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Monday, 31 December 2018

Ufba terá cotas na graduação para trans e refugiados a partir de 2019

https://www.revistaforum.com.br/ufba-tera-cotas-na-graduacao-para-trans-e-refugiados-a-partir-de-2019/

26 de dezembro de 2018, 17h24

Ufba terá cotas na graduação para trans e refugiados a partir de 2019

Universidade Federal da Bahia aprovou resolução que prevê cotas para transexuais, transgêneros e travestis e refugiados ou imigrantes em situação de vulnerabilidade social
 
 


A Universidade Federal da Bahia (Ufba) terá a partir de janeiro de 2019 cotas para transexuais, transgêneros e travestis e refugiados ou imigrantes em situação de vulnerabilidade social, ampliando o leque de oferta de vagas diferenciadas, que já contempla quilombolas e índios aldeados.
A medida foi aprovada por meio da Resolução 07/2018. Para o professor Penildon Silva Filho, pró-reitor de Ensino de Graduação da Ufba, a aprovação de vagas para trans e refugiados mostra o compromisso da Ufba com grupos minoritários no Brasil, em tempos em que os direitos humanos vêm sendo atacados por grupos hegemônicos da sociedade.
“Já tínhamos vagas para o público trans na pós-graduação, onde temos 123 cursos, e agora estamos ampliando para pessoas trans e refugiados na graduação”, disse Silva ao Correio.
Atualmente, a Ufba tem 88 cursos de graduação. Para o público trans, índios aldeados, refugiados e quilombolas serão oferecidas uma vaga a mais nas seleções de cada curso, o que dá mais 352 vagas por ano. Na Bahia já são oferecidas cotas para trans também na Universidade Federal do Sul da Bahia e na Universidade Estadual da Bahia (Uneb).
By mimi sato - December 31, 2018 No comments:
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Labels: inclusão, universidade

Sunday, 30 December 2018

Vacinas funcionam. Aqui estão os fatos.

intercept
https://theintercept.com/2018/12/27/vacinas-funcionam-aqui-estao-os-fatos/

Vacinas funcionam. Aqui estão os fatos.

Maki Naro

27 de Dezembro de 2018, 8h00
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By mimi sato - December 30, 2018 No comments:
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Labels: ciências, saúde

Brasil, novo laboratório da extrema direita


LIÇÕES DE PINOCHET

Brasil, novo laboratório da extrema direita

Edição - 136 | Brasil
por Joana Salém e Rejane Hoelever
novembro 5, 2018 
 

O modelo neoliberal colocado em prática no Chile após o golpe militar de 1973 nos dá um panorama do que pode ocorrer no Brasil em um futuro governo de Jair Bolsonaro. E isso não é casual
Ainda impactados pelos resultados eleitorais no Brasil, muitos se perguntam como a avalanche de votos na candidatura de Jair Bolsonaro e do general Hamilton Mourão (PSL) ocorreu e o que exatamente pode acontecer em um governo de extrema direita no país. Ainda estamos longe de ter as respostas, mas as conexões entre seu principal guru econômico, o empresário Paulo Guedes, e a ditadura de Augusto Pinochet no Chile (1973-1990) nos trazem pistas valiosas sobre o modelo subjacente à sua plataforma.
Paulo Roberto Nunes Guedes, de 69 anos, era até há pouco quase desconhecido do público. Embora fosse colunista da revista Época e do Globo e fundador do Instituto Millenium, sua trajetória perfilada pela repórter Malu Gaspar mostrou que Guedes se manteve por décadas isolado do mainstream: rechaçou todos os planos econômicos e ministros da Fazenda que ocuparam a Esplanada nos últimos 35 anos, de José Sarney a Dilma Rousseff.1 Lendo alguns de seus artigos, fica claro o porquê. O economista demonstra aversão ao pacto social expresso na Constituição de 1988, que se interpõe como um obstáculo ao seu projeto político. Para ele, o Brasil sofre de uma “maldição dirigista”, que obstrui o “irreversível processo evolucionário […] rumo à Grande Sociedade Aberta” [sic].2
No Dia dos Trabalhadores de 2017, Guedes escreveu: “a direita hegemônica governou por duas décadas, e a esquerda hegemônica por três, ambas com um modelo econômico dirigista, desastroso”.3 Em sua mente, os trinta anos de democracia brasileira, com Collor, Itamar, FHC, Lula e Dilma, fazem parte da mesma “hegemonia de esquerda”. Diante de tal tábula rasa, não é difícil depreender suas preferências políticas. Se o sistema de direitos sociais garantidos na Constituição de 1988 chegou até o presente, pelo menos no papel, Guedes faz parte do grupo que pretende exterminá-lo, surfando na onda autoritária de Bolsonaro. Isso significa radicalizar a destruição do pacto democrático. Mas como?
De Chicago para o Chile
Guedes doutorou-se em Economia na Universidade de Chicago em 1978, um centro da corrente austro-americana do neoliberalismo, onde figuras como Milton Friedman já eram proeminentes.4 Como lembra o próprio Friedman no livro Liberdade de escolha, eram tempos em que seus “apóstolos” estavam “pregando no deserto”. Forjada em Chicago, a visão econômica extremista de Guedes não encontrou representatividade suficiente no Brasil até agora. Mas o contrário ocorreu no Chile. Primeiro laboratório da “doutrina do choque”, como Naomi Klein5 designou o processo resultante da aliança Friedman-Pinochet, lá os correligionários de Guedes encontraram pares perfeitos para seu plano econômico após 11 de setembro de 1973: o militarismo e o fascismo chilenos prometiam ao mesmo tempo repressão e “inovação”.
Vem da ditadura de Pinochet a inspiração das recentes propostas de Guedes para previdência e educação, alicerçadas na ideia de um “Estado subsidiário”. Antitética em muitos aspectos à Constituição brasileira de 1988, a Constituição chilena de 1980 foi imposta pela ditadura e preservada até hoje. Ao contrário do Estado garantidor de direitos, o Estado subsidiário chileno é desresponsabilizado de promover bem-estar e convertido em fiador da expansão dos mercados, o que ocorre por meio de transferências volumosas de recursos públicos ao setor privado e de um perverso endividamento popular.
Em Chicago, Paulo Guedes doutorou-se com uma tese de 63 páginas datilografadas.6 Seu trabalho, segundo apurou a Folha de S.Paulo, “nunca foi publicado nem teve repercussão no Brasil”,7 o que teria gerado em Guedes um ressentimento com colegas mais destacados. Essa amargura tornou-se pública recentemente, quando ele chamou sua ex-aluna, a economista Elena Landau, de “medíocre”,8 alegando que havia sido reprovada em seu curso de mestrado na PUC-Rio. Elena Landau, nove anos mais jovem que Guedes, foi uma das mais importantes economistas das privatizações de FHC, quando coordenou a venda da Eletrobras nos anos 1990, pela Comissão Nacional de Desestatização. Com o histórico escolar em mãos, Landau desmentiu o antigo desafeto: “Paulo é que era um péssimo professor. Faltava às aulas, não corrigia exercícios”.9
Também desperta suspeitas a forma como o professor Paulo Guedes ingressou na Universidade do Chile, no início dos anos 1980, auge da ditadura, após uma larga onda repressiva que varreu intelectuais críticos. Como mostra Federico Fullgraf,10 as universidades foram vistas pela ditadura chilena como um dos principais “teatros de guerra”, um território a ser retomado do “inimigo marxista”. No lugar dos opositores, foram colocados professores alinhados com o pensamento único que se impôs manu militari no ambiente acadêmico chileno. Desde a década de 1950, Milton Friedman e seus consortes atraíram economistas chilenos para Chicago, buscando reinseri-los em postos acadêmicos nas principais universidades do país. Contudo, foi apenas com Pinochet que a experiência política dos Chicago Boys se consolidou. E Guedes se integrou a esse fluxo.

Junto com ele, o colega e empresário chileno de origem árabe Jorge Constantino Demetrio Selume Zaror, de 67 anos. Ao voltar de Chicago, onde conheceu Guedes, Selume também integrou a cátedra de Economia da Universidade do Chile, mas em poucos anos tornou-se diretor de Orçamento da ditadura Pinochet e dirigiu operações de privatização de empresas estatais, como a Chilectra e a Entel. Simultaneamente, construiu um império financeiro que incluía bancos e propriedades. Entre elas, a fazenda Rupanco, de 47 mil hectares, que havia sido entregue aos trabalhadores pela reforma agrária durante o governo de Salvador Allende, mas em 1979 foi apropriada pelos militares e transferida para a companhia El Cabildo S.A., que mais tarde passou para as mãos do clã de Jorge Selume.11 Segundo Fullgraf, “Selume é uma espécie de porta-voz oficioso do núcleo duro empresarial pinochetista”.12
Foi assim, ocupando o lugar de professores arbitrariamente expulsos de seus cargos pela ditadura, que Guedes abandonou seus empregos parciais na PUC-Rio, no IMPA e na FGV-Rio, recebendo, segundo ele próprio, um “irrecusável” salário de US$ 10 mil. Perguntado sobre seus vínculos com a ditadura chilena, entretanto, tergiversa: fala sobre suas supostas qualidades acadêmicas para ser contratado e menciona um episódio no qual sua sala teria sido inspecionada pela polícia política de Pinochet.13

Aposentadoria privatizada e choque de pobreza
Nos anos em que Guedes viveu no Chile, José Piñera, o mais poderoso Chicago Boy e irmão do atual presidente, Sebastián Piñera, colocava em prática a privatização completa da previdência, decretada pelo ditador Pinochet em 13 de novembro de 1980. Nesse sistema, formado hoje por um oligopólio de seis fundos privados de pensão (AFP), os assalariados são obrigados a entregar 10% do salário para especulação capitalista, sem contribuição patronal. Atualmente, após trinta anos de contribuição, 90% dos chilenos recebem aposentadorias que valem metade do salário mínimo do país, cerca de 154 mil pesos (R$ 821).14 Sintomaticamente, a privatização da previdência excluiu os militares.
Impulsionado por um discurso pró-capitalização que pautou as fracassadas tentativas de reforma da previdência de Michel Temer em 2017, o sistema AFP chileno representa o confisco da aposentadoria de mais de 10 milhões de trabalhadores. Hoje, cinco das seis AFPs existentes administram nada menos que 69,6% do PIB do país e 94,6% das contribuições previdenciárias, tendo acumulado em 2017 lucros de US$ 1,5 milhão por dia, segundo calculou a Fundación Sol.15
O sistema de arrecadação é individualista, não solidário, pois cada trabalhador depende exclusivamente de si mesmo para “incrementar” o valor de sua pensão. Para piorar, os pensionistas ficam suscetíveis à volatilidade do mercado, aprisionados a uma modelagem matemática blindada pelas próprias AFPs. Nos últimos anos, a crise da aposentadoria tem levado a dramáticos números de suicídio de idosos no Chile: quase mil em apenas cinco anos. Desde 2016, a indignação popular contra a previdência privada no Chile ganhou as ruas em gigantescas manifestações, com o movimento #No+AFP.
No Brasil, o projeto que aprofundaria a deterioração da previdência pública foi rechaçado pela população em 2017. Mas a resistência popular foi apenas um dos fatores que obstruiu sua aprovação no governo Temer, que se viu emaranhado com as custosas dinâmicas de chantagens de um sistema partidário corrupto. Não é demais lembrar que o próprio Paulo Guedes é investigado na Operação Greenfield da Polícia Federal, sob suspeita de gestão fraudulenta de sete fundos de pensão, que lhe teria rendido R$ 6 bilhões entre 2009 e 2013. Há indícios de lavagem de dinheiro com uso da empresa HSM Educacional S.A., por meio da qual o anunciado futuro ministro recebeu quantias milionárias por “palestras”.16
A cruzada privatista de Paulo Guedes encontra, de um lado, a resistência das ruas e, do outro, uma máquina emperrada da governabilidade, na qual todos querem participar do butim. Por isso, saudosista de Pinochet, a ele convém que seu “choque de capitalismo”17 se imponha com militarismo. E em benefício próprio.

Clãs neopinochetistas e big data
Em Santiago, o Instituto Millenium possui um irmão ideológico com muito mais influência sobre a política do seu país: o Instituto Libertad y Desarrollo (LyD), um aparelho privado, de caráter empresarial, fundado em 1990 no luxuoso bairro de Las Condes. Organizado por empresários e ministros do alto escalão da ditadura Pinochet, entre eles Hernán Buchi, Carlos F. Cáceres, Cristián Larroulet e Luis Larrain Arroyo, o instituto é reconhecido por sua habilidade de realizar portas giratórias, isto é, quando executivos de grandes corporações entram no governo e consolidam, por dentro do Estado, suas posições no mercado.18
Desse aparelho saíram dez quadros de alta relevância no atual governo de Sebastián Piñera, que recentemente declarou: “no [aspecto] econômico Bolsonaro aponta na direção certa”.19 Não é apenas a família Piñera que vê a onda bolsonarista com bons olhos. Seu concorrente de extrema direita nas eleições chilenas de 2017, José Antonio Kast, é quem mais tem investido na aliança. O empresário de origem alemã obteve 523.213 votos, alcançando o quarto lugar na última corrida presidencial. No dia 18 de outubro, Kast veio ao Rio de Janeiro para encontrar-se com Bolsonaro. Em sua conta do Facebook, publicou uma foto sorridente ao lado do capitão: “Hoje nos reunimos com Jair Messias Bolsonaro e lhe desejamos o maior êxito na eleição. Presenteamo-lo com a camisa do Chile, para que sigamos fortalecendo a relação entre ambos países e juntos construirmos uma aliança que derrote definitivamente a esquerda na América Latina”.20
Além da admiração por Pinochet, Kast e Bolsonaro compartilham uma política de clãs.21 O senador Felipe Kast, sobrinho de José Antonio Kast, concorreu às prévias dentro da coligação na qual triunfou Piñera e foi seu ministro do Planejamento no governo anterior. Na campanha das prévias, Felipe Kast contou com a colaboração especial de Jorge Selume, filho homônimo do empresário que estudou com Guedes, um psicólogo de 37 anos, recentemente nomeado secretário das Comunicações do governo de Piñera. No portfólio de Selume, o filho, há um diploma da Universidade Andrés Bello (que pertence à multinacional Laureate, dirigida por seu pai) e anos de trabalho para a Cambridge Analytica. Não menos importante é o fato de que o psicólogo Selume é dono da Artool, a maior empresa chilena de big data.
Se há indícios de que a campanha de Bolsonaro no Brasil pode ter sido agraciada – como foi a de Donald Trump nos Estados Unidos – com o roubo de milhões de dados pessoais de cidadãos nas redes sociais, entre elas o WhatsApp, e a difusão de fake news em escalas totalmente inéditas, a extrema direita chilena detém todas as ferramentas para reproduzir os mesmos métodos.

Portas giratórias da educação privada
O estreito círculo da extrema direita brasileira e chilena se fecha com o empresário Jorge Selume. Como dissemos, ele foi colega de Paulo Guedes em Chicago nos anos 1970. Nos anos 1980, construiu um império econômico graças à maior operação financeira realizada no Chile até então. Junto a Las Diez Mesquitas, um consórcio de empresários árabes, comprou o Banco Osorno e o vendeu ao Santander em 1985 por US$ 495 milhões.22 Na mesma época, ocupava a Diretoria de Orçamento do regime Pinochet.
Hoje fica cada vez mais claro que educação e cultura são fronteiras prioritárias para a expansão dos negócios neopinochetistas. O psicólogo Jorge Selume, por meio da Artool, criou uma poderosa máquina de comunicação e marketing político. Com ela, em 2016 alavancou a eleição de 46 prefeitos do partido Renovación Nacional com uso de técnicas da Cambridge Analytica. Além disso, entre os principais clientes da Artool estão o Banco de Chile e o Banco Santander, que juntos reúnem pelo menos metade da população com conta bancária no país.23
Enquanto isso, Jorge Selume, o pai, há algum tempo investe no ramo da educação e tornou-se um dos mais influentes executivos da multinacional Laureate, sob suspeitas de fraudes no sistema de acreditação da educação privada.24 No Brasil, a Laureate tem priorizado o ensino a distância. Não por coincidência, Guedes defende um “choque de inclusão digital no ensino básico”, Bolsonaro fala em ensino a distância para crianças e o nome de Stavros Xanthopoylos, diretor de Relações Internacionais da Associação Brasileira de Educação a Distância, foi cotado para o Ministério da Educação de um futuro governo de extrema direita. Caso a pasta ainda exista.25

O que nos aguarda?
Em sua primeira entrevista à imprensa internacional após a publicização de sua conexão com Bolsonaro, em novembro de 2017, Guedes afirmou: “Os últimos trinta anos foram um desastre – corrompemos a democracia e estagnamos a economia […]. Deveríamos ter feito o que os Chicago Boys defendiam”.
Questionado por associar-se a um conhecido defensor da ditadura militar brasileira, em meio a um evento organizado pelo banco Crédit Suisse em São Paulo, Paulo Guedes classificou esse tipo de pergunta como um “patrulhamento” e, ao mencionar suas longas conversas com Bolsonaro, repetiu um de seus bordões favoritos: “Quer saber se a ordem está conversando com o progresso?”.26
Não é muito difícil decifrar a mensagem por trás dessas linhas. A primeira vez que a América Latina viu uma união orgânica entre militares e Chicago Boys em um governo foi em 1973 no Chile, um capítulo da história mundial escrito com baldes de sangue. Aos brasileiros resta saber que situação essa perigosa associação ainda pode engendrar.

*Joana Salém faz doutorado em História Econômica na USP; Rejane Hoelever é professora de Ciências Sociais da FGV Rio e faz doutorado em História na UFF.


1 Malu Gaspar, “O fiador”, Piauí, n.144, set. 2018.
2 Paulo Guedes, “Maldição dirigista”, O Globo, 9 abr. 2018; e “Armadilha dirigista”, O Globo, 21 maio 2018.
3 Paulo Guedes, “Atolados no pântano”, O Globo, 1º maio 2017.
4 Sobre as diferentes correntes do pensamento neoliberal, ver Pierre Dardot e Christian Laval, A nova razão do mundo. Ensaios sobre a sociedade neoliberal, Boitempo, São Paulo, 2015.
5 Naomi Klein, Doutrina do choque. A ascensão do capitalismo de desastre, Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2008.
6 Com o título Fiscal policy, public debt and external indebtedness in non monetary two sector open growth models [Política fiscal, dívida pública e endividamento externo em modelos de crescimento aberto de dois setores não monetários]. Ver catálogo da biblioteca da Universidade de Chicago: <https://catalog.lib.uchicago.edu/vufind/Record/226662>.
7 Fernanda Mena, “Economista de Bolsonaro, Paulo Guedes viveu mudança radical em Chicago”, Folha de S.Paulo, 9 out. 2018.
8 Malu Gaspar, op. cit.
9 Mônica Bergamo, “Economista de Bolsonaro e sua ex-aluna, Elena Landau, trocam farpas na internet”, Folha de S. Paulo, 6 set. 2018.
10 Frederico Fullgraf, “Paulo Guedes, o ‘Chicago Boy’ de Bolsonaro e seus vínculos com a ditadura Pinochet”, Revista Fórum, 27 set. 2018. Fullgraf cita as recentes pesquisas: Javiera Errázuiz, “Intervención y depuración en la Universidad de Chile, 1973-1976. Un cambio radical en el concepto de universidad” [Intervenção e depuração na Universidade do Chile, 1973-1976. Uma mudança radical no conceito de universidade]. In: Franck Gaudichaud et al. (coords.), Questions du temps présent. Chili actuel. Nouveaux éclairages sur le néolibéralisme contemporain [Questões do tempo presente. Chile atual. Novos esclarecimentos sobre o neoliberalismo contemporâneo], 2017, n.17.
11 Ver María Olivia Mönckeberg, Los magnates de la prensa. Concentración de los medios de comunicación en Chile, Editorial Debate, Santiago, 2009.
12 Frederico Fullgraf, op. cit.
13 Ver Ana Clara Costa e Luisa Bustamante, “A cabeça de Bolsonaro”, Veja, 22 ago. 2018; ou Joana Oliveira, “Plano econômico de Paulo Guedes, guru de Bolsonaro, depende de uma ‘bala de prata’ para funcionar”, El País Brasil, 9 out. 2018.
14 Ver “Marchas en Chile contra el sistema privado de pensiones”, El Mercurio, 22 abr. 2018. Ver também Raquel Landim, “Exemplo de Guedes, Chile tem contrarreforma da previdência”, Folha de S.Paulo, 23 out. 2018.
15 Paula Reverbel, “Como é se aposentar no Chile, o 1º país a privatizar sua Previdência”, BBC Brasil, 16 maio 2017. Sobre o movimento No+AFP, ver <www.nomasafp.cl/inicio/>. Ver também <www.fundacionsol.cl>.
16 Entre os fundos envolvidos com o esquema, cinco atendem ao funcionalismo público: Previ (Banco do Brasil), Petros (Petrobras), Funcef (Caixa), Postalis (Correios) e BNDESPar (BNDES). Ver Fábio Fabrini, “Procuradoria investiga guru de Bolsonaro sob suspeita de fraude”, Folha de S.Paulo, 10 out. 2018.
17 Paulo Guedes, “Choque de capitalismo”, op. cit.
18 Instituto Libertad y Desarrollo, “Quienes somos”. Disponível em: <https://lyd.org/quienes-somos/>.
19 Quatro ministros de Piñera são conselheiros do LyD, que trabalha em parceria com outros institutos, como The Tinker Foundation, Atlas Economic Research Foundation, Center for International Private Enterprise e Fundación Hans Seidel. Das declarações de Piñera sobre Bolsonaro, ver Belén Domínguez Cebrián, “Presidente chileno elogia plano econômico de Bolsonaro; premiê espanhol o vê com preocupação”, El País Brasil, 9 out. 2018.
20 Na página do Facebook de José Antonio Kast, há vários elogios a Bolsonaro durante o mês de outubro, acompanhados da proposta de erradicar a esquerda do continente. Disponível em: <www.facebook.com/joseantoniokast/photos/a.890414411050386/1939830292775454/>.
21 Lorenna Rodrigues, “Bolsonaro enviou telegrama a Pinochet em que fala em ‘saudoso general’”, Estadão, 25 set. 2018.
22 Ver “Los negocios del grupo Las Diez Mesquitas”, El Mercurio, 29 set. 2013.
23 Felipe Saleh, “Jorge Selume: el señor big data a cargo de la Secom”, El Mostrador, 27 mar. 2018.
24 Ver Bernardita García Jimenez, “Laureate: todos los caminos conducen a Selume”, El Mostrador, 9 abr. 2014.
25 Paulo Guedes, “Choque de capitalismo”, op. cit.; e Jussara Soares, “‘Posto Ipiranga’ da educação de Bolsonaro presta consultoria para presidenciáveis via WhatsApp”, Época, 30 ago. 2018.
26 João Pedro Caleiro, “Paulo Guedes critica ‘patrulhamento’ por conversar com Bolsonaro”, Exame, 30 jan. 2018.
By mimi sato - December 30, 2018 No comments:
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Labels: direita

Para Guardian, política internacional de Bolsonaro é uma piada

revista fórum
https://blogdacidadania.com.br/2018/12/para-guardian-politica-internacional-de-bolsonaro-e-uma-piada/

Para Guardian, política internacional de Bolsonaro é uma piada

30 de dezembro de 2018 admin Todos os posts, Últimas notícias

Ainda nem assumiu a presidência e Jair Bolsonaro e sua turma já fizeram o Brasil virar motivo de piadas na imprensa internacional. A “bola da vez” agora foi a escolha do diplomata Ernesto Araújo para ocupar o cargo de ministro das Relações Exteriores.
O tradicional jornal “The Guardian”, um dos mais respeitados da mídia britânica, divulgou, nesta quinta-feira (15), uma reportagem intitulada: “Novo ministro das Relações Exteriores do Brasil acredita que mudança climática é uma trama marxista”.
“Ernesto Araújo – até recentemente um funcionário de nível médio que escreve sobre a ‘criminalização’ da carne vermelha, petróleo e sexo heterossexual – se tornará o principal diplomata do maior país da América do Sul, representando 200 milhões de pessoas e a maior e mais biodiversa floresta da Terra, a Amazônia. Sua nomeação, confirmada por Bolsonaro na quarta-feira, deve causar um arrepio no movimento climático global”, afirma o “The Guardian”.
O periódico inglês destaca que o Brasil recebeu a comunidade internacional pela primeira vez, em 1992, para debater reduções nas emissões de gases de efeito estufa. Além disso, os diplomatas brasileiros têm desempenhado um papel crucial na redução do fosso entre nações ricas e pobres, especialmente durante a construção do acordo de Paris em 2015.
“Mas quando o novo governo tomar o poder em janeiro, o Ministério das Relações Exteriores que lidera esse trabalho será encabeçado por um homem que afirma que a ciência do clima é meramente ‘dogma’”, acrescenta a matéria.
De Fórum

By mimi sato - December 30, 2018 No comments:
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Labels: clima, política

Saturday, 29 December 2018

Como matar uma cidade


https://diplomatique.org.br/como-matar-uma-cidade/

A TRANSFORMAÇÃO DE NEW ORLEANS DEPOIS DO FURACÃO KATRINA

Como matar uma cidade

Edição - 137 | EUA
por Olivier Cyran
novembro 30, 2018
Imagem por James Cage/cc

Em 29 de agosto de 2005, um furacão atingia New Orleans, matando 2 mil pessoas e destruindo dezenas de milhares de casas. A catástrofe permitiu que políticos e empresários experimentassem um urbanismo de tábula rasa, objetivando substituir pobres por turistas – um método que inspira outros dirigentes ansiosos em lucrar com desastres climáticos…
Em um bairro tomado pela gentrificação, o lugar mais anódino pode de repente surgir como uma curiosidade, até como um foco de resistência. Na Freret Street, em New Orleans, esse papel é de uma barbearia. Inaugurada em 1974, época em que um visitante branco que se visse perdido nessa rua trataria de dar no pé rapidinho, a Dennis Barber Shop é agora o “último vestígio de uma comunidade desaparecida”, como diz seu dono, Dennis Sigur, que, apesar da idade respeitável, mantém sua jornada de quinze horas. Do lado esquerdo, um pet shop pode, por US$ 50, dar um banho em seu cãozinho. Em frente, a poucos metros de um bar de vinhos francês e de um salão de beleza, uma escola de ioga oferece “redução do estresse” e “paz de espírito” por US$ 150 ao mês. Um pouco mais acima, na esquina da Jefferson Avenue, foi inaugurada uma Starbucks no fim de 2017. “Eu já não me vejo aqui”, lamenta Sigur. “Quase todos os meus antigos clientes saíram do bairro. Felizmente, muitos ainda vêm à barbearia, às vezes de longe. Aqui é um ponto de encontro para os mais antigos, meio como um bar de amigos, só que sem o álcool.”
Há uns quinze anos, a Freret Street e seus arredores eram um bairro quase exclusivamente negro, como grande parte da cidade. A proporção de afro-americanos em New Orleans caiu de 67% em 2005 para 59% em 2013 – uma tendência que está se acelerando. Muito majoritariamente pobres, os “nativos”, como às vezes eles próprios se qualificam, com uma ponta de ironia – uma maneira também de reivindicar a impressionante marca cultural deixada por eles na alma da cidade –, têm se mudado para as periferias ou para ainda mais longe, expulsos pelo afluxo de uma população branca, jovem e endinheirada que levou os preços às alturas. Em poucos anos, bairros historicamente negros e populares, como Bywater, Marigny, 7ª Ward e Freret, tornaram-se tendencialmente brancos e opulentos.
Em que momento percebemos que o mundo onde vivemos não existe mais? Para Bernard Larose, de 52 anos, que acaba de ter o cabelo tratado pela talentosa tesoura de Sigur, foi em 2013, quando o dono do imóvel de três cômodos onde ele morava aumentou mais uma vez o aluguel, que em quatro anos passou de US$ 600 para US$ 1.100. “No mesmo período, meu salário não aumentou um centavo. Foi então que percebi que este bairro não era mais para mim e que tinha chegado a hora de ir embora.” No mesmo ano, durante uma reunião pública, um grupo de uns cem novos moradores pediu que se aumentassem os impostos locais a fim de custear o recrutamento de agentes de segurança para realizar patrulhas noturnas. A proposta foi rejeitada,1 mas “naquele momento vimos a que ponto a gentrificação tinha remodelado o bairro”, diz Larose. O caloroso boteco na esquina da Bolivar com a Washington, que servia café da manhã a US$ 0,99 aos trabalhadores da vizinhança, sumiu, dando lugar a cafés de comércio justo vendidos a US$ 4 e hambúrgueres gourmet que saem por US$ 12.
Se aqui ele coincide com um sistema de dominação racial profundamente enraizado na história do “Big South”, o fenômeno de recaptura dos centros das cidades pelas classes médias altas afeta a maioria das grandes cidades ocidentais, de Nova York a Berlim, passando por Detroit, Paris, Lisboa e Barcelona. Mas New Orleans é um caso-limite. Enquanto em outros lugares o processo se desenrola de maneira progressiva, por avanços intermitentes ou a longo prazo, aqui ele atingiu a velocidade da luz, em uma escala e com uma brutalidade sem precedentes. Um desastre climático serviu como catalisador: o furacão Katrina, que devastou a cidade há treze anos, matando quase 2 mil pessoas.
Tempestade do século, oferta do século
Para os moradores, as inundações que se seguiram à tempestade de 29 de agosto de 2005 continuam sendo um trauma para toda a vida, como mostram as taxas de suicídio registradas desde então (de nove a cada 100 mil habitantes, antes do Katrina, para 26 a cada 100 mil depois).2 Para os formuladores de políticas e as elites econômicas, elas foram providenciais. Ficando três quartos debaixo da água por causa da ruptura dos diques – que, aliás, foi resultado da falta de manutenção produzida pelas economias orçamentárias –, a joia urbana da Louisiana viu-se esvaziada de sua população durante vários meses: a oportunidade perfeita para seus dirigentes terminarem o trabalho de destruição iniciado pelo furacão. Os mortos mal foram tirados da água e já se instaurou o reinado do “liberalismo bombado por esteroides” – para usar a expressão do advogado William B. Quigley –, com todas as características de uma guerra total contra os pobres. Professores foram demitidos, escolas foram privatizadas, o hospital público foi condenado, o aparelho de segurança foi reforçado, o mercado imobiliário foi desregulamentado, os conjuntos habitacionais com aluguéis populares foram demolidos e substituídos por residências de incorporadoras. Ao mesmo tempo que se mimava o setor do turismo com os planos para a construção de um novo aeroporto e de uma miríade de hotéis de luxo, estendeu-se o tapete vermelho para os empresários, cobrindo-os de benefícios fiscais. “Foi necessária a tempestade do século para criar a oportunidade do século. Não a deixemos passar”, exortava a governadora democrata da Louisiana, Kathleen Blanco, menos de duas semanas após o Katrina. Dizer que ela foi ouvida é pouco. A tal ponto que o “renascimento” de New Orleans, muitas vezes elogiado na mídia como um “modelo de sucesso”,3 poderia servir como um manual para todos os líderes mundiais preocupados em fazer o melhor uso possível das tragédias climáticas que teremos pela frente.
A primeira lição que devemos reter a respeito do Katrina é que um cataclismo recai preferencialmente sobre aqueles que não têm nada, ou quase nada. Prova disso são as imagens, exibidas à exaustão na época, dos milhares de sobreviventes que, por não terem carro – portanto, não poderem sair da cidade por conta própria –, amontoaram-se no estádio Superdome e no Centro de Convenções em condições inacreditáveis. “Foi proclamada lei marcial, em todas as esquinas havia policiais e militares apontando armas para nós, mas ninguém para nos ajudar. É algo que nunca vou esquecer”, conta Alfred Marshall, de 60 anos, sindicalista negro que é membro do Stand with Dignity, um coletivo de defesa dos trabalhadores precários. “Um rapaz vizinho meu entrou em uma loja abandonada para conseguir roupas secas e foi baleado, como um cachorro. Nunca conseguimos saber quantas vítimas foram feitas pelas forças da ordem. Sua preocupação número um era proteger a propriedade contra aquilo que chamavam de pilhagem, e não salvar as pessoas que estavam se afogando ou socorrer os sobreviventes.”
Uma vez evacuados e espalhados pelo país, muitos sobreviventes foram confrontados com escolhas dilacerantes. No New York Times, o colunista David Brooks alertou: “Se permitirmos que os pobres voltem a suas antigas casas, New Orleans voltará a ser acabada e disfuncional como antes”.4 Uma montanha de obstáculos foi colocada diante deles. Um dos mais tortuosos foi o Road Home [“Caminho de casa”], programa federal destinado a ajudar os exilados a reconstruir a própria casa. A administração do presidente George W. Bush calculou o montante alocado para os beneficiários com base no valor avaliado de suas propriedades no mercado imobiliário. Isso significa que os donos das opulentas mansões do Garden District foram generosamente indenizados, enquanto as pessoas que viviam em bairros pobres ficaram com as migalhas. Treze anos depois, estima-se que cerca de 100 mil moradores de New Orleans entre os mais pobres (de um total de cerca de 450 mil habitantes antes do furacão) nunca voltaram para casa. “Deixaram claro que eles não eram bem-vindos em sua própria cidade”, lança Marshall, com a cólera que o acompanha há treze anos. “Nossas autoridades usaram o Katrina como um superxerife para expulsar os indesejados – uma maneira de se vingar desta cidade que eles sempre consideraram muito negra e indisciplinada. Quando se fala de gentrificação, o que eu ouço é a palavra ‘eliminação’.”
Nas semanas de caos que se seguiram ao Katrina, o prefeito democrata de New Orleans, Ray Nagin – hoje preso por corrupção –, e a governadora Blanco se uniram em torno de uma causa comum: liquidar a escola pública e os professores. No fim de setembro de 2005, a comissão escolar nomeou, para chefiá-la, um cost-killer [“matador de custos”] de Nova York, o ex-coronel William Roberti, da empresa de consultoria corporativa Alvarez-Marsal. Esta imediatamente descolou um contrato de US$ 16,8 milhões para ajudar a comissão a reorganizar o sistema escolar. Um esquadrão de consultores com suas pastas grafite aterrissou no Vieux Carré, o epicentro turístico da cidade, milagrosamente poupado pelas águas. Graças a seus geradores, os bares do distrito do álcool eram os únicos estabelecimentos comerciais da cidade abertos, enquanto tudo desabava ao seu redor, “com seus clientes completamente amodorrados e marinando sob a própria imundície, a ponto de parecerem figuras de cera abandonadas sob um poste de luz”, como conta o escritor James Lee Burke.5
Foi, portanto, nas mãos desses especialistas em “gerenciamento de crise” que foi colocado o destino das crianças de New Orleans. Sob suas orientações, a comissão escolar aproveitou o fato de não haver alma viva na cidade para anunciar a demissão a seco de todos os seus 7.500 professores. “Quando a notícia foi dada pela mídia local, a maioria dos professores ainda estava muito longe dali. Muitos tomaram conhecimento do fato repentinamente, no pior momento, quando ainda lutavam com o trauma do Katrina e com dificuldades materiais insuperáveis”, destaca o advogado Willie Zanders, que defendeu os “7.500” em uma longa maratona judicial, que começou vencendo, mas acabou com a derrota, em 2013, perante a Suprema Corte da Louisiana.

Livrar-se dos professores
Por que os professores? Zanders encolhe os ombros. “Eles usaram como pretexto o estado de desastre natural e o fato de que não havia mais dinheiro nos cofres. No entanto, dez dias após o anúncio da demissão em massa, a Secretaria de Educação do estado da Louisiana recebeu US$ 100 milhões do governo federal para ajudar o retorno dos professores. A ironia é que esse dinheiro acabou recompensando quem os expulsou.” Para o advogado, tratava-se também de neutralizar uma força social potencialmente incômoda: “Exonerando os professores, majoritariamente negros e muitas vezes envolvidos nas lutas de bairro, a cidade e o estado também destruíram seu sindicato, o United Teachers of New Orleans, um dos raros que conseguiram se instalar no deserto sindical que é a Louisiana”.
No entanto, o propósito da operação – a qual Zanders suspeita que já estava na gaveta antes do Katrina, esperando uma oportunidade favorável para vir a público – era trazer ao mundo esta experiência única: a transformação simultânea de quase todas as escolas de uma cidade grande em charter schools. “Escolas fretadas”, ou “contratadas”: esse termo designa um regime recentemente inventado que une o privado (cada escola é dirigida por um operador que se comporta como um líder empresarial) e o público (o acesso às escolas continua gratuito, e o operador privado não pode obter lucro). Inicialmente testado em Nova York, com apoio da Fundação Bill e Melinda Gates, o sistema charter difundiu-se num piscar de olhos para a maioria das grandes cidades dos Estados Unidos, precedido por sua reputação de cura milagrosa para os problemas do fracasso escolar em bairros difíceis.6 Nunca antes ele havia sido aplicado na escala de toda uma metrópole.
Para conhecer melhor esse sistema, batemos à porta da Paul Habans Charter School, uma escola primária em Algiers, na periferia. Na parede da recepção exibe-se em grandes letras vermelhas o lema do estabelecimento: “Perseverança, excelência, coragem, comunidade”. No corredor, uma placa proclama: “Sempre fazemos o melhor para sermos melhores”. Mais adiante: “Somos parte de algo maior que nós mesmos”. Nossos passos ecoam em um silêncio de catedral.
A responsável pelo local nos dá a honra de uma audiência. Branca, jovem, sorridente, Kate Mehok é a diretora-geral do grupo Crescent City Schools, que gere três escolas, incluindo esta. Ela também é de Nova York. “Cada escola recebe US$ 8.500 por criança por ano, pagos pelo estado e pela cidade”, explica a diretora. “Acolhemos todas as crianças sem discriminação e fazemos relatórios sobre nossos resultados. Mas ninguém vem nos dizer que programa devemos seguir e como fazer isso. Desde que os objetivos sejam cumpridos, podemos fazer o que quisermos.”
Para substituir os professores demitidos, os contratantes primeiro se voltaram para a Teach for America, uma organização humanitária que envia novatos recém-formados para territórios em crise, normalmente no exterior: é uma oportunidade de ter uma primeira experiência e depois obter o certificado de professor. Em New Orleans, eles raramente ficam muito tempo. Mehok admite que há “uma rotatividade, como em qualquer empresa”, mas destaca que “é também uma chance de ter professores jovens, que ainda não estão formatados”. E uma oportunidade para seus empregadores, que pagam pessimamente, enquanto recebem eles próprios polpudos salários – US$ 120 mil por ano (no caso de Mehok) até mais de US$ 200 mil no caso de alguns de seus colegas. Como ela organiza o recrutamento? “Da maneira tradicional: publicamos um anúncio na internet, os candidatos se inscrevem, estudamos seu currículo e, se necessário, chamamos para uma entrevista. É claro que estamos livres para demiti-los se eles não tiverem bons resultados, assim como eles estão livres para ir embora se não estiverem satisfeitos.”
Para os estudantes, a “oportunidade” da qual fala a diretora não é tão evidente assim. Ashana Bigard, uma assistente social que dá apoio legal aos pais de alunos em conflito com a escola, acredita que o sucesso político do modelo charter reside precisamente em seu caráter disciplinar. “Eles chamam isso de regra no excuse”, explica. “As crianças têm de andar em fila, como galinhas; algumas escolas onde os estudantes negros são ultramajoritários simplesmente suprimiram a recreação. Crianças em idade escolar são punidas quando se encostam a uma parede, colocam a cabeça na mesa ou usam uma blusa cuja cor não é permitida.” Mas o pior, segundo ela, é a regra que impõe o silêncio no refeitório e durante a sesta: “Para crianças de 4 a 8 anos, uma proibição como essa pode prejudicar o desenvolvimento das emoções sociais”.
As charter schools são uma ferida tão dolorosa para Bigard que ela está pensando em ir embora da cidade onde nasceu. “Quero que meu filho aprenda música na escola, mas aqui isso já não é possível. Era, antes do Katrina: havia aulas de música em todas as escolas; foi nelas que muitos músicos aprenderam a tocar. Hoje isso acabou. Meu tio-avô, Barney Bigard, era um grande clarinetista de jazz, tocou com Duke Ellington e Louis Armstrong, e meu filho não tem nem acesso a um instrumento.”

De músicos a motoristas de Uber
Na cidade-mãe dos músicos negros norte-americanos, onde a embriaguez do som toma conta de você a cada passo, a consideração dada aos músicos também diz muito sobre as mudanças em curso. “Sempre foi difícil, mas está cada vez pior”, suspira Bennie Pete, fundador do Hot 8 Brass Band, após um show de levantar defunto. Sua banda é uma das mais famosas da cidade e viaja o mundo inteiro – mas seus membros mal têm onde cair mortos. “Muita gente está vindo para cá com muito dinheiro, eles compram casas e bairros inteiros, forçando os antigos moradores a sair, então as condições também ficam mais difíceis para os músicos”, confidencia. “Antigamente, tocávamos muito nos bares turísticos da Frenchmen Street; agora eles só pagam em gorjeta, o que recusamos. Nunca foi tão difícil viver da nossa música. Para complementar, todos nós temos outros trabalhos – vendedor de loja, motorista de Uber etc.” Outra proeza local: enquanto o número de turistas cresce ano a ano (quase 18 milhões em 2017, um novo recorde), os artistas que eles vêm prestigiar empobrecem a ponto de ter de levá-los de Uber até seu Airbnb.
Em New Orleans, como em muitos outros lugares, a falta de moradia popular é a principal alavanca da gentrificação. Mas aqui ela não resulta apenas dos caprichos de um mercado deixado livre: é fruto de um implacável trabalho de demolição. Entre 2006 e 2014, os quatro principais conjuntos habitacionais que compunham o universo da moradia popular da cidade, totalizando 4.500 unidades habitacionais, foram todos destruídos. Essa ideia também já estava no armário antes do Katrina. Desde a década de 1990, um programa federal aprovado durante a presidência de Bill Clinton subsidia a destruição de moradias sociais e sua substituição por residências para “rendas intermediárias”. Com esse presente para as incorporadoras, a prefeitura de New Orleans já havia começado, desde a virada para o ano 2000, a planejar o desmantelamento dos conjuntos. Mas as tentativas chocavam-se com uma forte resistência. O estado de perplexidade provocado pelo Katrina e o clima de corrida do ouro que tomou conta da elite facilitaram a transformação do plano em ato.
Morador histórico de Calliope, antigo conjunto habitacional de tijolos vermelhos do distrito de Uptown, Marshall nos leva para ver o que resta dele: pequenas casas pré-fabricadas, montadas às pressas e gerenciadas por uma incorporadora do Missouri ligada ao banco Goldman Sachs. A que ele ocupa faz parte da cota de unidades reservadas aos locatários sociais, o que pode ser identificado pela porta da frente pintada de roxo. “A da minha vizinha é amarela, porque ela paga um aluguel mais caro. Somos proibidos de pintá-las. Aliás, tudo é proibido aqui: fazer churrasco, comer do lado de fora com os amigos, tocar música. O regulamento não deixa nem sentar no alpendre, coisa que fazemos nesta cidade há gerações. O objetivo é que cada um fique sozinho dentro de casa. Quanto às plantas…” Ele nos faz tocar com os dedos a coisa esverdeada e raquítica plantada em frente à sua casa. Plástico. “Está vendo isso? Não temos nem o direito de arrancar essa coisa horrenda para cultivar uma planta, uma de verdade.” Regras semelhantes existem nas residências para as pessoas ricas, mas sem produzir o mesmo efeito punitivo.
Marshall sente raiva do que fizeram com seu bairro. Das cerca de 1.500 famílias que viviam em Calliope, devem restar umas sessenta. “Na época, todo mundo se conhecia, tínhamos pomares coletivos onde as pessoas cultivavam frutas. Foi aqui que eu aprendi que, quando alguma coisa não funciona, ela pode ser melhorada coletivamente. Hoje nem conheço meus vizinhos. Ali na frente era um jardim público aonde as pessoas iam tocar juntas; agora é um terreno privado e fechado com cerca. Para chegar ali, é preciso ser sócio de um clube esportivo. Naquele outro lado havia um bar, uma lavanderia e lojas, todos tocados por irmãos negros; agora, só tem essas casinhas de papelão.”
Como organizador de lutas sociais, Marshall enfrenta outra realidade da gentrificação: enquanto, em dez anos, os aluguéis aumentaram entre 50% e 100%, dependendo do bairro, sobretudo por causa da desregulamentação do mercado especulativo das casas de veraneio e da proliferação do Airbnb, o salário mínimo, do qual vive grande parte dos negros na cidade, não aumentou. Ainda está em US$ 7,25 a hora, o nível mais baixo permitido nos Estados Unidos. Dezenas de milhares de trabalhadores têm de se virar com essa miséria, especialmente nos setores da construção e do turismo. Muitos se levantam às 4 ou 5 horas da manhã para chegar ao trabalho e voltam à noite com US$ 60 no bolso, menos o preço do ônibus. “Que vida é essa? Como você acha que a pessoa está quando chega o fim da semana? Fomos afogados pelo Katrina e, no fim das contas, continuamos nos afogando.”
Marshall e seus camaradas da Stand with Dignity estão mobilizados em torno da reivindicação do salário mínimo de US$ 15, mas na Louisiana essa é uma luta dura. Em março de 2018, o Senado local rejeitou uma enésima proposta para elevar o piso legal de US$ 7,25 para US$ 8. Eles preferem se desdobrar para agradar os patrões. Foram muitos os incentivos fiscais criados para estes ao longo dos anos, chegando agora a 80% do valor inicial das taxas e impostos. Em 2016, no momento de deixar o cargo, o governador republicano Bobby Jindal fez a seguinte confissão pública: “A verdade é que criamos um Estado de bem-estar para as empresas”.
Os interessados podem, portanto, relaxar. Jon Atkinson é o cofundador de um fundo de investimento especializado em “empresas inovadoras”. Desde o meio deste ano, ele preside o Idea Village, um grupo de empreendedores tech sediado no último andar do Museu de Arte Contemporânea, como que para celebrar a aliança entre dinheiro e bom gosto. Ele nos recebe em um ambiente furiosamente start-up, no meio de um open-space cheio de jovens barbudinhos que saboreiam seu café em copinhos recicláveis. Quando veio da Califórnia para estudar, em 2007, Atkinson, que ganha US$ 300 mil por ano, diz ter encontrado a cidade em pleno “período de caos criador de oportunidades”. Quando perguntamos o que ele quer dizer com isso, ele dispara esta preciosidade conceitual: “O Katrina fez de cada habitante um empreendedor. A necessidade de sobreviver obrigou todo mundo a ser criativo. Isso gravou o espírito empreendedor em nosso DNA”.
“Se você consegue matar esta cidade, você consegue matar qualquer cidade”, dizia um morador de New Orleans em 2006.7 Doze anos depois, no final da Canal Street, uma incorporadora de Massachusetts está transformando o World Trade Center em um gigantesco hotel cinco estrelas. A prefeitura contribuiu copiosamente para o financiamento dessa obra de US$ 465 milhões, onde labutam os invisíveis da gentrificação. Em seu site, a incorporadora explica que o restaurante panorâmico que ocupará os dois últimos andares do prédio oferecerá uma “celebração da cultura afro-americana na Louisiana: a música, a comida e as tradições”.

*Olivier Cyran é jornalista e autor, com Julien Brygo, de Boulots de merde! Du cireur au trader. Enquête sur l’utilité et la nuisance sociales des métiers [Empregos de merda! Do sapateiro ao corretor financeiro. Pesquisa sobre a utilidade e o prejuízo social das profissões], La Découverte Poche, Paris, 2018.



1 Episódio contado por Peter Moskowitz, How to Kill A City: Gentrification, Inequality, and the Fight for the Neighborhood [Como matar uma cidade: gentrificação, desigualdade e luta pela vizinhança], Nation Books, Nova York, 2017.
2 Chelsea Brasted, “New Orleans suicides skyrocketed after Katrina. Here’s where we are now” [Disparada de suicídios após o Katrina. Onde estamos agora], The Times Picayune, 29 mar. 2018.
3 Cf., por exemplo, Beth J. Harpaz, “10 years after Katrina, New Orleans’ tourism industry a textbook success story of rebirth” [Dez anos após o Katrina, turismo em New Orleans é um modelo de sucesso em termos de renascimento], Associated Press, 13 ago. 2015.
4 David Brooks, “Katrina’s Silver Lining” [O lado bom do Katrina], The New York Times, 8 set. 2005.
5 James Lee Burke, La Nuit la plus longue [A mais longa das noites], Payot-Rivages, Paris, 2011.
6 Ler Diane Ravitch, “Volte-face d’une ministre américaine” [A mudança de opinião de uma ministra dos Estados Unidos], Le Monde Diplomatique, out. 2010.
7 Filmado por Spike Lee em seu documentário sobre o furacão Katrina, When the Levees Broke [Quando os diques se romperam], HBO, 2006.
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A Pedagogia do Oprimido no Brasil: 50 anos de pertinência

le monde
https://diplomatique.org.br/a-pedagogia-do-oprimido-no-brasil-50-anos-de-pertinencia/

PAULO FREIRE

A Pedagogia do Oprimido no Brasil: 50 anos de pertinência

Acervo Online | Brasil
por Patrícia Martins Gonçalves
dezembro 20, 2018
Imagem por Instituto Paulo Freire
 
 

Depois de 50 anos de sua publicação, “Pedagogia do Oprimido” continua atual e se faz necessária e fundamental, porque Educação é muito mais que garantir boas notas em testes, como pretende os interesses das classes dominantes. O fazer educativo é um processo vivo, orgânico, cotidiano de formação humana e socialização
Comemoramos o aniversário de cinquenta anos da obra “Pedagogia do Oprimido” do educador Paulo Freire, a qual tem grande significado para a Educação e para a concretização da democracia não só no Brasil, mas em qualquer outra nação, pois trata do fenômeno educativo como um processo situado na sociedade e, portanto, como emancipação humana na História de Luta, fazendo do ato educativo um processo de leitura do mundo, da realidade e de si mesmo.
Paulo Freire é um educador da simplicidade e da profundidade, suas palavras nos guiam para um olhar concreto diante da realidade e para a atitude democrática coletiva que é inerente ao fenômeno da Educação. Esse olhar em sua obra é acompanhado de contexto social, político e cultural, o que possibilita a percepção e a construção da consciência de classe, conhecimento necessário para que possamos nos libertar coletivamente da injustiça social que assola o Brasil e os demais países em desenvolvimento na hegemonia capitalista atual. A Pedagogia do Oprimido é uma de suas obras mais importantes e, talvez, mais prática e direta no que concerne à ação transformadora da realidade através da práxis cultural, política e comunitária em Educação.
Uma das tendências das sociedades capitalistas é adulterar a Educação para que esta seja alienadora e preparadora para a submissão diante da exploração do trabalho e da competição do mercado. Isso gera disparidades econômicas, desigualdades sociais extremas, junto com injustas ambientais. Gera ainda escolas de qualidade para as classes dominantes e escolas precarizadas para as classes trabalhadoras e, assim, reproduz a mão de obra necessária para a perpetuação da exploração e das contradições do mundo do trabalho no contexto do capital: a relação patrão e empregado, explorador e explorado, opressor e oprimido, ou seja, a exploração do mais fraco pelo mais forte. Padrões desumanos que se modificam e se ajustam ao processo histórico para a sobrevivência do capital. Essa percepção mostra que estes padrões de relações são tão presentes em nossos dias como foram no passado, porém, assumem novas formas e roupagens frutos do complexo desenvolvimento das estruturas sociais ao longo da História.
Nesse contexto social e histórico, portanto, a Educação verdadeiramente humanista e emancipadora perpassa a Pedagogia do Oprimido, pois a libertação parte, na verdade, do explorado e não do explorador. O ato de “leitura do mundo” no processo educativo, leva à descoberta de si, pois é diante da totalidade que nos conhecemos, surgem problemas e curiosidades, as quais são fundamentais para manter acesa a chama do prazer de aprender, assim, as respostas encontradas levam a novas perguntas, este processo investigativo é o que leva ao aprendizado e à construção do conhecimento.
Conhecer, portanto, a realidade leva à investigação histórica, que leva à constatação da contradição da desumanização na História humana, ou seja, da “humanidade roubada” (FREIRE, 2014, p. 41), a qual não é uma fatalidade ou vocação histórica, mas uma deformação, “é distorção da vocação do ser mais” e, portanto, é passível de transformação e de libertação. Tal concepção de fazer educativo mostra que a desumanização não é um “destino dado, mas resultado de uma “ordem” injusta que gera violência dos opressores” contra os oprimidos, “e esta, o ser menos” (FREIRE, 2014, p. 41). Diante disso, o processo de libertação é necessariamente coletivo e, por isso, a Educação é parte fundamental da emancipação humana.
Paulo Freire diz que a luta libertadora é um ato de amor, pois se opõe “ao desamor contido na violência dos opressores, até mesmo quando esta se revista da falsa generosidade” (p. 43), ou seja, na violência simbólica e na expropriação cultural, quando a consciência do opressor se faz hospedeira nas consciências dos oprimidos. No entanto, a libertação e superação da opressão não se dá em termos puramente idealistas, mas pela luta e pela ação. É preciso saber contra o que estamos lutando, portanto, Freire cunha o conceito de “educação bancária”:
Essa concepção “bancária” implica […] aspectos que envolvem sua falsa visão dos homens. […] Sugere uma dicotomia inexistente homens-mundo. Homens simplesmente no mundo e não com o mundo e com os outros. Homens espectadores e não recriadores do mundo. Concebe a sua consciência como algo espacializado neles e não aos homens como “corpos conscientes”. A consciência como se fosse alguma secção “dentro” dos homens, mecanicistamente compartimentada, passivamente aberta ao mundo que irá “enchendo” de realidade. Uma consciência continente a receber permanentemente os depósitos que o mundo lhe faz, e que vão sendo transformados em seus conteúdos. Como se os homens fossem uma presa do mundo e este, um eterno caçador daqueles, que tivesse por distração “enchê-los” de pedaços seus (FREIRE, 2014, p. 87). 
A exploração acontece muito fortemente no campo do pensamento, do conhecimento, da Educação e até do entretenimento. Atualmente no Brasil vivemos uma espécie de síntese histórica onde é possível enxergar o resultado do papel manipulador da mídia alienadora das consciências, da imposição do pensamento, valores e interesses das classes dominantes sobre as massas humanas das camadas das classes trabalhadoras, que são a verdadeira força motriz que impulsiona a produção da riqueza do país. Essa ação manipuladora das grandes mídias das classes dominantes disputa espaços de influência no campo da Educação, na construção de políticas públicas e no direcionamento dos financiamentos, dessa forma, vem deformando processos educativos e implementando uma pedagogia alienadora, focada no medo, na obediência, na competição, etc., tais forças têm crescido aceleradamente e vêm se tornando hegemônicas mundialmente.
A concepção e a prática “bancárias”, imobilistas, “fixistas”, terminam por desconhecer os homens como seres históricos, enquanto a problematizadora parte exatamente do caráter histórico e da historicidade dos homens. Por isso mesmo é que os reconhece como seres que estão sendo, como seres inacabados, inconclusos em e com uma realidade, que sendo histórica também, é igualmente inacabada. Na verdade, diferentemente dos outros animais, que são apenas inacabados, mas não são históricos, os homens se sabem inacabados. Têm a consciência de sua inconclusão. Aí se encontram as raízes da educação mesma, como manifestação exclusivamente humana. Isto é, na inconclusão dos homens e na consciência que dela têm. Daí que seja a educação um quefazer permanente. Permanentemente, na razão da inconclusão dos homens e do devenir na realidade (FREIRE, 2014, p. 102).
Portanto, atualmente a “Pedagogia do Oprimido”, depois de 50 anos de sua publicação, continua atual e se faz necessária e fundamental, porque Educação é muito mais que garantir boas notas em testes, como pretende os interesses das classes dominantes. O fazer educativo é um processo vivo, orgânico, cotidiano de formação humana e socialização. Paulo Freire conseguiu nesta obra integrar a filosofia da práxis à elaboração de uma pedagogia libertadora, estética e sensível, pois que a democracia e a prática da liberdade coletiva no fazer educativo é, antes de tudo, uma atitude do corpo. Freire ao justificar a obra intenciona que as mãos das pessoas “[…] se estendam menos em gestos de súplica. Súplica de humildes a poderosos. E se vão fazendo, cada vez mais, mãos humanas que trabalhem e transformem o mundo” (p. 42).
A obra é uma ferramenta madura para a transformação da Educação opressora e bancária e para garantir a democracia como parte inerente da prática coletiva e educativa, seja ela, escolar, formal, não-formal, popular, cultural ou política. Todos esses atos coletivos devem ser permeados por processos educativos e não propagandísticos e publicitários. A diferença libertadora se dá na reflexão e ação sobre o mundo, a realidade, a História, sobre a superação opressor-oprimidos e não processos de marketing e manipulação como temos visto no processo eleitoral e comunicativo brasileiros. Isso mostra o quanto a nossa democracia é incipiente e o quanto a “Pedagogia do Oprimido” se faz necessária à Educação brasileira e dos países em desenvolvimento.

Referência
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, 57. ed. Rev. e atual. – Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014.
Patrícia Martins Gonçalves é doutoranda em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação Processos Socioeducativos e Práticas Escolares da Universidade Federal de São João del- Rei – Minas Gerais. Trabalha há mais de 10 anos na área de Educação, com ênfase em artes, permacultura e educação ambiental, em projetos sociais e escolas.
By mimi sato - December 29, 2018 No comments:
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Wednesday, 26 December 2018

CHICO MENDES - a voz que não se cala

https://www.brasildefato.com.br/2018/12/21/especial-or-chico-mendes-a-voz-que-nao-cala/

CHICO MENDES - a voz que não se cala


Chico Mendes, cujo assassinato completa 30 anos no próximo dia 22, deu a vida pelos direitos dos povos da floresta e deixou como legado a criação das reservas extrativista e o acesso à educação nos rincões da Amazônia.
A criação da Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre, tida como principal legado do líder seringueiro, conseguiu manter os trabalhadores em suas unidades produtivas com segurança. Mais do que isso: garantiu acesso a programas estatais de construção de casa, banheiros e a abertura e manutenção das escolas dos seringais, um sonho do líder seringueiro, que só aprendeu a ler aos 18 anos.
A luta capitaneada pelos seringueiros nos anos 1970 e 1980 por melhores condições de vida, muitas delas lideradas por Chico Mendes, rendeu diversos frutos positivos. Porém, apesar dos avanços, os trabalhadores ainda enfrentam sérias dificuldades para garantir a sobrevivência diária na floresta e muitos ainda têm a pobreza como principal oponente.
Casa tradicional da Reserva Extrativista Chico Mendes
Neste especial Chico Mendes: a voz que não cala, você ouve quatro audiodocumentários.
Os três primeiros narram a luta dos povos que habitam as reservas extrativistas para continuar sobrevivendo como trabalhadores e trabalhadoras da floresta, em tempos que o látex e a castanha rendem tão pouco financeiramente e que as leis que deveriam proteger os povos da floresta acabam os criminalizando.
O quarto e último episódio relembra quem foi Chico Mendes, com depoimentos exclusivos de pessoas que o conheceram e participaram dos “empates” organizados nos anos 1970. Ouça!

CAPÍTULO 1: No seringal do século 21

A castanha e o látex, que outrora foram os principais produtos do extrativismo no Acre, alcançam valores de venda cada vez menores.
A falência da economia extrativista obriga os trabalhadores e trabalhadoras da floresta a tentarem aumentar seu número de cabeças de gado, único produto, além da madeira, com algum valor de mercado.
O rebanho bovino no estado cresceu 20% só entre 2006 e 2017, passando de 1,7 milhão de cabeças para 2,1 milhões, segundo o Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entretanto, cada animal representa um perigo maior de desmatamento da floresta.
Família do seringueiro Valtemir Silva Santos em sua casa na Resex Chico Mende
No entanto, é o extrativismo que pode garantir a preservação da Amazônia e dos povos que ali resistem, como ressalta a trabalhadora rural e liderança sindical Dercy Teles. “O extrativismo da borracha e da castanha, está provado secularmente, não precisa de estudo, é capaz de manter a sustentabilidade da floresta. Eu tenho mais de meio século de vida, nasci e me criei na floresta, e sei que se houvesse uma política que garantisse a comercialização da castanha e da borracha a preço justo a floresta estava com sua sustentabilidade garantida.”
Quais os dilemas impostos aos povos que habitam as reservas extrativistas no século XXI? Ouça No Seringal do Século XXI, o primeiro capítulo da série Chico Mendes, a voz que não cala.
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O seringueiro Valtemir Silva Santos

CAPÍTULO 2: A vida das mulheres no seringal

Da resistência ativa contra o desmatamento da floresta ao sustento dos filhos. Da liderança política ao trabalho na roça. Da sala de aula à quebra da castanha. Aí estão as mulheres dos 48 seringais da Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre.
Três décadas após as mobilizações seringueiras no estado, mulheres sustentam famílias com programas de transferência de renda e trabalho na agricultura.
O manejo madeireiro, atividade econômica importante na reserva, pouco inclui a comunidade e gera lucro apenas para latifundiários. O ônus social para as mulheres, porém, é grande.
Dercy Teles, trabalhadora rural
O Acre é um dos estados brasileiros que concentrou as maiores taxas de homicídios de mulheres em 2017, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Foram registradas 34 mortes no último ano, uma taxa de 8,3 óbitos por 100 mil mulheres. Ao todo, 658 acreanas sofreram lesões corporais em casos de violência doméstica e 210 foram vítimas de estupros, de acordo com o mesmo levantamento.
Como as mulheres conseguem resistir contra a pobreza nos seringais do século XXI? De onde tiram forças para seguir lutando?
Ouça A vida das mulheres no Seringal, o segundo capítulo da série Chico Mendes, a voz que não cala.
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CAPÍTULO 3: Quando a tradição vira crime

“Nós estamos completando 30 anos do assassinato do Chico e posso assegurar que o que foi um sonho está se tornando um pesadelo”. É assim que o trabalhador rural Osmarino Amâncio retrata a preocupação dos seringueiros sobre um dos problemas de mais difícil gestão dentro da Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre: a criminalização dos trabalhadores rurais por executarem atividades tradicionais ao seu modo de vida.
Devido a legislação da reserva, o que era um meio de subsistência se tornou crime ambiental.
Queima de pequenas áreas para abrir roçados, caça de animais para alimentação e derrubada de árvore para manutenção de casas rendem processos jurídicos e multas que chegam a R$ 80 mil.
Carros do Icmbio passam pela Resex Chico Mendes
Com o comprometimento do governo do Acre em zerar o desmatamento até 2020, a expectativa dos povos da floresta é que a pressão sobre os trabalhadores aumente ainda mais.
Enquanto isso, ganham força a extração de madeira certificada e o agronegócio, atividades concentradas nas mãos daqueles com maior poder aquisitivo.
Ouça Quando a tradição vira crime, terceiro capítulo da série Chico Mendes, a voz que não cala.
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O Seringueiro e sindicalista Osmarino Amancio

CAPÍTULO 4: O legado da resistência

A luta para que famílias rurais permanecessem em suas terras. A proposta de um novo modelo de reforma agrária. A defesa implacável dos povos da floresta. Estas foram apenas algumas das bandeiras defendidas pelo seringueiro Francisco Alves Mendes Filho, o Chico Mendes, e que fizeram de sua vida um exemplo de luta por justiça social.
Com a crise, o governo ditatorial do início dos anos 1970 incentivou fortemente a ocupação dos seringais pela agropecuária. Sob o lema “integrar para não entregar”, financiou a tomada das terras por grandes fazendeiros de diversos estados, chamados “paulistas”, como conta o professor de antropologia da Universidade Federal do Acre, Manoel Estébio.
Castanheiras na Resex Chico Mendes
Qual foi a importância da militância de Chico Mendes, que mudou para sempre a história da Amazônia?
Ouça O legado da resistência, quarto e último capítulo da série Chico Mendes, a voz que não cala.
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FICHA TÉCNICA:
Reportagens: Sarah Fernandes | Apresentação e produção: Sarah Fernandes e Danilo Ramos | Fotos: Danilo Ramos | Edição: Daniela Stefano | Operação de áudio e sonorização: Jorge Mayer e Adilson Oliveira | Ilustrações: Lucas Milagres
Agradecimentos à geógrafa Pietra Cepero, Dercy Teles e Osmarino Amâncio.
By mimi sato - December 26, 2018 No comments:
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Labels: amazônia, ambiente, trabalho

Uma inovação brasileira: o fascismo servil

le monde
https://diplomatique.org.br/uma-inovacao-brasileira-o-fascismo-servil/

Uma inovação brasileira: o fascismo servil

Acervo Online | Brasil
por Rogério de Campos
dezembro 17, 2018
Imagem por Renato Alarcão



Fanáticos do neoliberalismo junto com fanáticos religiosos, os mais cínicos oportunistas ao lado de criacionistas, impacientes partidários da modernização tecnológica alinhados com terraplanistas… a lista se prolonga em um patético pandemônio de contradições no qual uma rara constante é o entusiasmado nacionalismo, que só confunde o olhar externo porque, no caso, a “pátria amada” são os Estados Unidos da América
Em 2002, os primeiros ministros Tony Blair e José María Aznar levaram à cúpula da União Europeia a proposta de punir com sanções econômicas os países de origem de imigrantes indesejáveis. A proposta causou escândalo porque explicitava o desejo de que governos dos países da África, por exemplo, transformassem-se em “carcereiros dos seus cidadãos”[1]. O novo modelo de Estado para o Terceiro Mundo, na proposta de Blair e Aznar, seria um que, além de cumprir a tradicional tarefa de garantir o fornecimento de matéria prima para o Primeiro Mundo a baixo custo, passaria a vigiar para que seus habitantes não tentassem escapar da miséria provocada por esse baixo custo. Nações pobres se tornariam grandes campos de trabalho forçado, com seus cidadãos impedidos de fugir.
Ainda que a proposta de Blair e Aznar tenha sido publicamente rejeitada pela maioria dos outros membros da UE (burro que sou, gosto especialmente da justificativa de um representante da Suécia: “nós queremos um equilíbrio entre a vara e a cenoura. É contra-produtivo enfatizar tanto a vara”[2]), na prática ela foi aprovada e vem sendo aplicada de maneira um pouco menos explícita, numa forma intermediária. Usando variadas cenouras e algumas varas, a União Europeia tem terceirizado para países em sua fronteira a tarefa de impedir a chegada de imigrantes. É isso que está por trás dos “campos de refugiados” em países como Turquia e Jordânia e massacres de imigrantes em países como Marrocos e Líbia. Pode-se dizer que a Europa aprendeu algo com as tragédias dos anos 1930 e 40: que não se deve fazer campos de concentração dentro de seu continente, mas fora…
Em seu famoso “Discurso sobre o Colonialismo” (1950), o poeta martiniquense Aimé Césaire demonstra que o nazismo é uma consequência do colonialismo. Descivilizado e embrutecido pelas barbaridades que comete na África, nas Américas e na Ásia, o europeu levou essa brutalidade junto com seu butim quando retornou à terra natal:
“Haveria que estudar, em primeiro lugar, como a colonização trabalha para descivilizar o colonizador, para embrutece-lo no sentido literal da palavra, para degradá-lo, para despertar seus recônditos instintos em prol da cobiça, da violência, do ódio racial, do relativismo moral; haveria mostrar depois que cada vez que no Vietnam se corta uma cabeça e se arrebenta um olho, e na França se aceita; que cada vez que se viola uma menina, e na França se aceita; que cada vez que se tortura um malgaxe, e na França se aceita, haveria que se mostrar, que quando tudo isso acontece, se está verificando uma experiência da civilização que pesa por seu peso morto, se está produzindo uma regressão universal, se está instalando uma gangrena, se está estendendo um foco infeccioso, e que depois de todos esses tratados violados, e todas essas mentiras propagadas, de todas essas expedições punitivas toleradas, de todos estes prisioneiros manietados e ‘interrogados’, de todos esses patriotas torturados, depois deste ódio racial estimulado, dessa jactância desfraldada, o que encontramos é o veneno instilado nas veias da Europa e o progresso lento, porém seguro do enselvajamento do continente ”[3].
Assim, e essa é conclusão minha a partir de Césaire, o ressurgimento do fascismo na Europa não é consequência de uma natural hostilidade à imigração, mas um dos resultados da exploração dos países da periferia do capitalismo por governos “civilizados” e modernas empresas europeias, muitas delas cheias de “sustentabilidade”, “multiculturalismo” e progressismos. O fato dessa exploração ser feita tantas vezes remotamente, por drones e algoritmos, sem sujar as mãos, não impede o envenenamento.

A conclusão de Césaire é que “a Europa é indefensável”. Mas creio que hoje ele diria o mesmo dos Estados Unidos: é indefensável o que acontece na fronteira com o México. Como suportar aquelas imagens de crianças, filhas de imigrantes, separadas à força de seus pais e aprisionadas naqueles campos de concentração? Não parece haver inspiração de Blair e Aznar na exigência que Trump faz de que o próprio México pague o muro que divide as fronteiras? O Criminal Alien Deportation Enforcement Act, projeto de lei do deputado republicano Brian Babin, prevê não apenas sanções econômicas, mas também a suspensão de vistos para residentes de países cujos governos não demonstrem competência em impedir a emigração “ilegal” de seus cidadãos.
Uma prova de que não é o imigrante que faz surgir o nazista é a existência do novo fascismo brasileiro, que apesar de racista não se sustenta na xenofobia. Ok, todos sabemos do descaso e violência com que, desde sempre, são tratados imigrantes pobres no Brasil. Vimos aquelas imagens das agressões contra médicos cubanos e também aquelas, ainda mais horríveis, contra venezuelanos em Roraima. Mas a verdade é que, talvez pelo fato de a imigração aqui não ter a dimensão que tem na Europa, os fascistas brasileiros não têm tido muitas oportunidades de exibir publicamente o lado xenofóbico de sua estupidez. É por isso também que alguns pesquisadores resistem a caracterizar essa nova extrema-direita brasileira como fascista. Que fascismo é esse que não é nacionalista? Que apesar das camisetas verde e amarelas, não demonstram raiva do estrangeiro, mas, sim, desprezo pelo próprio brasileiro. Ainda que o slogan “o melhor do Brasil é o brasileiro” seja criação de um ex-integralista, Câmara Cascudo, tal frase não faz qualquer sentido para a nova extrema-direita brasileira, para a qual o problema é justamente o brasileiro, ele é a sub-raça perniciosa. Quanto do ódio ao Lula não é por ele ter “cara de povo”?
Contra esse argumento de que o bolsonarismo não é fascista porque não é nacionalista, pode-se dizer que os diversos fascismos do início do século XX tiveram de tudo, inclusive “entreguistas”. Na Europa, roedores foram correndo abrir a porteira de seus países para a invasão nazista e depois se destacaram como os mais miseráveis colaboracionistas.
No Brasil dos anos 1920, os condes Matarazzo e Crespi talvez até financiassem uma hipotética invasão do país por Mussolini. Mas Matarazzo e Crespi, e muitos outros imigrantes italianos bem menos afortunados que eles, ficariam até ofendidos se chamados de brasileiros. Sua pátria era a Itália. Portanto, eram nacionalistas, mais fervorosos talvez justamente porque longe de seu país. E isso nada tem de incomum.
Agora veja o caso do agrupamento heterogêneo que atropelou os tucanos nas passeatas pelo Golpe e que forma a base do bolsonarismo: fanáticos do neoliberalismo junto com fanáticos religiosos, os mais cínicos oportunistas ao lado de criacionistas, impacientes partidários da modernização tecnológica alinhados com terraplanistas… a lista se prolonga em um patético pandemônio de contradições no qual uma rara constante é o entusiasmado nacionalismo, que só confunde o olhar externo porque, no caso, a “pátria amada” são os Estados Unidos da América.
As cenas de Bolsonaro batendo continência para a bandeira americana (ou qualquer americano que veja pela frente) ou de seu filho com o boné do Trump, causam constrangimento até para autoridades dos Estados Unidos, mas estão longe de perturbar seus fiéis admiradores brasileiros. A avenida Paulista foi talvez o único lugar fora dos Estados Unidos em que houve uma manifestação a favor de Trump durante a campanha dele para presidente. Foi uma manifestação bem pequena, é verdade, mas ruidosa: teve até palavra de ordem contra Hillary Clinton, chamada de “comunista”.
Do ponto de vista do governo norte-americano, a equipe de Bolsonaro é um verdadeiro dream team: na economia, que é o que importa, tem o Chicago Boy Paulo Guedes, e, como estepe do próprio capitão, no caso de ser necessário engrossar, está o general Hamilton Mourão, que só não tem diploma da Escuela de Las Americas porque chegou atrasado, mas que representa talvez a ala mais americanizada das Forças Armadas brasileiras (“Aliste-se no Exército Brasileiro, venha você também defender os interesses dos Estados Unidos”, diz o meme). Quem encabeçou a direção política da vitoriosa campanha eleitoral foi o novato Gustavo Bebianno, cuja grande experiência como empreendedor foi a criação de uma academia de jiu-jitsu na Florida. Ainda assim, apesar da competência de Bebianno, a campanha foi vitoriosa graças, é claro, a benção que Deus enviou por meio dos pastores do pentecostalismo, a mais norte-americana das religiões cristãs.
Poderíamos dizer que tal agrupamento é apenas um pitoresco bando de bucaneiros oportunistas, mas é preciso admitir que eles têm base social. Não falo aqui dos milhões que votaram no “Mito”, mas, especificamente, daqueles militantes que, muitas vezes sem serem remunerados, o defendem com entusiasmo e violência. Ativistas que brotam dos shopping centers e das igrejas, dos times de basquete e dos seminários para empreendedores, mas também dos fandoms da Marvel, do hard rock, de Star Trek e do Vin Diesel. Eles saudariam o desembarque dos marines, porque estes, além de nos proteger de uma invasão cubana ou venezuelana, talvez também expulsassem coisas estranhas à cultura brasileira, como as religiões africanas e o elitismo intelectual europeu. Nos livrariam finalmente do que o Mourão classificou como “indolência” indígena e a “malandragem oriunda do africano”. E, principalmente, esses nacionalistas norte-americanos nascidos no Brasil sonham que a chegada dos marines finalmente os liberaria da exigência do visto para entrada na Florida. Sonham um dia tornarem-se americanos brancos, e que o Brasil ainda vai cumprir seu ideal, ainda vai tornar-se um imenso Porto Rico.
Por isso talvez tenham alguma razão aqueles que dizem ser um erro classificar essa gente simplesmente como fascista só porque ela parece, age, fala e rosna como os velhos fascistas. Talvez essa extrema-direita do Brasil seja uma forma nova de regressão, uma inovação brasileira: um fascismo servil, especialmente criado para países obrigados a se submeter aos fascismos dos países que mandam. Uma jabuticaba do avesso: dura dentro e mole pra fora. Um fascismo que ultrapassa os anos 1930 e avança pelo século XIX e vai mais para trás. Que usa instrumentos do século XXI e estratégias do início do século XX para defender uma situação do século XVIII.
Os fascistas italianos sonhavam reviver a Roma Imperial, os fascistas brasileiros sonham com a volta do Brasil Colonial.

*Rogério de Campos é editor, tradutor e autor dos livros Revanchismo, Dicionário do Vinho (Prêmio Jabuti) e Imageria (Prêmio HQ Mix). Seu livro mais recente, Super-Homem e o Romantismo de Aço (Ugra Press, 2018) fala da relação do gênero super-heróis com o fascismo



[1] https://diplomatique.org.br/como-a-europa-segrega-seus-vizinhos/
[2] https://www.theguardian.com/world/2002/jun/18/eu.immigration
[3] Na tradução de Anísio Garcez Homem (Discurso sobre o Colonialismo, 2010, Letras Contemporâneas).
By mimi sato - December 26, 2018 No comments:
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