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10 fatos marcantes para o clima em 2018
Relembre nesta retrospectiva os principais eventos e
personagens que marcaram o ano que termina no combate ao aquecimento da
Terra
1 – Jair Messias Bolsonaro
O site britânico Climate Home chamou o presidente eleito do Brasil de “maior notícia ambiental de 2018”. Somos obrigados a concordar, mas acrescentamos: Bolsonaro será também a maior notícia ambiental dos próximos anos. E, ao que parece, uma péssima notícia.A eleição do capitão do Exército, na esteira de um ódio generalizado ao PT e de suspeitas ainda não esclarecidas de manipulação de massas pelo WhatsApp, trouxe uma série de rupturas ao sistema político brasileiro. Uma delas foi que, pela primeira vez desde a redemocratização, um presidente chega ao poder com uma plataforma abertamente antiambiental.
São conhecidas as invectivas de Bolsonaro contra o Ibama (que o multou em 2012), o licenciamento ambiental, as terras indígenas, os quilombolas, as áreas protegidas e os acordos internacionais. Também são conhecidos seus sucessivos recuos e recuos dos recuos em temas como a extinção do Ministério do Meio Ambiente e a saída do Acordo de Paris. Antes mesmo de tomar posse, o eleito já causou constrangimento internacional ao Brasil ao retirar (inventando cada hora uma desculpa) a candidatura do Brasil para sediar a COP25, a conferência do clima de 2019, pela qual o Itamaraty lutou por quase um ano.
Até agora, Bolsonaro vem dando todos os sinais de que tentará cumprir cada uma das ameaças que fez ao meio ambiente na campanha. Transformou o Ministério do Meio Ambiente em um puxadinho da Agricultura, entregando a subpasta a um advogado condenado na Justiça por, vejam só, fraude ambiental. Confiou a gestão de terras públicas ao presidente da UDR, a associação mais arcaica dos latifundiários. E deu as Relações Exteriores a um negacionista da mudança climática, que diz que o aquecimento global é um complô marxista. O desmatamento subiu quase 50% nos meses de campanha, possivelmente em antecipação à nova realidade da gestão ambiental federal. E isso é só o começo. O Brasil se junta aos EUA de Donald Trump como um pária ambiental global, o que tende a ter consequências dramáticas para o planeta, já que nós somos o sétimo maior emissor global de gases de efeito estufa – e, diferentemente dos EUA, nossas emissões não estão naturalmente em queda. Por conta disso, o Brasil recebeu na COP24, a conferência do clima de Katowice, o antiprêmio Fóssil do Dia. É a primeira vez que um líder ainda não empossado ganha o troféu, dedicado aos países que mais atrapalham as negociações internacionais de clima.
O consolo é que não vai faltar trabalho para os ambientalistas nos próximos quatro anos.
2 – O IPCC bota a boca no trombone…
No dia 8 de outubro, enquanto o Brasil ainda se recuperava do choque do primeiro turno das eleições, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas lançava na Coreia do Sul o documento mais aguardado do ano na ciência do clima: seu relatório especial sobre aquecimento global de 1,5oC, conhecido pela sigla SR15.O relatório fora encomendado ao IPCC pela Convenção do Clima da ONU em 2015, na conferência de Paris. Ele seria necessário para dar base científica ao objetivo do Acordo de Paris de “envidar esforços” para limitar o aquecimento global a 1,5oC neste século. Na época ninguém sabia se ainda era possível.
O IPCC mostrou que ainda não há nada nas leis da física que impeça o alcance da meta. Só que vai ser extremamente difícil: se a humanidade não reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 45% pelo menos até 2030, poderemos ultrapassar o “guardrail” do 1,5oC antes do meio deste século. A implicação política prática do recado do IPCC é que não vai dar para esperar os prazos formais do Acordo de Paris – começar a conversar em 2023 e agir em 2025 – para aumentar a ambição das metas nacionais (NDCs) postas na mesa. ““Os autores têm certeza de que começar essa discussão em 2023 é tarde demais”, disse Thelma Krug, vice-presidente do IPCC, num webinar sobre o SR15 promovido pelo Instituto ClimaInfo e pelo Observatório do Clima.
3 – …mas a COP24 não dá muita bola
Como havia sido combinado em Paris, as conclusões chocantes do SR15 foram apresentadas na COP24, a conferência do clima realizada em dezembro em Katowice, Polônia. O encontro tinha entre seus objetivos principais finalizar o chamado “livro de regras” do Acordo de Paris de forma a tornar o tratado aplicável a partir de 2020. Isso foi feito, para júbilo da comunidade internacional, e em condições pouco favoráveis: a anfitriã da COP, afinal, é uma nação carvoeira e pouco disposta a jogar o jogo da ambição climática. Além disso, o crescimento de nacionalismos e a multiplicação de governos populistas no mundo todo produziu um clima desfavorável ao multilateralismo.Mas havia também a expectativa de que a COP24 produzisse uma decisão reconhecendo a urgência de um corte profundo de emissões a partir das recomendações do relatório do IPCC. Isso não aconteceu, por conta dos estraga-prazeres de praxe: EUA e Arábia Saudita.
Na primeira semana de COP24, os americanos e os sauditas, auxiliados pela Rússia e pelo Kuwait, trataram de bloquear qualquer menção mais explícita ao relatório do IPCC; queriam que a COP apenas “tomasse nota” do documento, enquanto a União Europeia e outros defendiam que a COP “acolhesse” o SR15. No final, nenhuma das duas posições prevaleceu: a decisão da COP25 parabeniza o IPCC pelo trabalho e “convida” os países a usarem as informações do relatório da forma como bem entenderem.
4 – A noite mais quente da história
Aconteceu em Omã. Em julho, a cidade de Quriyat registrou uma temperatura de 42,6oC… à noite. Foi a temperatura mínima mais alta já medida em toda a história da humanidade desde que os termômetros começaram a ser usados, em 1850. Se você no Brasil tem dificuldades para dormir com os termômetros noturnos na casa dos 25oC, imagine o que sentiram os moradores de Quriyat.O verão do hemisfério Norte registrou uma série de recordes, como 41,1 graus em Tóquio, o maior calor já registrado no Japão, e 51,3 graus na Argélia, a maior temperatura medida no continente africano. Na Europa, uma onda de calor no verão causou incêndios florestais até no Ártico, na Suécia – um fenômeno raro. A cidade de Helsinque, cujas temperaturas médias no mês mais quente do ano ficam em torno de 17oC, viu 25 dias seguidos de calor acima de 25oC. Um estudo de cientistas europeus mostrou que a onda de calor no continente teve sua probabilidade de ocorrer duplicada pelo aquecimento global causado por seres humanos.
No final do ano, a Organização Meteorológica Mundial classificou 2018 como o quarto ano mais quente da história – superado apenas pela trinca infernal 2016-2017-2015. Todos os 20 anos mais quentes ocorreram nos últimos 22 anos. E vem mais por aí, já que há sinais de que um El Niño se forma no Pacífico, ameaçando fazer os termômetros subirem a níveis recorde também em 2019.
5 – Inferno no paraíso
Um sinal de que eventos climáticos extremos são o novo normal num planeta que já está 1oC mais quente foi mais uma temporada mortífera de incêndios no Mediterrâneo e na Califórnia. Depois da tragédia de 2017 em Pedrógão Grande, Portugal, em 2018 foi a vez da Grécia. Quase uma centena de pessoas morreu em julho quando ventos fortes empurraram as chamas para a vila de Mati, perto de Atenas, destruindo completamente a zona urbana e obrigando os moradores a pular no mar para se protegerem do fogo. Em outubro foi a vez de a Califórnia registrar seu pior incêndio florestal em toda a história: o chamado incêndio Camp riscou do mapa a cidade de Paradise e – numa prova de que a mudança climática não discrimina por classe social – arrasou o distrito de Malibu, famoso por suas mansões. Artistas como Neil Young, Miley Cirus e Gerard Butler ficaram sem teto. Somando todos os incêndios que atingiram o Estado neste outono boreal, 104 pessoas morreram e os prejuízos ultrapassaram os US$ 3,5 bilhões.6 – Choque de realidade fóssil
O ano de 2018 assistiu a avanços espetaculares nas energias renováveis, mais uma vez. Os investimentos nessas fontes bateram mais um recorde, com US$ 280 bilhões em 2017, segundo a edição deste ano do relatório Ren21. O preço da energia solar em leilões mundo afora foi o mais baixo da história, o que fez com que 402 gigawatts (40 Belos Montes) de energia fotovoltaica fossem instalados no mundo – mais do que a soma de todas novas instalações de carvão, gás e nuclear. Os carros elétricos se consolidam no mercado e uma nova projeção estima que eles responderão por 55% das vendas de veículos em 2040.
Com tudo isso, porém, o mundo ainda está preso aos combustíveis fósseis, e essa contradição ficou clara quando os pesquisadores da rede Global Carbon Project divulgaram sua estimativa das emissões globais de carbono no setor de energia para 2018. Segundo eles, as emissões de CO2 devem crescer 2,7% no mundo em 2018 – um recorde – após já terem experimentado uma elevação de 2% em 2017. Em 2014, 2015 e 2016 as emissões haviam ficado estagnadas mesmo com crescimento da economia global, o que deu a muita gente a esperança de que estivéssemos enfim descolando o PIB dos combustíveis fósseis. Mas o aumento do uso de petróleo na China e nos EUA e de carvão na Índia pôs fim a essa ilusão. “O pico nas emissões globais ainda não está no horizonte”, afirmaram os pesquisadores do GCP.
Para colocar em perspectiva, dados do último relatório Ren21 mostram que 79,5% do consumo de energia no planeta vem de fósseis. As renováveis somam apenas 10,4%, mas, descontando a energia hidrelétrica, os biocombustíveis e o uso de carvão vegetal e lenha, as chamadas “renováveis modernas” respondem por apenas 1,7% do consumo mundial de energia.
Para piorar, os países mais ricos do mundo seguem enterrando dezenas de bilhões de dólares por ano em subsídios a combustíveis fósseis. Segundo um relatório lançado na COP24 pela Germanwatch, os subsídios subiram de US$ 75 bilhões para US$ 147 bilhões ao ano entre 2007 e 2017 nos países do G20 – e isso apesar da promessa que o grupo faz todos os anos de reduzir progressivamente essa imensa bolsa-poluição. O Brasil é o segundo país do G20 que mais subvenciona os fósseis, perdendo apenas para a petroleira Arábia Saudita.
7 – Protestos na França e crise do diesel no Brasil acendem sinal amarelo sobre a transição
Duas pequenas convulsões sociais em épocas e lugares diferentes neste ano mostraram o tamanho da nossa dependência dos combustíveis fósseis e as dificuldades que a transição para a energia limpa enfrentará na próxima década se o mundo estiver mesmo falando sério sobre limitar a mudança do clima.Em maio, caminhoneiros em greve organizados pelo WhatsApp pararam o Brasil por 11 dias. Eles protestavam contra a política de preços da Petrobras, que repassava diariamente ao óleo diesel as variações do preço do petróleo. A imprevisibilidade e os aumentos sucessivos quebraram os caminhoneiros independentes, que bloquearam as estradas pedindo redução nos preços do insumo, entre várias outras coisas. O governo Temer precisou fazer um acordo com os caminhoneiros, tabelando o preço do frete e subsidiando o litro do diesel em 46 centavos de real na bomba.
Em novembro foi a vez de a França pegar fogo com uma série de protestos de trabalhadores da periferia, também causados pelo aumento do óleo diesel. O estopim das manifestações dos chamados gilets jaunes, ou coletes amarelos, foi a decisão do presidente Emmanuel Macron de aumentar ainda mais para o diesel um imposto sobre carbono cobrado desde 2014 para os combustíveis, de forma a estimular a redução do seu uso e cortar emissões de gases-estufa. Macron, com sua conhecida insensibilidade social, não calculou que o aumento do diesel seria um desastre para trabalhadores e microempresários que moram longe dos centros das cidades francesas e precisam de veículos a diesel para se deslocar. Entre novembro e dezembro houve seis grandes protestos, com dez mortes, milhares de feridos em confrontos com a polícia e mais de 4.000 prisões. Em dezembro, Macron foi forçado a recuar do aumento da taxa. Os coletes amarelos, porém, fizeram questão de ressaltar que não se opunham à política de clima: vários deles participaram em dezembro, após o fim dos protestos, da Marcha pelo Clima em Paris, que demandou políticas mais agressivas de corte de emissões.
O que os movimentos dos gilets jaunes e dos caminhoneiros do Brasil apontaram foi a necessidade da chamada “transição justa”, uma saída dos fósseis que não prejudique camadas sociais que dependem de combustíveis baratos. No caso brasileiro, ela ilustra também a dificuldade extrema de falar de redução de emissões no setor de transportes, em especial de cargas, que responde pela maior parte das emissões por queima de combustíveis fósseis no país.
8 – Desmatamento em alta
Cumprindo a tradição dos anos eleitorais, a taxa de desmatamento na Amazônia subiu 14% em 2018 em relação ao ano anterior. Os dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) foram divulgados pelo Ministério do Meio Ambiente sem alarde, numa tarde de sexta-feira, como convém às notícias que o governo não gosta de dar.Os números refletem uma antiga tradição amazônica: em ano de eleição, os poderes locais tendem a estimular os criminosos ambientais (quando não são eles próprios) a invadir terras e derrubar a mata, com expectativa de anistia futura caso fulano e sicrano sejam eleitos ou reeleitos. As polícias militares, por sua vez, mostram-se menos dispostas a colaborar com o Ibama nas operações de fiscalização.
Neste ano, há indícios de que um outro elemento eleitoral também operou: a expectativa da eleição de Jair Bolsonaro, que nos últimos anos vinha rodando a Amazônia prometendo acabar com o Ibama, sustar para sempre a demarcação de terras indígenas e facilitar a vida de quem desmata. Um levantamento publicado após e eleição pelo jornal O Estado de S.Paulo mostrou que há bons indícios de que Bolsonaro foi ouvido nos Estados do Norte: os municípios que mais desmataram nos últimos 17 anos foram os que elegeram o capitão no primeiro turno.
E pode vir mais motosserra por aí. Em outubro, pesquisadores do Inpe e do IIASA, na Áustria, usaram um modelo computacional de dinâmica de uso da terra (o mesmo usado na construção da meta brasileira no Acordo de Paris) para estimar quanto corte raso ocorreria caso Bolsonaro cumprisse com louvor suas promessas de campanha e desmontasse a política de combate ao desmatamento. A conclusão foi que o desmatamento triplicaria: as forças de mercado têm demanda para 25 mil quilômetros quadrados de devastação ao ano, com emissões correspondentes de 3 bilhões de toneladas de CO2 equivalente. É bom já ir se acostumando.
9 – Novos olhares sobre as florestas
Se por um lado a vontade política de controlar o desmatamento pode estar indo para o brejo, por outro as ferramentas de que o poder público dispõe para realizar esse controle estão cada vez mais sofisticadas – diferentemente do que tem afirmado o ministro-condenado Ricardo Salles, segundo o qual “não há como saber se o desmatamento é legal ou ilegal”.Em junho, o Ministério do Meio Ambiente divulgou os dados do Prodes Cerrado, o sistema do Inpe que agora passou a informar a taxa de desmatamento no segundo maior bioma do Brasil com periodicidade anual, como ocorre na Amazônia. O Prodes mostrou um aumento de 10% (de 6.800 km2 para 7.500 mil km2) entre 2016 e 2017. Em 2018, já durante a COP24, o governo divulgou a estimativa para este ano, que é de uma queda de 11% (para 6.600 km2).
Na antevéspera do Natal, o Ibama anunciou uma parceria com a rede MapBiomas, da qual o OC faz parte, para o lançamento de um novo sistema de alertas de desmatamento. Batizado MapBiomas Alertas, o sistema usará dados de monitoramento de várias instituições, cobrindo todos os biomas brasileiros, e cruzará essas informações com imagens de satélite de alta resolução. O resultado é uma fotografia do desmate, que será cruzada com o Cadastro Ambiental Rural e o histórico da área nos últimos seis anos, para verificar se o desmatamento é legal ou ilegal e multar o infrator sem a necessidade de checagem em campo. O MapBiomas Alertas funcionará como os radares fotográficos de trânsito, que permitem às autoridades mandar as multas pelo correio. Resta saber se o governo brasileiro terá interesse em utilizar a ferramenta.
10 – Petróleo na foz do Amazonas: acesso negado
Em 2018, o mesmo governo brasileiro que deu centenas de bilhões de reais em subsídios à indústria do petróleo até 2040 foi capaz de um ato de bom senso explícito: a presidente do Ibama, Suely Araújo, negou a licença à petroleira francesa Total para explorar óleo na foz do Amazonas, onde recentemente foi descoberto um banco de corais gigantesco. A Total recorreu e, mais uma vez, a licença foi negada. Segundo as análises técnicas do Ibama, a empresa foi incapaz de apresentar um plano de emergência convincente para conter eventuais vazamentos – mesmo após cinco versões do EIA, o estudo de impacto ambiental do empreendimento. Além disso, a existência dos recifes, ainda largamente desconhecidos da ciência, estava sob ameaça pelo empreendimento. Por fim, estudos indicaram que um eventual vazamento contaminaria, além da costa do Amapá, o litoral da Guiana Francesa, e não há acordo bilateral entre Brasil e França para lidar com esse tipo de problema.
A França recentemente aboliu a produção de petróleo em seu território, preparando-se para a transição para energias limpas. A última coisa que os contribuintes franceses desejariam seria uma empresa francesa explorando fora do país e contaminando o litoral da Guiana.
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