões de fótons gera apenas um par de fótons entrelaçados – no caso, os pesquisadores entrelaçaram o plano de vibração da luz, a polarização, que podia ser vertical ou horizontal. Após essa primeira etapa, cada um dos fótons segue um caminho distinto rumo ao detector. Antes que a medição da polarização seja conferida no final do percurso, um dos fótons passa por outra série de cristais e filtros e ganha mais um tipo de informação, codificada no caminho que percorreria em seguida (direita ou esquerda). É como se os fótons tivessem interagido com o ambiente externo ao sistema e transmitido para ele parte da informação. Na analogia com o gato de Schroedinger, essa transferência de informação seria o equivalente a moléculas de odor escaparem da caixa indicando se o gato está morto ou ainda vive.
Os físicos observaram que o entrelaçamento inicial entre a polarização dos dois fótons começou a desaparecer depois da interação com o ambiente. Mas, em alguns casos, surgiu no final uma forma distinta de emaranhamento, em que os dois fótons se apresentavam emaranhados com o ambiente. Segundo os pesquisadores, ao conhecer a parte da informação que é perdida para o ambiente, talvez seja possível recuperá-la. “Ainda não fizemos isso, mas vimos que é possível”, afirma Davidovich.
“Nossa ideia é tentar entender o emaranhamento como sendo uma grandeza física qualquer, como a energia ou a velocidade, para tentarmos estabelecer leis de evolução dessa quantidade”, diz Souto Ribeiro, que coordenou, com o colega Walborn e Amir Caldeira e Marcos Oliveira, da Unicamp, outro estudo publicado em novembro na Physical Review Letters mostrando que aqueles estados mais estáveis previstos por Zurek podem se tornar evidentes antes mesmo que o sistema se torne clássico.
Para Souto Ribeiro, o fato de ter funcionado em um ambiente simples indica que também deve dar certo com ambientes mais complexos, uma vez que as equações que descrevem a interação com ambientes simples são exatamente as mesmas que descrevem com os complexos, nos quais é difícil realizar medições. Davidovich considera que ele e seus colaboradores apenas começaram a trilhar um caminho novo. “O experimento que fizemos nos dá apenas informação parcial sobre o que acontece porque o objeto está longe de ser considerado macroscópico”, explica. “Gostaria de estudar as impressões digitais que objetos macroscópicos deixam no ambiente.” O próximo passo deve ser explorar, do ponto de vista teórico, o que ocorreria nesse caso. “Planejar um experimento para observar isso”, diz, “seria extremamente difícil”.
Artigos científicos
FARIAS, O.J. et al. Observation of the emergence of multipartite entanglement between a bipartite system and its environment. Physical Review Letters. 12 out. 2012.
CORNELIO, M.F. et al. Emergence of the pointer basis through the dynamics of correlations. Physical Review Letters. 9 nov. 2012.
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